Читать книгу Sumalee - Javier Salazar Calle - Страница 15
ОглавлениеCingapura 7
Quando cheguei em casa, Dámaso e Josele correram para me perguntar sobre o encontro. Nos sentamos na sala e eu contei o que tínhamos feito, onde tínhamos ido e, principalmente, o que aconteceu no final, na praia. Os dois ficaram pensando um momento. Josele foi o primeiro a falar.
— Com certeza é uma paranoia sua. Ela só está querendo ir mais devagar.
— Não sei, Josele. Você não estava lá. Foi algo mais. No momento, parecia que íamos continuar nos beijando, até que algo passou pela cabeça dela e a fez recuar. Tenho certeza de que ela queria, mas não consigo pensar no que poderia a ter feito parar. Talvez tenha algum tipo de doença contagiosa. Não sei o que pensar.
— Para, burro! Certeza que é algo muito mais simples. As coisas costumam ser mais simples do que achamos, é a gente que complica tudo. Provavelmente tem a ver com o que dizem os costumes do país dela ou algo assim.
— Estou com Josele — afirmou Dámaso. — Combine de se encontrar com ela na semana que vem e veja como a coisas acontecem.
— Espero que tenham razão. Eu a conheço há apenas dois dias, mas essa garota tem algo de especial que me deixa louco.
— Olha lá, você está se apaixonando — disse Josele.
— Quanta bobagem! Como posso estar me apaixonando se a conheci ontem? A única coisa que eu queria era uma garota para passar o tempo.
— Você é quem está dizendo — respondeu Josele. — Na primeira noite, nada de nada, ontem um beijinho e hoje ela está fazendo sua cabeça… Amigo, você tem um problema.
— Sim, eu sei o que é — sussurrou Dámaso, com ironia. — Eu também prestei atenção quando você nos apresentou ela ontem… Ela tem uns argumentos muito convincentes — disse, caindo na risada.
— Como você é besta!
Nós três rimos muito. Um pouco de bobagem não me caía nada mal. É verdade que era uma garota linda e com um corpo incrível. É claro que isso foi a primeira coisa que me chamou atenção quando a vi no bar. Mas, conforme falava com ela no sábado durante a festa, fui percebendo quase com certeza que era ainda mais bonita por dentro do que por fora, e que podia me acrescentar muito. Eu me escutava dizendo essas tolices e ria pensando que não poderia ter me apaixonado em apenas dois dias. Provavelmente era pelo estado de ânimo tão baixo que tinha trazido da Espanha pelo fim do meu último relacionamento. Dámaso me surpreendeu logo com a história de uma garota de Cingapura com quem Josele tinha se envolvido.
— E vai ficar com ela? — perguntei.
— Com ela? Não só não tenho o telefone dela, como também não sei como se chama. Com esses nomes tão diferentes… — Josele não parava de rir.
Voltamos a rir com vontade. Josele era um Casanova incurável. Dámaso não desprezava uma boa oportunidade se cruzava com uma, mas o atraía mais a festa, todos os esportes em que pudesse apostar, bronzear-se e o golfe.
Fui para a cama cedo porque o dia seguinte era segunda e tinha que trabalhar, mas não conseguir pegar no sono a noite toda. Revirava na cama olhando para o celular para ver se ela me mandava uma mensagem ou pensando se eu deveria escrever algo para ela. Acabei não fazendo isso porque não queria incomodá-la, mas vontade não faltou.
Quando chegou a hora de me levantar, tinha dormido apenas algumas horas em curtos períodos. Cada vez que acordava, olhava rapidamente para o celular para ver se tinha alguma novidade. Tentei me convencer de que não era para tanto, mas não tinha jeito. Fomos para o escritório e tomamos café da manhã na cantina com Diego, Tere, Jérôme e uma garota chinesa muito tímida de Pequim chamada Aileen Meng. Desde que soube que Diego e Tere estavam juntos, não conseguia olhar da mesma forma para eles. Agora tudo pareciam gestos de cumplicidade entre eles. Não podia evitar sorrir quando os via juntos. Inveja, talvez.
