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II
ОглавлениеA estrada que partindo de Albergaria para o nascente se interna nas serras, segue paralellamente á ribeira que vem de Alcofa, ao lado de campos ferteis, copiosamente banhados pelas aguas da rega. O valle vae apertando e, passado um estreito em que os montes lateraes quasi se tocam, deixando apenas uma apertada passagem para o rio, a estrada bifurca-se; um dos ramos segue para a esquerda entre montes desertos, calcinados, de longe em longe marcados por oliveiras solitarias, com a vegetação rachitica dos terrenos calcareos que se esboroam em pó fino e branco. A breve distancia, a encosta começa a ser aspera, de todos os lados apparecem miserrimos campos fechados por muros de pedra solta; acima, n'uma quebrada, avistam-se os telhados da aldeia entre bastas ameixieiras e o olivedo já mais viçoso do que o deixamos em baixo. No latido dos cães e no cantar do gallo sentem-se uns prenuncios de vida, signaes de habitação humana com os seus guardas, as suas provisões e os seus pomares.
Essa aldeia é Villalva, um montão de casebres cortados de caminhos cheios de matto, de tojo, de urze e de carrasco, degráus informes dando accesso a casitas negras de fumo, cortelhos de magros porcos fossando na estrumeira. Á entrada, uma casa caiada, com tres pequenas janellas, uma escada ao lado, acompanhando a encosta, por detraz os curraes formando pateo; e por baixo, pelas frestas vedadas com um varão de ferro, espreitam palhas soltas e os cestos da vindima, advinha se o celleiro, a adega e o palheiro. Fôra ali, n'aquella aldeia e n'aquella casa, que nascera Claudio.
Os paes eram lavradores, tinham bons campos na varzêa, um vasto pinhal no Bunheiro, e bastas courellas dessiminadas nos montes onde colhiam o centeio, o vinho e o azeite. Os filhos foram poucos; dois morreram novos, n'uma epidemia de variola, uma filha, a mais velha, casara cedo com um lavrador da Alumieira, a poucos kilometros d'ali, e Claudio ficára só em casa, desde os sete annos.
Um tio que se ordenára e era abbade n'uma freguezia do Minho queria que elle fosse padre; escrevia ao irmão lembrando-lhe que era tempo de mandar o rapaz á escola, se queriam fazer d'elle alguma cousa, que pela sua parte estava prompto a ajudal-o, como elle bem o sabia, e que emfim não tinha outros parentes e o pouco que possuia havia de deixal-o aos seus. Precisava mesmo de tratar das suas ultimas disposições; já no inverno passado a gotta o tinha tido preso em casa mais de dois mezes e sentia-se muito fraco.
O pae hesitava. Era um homem austero que tinha feito da vida uma tarefa de trabalho. A pé desde o romper do dia, ao lado do unico creado que tinha, vigiando tudo, adeante do gado pelos ingremes atalhos da serra, nas veigas, em noites de estio, com agua até ao artelho, guiando as regas pelos milharaes, curvado, ceifando, sob o sol ardente, o seu corpo não tinha repouso. Pouco fallava; a mulher e os filhos respeitavam-n'o mas temiam-n'o, conheciam as suas duras reprimendas, se o creado tardou a fazer a cama ao gado, se a enxada ficou no campo e o milho mal coberto na eira.
Era para aquillo que ensinava o filho; muitos louvores déra a Deus quando elle nasceu por ter quem o ajudasse e continuasse o amanho do seu casal. Para que fazel-o padre? Tinha ali com que viver. Mas o Veiga, que fôra recebedor lá na terra em que estava o irmão e que o tratava como cliente abastado, tinha-lhe dito, quando elle foi pagar a decima, que o irmão estava muito rico. Era um unhas de fome, não gastava um real, sempre de tamancos, com meias de lã no inverno, e de verão nem meias trazia. Tudo para poupar!
E já outros lhe tinham dito a mesma cousa. Ao certo nada sabia, que o padre nunca lhe disséra quanto tinha; receiava que lhe pedissem alguma cousa. Só quando foi pelo casamento da sobrinha lhe mandou uma peça em ouro.
Seria tudo isso verdade? Tambem não queria privar o rapaz d'uma fortuna. Toda a vida tinha trabalhado para os filhos; se agora podia deixal-os ricos, era sua obrigação fazer deligencias para isso.
Entretanto Claudio frequentava a escola e, graças ás hesitações do pae sobre o seu destino, não lhe davam na lavoura serviço pesado; cuidava dos bois, se o creado trabalhava longe de casa, levava o jantar aos trabalhadores, se os havia de fóra, andava á tarde na apanha da azeitona. Era uma creança nutrida e forte, pacifica, as faces rosadas, cabellos e olhos castanhos, uma certa mansidão no olhar; parecia-se muito com a mãe que fôra sempre um modelo de paciencia. Aprendia mal, continuamente distraido, e associava-se pouco aos companheiros da escola; ao peão na barra, nas brigas e nas corridas ficava sempre vencido. O seu maior prazer estava n'um cantinho do quintal onde plantava flores que a mãe lhe pedia para pôr n'um vaso, no oratorio, aos pés d'um crucifixo. Vagueava pelo pateo, ora examinando os bois, ora afagando o cão, ora debruçado no muro a vêr as gallinhas que na rua apascentavam as ninhadas. O pae tinha-o em pouca conta.
—Nunca ha-de ser nada com aquella preguiça; comer, dormir e passeiar. O que elle quer é andar de mãos nos bolsos. Está mesmo bom para abbade.
—Ora deixa lá, respondia a mãe, Deus sabe o que elle será.
Essa sim, essa tivéra sempre grande inclinação para o filho, e muito mais agora que a rapariga se tinha casado e ficára só com elle. Ensinava-o a rezar, toda a doutrina christã, e repetia-lhe muito os mandamentos da lei de Deus e as bemaventuranças.
Bemaventurados os pobres d'espirito, e os que são mansos, e os que choram, e os misericordiosos, e os pacificos; é para elles o reino dos céos. Pintava-lhe as penas do inferno para os máus e a presença de Deus, na companhia dos anjos, para os bons. A creança não se cansava de interrogar. Como seria? Pelo seu espirito passavam sombras de terror quando o julgavam e lhe diziam:
—Isso é peccado.
Temia o inferno. Penas eternas! em lá caindo, era para sempre.
Os mendigos vinham á porta da cosinha, andrajosos, esfarrapados, calcando o matto fôfo e humido com o bordão a que tremulos se arrimavam. A mãe, para animar o filho na caridade, mandava-lhes por elle um pedaço de brôa.
—Seja pelo divino amor de Deus. Por alma de quem lá tem: Padre nosso que estaes nos céos...
O pequenito ouvia silencioso. Era bom; Deus ouvia tambem os mendigos e perdoava os peccados aos que tinham morrido e estavam nas penas do purgatorio.
Era preciso, dizia-lhe a mãe, rezar muito, e por muito que se rezasse nunca era o bastante para alcançar o perdão de todos os peccados; ficava-se sempre em divida. Scismava n'este mysterio.
