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CABEÇADA– Mais vale sentil-a sem a trazer do que trazel-a sem a sentir.

CABELLEIRA– Illusão… para quem a traz.

CABELLO– Uma canção saudosa, cantada em côro por todos os calvos.

CABRESTO– Leme que governa á prôa. Nem sempre se põe a quem mais precisa d'elle.

CAÇA– A mais procurada é a dos grandes empregos; sobretudo da especie sinecura.

CACETADA– Um dos modos de exprimir o pensamento.

CACETE– Uma idéa… politica.

CACHORRO– Expressão affectuosa, no nosso tempo.

CADUCIDADE– Infancia sem mãe nem mama.

CAHOS– Olhae á roda de vós.

CAÍM– Primeiro exemplo de fraternidade, e segunda victoria do mal contra o bem. Desde então teem sido tantos os casos, que já se perdeu a conta d'elles.

CAÍR– Emprestar a caloteiros.

CALÇADO– Flagello que se impõe aos selvagens, a pretexto de os civilisar.

CALLO– Perdão, minhas senhoras! É com o mais profundo respeito, e por interesse vosso, que vos aconselho a não coxear. Não ha paixão que lhe resista. Um pé pequeno é bello. Não deixeis suspeitar que elle se parece com um banco de ostras. Cautela com a baixa-mar! Não consintaes sequer que o vosso King Charles vos veja tirar as meias. O diabo ás vezes arma-as!

CALOTE– Ferida ruim.

CALOTEIRO– Ente feliz, que achou quem lhe fiasse.

CALUMNIA– Nodoa, que se chega á pelle nunca mais se tira.

CALUMNIADOR– Sujeito que atira pedras a uma sombra, e consegue por vezes acertar-lhe.

CALVA– Solidão melancolica.

– Terreno esterilisado pelos annos.

– Arvore, d'onde cairam as ultimas folhas.

– Pedra tumular, em cuja superficie pallida e lustrosa se reflecte a morte… dos cabellos.

CALVO– Audacioso, que ainda falla verdade… com a cabeça.

CAMELLO– O mais injuriado dos animaes. Até confundem certos homens com elle!

CAMISA– Uma convenção social.

CAMISEIRO– Aio da pudicicia.

CANADA– Uma das nossas glorias passadas, que o litro assassinou.

CANALHA– Tomado á franceza, é gallicismo; porém a abundancia de genero nacionalisou-o.

CANÇÃO– O chiar lyrico da frigideira, onde bailam as pescadinhas de rabo na bôca.

CANDIDATO (A DEPUTADO) – Projecto de caustico no paiz.

CANEIRO– O cocyto de Alcantara. Desemboca no Phlegetonte, vulgo Tejo, que é outro lameiro pestilento, nas praias de Lisboa.

CANGA– Benção matrimonial.

CANNA (DA INDIA) – Materia prima das azas de pau.

CANNIBAL– Grande mamador da teta do orçamento.

CANO (DE DESPEJO) – Fornecedor dos cemiterios de Lisboa.

– Um socio da medicina.

CANONISAR– Fingir que se abre aos outros uma porta de que não se tem a chave.

CANTO– A alma buscando outra patria.

CANTORA (CELEBRE) – Prodigio de aluguel.

– Escandalo ambulante, á moda Patti.

CAPACHO– Limpa-botas, que ss. ex.as elevam às vezes até á altura de poder limpar tambem as algibeiras á mãe patria.

CAPADO– Mortal do genero neutro.

CARA– Desconfiae das taboletas.

CARACOL– Coração de mulher leviana. Por mais que se lhe corte a cabeça, revive sempre, e apega-se a todas as plantas.

CARACTER– Torneira que só quando serve se vê se está rota.

CARANGUEJO– Exemplificação dos nossos systemas de viação accelerada. Isto é: progresso do retrocesso, segundo a feliz expressão de um sabio frade bernardo.

CARAPUÇA– Barrete que se põe dando urros intimos.

CARESTIA– Synonymo de subsistência, em Lisboa.

– Doença que não convem curar para não offender Nosso Senhor Monopolio.

CARICATURA– O retrato dos nossos amigos.