Jérôme e Diego contavam uma história que parecia ser muito divertida pela forma como todos riam, sobre a cara que fez um turista norte-americano quando deram uma multa de mil dólares a ele por mascar chiclete. Em Cingapura, o chiclete estava banido. O homem tentou discutir com o policial sobre o sentido da exclusão nomeando as liberdades individuais e um monte de ideias mais típicas de filmes que da realidade de Cingapura. Eu me esforçava para esboçar um sorriso quando notava que os demais também faziam isso, mas estava muito distraído. No fim, me pareceu que já era uma boa hora para falar com Sumalee. Me afastei um pouco dos outros e escrevi uma mensagem a ela, que respondeu quase imediatamente.
— Bom dia.
— Olá!
— Posso ligar para você?
— Sim, claro.
Saí da cantina e liguei para ela enquanto dava uma volta pelos corredores.
— Como vai?
— Bem, e você?
— Muito cansado, não pude dormir muito.
— E… por que?
— Pensando sobre ontem.
— Foi legal, não foi?
— Sim, foi ótimo, mas você me deixou um pouco confuso.
— Por que?
Era o momento da verdade. Meu lema nesses casos era que a sinceridade leva você para onde deve estar ou para onde acabará indo, portanto, quanto antes, melhor. Com todas as consequências.
— Não sei. Eu gostei de beijá-la, tinha muita vontade de fazer isso. Mas depois você me deu a sensação de que algo a deteve. Talvez eu tenha me precipitado e não deveria ter me lançado tão depressa. Nos conhecemos há apenas dois dias…
— Não, não, não. Eu gostei.
— Então por que essa cara de repente?
— Por nada… Estava cansada e estava ficando muito tarde para conseguirmos sair do parque com luz. Só isso.
— Tem certeza? Sumalee, não quero pressioná-la. Podemos ir no ritmo que quiser, mas preciso que seja sincera. Odeio mentira, para o bem e para o mal.
Durante um momento, ela não disse nada. A espera estava me deixando louco.
— Sumalee?
— Sim, sim. De verdade, não era nada. Gostei do beijo. Foi um dia muito divertido e com um final muito especial.
— Eu também gostei muito. De tudo, quer dizer. Não só do beijo. O mercado, a comida, que estava deliciosa no restaurante da sua amiga, Kai-Mook, e o passeio de bicicleta pelo parque… e o beijo, claro. Essa foi a melhor parte. O que acha de nos encontrarmos de novo?
― Claro! — disse, com a voz jovial que tanto gostava de ouvir. — Mas antes de quarta-feira, não posso. Tenho muito trabalho.
— Até quarta-feira! Tudo bem, tudo bem. Tentarei aguentar até lá. Se quiser, posso te convidar para jantar.
— Me parece uma boa ideia. Onde?
— Bom, digo a você amanhã ou na quarta de manhã. Tenho que encontrar um lugar bonito à altura do restaurante da sua amiga.
— Justo. Vamos nos falando. Preciso ir, estão chegando clientes na agência. Um beijo.
— Outro.
Ouvi o som do beijo pelo telefone. Ainda que fosse virtual, também foi muito bom. Não sabia muito bem que conclusão tirar da conversa, porque no começo parecia reservada e prudente, mas depois voltou a ser a Sumalee risonha. No fim, a pessoa acredita no que quer. Guardei o celular no bolso e me dirigi para minha mesa com um sorriso de orelha a orelha torcendo para que o tempo passasse o quanto antes para que eu pudesse vê-la na quarta-feira. Quando contei a meus colegas de apartamento sobre a conversa, eles comemoraram por confirmar que não era nada e Josele tomou para si a tarefa de procurar um restaurante diferente para poder levá-la.
O dia passou voando. Eu me sentia como se estivesse flutuando em uma nuvem. Toda vez que fechava os olhos, lembrava do beijo e revivia o suave toque de seus lábios entre os meus. Minha pele se arrepiava só de pensar.
Jérôme, Dámaso e outros colegas iam beber alguma coisa na saída do trabalho. Como não tinha muito mais o que fazer, fui com eles. Fomos a um pub que parecia mais um de qualquer esquina de Londres, com a diferença de que a metade da clientela era de origem asiática. E que a bebida era caríssima. Muita gente fazia um “esquenta” antes, que era legal, e faziam isso principalmente em algumas pontes que ligam a área Clark Quay, região de caminhada por excelência para os turistas, ou iam a um hawker para comprar baldes de cerveja Tiger. Em seguida, iam para as discotecas com o álcool no corpo, como eu fazia em Madri quando era mais jovem. Em nosso caso, que não pagávamos pela moradia, dinheiro não era um problema.