A isto se reduzia a educação de Claudio, ás singelas lições do exemplo e aos piedosos conselhos da mãe quando á noite, findo o trabalho, emquanto não chegava a hora da ceia, se sentava com elle no chão, sobre a esteira, ao canto da sala, proximo do oratorio.
Decorreram dois annos n'este abandono. Ao fim, em agosto, veiu uma nova carta do Minho, decisiva. O abbade voltava a insistir na educação do sobrinho; as despezas eram por sua conta. Não se prendessem com isso. O seu amigo padre Netto ia passar as ferias ao Carregal, não tinham mais do que entregar-lhe o rapaz no primeiro de outubro, viria com elle para o collegio. Depois o abbade olharia pelos estudos.
O pae d'esta vez não hesitou. A carta era tão terminante que não podia deixar de fazer a vontade ao irmão sem o risco de perder toda a herança para os filhos. Sem demora, com a sua habitual firmeza, tratou do enxoval. Um dia, pela madrugada, metteu algum dinheiro no bolso e foi com a mulher e com o filho a Albergaria. Ahi tomaram a deligencia e seguiram para Coimbra. Por lá andaram algumas horas, de loja em loja, desconfiados dos preços, abrazados de calor, regateando e comprando os pannos, o chapeu, os sapatos, a gravata e a caixa de folha que havia de ser dentro de dois mezes a magra bagagem do bisonho estudante. Á tarde voltaram a Villalva.
Veio a costureira e o alfaiate. Queria-se tudo largo, muito largo, senão, elle era um latagão, d'aqui a pouco nada lhe servia, era um desperdicio. N'esse canto da sala, sobre a esteira, entre a janella e o oratorio, ali onde á tarde Claudio recebia as piedosas lições da mãe, o chão semeou se de linhas e de farrapos, de pedaços de panno orlados de grandes alinhavos, entre elles a pregadeira e a thesoura postas a um lado. Ia n'aquella casa, tão tranquilla, um bulicio desusado; a costureira cantava, rasgavam-se asperamente as peças de bretanha, e a mesa animava-se com o novo conviva, a rapariga que tagarellara todo o jantar, contando o que ia na villa e o muito que brincara quando fôra a Balmaes, á Senhora da Saude. Tinham andado toda a noite a dançar no jardim do sr. Cunha, um fidalgo que lhes mandara dar pão dôce e licores.
Claudio estava contente, tudo aquillo era para elle; a singela vaidade infantil alegrava-se com as parcas riquezas que aos seus olhos tamanhas pareciam.
O movimento foi baixando, as camisas juntaram-se dobradas sobre uma cadeira, a costureira não voltou, varreu-se a sala e o pequeno casal de Villalva caiu no seu habitual silencio.
O pequenito sentiu então o primeiro travo da saudade. Ia partir. Para onde? Os mestres eram tão maus... E os bois? e o seu cão? e as suas flôres? Iam talvez seccar. Só se fosse a mãe que as regasse para as pôr a Nosso Senhor. Já lh'o pedira e ella tinha-lh'o promettido.
O padre Netto mandara dizer que o rapaz devia estar no primeiro d'outubro, ás tres horas da madrugada, na estação do caminho de ferro, em Coimbra, para seguir com elle. Precisavam sair de Villalva á meia noite.
Depois da ceia começou a fazer-se a mala. Já estava tudo na sala, faltava arrumar a caixa. Claudio assistia e ajudava, allumiando com o candieiro na mão e ouvindo as recommendações da mãe. Iam duas andainas de roupa, mas a preta era só para os domingos, para ir á egreja, a alguma festa, ou para quando o sr. director mandasse; que visse bem, não se perdesse alguma coisa, tudo aquillo tinha custado muito dinheiro. Iam tambem uns sapatos pretos, só para trazer com a roupa melhor, não fosse estragal-os na brincadeira. Juntou-lhes ainda um rosario de contas de vidro branco e verde enfiadas n'um cordão vermelho, não se esquecesse de o resar todas as noites a Nossa Senhora, por alma dos avós e para que ella o ajudasse em todas as afflicções da sua vida e o defendesse das tentações do mundo.
A creança ouvia, promettendo fazer o que a mãe lhe ia pedindo. Cerca das onze horas, como já passasse muito da hora a que habitualmente se deitava, encostou-se sobre duas cadeiras e adormeceu, com a cabeça repousada sobre o braço. A noite começava a arrefecer. A mãe foi buscar um chale, abriu-o, afastou-lhe o braço e d'um casaco velho fez um travesseiro em que lhe pousou a cabeça. O pae estava dormindo na cosinha, não quizera deitar-se na cama; não valia a pena por tão pouco. E, n'este silencio que a fadiga trouxera, a mãe ficou só, velando, ajoelhada em oração perante o Christo, a rogar-lhe fervorosamente protecção para o filho.
Ao bater da meia noite foi accordar o marido, o filho e o creado que dormia em baixo, no palheiro.
As despedidas foram breves que nem o marido gostava de expansões nem o pequeno Claudio, tonto de somno, podia dar-lhes grande attenção.
A mãe acompanhou-os até á porta e logo os viu perderem-se na confusão da neblina mal illuminada pelo luar, ladeira abaixo, o pequenito pela mão do pae, atraz o creado, varapau ao hombro e sobre elle a caixa de folha, vibrando estridula e compassada. Ao fundo estava o carro. Claudio, mal elle partiu, adormeceu novamente. E assim foi, moido da jornada, accordando só por breves minutos se o chamavam, até ás alturas de Espinho.
Quando ali chegou, era madrugada; cedendo ao habito despertou. Onde estava? Que era feito dos doces ruidos de Villalva, da voz do pae marcando trabalho ao creado, dos passos da mãe na cosinha, abrindo a arca para levar o milho á creação? Tinha saudades, as lagrimas marejavam-lhe nos olhos, mas a novidade da payzagem e a vertigem do movimento distraiam-n'o e moderavam esta hora de angustia.
Estava ao pé do mar. Não o surprehendia, já o tinha visto na Figueira, quando lá fôra em romaria com a irmã, pelo S. João, no anno em que ella se casou; atraia-o esta vastidão inquieta que Deus creára e em que admirava o seu poder. Apearam-se em Villa Nova de Gaya e causou-lhe grande estranheza a ponte pensil; mas vira e não comprehendia como tinham lançado aquellas cordas de ferro, d'um ao outro lado do rio. As ruas e as praças do Porto pouco o impressionaram; eram semelhantes ao que havia em Coimbra, na Calçada, na Portagem e na feira de S. Bartholomeu. O padre Netto mostrava-lhe as estatuas, D. Pedro IV, D. Pedro V. Sabia quem eram? O mestre escola fallava d'elles, lá em Albergaria, mas era para os mais adiantados. D'uma só cousa os seus olhos não podiam desprender-se, cheios de pasmo e curiosidade: os bois. Estranhava-os muito, com os seus grandes cornos, em lyra, e as mãos tortas, quasi aleijadas, deformadas pelo trabalho violento na calçada. Eram feios; os d'elle eram mais bonitos, cornos curtos, pernaltos, aprumados e nédios.