CARIDADE– Virtude, que deixa de o ser quando se mostra.

– Flor do céu, desabrochando no coração humano.

CARNAVAL– Tempo em que toda a gente finge doudejar, para fazer suppor que é séria no resto do anno.

– Sujidade que se cobre com cinza.

CARRUAGEM– Desespero dos que andam a pé, e que se não lembram que as suas pernas não correm risco de tomar o freio nos dentes, como as parelhas dos trens.

CARTA (AMOROSA) – Folha da arvore do amor. Amarellece com o casamento.

CARTAZ– Programma de governo. Diz sempre a mesma cousa, e nem sequer os que o fazem acreditam n'elle.

CASADO– Boi de canga.

CASADOS– A ostra e a perola.

CASAMENTO– Prisão cellular perpetua.

CASAR– Bolo de amor, que todos querem comer, salvo os que teem medo de indigestões.

CASPA– A fina flor mais palpitante2 da actualidade, que orna as cabeças modernas. Substitue quasi as idéas e os cabellos.

CATAVENTO– Pára-raios politico.

– Um gastronomo philosopho. Acha todas as comidas boas, e só exige que outros as paguem por elle.

CAVALLEIRO (FIDALGO) – Pessoa que, em geral, não usa cavallo.

CELEBRIDADES– Pessoas a quem a fama põe chocalhos, ás vezes muito bem merecidos, mas muito mal postos.

CENSURA– Unico prazer dos deuses… invejosos.

CEPA– Tronco genealogico do fidalgo que mais alegra a gente.

CHAPÉU (DE CHUVA) – Symbolo da amisade. Falha-vos sempre em occasiões de tormenta.

CHARUTO– Uma ladroeira e um envenenamento.

– Arte de aniquilar mais depressa a especie humana.

– A mais estupida de todas as distracções.

– Prova mais generalisada da tolice humana.

CHEFE– Ha muitos, de familia, que antes quereriam ser chefes de ladrões.

CHEIRO– Guai de quem aspira o de Lisboa!

CHICANA– Papel de apanhar moscas, já muito servido.

CHICOTE– A unanimidade de opiniões vae tornando o seu uso inutil. Cada vez ha mais quem precise e menos quem dê. Pois é pena!

CHIMPANZÉ– Animal que póde intentar ao homem processo de contrafeição.

CHISPE– Uma invenção dos grellos de nabo, para se tornarem mais amados e mais caros.

CHORO– Carimbo que a dor nos põe amiudadas vezes, para que não passemos por falsos infelizes.

– Carantonha da alma.

– Armadilha de apanhar mama.

CHUMAÇO– Segredo que convem não devassar, sob pena de tristes desapontamentos.

CINTRA– A mais má lingua que eu tenho conhecido, dizia, com assás de indelicadeza, fallando da gente e da terra: – «É uma cabeça formosissima, coberta de piolhos!»

CITAÇÃO (HISTÓRICA) – Bordão de cego.

– (JUDICIAL) Cabresto posto ao homem para o levar onde elle não quer ir.

– (LATINA) Condecoração do espirito.

CIVILIDADE– Archaismo.

CIVILISAÇÃO– Luz que quanto mais intensa mais vicia e devora os pulmões das cidades.

– Graxa de lustro dada nos povos. Quanto maior e mais repetida for a dóse, mais depressa se estraga o cabedal.

CIVILISADO– Traste polido de que convem desconfiar. O polimento encobre muitas mazellas, e até, ás vezes, madeira podre.

CHLOROPHORMIO– Amigo que mata.

COELHO– Ingenuo dos matos.

COICE– A idéa em acção.

COLERA– Nuvens agglomeradas, que podem produzir chuva de sangue.

COLICA– Cousa que dá na gente em dia de letra vencida, não havendo dinheiro em caixa.

COLLEGA– Amigo de Peniche. Por causa d'elle, convem jantar na gaveta.

COLLEGIO– Machina de estragar creanças.

COMMERCIO– Compra e venda, em que raro não é lograda uma das partes.

COMPANHIA– Especie de jacaré voracissimo; ás vezes devora os proprios filhos.