Depois, organizamos um campeonato de bilhar e dardos que me manteve entretido até ir para casa. Ali, assaltei um pouco a geladeira e fui para a cama cedo. Sem ter dormido na noite anterior e com tanta festa, meu corpo se vacilava de vez em quando. Um pouco antes de me preparar para dormir, escrevi para Sumalee para desejar boa noite. Ela me mandou um desenho de uma menina oriental mandando um beijo que me fez sentir euforia e calor por dentro e eu retornei com outro igual. Naquela noite, dormi como um bebê.
No dia seguinte, levantei cheio de energia. Fomos para o trabalho, mas desci vários pontos antes do nosso. Eu queria me movimentar um pouco. Precisava. Além disso, assim poderia ver um pouco mais da cidade. A rua estava cheia de ocidentais que estavam indo trabalhar. Isso não era de se estranhar, levando em conta que 40% da população de Cingapura era formada por expatriados.
Passei o dia trabalhando sem parar e arrastando pelo andar com minha energia o pobre Jérôme, que não tinha ido dormir tão cedo quanto eu e estava com ressaca. Quando terminou o dia, eu ainda estava hiperativo, mas não convencia ninguém a fazer algo interessante, a não ser Dámaso a jogar tênis, então fomos para nossa casa e ficamos mais de uma hora correndo pelas pistas. Dámaso me deu uma surra, mas não me importei. A única coisa que eu precisava era gastar um pouco do excesso de energia. Ele, por sua vez, ficou me lembrando por vários dias, arrependendo-se de não ter apostado antes de começar.
Um colega norte-americano, Sam, me aconselhou um lugar que me pareceu sensacional para meu encontro do dia com Sumalee. Solucionado o assunto do lugar, não tinha muito mais o que fazer, por isso, liguei para minha mãe, contei como tinham sido aqueles dias, sem dizer nada sobre Sumalee para que ela não começasse com um filme fantasioso de casamento e muitos netos. Depois, eu e meus colegas de apartamento passamos o resto da tarde jogando Texas hold'em na sala com Shen, um cingapurense muito simpático de origem chinesa que era nosso vizinho. Ali pude me desforrar da derrota no tênis e, de quebra, pagar parte do jantar do dia seguinte. Dámaso não levou muito bem, era muito competitivo. Não fazia outra coisa a não ser dizer que fazia semanas que estava com muita má sorte, mas não sabíamos do que ele estava falando porque era nossa primeira partida. No fim, ele pagou o que devia.
Queria escutar Sumalee antes de ir para a cama, então liguei para ela.
— Muito boa noite, Sumalee.
— Olá, Davichu!
— Como você disso? Não está nos livros.
— O que acha? Que não posso pesquisar por minha conta? — ela disse, fazendo cara de inocente. — Falei de você para uma colega portuguesa do trabalho que fala espanhol e morou muitos anos na Espanha.
— Ah, sim? E o que mais ela contou?
— Coisas sobre os espanhóis. Te conto quando nos virmos. Ela também me ensinou a dizer “oi” em espanhol: houla.
— Quase, quase — disse, sorrindo. — Diga para ela corrigir sua pronúncia e veremos se amanhã você já vai estar falando bem.
— Já sabe onde vai me levar?
— Sim. Não sei se você já foi lá, mas me pareceu um lugar muito original e me lembra meu país.
— Onde?
— É uma surpresa. Espero, pelo menos. Amanhã você saberá.
— Não me deixe assim! Dá uma diga pelo menos.
— Tudo bem. Você terá que ganhar sua comida.
— O que?
— Essa é a dica, linda. Se eu deixar muito fácil, estragará a surpresa.
— Tudo bem, tudo bem. Onde nos encontramos?
— O que acha da estação de metrô de Seng Kang, às 7:30 da noite?
— Tão ao norte? Você vai me matar de curiosidade, mas aguentarei até amanhã. Está bem para mim! Irei logo depois do trabalho.
— Eu também. Nos vemos amanhã então. Um beijo enorme.
— Um beijo, David.
Doces sonhos, Sumalee, pensei enquanto desligava o celular. Doces sonhos.