Ao collegio devia chegar á noite, depois de cinco horas de carruagem. Iam continuar os aspectos novos que tanto captivavam a sua curiosidade de creança: Rio Tinto e os seus teares sem conta,—em Albergaria havia só um,—Vallongo e as pedreiras de lousa, e as vides a trepar pelas arvores e os valles estreitos e humidos com os seus altos milharaes. Oliveiras não havia. Com que se alumiavam? perguntava ao padre. O azeite vem de fóra, respondia. E aquillo o que é? dizia apontando uma construcção desconhecida, sobre quatro pilares de granito. É um espigueiro; guardam ali as espigas do milho até ficarem bem seccas e só depois é que o malham. Assim passou toda a tarde, interrogando, vendo, observando tudo o que se prendia com os seus habitos e com a propensão natural do seu espirito. O padre ia-lhe respondendo. Era um homem paciente e bom, muito habituado a creanças, sabendo conquistal-as.
Os primeiros dias do collegio foram maus, pouco de molde a apagar as saudades que Claudio tinha da casa. Os companheiros escarneciam-n'o ao vêl-o nos seus enormes sapatos, a roupa nova, angulosa e hirta, d'uma vastidão desproporcionada. Perguntaram-lhe quem era o pae.
—Meu pae, respondeu vaidoso, é o thesoureiro da junta de parochia.
Começaram a chamar-lhe o thesoureiro e Claudio, timido, vexado, sentiu-se só entre aquella multidão desconhecida. O isolamento em que vivera em Villalva, os aturados conselhos da mãe, ensinando-o cedo a distinguir entre o bem e o mal, o exemplo da austeridade do pae, mataram á nascença na sua alma todo o germen de expansão e de lucta, quebraram todas as forças animaes e deixaram o terreno varrido para n'elle se alastrar a dolorosa consciencia da obrigação.
Mandavam-n'o ali estudar; era preciso voltar a Villalva, exames feitos, coberto de louvores, sem uma falta. Temia a severidade do pae e temia ainda mais as lagrimas da mãe. O espirito da creança concentrou-se na sua tarefa; os mestres viram com admiração o estudo e a intelligencia do novo discipulo que vinha com fama de aprender mal.
O abbade, o tio, immundo e gordo, arfando de cansaço, vinha vêl-o algumas vezes e pagar as mezadas. Pouco fallava ao sobrinho.—Que era preciso estudar, eram as suas palavras quasi invariaveis. Pelo director sabia que ia bem e, como não tinha que reprehender, pouco fallava, porque, na sua opinião e na aridez do seu coração de celibatario, era preciso chamal-os ao respeito, não dar confiança a esses fedelhos.
Aos sabbados havia lição de doutrina christã. A primeira vez que Claudio foi interrogado, foi para elle um triumpho. Sabia tudo: os mandamentos da lei de Deus, os mandamentos da egreja, as bemaventuranças, as obras de misericordia, os peccados mortaes, tudo, tudo, até os inimigos da alma. Os camaradas ouviram-n'o com espanto e elle sentiu-se victorioso e contente. Havia de o contar á mãe; era uma boa nova a levar-lhe quando fosse a férias.
Um dia o padre Netto espraiou-se mais que de costume na lição; foi até fallar do inferno, dizendo que os doutores da Egreja ignoravam se era um logar em que se soffriam todos os tormentos e dores que o corpo póde soffrer, se um estado em que a alma andava errante, em continua agonia. Estranha revelação para Claudio, esta que para os seus camaradas passára incomprehendida! Ficou scismando. Vagamente percebia um céo e um inferno differentes d'aquelles com que a mãe o embalára. O theologo mostrava-lhe a dupla natureza do seu ser, sentia uma alma feliz ou torturada, mas inteiramente apartada do corpo. No seu espirito accumulavam-se os germens de meditação sobre a consciencia e o destino humano.
N'este mesmo anno levaram-n'o pela primeira vez á confissão. Foi um dia, que ficou memoravel na sua lembrança, assim como a inquietação que o precedeu. Quaes eram os seus peccados? Quantas pragas rogára? Tinha deixado alguma vez de estudar as lições por preguiça? Queria mal a alguem, aos professores ou aos camaradas? As duvidas traziam-n'o em sobresalto, porque era preciso dizer tudo para que a confissão fosse bem feita. Era preciso dizer tudo, e com sincero arrependimento e proposito de emenda.
Além d'isso,—suprema duvida,—era preciso arrepender-se pelo amor de Deus e não pelo temor das penas do inferno. Era realmente assim? Por esforço da vontade procurava obedecer ao amor de Deus, mas a sua consciencia infantil não podia alcançal-o. O temor do inferno predominava.
Fosse como fosse, o essencial era fazer a confissão completa e elle ia dizer todos os peccados de que se lembrasse.
O collegio ficava n'uma encosta; a egreja no valle, sobre a ribeira que o cortava. Descia-se rapidamente e seguia-se depois pelo valle acima, n'um caminho quasi plano, de grande lagedo de granito, orlado de carvalhos enfeitados de videiras; ao fim, um pequeno adro, a egreja e junto d'ella o cemiterio.
Ao romper do sol, o prefeito fez sair todos os que se iam confessar. Manhã de primavera, orvalhada, fresca, viçosa nos renovos do arvoredo; e Claudio opprimido, concentrado nas suas duvidas, sentia pela primeira vez bem nitidamente o divorcio entre a alma inquieta e a impassibilidade sorridente da natureza.
Com que delicia beberia o ar de manhã! Mas um demonio interior o suffocava. Começava a aprender o que era a vida humana.
Entraram na egreja, indo ajoelhar no altar do Santissimo; depois, levantaram-se e o prefeito mandou-os sentar n'um banco que ficava por baixo do pulpito.
O confessor era um só, o parocho. Um a um foram chamados os confessandos que, á maneira que voltavam, ajoelhavam rezando a penitencia. Claudio foi o ultimo. Rezou a confissão embaraçado e tremulo, mãos postas, cabeça curvada, os olhos fitos nos pés do confessor.
Começaram as perguntas, a seguir pelos mandamentos da lei de Deus e depois pelos mandamentos da egreja. A quantos tinha faltado? Mentia? Ah! n'este ponto tinha um peccado que fôra o seu primeiro grande remorso.
Um dia, um domingo, tinha chovido de manhã, e de tarde o prefeito mandou-os vestir para sairem; estava uma tarde calma, o ar carregado, os caminhos cobertos de lama. Claudio vestiu o fato preto e calçou os sapatos novos para se mostrar aos companheiros em trajos ricos.
—Para que anda o menino a estragar esse fato? perguntou o prefeito.
—Tinha frio, respondeu Claudio.
Mentira; não era frio, era vaidade. O remorso ia ficar-lhe de lembrança. Para o futuro seria mais corajoso.
O padre, um velhito, magro e bondoso, vendo o mundo já da beira do tumulo, sorriu com sympathia á pureza da creança, não quiz ouvir mais, mandou-lhe dizer o acto de contricção e absolveu-o.
A natureza sorria tambem nos gorgeios das aves que esvoaçavam fóra, no cemiterio, e nos suaves raios do sol da manhã que pela estreita fresta da sachristia alumiavam docemente a pobreza dos gavetões carcomidos em que o padre guardava o calice, a alva e as vestes.