– D'antes dizia-se francamente «quadrilha». Hoje, pelas naturaes evoluções da lingua, e pela suavidade dos costumes, chama-se-lhe cortezmente «seguro de vidas», á maneira de certo paiz que nos ama.

COMPRAR– Verbo activo em tempo de eleições.

CONCUSSÃO– Emolumento de certos magistrados.

CONDECORAÇÃO– Penduricalho que os homens põem ao peito, para que os tomem a serio.

CONFEITEIRO– Perverso, que expõe bonitas goloseimas á nossa vista, e pede dinheiro por ellas.

– O unico productor que não tem direito de se azedar, se quizer vender doce.

CONFESSOR– Vasculho de varrer consciencias.

– Saca-rolhas celeste.

CONFISSÃO– Lavatorio das almas.

– Contrato em que uma das partes despeja sobre a outra as sujidades intimas, e lhe compra a bemaventurança por meio tostão.

CONSCIENCIA– Importuna, a quem muitos voltam as costas.

CONSIDERAÇÃO– Singular cousa! Não se dá senão a quem a tem!

CONSOLAÇÃO– Cataplasma que se põe na dor alheia. Ha muito quem se engane com as farinhas, e applique a de mostarda em logar da de linhaça.

CONSULTA (MEDICA) – Tres contra um! É impossivel escapar.

CONSUMIDOR– Ovelha infeliz, a quem todos cardam, até quando ella não tem lã!

CONTINUO– Y de secretaria.

CONVALESCENÇA– Lua de mel da saude.

COPISTA– Espelho que felizmente não reflecte.

COPO– Perdição de muita gente boa.

CORAÇÃO– Cavallo que quando nos leva por bom caminho nos faz apanhar coices dos outros.

– Cabide de pendurar affectos.

CORAL– Planta que, depois de colhida, se rega com oiro.

CORRUPTO– Homem que se põe a par do goraz condemnado na Ribeira Nova, mas que não tem o mesmo destino, infelizmente!

CORTADOR– Membro da sociedade de liquidação social, quando tira modestamente cem grammas em cada peso.

CÔRTES– Inferno dos ministros, que são ali atormentados pelos que pretendem ser grandes diabos como elles.

COSTELLA– Mãe do genero humano. Eu amo as de vitella, assadas na grelha; mas não me opponho a que o leitor ou a leitora prefira as de carneiro.

COSTUMES– Façam idéa! As elegantes que no ultimo outomno se refrescavam nas praias de Mattosinhos, estabeleceram um premio para o tiro aos pombos! Era uma medalha: de oiro, tendo de um lado uma corôa de louro (!) e a seguinte inscripção: —Premio das Senhoras.– No reverso dizia: —Tiro aos pombos no hippodromo de Mattosinhos, outubro de 18773. – Não se dizia se tambem ellas atiravam, mas facilmente se calcula o que a sociedade tem a esperar d'essas passadas, presentes ou futuras mães de familia. Quando as pombas se fazem milhafres é porque já não podem ser nada melhor. Ai de vós, gaviões de frak e chapéu alto da sociedade protectora dos animaes! D'esta vez podeis gritar: «Aqui d'el-rei!» – As matronas do hippodromo são capazes de vos trucidar, e a nós todos tambem.

COVARDIA– N'outro tempo davam-se dois pontapés em quem a tinha; hoje, todos os covardes são valentes… comedores.

COVEIRO– O mais lugubre dos semeadores. Nunca germina a semente que elle deita á terra.

– Encarregado de esconder os segredos do boticario e as asneiras do medico.

CRANEO– Gaveta das idéas.

CREAÇÃO– Gallinhas… e tudo mais, incluindo as grandes obras dos genios demolidores.

CREADO– Pessoa a quem pagâmos para que diga mal de nós.

– O mais proximo dos nossos inimigos.

– Doença interna.

CREANÇA– Flor da humanidade. É livrar que n'ella pouse insecto venenoso, porque lhe converterá o bom e franco riso da innocencia em tregeitos ferozes de maldade e de hypocrisia.

– Phosphoro que ha de produzir incendios.

CREANCICE– Ensaio para a maroteira.

2

Deixem passar o gallicismo.

3

Diario Illustrado de 17 de outubro do mesmo anno.

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