Claudio veiu ouvir a missa e saiu da egreja contente. Sentia-se bem, a consciencia e a virtude tinham vencido todas as duvidas; pela primeira vez experimentava a grandeza d'um dramatico triumpho intimo.
Com excepção d'estes breves incidentes, que jámais se apagariam da sua memoria, a vida do collegio foi para elle monotona e triste; timido no recreio, vivendo pouco intimamente com os companheiros, todo se entregava ao estudo. Os mestres estimavam-n'o. Um d'elles ficára pasmado do modo porque Claudio lêra um longo trecho de Garrett contando a pobreza de Camões. Não se conteve que não exclamasse:
—Muito bem! Torna a lêr para estes meninos ouvirem. Impressionava-o a emoção com que a creança lia e que provinha d'uma penetrante comprehensão das dôres que o poeta cantava.
No fim do anno eram os exames, em Braga, onde os pobres rapazes iam arrebanhados, pallidos, enfermos de desconforto, afflicções e receios. D'ahi dispersavam em férias, cada um para a sua aldeia.
Claudio veiu em companhia do padre Netto que em Coimbra o entregou ao pae a quem chamou de parte para lhe dar informações do filho. Ia muito bem; muito applicado e muito socegado; fizera só instrucção primaria e portuguez, mas no anno seguinte devia fazer exame de francez, de desenho e até talvez de geometria. O abbade estava satisfeito; já lhe tinha dito que se o rapaz assim continuasse, o melhor era mandal o para a Universidade. Sempre era outra cousa, outra posição, para que servia ser padre sabia-o elle, por mal dos seus peccados. Isto tudo aqui para nós, concluia; não se lhe póde dizer nada. Se a gente vae a gabal-os, fazem-se tolos e ninguem os atura.
O pae levou Claudio para Villalva. No caminho desceu um pouco da sua habitual frieza, perguntando ao filho o que fazia no collegio, se gostava d'isto, se não gostava d'aquillo, quantos eram os mestres e se lhe tinham dado muitas palmatoadas. Começava a respeital-o; o que o padre dissera, incendiava-o em ambições. Formado e com a fortuna do tio, a advogar, mandaria em Albergaria; via-o já presidente da camara, talvez deputado. O filho do Antonio Simões, de Barreiros, não era mais do que elle e estava em Lisboa nas côrtes, um fidalgo. Pois algumas vezes lhe tinha emprestado ás tres e quatro moedas para mandar a mezada ao rapaz! Agora era elle que mandava dinheiro ao pae; ainda ha poucos dias déra mais de sessenta moedas pelo Cerrado de Baixo, na Cruz das Almas.
Os primeiros dias de férias passados em Villalva foram uma festa para Claudio. Veiu a irmã e ella juntamente com a mãe, ambas contentes e orgulhosas, pedia-lhe a narração do que se passava no collegio, como era a jornada, os exames, o Porto, a cidade de Braga e o Bom Jesus do Monte. Quem lhes dera poder ir lá! Claudio, por seu lado, sentia uma nova atmosphera; ainda ha um anno esquecido, quasi abandonado, via-se agora cercado de attenções que eram novas para elle. Convertera-se n'uma esperança de riqueza e de poderio, lisongeava a ambição do pae, a vaidade da irmã e a piedade da mãe que tudo attribuia ás suas orações, ás esmolas que dava e á recompensa divina. O filho ouvia-a; com ella cria tambem que toda a sua sorte vinha da vontade de Deus, mas a edade e a alegria de voltar ao seu casal não o deixavam prender-se muito a esses pensamentos. Os seus cuidados eram a admiração das flôres que deixára plantadas, os gados, os campos e as colheitas. A sua vida consubstanciara-se cedo com a d'esse mundo natural que era o companheiro inseparavel da sua alma e do seu corpo.
Uma tarde, em setembro, a mãe começou a sentir uma pequena dôr no ventre. Foi continuando no trabalho, arrumando a cosinha e preparando a ceia, mas as dores repetiam-se cada vez mais frequentes e agudas; seguiam-se uns ligeiros suores e, depois d'uns instantes de abatimento, parecia-lhe que ia adormecer, concebia uma vaga esperança de cura. Eram simples remitencias; o mal estava apenas incipiente. N'uma crise, a mais violenta, chamou o filho:
—Claudio, estou muito mal. Tenho uma dôr aqui, e punha a mão sobre o ventre. Valha-me Nossa Senhora! Se eu désse um passeio, talvez me passasse.
Foram para o quintal e lá se arrastou pelo carreiro junto ao muro. Poucos passos deu. A dôr voltava, ella encostada ás arvores esperava que abrandasse para dar alguns passos. Por fim, não poude mais; veiu para a sua alcova. Era quasi noite e o marido recolhia.
—Não te quiz mandar chamar, disse-lhe, para te não tirar do trabalho... Ha duas horas que não páro... Não sei o que isto é... E torcia-se angustiada, os olhos cavados, as faces desfiguradas.
Mandaram chamar o medico.
—Era melhor chamar o padre, dizia ella; e a Maria, a filha. Mas não... a esta hora... coitada... ficam lá os pequenitos sós... ai! meu Deus... eu morro... morro... Estorcia-se, desgrenhada, os olhos em alvo, os braços nús, punhos cerrados.
Veiu o medico e receitou. Emquanto o creado corria á botica, preparavam um banho. Tudo faltava, agua e banheira. A confusão era extrema; a dôr não abrandava. Só cerca das dez horas chegaram os primeiros medicamentos.
Bateram onze horas. O mal não declinava. O pae de Claudio estava aterrado.
—Isto não melhora, dizia para o medico, fitando-o com olhos interrogadores e anciosos.
—Espere, espere... por emquanto ainda não é tarde. Então?! Não me esteja a desanimar. Parece que nunca viu ninguem com uma colica. Pois olhe que eu não tenho visto poucas e até hoje, graças a Deus, ainda nenhum doente me morreu d'isso.
Claudio fugira para longe; chorava mas não queria que o vissem chorar, temia o pae que por certo não deixaria de o reprehender pelas suas pieguices, como elle lhe chamava. Queria rezar. O oratorio era na sala e estava lá o medico. Abriu a porta de mansinho, atravessou o pateo e, seguindo o carreiro onde á tarde estivera com a mãe, foi ajoelhar-se lá no extremo, debaixo d'uma oliveira. A noite estava serena: o luar cobria os montes de que vinham as exhalações quentes que succedem ás calmas do estio. Ajoelhado, de mãos postas, fitando os astros, via a face da Virgem, sentada no seu throno de gloria, entre nuvens douradas. Orava e ella via-o:—Ave Maria, cheia de graça... Respondia-lhe um olhar de doçura e esperança. Quando voltou a casa, finda a oração, a mãe dormia extenuada e pallida.
Accordou á uma hora da noite. Ainda ali estava o medico.
—Então?! Está melhor? perguntou-lhe.
—Agora estou bem, graças a Deus. Muito cansada.
A fé de Claudio tinha n'este momento confirmação plena; no seu coração estavam lançadas sementes que o tempo podia transformar, mas nunca anniquilar.
Estes dois mezes de férias em Villalva foram para Claudio um começo de revelação consciente da felicidade d'aquelles logares. Ao chegar a noite da partida, não poude, como da primeira vez, vêr distrahidamente os cuidados da mãe e adormecer; foi uma noite de lagrimas e de saudade confessada. Ainda tres dias depois, no collegio, a um canto da sala de estudo, tinha uma nova crise de lagrimas. Um dos mestres passou n'esse momento. Vendo-o a chorar e adivinhando o que se passava no espirito da creança, disse-lhe compassivamente:
—Deixe os livros, deixe os livros, vá brincar.
As saudades não turvavam porém a applicação do collegial. Pelo contrario, o desejo de voltar a Villalva triumphante, como no primeiro anno, a alegria dos paes e os carinhos que d'ahi vinham e de que a sua alma era tão avida, constituiam uma ambição sempre presente á sua lembrança e que o mantinha invariavelmente no mesmo caminho. Durante seis annos, que tantos foram os que consumiu n'estes estudos preparatorios, a sua vida manteve-se n'uma linha ininterrupta de respeito, de obediencia, de concentração, d'estudo e de fé. Se lhe fosse possivel fazer parar ali o desenvolvimento do seu espirito, teria ficado um alto exemplo de caracter e de firmeza. Mas outros destinos e outras amarguras lhe estavam reservados.
Aos desesseis annos matriculou-se na Universidade. O pae queria vel-o advogado; Claudio, como de costume, ia fazer-lhe a vontade.
A entrada na Universidade não desvanecia, antes accentuava, os caracteres da sua alma anteriormente adquiridos. Semelhantemente ao que lhe acontecera quando entrou no collegio, sentia-se por timidez e por natural pendor alheio a esta turba multa que o rodeiava, alegre, buliçosa, fremente de actividade e de pujança; a primeira e a nova situação eram rigorosamente parallelas, áparte um estado de consciencia agora mais determinado e em breve na sua plenitude. O mundo era para Claudio uma obrigação pesada e instante: alegrias, expansões sadias do naturalismo juvenil, tudo devia ser pautado e regrado pelo dever immanente. Desgraçado! Mal sabia elle a que abysmo corria.
No inverno immediato á sua entrada na Universidade, deu-se um acontecimento que havia de ter na sua vida as mais profundas consequencias. Morreu o abbade e instituiu-o universal herdeiro.
Deixava a quinta da Nogueira, propriedade afamada, inscripções e numerosas dividas activas, ao todo uns bons quarenta contos de réis, conforme o pae de Claudio lhe mandou dizer. Fôra elle que cuidára do inventario e liquidação da herança, visto que o filho era menor ainda, mas contrariado porque, dizia, estava habituado a cuidar os seus bens, não sabia cuidar de bens alheios, nunca fôra procurador. No fundo, não podia fugir a um vago ciume e inveja por se sentir, por aquelle lado, em grande inferioridade relativamente ao filho. Demais, sempre esperára que o irmão, embora muito inclinado ao sobrinho, o deixasse ao menos usufructuario; não podia tolerar sem tentações de revolta esta condição d'um subordinado que sabia que em breve seria independente de qualquer auctoridade. Por isso, quando Claudio veio passar o natal a Villalva, o pae, que desde a morte do tio nunca mais o vira porque evitava a occasião de o encontrar, addiando um momento que lhe era desagradavel, disse-lhe seccamente:
—Teu tio deixou-te tudo. Ora tu tens dezesseis annos e a lei dá-me o direito de administrar o que é teu até á tua maioridade; mas a minha tenção é emancipar-te aos dezoito annos. Se queres, toma já conta do que é teu; para mim é um descanço. Sabes muito bem o que tens a fazer, já não és nenhuma creança.
Vingava-se, desprezando o que a fortuna lhe negára.
Não o comprehendeu assim Claudio, na sua simplicidade; tomando por generosidade e desinteresse o despeito do pae, commovido, pediu-lhe para que continuasse a cuidar dos bens da herança. Nada queria senão a mezada que já tinha; vivia satisfeito.
O pae recusava, mas os rogos e as instancias acabaram por convencel-o. Cedeu, talvez contente; julgava o filho humilhado e a humilhação pagava-lhe em grande parte o despeito de não ter sido herdeiro.
Não obstante as circumstancias muito particulares em que Claudio ficava vivendo, em completa e espontanea dependencia do pae, a herança que acabava de receber tinha, desde já, na sua vida a mais poderosa influencia. Affastava de vez todas as preoccupações de ordem material, garantia-lhe de futuro uma riqueza que era de sobra para os seus modestos habitos; a salutar necessidade de ganhar pelo seu braço e pelo seu engenho o pão de cada dia ser-lhe-ia desconhecida.
A sua carreira estava traçada pelas condições particulares da existencia que agora se reuniam ás lições que aprendera no regaço da mãe. A vida era uma obrigação de fazer bem. Simplesmente restava determinar o que era o bem.
Nas poucas relações que em Coimbra creára, veio encontrar uma atmosphera absolutamente differente da que deixára no collegio.
Deus não existia, era uma invenção do mêdo, conservada pelos reis e pelos padres que especulavam com a crendice popular. Onde estavam as provas da sua existencia?
O positivismo, unica sã philosophia, mandava que só na observação e na experiencia nos fiassemos. Só o que d'ahi vinha era certo, o resto ficava ao sabor de cada um. Não era pois verdade o que os padres e a mãe lhe tinham ensinado.
Deixou-se levar n'esta nova corrente. Obedecendo a uma sêde interior de verdade, ouvia e meditava o que os camaradas estudiosos lhe diziam e lia com avidez as obras que elles lhe indicavam.
De lições escolares pouco cuidava, que os lentes eram uns velhos estupidos e ignorantes, do novo methodo nada sabiam. Buchner, Spenser, Comte, Littré, Darwin, Taine e Haeckel, esses eram verdadeiros mestres. Era lêl-os, estudal-os, e ficava-se senhor de toda a verdade. A «Historia da creação», de Ernesto Haeckel, foi para Claudio uma revelação. Estudou-a, linha a linha, em frigidas noites de inverno, debruçado sobre a banca de cerejeira, mettido em cobertores de papa, á luz frouxa do candieiro d'azeite.
Começava a comprehender o novo mundo: a creação foi uma fabula que a ignorancia inventou, os seres transformavam-se, e a pedra, a rosa, a salamandra e o homem eram formas d'uma mesma actividade, producto apenas de leis constantes e universaes; no mundo tudo é rigorosamente derivado d'um estado anterior, a flôr é uma folha que se transforma. Por conseguinte, o que é bem e o que é mal? Tudo é relativo, diziam os novos evangelhos, não ha bem nem mal, o assassino e o santo são dois productos naturaes do mesmo quilate.
Era n'esta crença que aos dezoito annos Claudio regressava a Villalva, satisfeito com os progressos do seu espirito, occultando porém á mãe o seu modo de pensar, resolvido a supportar a sua religião. No fundo, não tinha mudado; só uma ingenuidade infantil lhe fazia crêr que estava regenerado e lhe deixava passar ignorada a contradição interior. Não só todo o seu trabalho provinha d'uma ambição de verdade que não aprendera nos livros que estudava mas que tinha sido previamente lançada no seu coração pelo amor e pela piedade maternal, mas ainda todos os actos da sua vida lhe negavam as affirmações do espirito.
Não o via; o desenvolvimento da consciencia não era ainda sufficiente para lh'o revelar. Sem embargo, a contradição era completa.
Que o digam os seus primeiros amores que foram d'esse tempo.
Á tarde, Claudio descia de Villalva; vinha á botica da villa, em frente da praça, ouvir os ociosos que por alli paravam e ensinar-lhes politica. Que eram o Fontes e o Braamcamp? Idiotas! Sabiam porventura alguma cousa?! Nem sequer conheciam os grandes livros modernos em que se aprendia a sciencia social.
O administrador escandalisava-se com a petulancia do rapaz.
—Era para isto, dizia, que os mandavam a Coimbra e que o pae e o tio tinham andado toda a vida a trabalhar. Se elles lhe tivessem mettido uma enxada nas mãos, seria bem melhor.
Claudio ouvia as reflexões do administrador que só confirmavam a sua vaidade. Uns estupidos, uns brutos! Elle é que sabia.
Foi n'uma d'essas tardes, emquanto passeava d'um ao outro extremo da sala, em frente do boticario a jogar as damas com o recebedor, que, n'um momento em que assomou á porta, viu passar uma rapariga loira, alta, reforçada e agil, cantaro á cabeça, a caminho da fonte.
—Quem é? perguntou ao boticario. Que linda cousa!
—É a Conceição, filha do Manuel da Aveleda. Olhe, cuide-me d'aquillo, cuide-me d'aquillo que está no seu tempo, accrescentou o boticario. A minha pena é não lhe poder ser bom.
E distraidamente fez avançar a sua «dama».
Claudio ficára profundamente impressionado com a graça e a meiguice da rapariga, um modelo de mocidade e de doçura. Nos dias seguintes, vinha, como de costume, á botica, e ao entardecer não tirava os olhos da estrada, do lado de Villar, onde ella morava.
Ella passava sempre, ora só, sizuda e apressada, ora com as companheiras, rindo e parando a cada passo.
Já tinha percebido que o estudante a fitava; uma vez mesmo, ao voltar a esquina, para assegurar o seu juizo, olhára para traz. Não se enganava: elle lá estava, á porta, fitando-a sempre. Chegára até a dizel-o a uma das companheiras.
—Vês aquelle rapaz, o filho do José Portugal, de Villalva? disse-lhe. Quando eu passo, olha muito para mim.
—É bem rico, quem dera! respondeu a companheira.
Calaram-se. A Conceição não adiantou conversa, um pouco arrependida da indiscrição. Gostava d'elle, e, se ia só, ao passar em frente da botica, punha os olhos no chão e os passos embaraçavam-se-lhe.
Por seu lado, Claudio soffria o mesmo embaraço. Que fazer? Seguil-a? Mas ella não olhava para elle; a imaginação representava-lhe a resposta avessa com que seria repellido e o golpe que o seu coração soffreria. Depois, seria uma troça do boticario, do administrador, do escrivão... e elle gostava d'ella, não podia consentir gracejos sobre uma cousa em que o seu coração era parte. Escrever-lhe? Responderia ella? Estavamos no mesmo caso. Ia rir-se com as companheiras e d'ahi a dois dias andaria a carta em todas as mãos. Ainda era peior do que fallar-lhe.
Uma vez chegou a trazer a melhor rosa que encontrou no jardim para lh'a offerecer. Em logar de ir á botica, passearia e encontral a-ia em baixo, fóra da villa; ahi ninguem o via, o caminho é deserto, e fosse o que fosse poderia fallar-lhe sem maior perigo.
Foi. Na sua impaciencia, saiu cedo. Quando chegou á fonte, ainda não era sol posto. Começou a subir a encosta que liga a fonte com a villa; onde o caminho é menos devassado, n'uma curva, sentou-se sobre um muro, esperando a Conceição. O coração batia-lhe ancioso; pela imaginação passavam-lhe mil devaneios. Com que palavras começaria? Estava quasi arrependido. Para que se mettia elle n'aquellas cousas? Fugiria? Tambem não, era fraqueza. N'isto, n'esta oscillação entre o amor e a timidez, a Conceição appareceu com as companheiras habituaes Não lhe podia fallar. Para Claudio era um allivio, libertava o d'uma situação afflictiva. Levantou-se e dirigiu-se á botica.
—Muito tarde, hoje, sr. Claudio, disse o boticario.
—Demorei-me um pouco, respondeu laconicamente.
Ainda bem, pensou, que a penumbra da baiuca encobria o rubor que lhe viera á face quando o boticario lhe fallou.
Não tardou porém que os seus desejos fossem satisfeitos. Uma tarde demorou-se na botica e, ao voltar a casa, fez caminho por Villar.
Em boa hora!
A Conceição passava, atravessando a rua para casa d'uma visinha.
—Muito boa noite, meu amor.
—Muito boa noite, sr. Claudio.
—Por aqui, sem medo, a estas horas?
—Ninguem me rouba.
E a conversa continuou ligeira e alegre.
D'ali por deante já Claudio não receiava dirigir-se-lhe, estava certo do amor da Conceição. Dentro em pouco havia hora aprazada para se encontrarem.
Esses amores duraram dois annos e foram castos e puros. A Conceição era para Claudio um culto; tocar-lhe era maculal-a, era destruir o que n'ella havia de sagrado, a melhor fonte d'amor. As suas cartas respiram a mais estremada candura. De Coimbra escrevia-lhe:
Querida Conceição
Escrevo-te hoje para te mostrar toda a tristeza em que tenho andado. Desde que vim, nunca mais tive alegria, nem a terei emquanto não voltar para ao pé de ti.
Por muito que procure distrahir-me, trago sempre comigo a mágoa de não te vêr. Só para o natal ahi voltarei. Terei paciencia que outro remedio não tenho.
Queria ter ao menos a alegria de te fallar um instante mas isso não póde acontecer. Tu nunca aqui vens e eu não posso sair d'aqui.
Lembro-me de que estou longe de ti e a tristeza não me deixa, porque te adoro de todo o meu coração e serei até á morte
o teu
Claudio
Não podia supportar esta singeleza o rapaz de vinte annos, que do materialismo positivista tinha passado ao naturalismo na litteratura e lia agora Zola, deliciando-se no exame das baixezas humanas, sem attentar no que ellas encerram de grandioso e dramatico, ainda mesmo nos seus aspectos infimos.
O falso conhecimento das sciencias naturaes, consideradas superficialmente, junto ao vigor, nunca isento de brutalidade, de gente moça, haviam necessariamente de dar em resultado o desprezo da castidade e da pureza que d'ora em diante passariam a cognominar-se ridiculo sentimentalismo.
Por outro lado, a forma impressa na infancia á sua alma permanecia e permaneceria como o verdadeiro fundamento da sua natureza; a piedade christã, embora sob aspectos differentes, seria sempre uma fonte abundante e inexgotavel de idealismo.
Claudio não attingia a contradição intima entre a sua alma e as doutrinas aprendidas nos livros e nas palestras com os camaradas da universidade. Não eram as mulheres simples objectos de amor sensual atravez do qual a natureza assegurava a conservação e a propagação da especie? Fóra d'isso, tudo era doença, romantismo archaico ou timidez pueril.
E todavia não supportava sem um fremito de repulsão a lembrança de que a sua amada, um anjo que a aureola dos anjos envolvia, havia de desfazer em brutal sensualidade a frescura do seu rosto semi-divino e o meigo riso, irisiado de cores mimosas, que desabrochava nos seus labios como a rosa entre o orvalho da manhã.
Ignorava a contradição, parecia-lhe apenas inconstancia, que não desejava e queria todos os dias a mesma cousa; tomava estas fluctuações á conta de fraqueza do proprio animo.
Por fim, resolveu acabar com uma situação aos seus olhos ridiculamente inconfessavel. O que?! Amar uma mulher só para lhe dizer palavras doces, olhar para ella, contar-lhe o que se fazia em Villalva, ouvir a que horas ella ia á fonte e a que horas lavava a roupa?! Não era um homem! Não se atrevia a ir mais adeante, não queria tomar as responsabilidades do descredito d'uma rapariga? Por si não se importava com essas pieguices da aldeia, mas a mãe com certeza não gostava, iria magoar-se com o seu proceder. Elle tambem... não gostava; repugnava-lhe, embora as doutrinas que aprendera em Coimbra lh'o admittissem. Precisava fallar com franqueza á Conceição.
Uma manhã, em que ella tinha de vir a Alcofa, foi encontral-a na estrada e conversaram de pé, á sombra d'uma oliveira.
Eram oito horas; dos montes requeimados reflectia se um sol penetrante, na atmosphera quieta das varzeas o arvoredo esperava sequioso que a briza do norte viesse beijal o, um calmo torpôr invadia toda a natureza.
Claudio sentia-se mal, sentia-se fraco; talvez d'aquelle calor, pensava, mas na realidade a agonia vinha-lhe do coração, da vaga consciencia de que ia quebrar uma urna de affectos limpidos e sãos cujos pedaços jámais poderia soldar e cujo licor sagrado para sempre se perderia no pó em que tão impensadamente o derramava.
Aquelle momento havia de lembrar-lhe, muitos annos depois, com um arrependimento lancinante quasi com remorso.
A Conceição veio alegre e risonha, como de costume, entregue sem reserva á alegria de vêr o seu Claudio; elle opprimido.
Com um miraculoso poder de sympathia que tudo adivinha, a Conceição perguntou-lhe immediatamente:
—O que tem? Vem hoje tão triste!
—Tenho a dizer-te uma cousa que te vae fazer chorar, mas é preciso que t'a diga. Isto não póde continuar, disse Claudio brutalmente. Olha, Conceição, meu pae nunca consentiria que nos casassemos e então para que hei-de enganar-te? Hei-de ser sempre teu amigo, mas por isso mesmo não quero prejudicar a tua felicidade. Não te faltam bons casamentos, pódes ser ainda muito feliz. O mal é para mim que vou perder-te.
A Conceição chorava de dôr e de surpreza; nada sabia dizer.
Se era por ella ter feito algum mal, que lh'o dissesse, que não podia ser senão intriga; que só pelo amor que lhe tinha lhe custava deixal-o...
Claudio porém insistiu no proposito de terminarem as suas relações e apartaram-se, ella banhada em lagrimas, elle cruelmente alliviado por se libertar d'uma situação que começava a pesar-lhe.
No fim d'um anno a Conceição casava com um carpinteiro. Passa ás vezes na villa, o cesto á cabeça, quando leva o jantar ao marido, o farto collo a entrevêr-se pelo chambre desabotoado no pescoço para respirar na pesada atmosphera do estio. Claudio via-a, contente por se convencer de que os amores idyllicos não tinham sido estorvo á sua felicidade. Um dia a veria com saudades da ventura que perdera!
N'estes errores do espirito se consumiram os cinco annos que Claudio passou em Coimbra; ao fim d'elles era necessario voltar a Villalva.
O problema da sua existencia apresentava-se-lhe cada vez mais urgente, cada vez mais confuso, a alma dilacerada entre os impulsos mysticos que vinham da sua primeira infancia, as instigações do espirito inquieto por uma sciencia estreita e incompleta e vagos ardores de mocidade que o aconselhavam a calcar sciencia e mysticismo e entregar-se sem reserva ás expansões do instincto. Que fazer?
Poucos mezes depois de regressar a casa, vieram o administrador do concelho, o reitor do Ervedal, o prior de Villar, o regedor do Sabugal e o Rodrigues, grande influente nas freguezias da serra, convidal-o para a presidencia da camara.
Diziam-lhe que a eleição era segura, por esse lado nada tinha a receiar, ninguem lh'a disputava, mas, quando a disputassem, estava alli força sufficiente para a vencer, pois que os homens que alli via representavam mais de dois terços da votação de todo o concelho.
Tambem não faziam questão de lista, elle escolheria os collegas que quizesse; o que desejavam era um homem sério e capaz, porque não imaginava o que ia na camara. Uma ladroeira! Traziam toda a sorte de vadios a receber por conta do cofre municipal e até se dizia que o presidente estava alcançado.
—Dizia! Era certo, accrescentava o reitor do Ervedal. Ainda ha pouco, quando foi obrigado a entrar com a receita da viação, teve de pedir oitocentos mil reis ao José Maria, das Aranhas, e hypothecou-lhe a terra da Preza.
Claudio defendia-se; que estava muito novo, queria estudar e não se mettia em politica. Tudo intrigas, tudo dissabores!
—Não era politica, replicavam-lhe, era um serviço que prestava ao concelho. Visse o que o pae tinha feito na junta de parochia. Nas obras do cemiterio deixava tudo para estar ao romper do dia ao pé dos trabalhadores. Poupou muito dinheiro á freguezia com o seu zelo e a sua economia, e prejudicando-se porque para isso tinha de deixar a sua vida. Agora elle que era um rapaz formado e rico!... Até o entretinha! Que fazia alli, sempre agarrado aos livros?...
Depois... precisava pensar, em tres dias responderia definitivamente,—foi a evasiva com que Claudio se libertou dos seus interlocutores que começavam a fatigal-o com rogos e instancias.
Ao fechar a porta, recolheu murmurando:
—Pois sim! Contem com isso, não me faltava mais nada do que metter-me n'essa vinagreira.
O seu proposito de recusa era formal, mas temia o desgosto do pae que adivinhava de opinião differente. Só perante este queria desculpar-se, porque para os outros a resposta estava feita.
Consultou-o. Com grande surpreza sua viu que não o animava. Que não se illudisse, dizia-lhe, já sabia muito bem o que era tudo aquilo. Todos os que alli vieram tinham as suas pretensões; não o queriam na camara senão para as satisfazer. Bem se importavam elles com as cousas do concelho! Cada um cuidava de si, da sua fonte e da sua estrada. Quando esteve na junta, o Mattos, da Azenha, ficou de mal com elle porque não lhe mandou compôr o caminho do Freixial. Queria que lhe fizessem estradas para as suas quintas e não se importavam de mais nada! Tambem lhe não aconselhava que recusasse; um homem precisa servir para alguma cousa. Mas se imaginava que nos cargos publicos havia só honra e gloria, estava muito enganado; trabalhos e desgostos é que lá encontraria.
No fundo desejava que o filho acceitasse, considerava como um triumpho para a sua vida a situação de Claudio; mas já velho, conhecendo o mundo e amando o filho, invadia-o o desprendimento das vaidades e o egoismo do repouso, não se atrevia a aconselhar uma vida de inquietações.
Claudio, percebendo a hesitação do pae, recusou, e este, quando mais tarde foi prevenido pela mulher da resolução do filho, respondeu:
—Não está para os aturar. Faz muito bem. Tem que comer e quer viver descansado.
Não passavam porém sem deixar vestigios estes incidentes. Que fazer? que fazer? Não era a vida qualquer cousa que elle tinha obrigação de aproveitar em beneficio dos outros?
Toda a hypothese de solução, ainda que ephemera, fazia reviver o problema. Bastava uma proposta dos politicos da villa para que comsigo trouxesse longas meditações sobre a escolha entre uma vida d'acção e uma vida de estudo e meditação.
Os dias corriam longos entre o fastio dos livros, por uns vagos desejos da acção, e o desgosto da acção, por uma interior necessidade de recolhimento. Amores não os havia profundos, que este estado tudo turvava e embaraçava, só a duvida imperava dissolvendo e quebrando toda a energia e todo o movimento salutar e espontaneo.
Necessariamente haveria remedio para esta situação.
Era preciso procural-o no estudo, deveria estar n'esses montões de livros que se lhe accumulavam sobre a mesa.
O melhor era estudar, mas d'esta vez com methodo e conforme os bons principios, que nem os padres nem os lentes da Universidade lhe tinham dado instrucção aproveitavel. Começava-se pela mathematica e seguia-se pela physica, pela chimica, pelas sciencias naturaes, a terminar na historia, nas sciencias sociaes, nas bellas artes e na litteratura.
Quando tivesse levado a cabo esta empreza, então poderia fazer alguma cousa com plena consciencia.
E a pequena sala de Villalva encheu se de estantes de livros, de retortas e de apparelhos estranhos que a rude gente da aldeia olhava com curiosidade e desconfiança.
Não podiam porém varrer-se n'um dia os velhos habitos, mórmente no proprio local em que se tinham creado; não podia supportar o estudo aturado aquelle que fôra educado na liberdade dos campos e nos prazeres da vida rustica.
Claudio sentia-se fraco, incapaz de levar a cabo a sua empreza com a tenacidade que ella, no seu entender, reclamava; aborrecia-se do estudo, a cada passo trocava a leitura dos livros de chimica por um romance ou por um trecho poetico, vinha á botica saber dos namoros das raparigas e dispendia longas horas em um novo jardim que fizera no cerrado, á entrada da aldeia, onde o pae cavára uma cisterna e tinha a eira e os abrunheiros. Era quasi um escandalo. Que rapaz aquelle! Não fazia nada, ninguem sabia o que elle queria, alli mettido com os livros.
O regedor passou uma tarde de maio em que Claudio com uma thesoura limpava as roseiras dos pedunculos das flores desfolhadas.
—Tenha v. ex.a muito boa tarde, disse-lhe.
—Ora viva o sr. regedor! Então como vae?
—Obrigado, como velho.
—Por aqui está a passar um bocado de tempo?
—É verdade.
—Tambem não sei que gosto é este. Ainda se fossem cousas que déssem fructo... mas a modo que não vejo por aqui senão estas ameixieiras.
—Eu gosto d'isto, respondeu Claudio já com certo fastio da conversa.
O regedor fez uma pausa e, bem ruminado o pensamento, exclamou:
—E a respeito de advogar, nada?!...
Foi a voz do povo, toda a aldeia assim pensava; não comprehendia aquelle viver mysterioso, aquella inercia, aquella ausencia de vulgares ambições mundanas.
O pae de Claudio tambem não estava contente, sonhára o filho dominador e poderoso, e via-o recolhido, calado, indifferente.
—Elle lá sabe! pensava comsigo.
Os camaradas de Claudio que tinha conhecido quando ia a Coimbra levar-lhe a mezada, diziam que elle era muito intelligente. E depois era rico, podia fazer o que quizesse...
Não queria metter-se em politica? Talvez fizesse bem. Para que? Para lhe gastarem dinheiro e no fim dizerem mal d'elle. Lembrava-se do que passára na junta de parochia, das ingratidões e desgostos que soffrêra.
—Elle lá sabe, elle lá sabe...
Era assim que concluia sempre as suas reflexões, continuando no trabalho como se não fosse rico, tal qual nos tempos em que todas as suas ambições se limitavam a ter mais uma junta de gado.
Demais, sentia-se muito cansado para vêr sem indifferença as cousas d'este mundo. A cada instante, nas palestras em que ficava ao domingo depois da missa, no adro da egreja, com os magnates da freguezia que o ouviam como a homem de muito juizo, dizia:
—Estou com os pés para a cóva.
—Ora deixe lá, está novo ainda para gosar esta vida. Os filhos ricos, agora é que é viver!
—Eu cá me sinto, respondia.
E ficava a scismar n'um abatimento, n'uma fadiga que o opprimia e que tinha como prenuncio de curta duração.
Não se enganava. No mesmo anno em que Claudio viera de Coimbra, o pae soffreu um ataque de grippe. Tinha ficado muito fraco; durante muitos dias arrastou-se pela lareira e pela sala, quasi sempre sentado, somnolento, caindo bastas vezes em prostração. O medico vinha vel-o, desconfiando d'aquella moleza, e um dia em que elle se queixou de que os pés lhe inchavam, auscultou-o.
—Ha alguma novidade? perguntou-lhe Claudio que o acompanhou até á porta do pateo.
—Parece haver ali qualquer embaraço de circulação, respondeu o medico com um gesto de descontentamento.
O velho ao fim d'um mez parecia restabelecido, sómente um pouco mais lento no trabalho. Esta fraqueza, esta fraqueza... Isto vae mal, dizia ás vezes. Mas a continuação dos seus lamentos sem symptoma de molestia notavel acabou por convencer a familia de que não havia perigo imminente. Assim se passaram cerca de dois annos depois do ataque de grippe em que o medico confessára as primeiras suspeitas.
Uma tarde, ao recolher a casa, disse á mulher:
—Andei a podar as pereiras e vi geitos de lá ficar. Deu-me uma tontura que, se não me encosto a uma arvore, caia. Isto vae mal!...
Mas a mulher não deu grande importancia ao succedido. Seria fraqueza. Elle tambem não comia nada... disse-lhe. Sempre aquelle fastio... Era preciso chamar o medico a ver se lhe receitava alguma coisa que lhe désse apetite.
Alguns dias depois, já quasi esquecido aquelle breve incidente, o pae de Claudio deitou-se á hora habitual e adormeceu. O filho estava ainda para a villa, a mulher ficára a costurar e o creado preparava as estacas para a vinha. Estavam em fevereiro, as noites eram longas, ainda se fazia serão. De repente, da alcova em que o velho dormia, veio esta voz angustiada: