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Capítulo 2

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A situação era pior, muito pior do que achara, pensou Mateo, de pé junto da janela do que fora o escritório do pai. Quando chegara a Kallyria, reunira-se por separado com todos os ministros do seu gabinete e descobrira que o irmão Leo quase destruíra o país.

A economia, as relações internacionais e até a política interior tinham sofrido um declive tremendo. Tomara decisões imprudentes, revogara outras de forma descuidada, insultara vários líderes mundiais… a lista das suas gafes era interminável.

Afastou-se da janela e foi até à secretária. Embora o pai tivesse falecido há já seis anos, o escritório refletia mais a sua passagem por ali do que a do seu irmão Leo que, aparentemente, passara mais tempo a navegar no seu iate ou em Monte Carlo do que ali, a tratar dos assuntos do país.

De secretária, tirou a lista de possíveis candidatas que a mãe redigira e torceu o nariz ao pensar em como a tarefa de escolher uma esposa assim lhe parecia mercenária. Parecia-lhe incrível que, estando no século xxi e num país que se considerava progressista e aberto, tivesse de se casar com uma desconhecida.

– Terão tempo para se conhecer – declarara a mãe, naquela manhã, com um sorriso apaziguador.

– Suponho que sim. Embora também tenha de fazer com que fique grávida o mais depressa possível, não é? – replicara, com sarcasmo. – Um casamento com todos os ingredientes para acabar em desastre.

– Os casamentos por conveniência podem correr bem – afirmara a mãe.

Falava por experiência própria. O dela também fora um casamento por conveniência e ela esforçara-se para que funcionasse. O pai fora um homem generoso e carinhoso, mas também dado à raiva, bastante orgulhoso e, às vezes, difícil.

– Eu sei – concedera, cansado, passando uma mão pelo cabelo. Chegara às dez da noite e só dormira algumas horas.

– É amor que procuras? – perguntara a mãe. – A proximidade causa carinho.

– Não quero amor – declarara ele, pronunciando a palavra com desdém. – Já estive apaixonado e não tenho o mínimo desejo de voltar a passar por isso.

– Referes-te à Cressida – murmurara a mãe. – Isso foi há muito tempo, filho.

Mateo nunca falava dela. E tentava não pensar nela, na dor e na culpa que ainda sentia.

– Mas se tens tanta aversão ao amor – acrescentara a mãe –, eu diria que um casamento por conveniência é o melhor para ti.

Mateo sabia que tinha razão, mas resistia a admiti-lo.

– Quero alguém com quem consiga entender-me – explicara. – A mulher com quem me casar vai ser a minha consorte, ter os meus filhos e criá-los, vai ser a minha companheira em todos os sentidos… E não quero confiar esse papel a uma estranha, por muito ideal que pareça no papel.

– As candidatas dessa lista foram recomendadas por vários ministros do teu gabinete – replicara a mãe. – Não vais conseguir encontrar nenhum problema com elas, nem há razão para pensar que não vão cumprir as suas obrigações ou não ser merecedoras da tua confiança.

A última coisa que Mateo queria era uma mulher que só queria casar-se com ele porque ia ser rei, mas erguera os ombros com um suspiro e esticara o braço para aceitar a maldita lista.

– Vou estudá-la – prometera.

No entanto, nesse momento, várias horas depois, ainda não escolhera nenhuma das candidatas. Sentiu o seu telemóvel a vibrar no bolso das calças e, quando pegou nele e viu que era Rachel que ligava, não pôde evitar alegrar-se por voltar a ouvir uma voz amiga da sua antiga vida.

– Como estás? – perguntou Rachel. – Deixaste-me preocupada.

– Preocupada? Porquê?

– Foste-te embora de repente e disseste-me que se tratava de uma emergência familiar – esclareceu ela, exasperada. – Como podia não me preocupar?

– Desculpa, tens razão. Mas não tens de te preocupar. Já está tudo sob controlo.

– Ah, sim? – perguntou Rachel, esperançada. – Então… voltarás em breve?

– Não, receio que não. Deixei o meu lugar.

O gemido abafado dela comoveu-o, mas tinha a certeza de que sobreviveria sem ele. Encontraria outro colega para continuar a investigação. Talvez até conseguisse uma promoção no departamento.

– Mas… porquê? – perguntou ela, com suavidade. – O que está a acontecer, Mateo? Não podes contar-me?

Ele hesitou e, finalmente, respondeu:

– Tenho de tomar conta do negócio familiar. Era o meu irmão que estava a cargo, mas deixou-o de um modo… bom, bastante repentino.

Não se sentia pronto para lhe dizer a verdade: que era um príncipe e ia tornar-se rei de um país. Parecia ridículo, tirado de um filme pacóvio. Além disso, descobriria depressa. Apareceria na televisão e nos jornais e os rumores chegariam à pequena comunidade universitária.

– Não consigo acreditar – disse Rachel, muito devagar. – Não vais mesmo voltar?

– Não.

– E não há nada que possa fazer? Não poderia ajudar-te de algum modo para que…?

– Não, lamento – reiterou ele. Sentia-se mal por dizer aquilo, mas não podia mentir e não havia mais nada para dizer. – Adeus, Rachel – murmurou e desligou.

Rachel ficou a olhar para o seu telemóvel, atordoada. Não conseguia acreditar que Mateo desligara. Magoava-a que a tivesse abandonado dessa forma. De repente, sem saber porquê, deu por si a recordar o dia em que lho tinham apresentado. Mateo estava no terceiro ano e ela, no primeiro. Surpreendera-se com a atração forte que sentira por ele, apesar de estar claro que ele nunca repararia em alguém como ela, uma rapariga feia, um rato de biblioteca e rechonchuda.

E, embora Mateo tivesse uma mente brilhante, não encaixava no estereótipo do cérebro a que se ajustavam muitos dos seus colegas de turma. Não só era muito bonito, como também era encantador e tinha uma confiança avassaladora em si próprio.

– Rachel? És tu?

Ao ouvir a voz trémula da mãe, guardou o telemóvel no bolso e pôs um sorriso no seu rosto. A última coisa que queria era preocupá-la, embora fosse pouco provável que se apercebesse de alguma coisa.

Tinham-lhe diagnosticado Alzheimer há dois anos e o seu declive fora tão rápido que era desanimador. Há dezoito meses, Rachel levara-a para viver com ela no seu apartamento e custara-lhe a habituar-se a tê-la ali e às suas muitas necessidades. Sobretudo, era muito irónico que a mãe, que nunca lhe mostrara muito afeto, tal como o pai, dependesse dela agora.

Ouviu os passos da mãe pelo corredor, que se aproximava a arrastar os pés.

– Olá, mãe – cumprimentou, com um sorriso, quando a viu aparecer.

– Porque estavas a fazer tanto barulho? – perguntou, embora tivesse estado a falar num tom normal.

– Desculpa, estava a falar ao telefone.

– Com o teu pai? Vai voltar tarde outra vez?

O pai morrera há oito anos.

– Não, mãe, era um amigo – replicou. Claro que talvez já não pudesse chamar isso a Mateo. De facto, talvez nunca tivesse sido um amigo. – O que achas de ver um desses programas de televisão de que tanto gostas? – sugeriu. Segurou-lhe o braço e levou-a de volta ao quarto, onde pusera uma cama articulada e uma televisão. – Acho que, a esta hora, dá aquele programa de vendas, não é?

A mãe afeiçoara-se a esse tipo de programas, algo a que achava graça e que a entristecia ao mesmo tempo. Antes de adoecer, só via documentários científicos. Agora, adorava os programas de encontros e os reality shows.

A mãe deixou que a deitasse outra vez na cama, embora ainda parecesse irritada quando lhe pôs a manta por cima das pernas e ligou a televisão.

– Se quiseres, posso fazer-te uma sandes – propôs Rachel, para a apaziguar. – De queijo e marmelada? – Outro dos seus gostos novos e peculiares.

– Bom, está bem – acedeu a mãe, como se estivesse a fazer uma grande concessão.

A sós na cozinha enquanto fazia a sandes, Rachel não conseguia esquecer a conversa com Mateo. Ia ter muitas saudades. Talvez não devesse, mas sabia que seria assim. Já sentia a falta dele.

Ao deslizar o olhar pela cozinha pequena, com o barulho da televisão de fundo, apercebeu-se de que mal tinha vida. Para começar, quase nunca saía. Os poucos amigos que tinha eram casados, tinham filhos e era como se pertencessem a um universo diferente do dela, sempre ocupados. Convidavam-na de forma ocasional para jantar, por pena, e gabavam-se dos seus filhos à frente dela. E acabavam sempre por lhe perguntar se não queria que lhe procurassem um namorado.

A verdade era que, durante todos esses anos, a trabalhar com Mateo oito horas por dia no laboratório, nunca sentira a necessidade nem o desejo de sair mais, de ter uma vida social. Brincar com ele, o silêncio confortável entre eles, as suas discussões académicas no pub, beber uma cerveja… Isso fora mais do que suficiente para ela.

– Rachel, já fizeste a minha sandes? – chamou-a a mãe, do quarto.

Rachel suspirou e pegou no pão de forma.

– Estou a fazê-la, mãe!

Três dias depois

Chovia muito enquanto Rachel corria pela rua e, quando chegou ao seu prédio, estava encharcada. Continuava incomodada com a partida repentina de Mateo. Tentara animar-se, mas as coisas tinham-se tornado piores quando descobrira quem lhe tinham atribuído como novo colega de laboratório: um tipo enjoativo e machista.

Ainda bem que ainda tinha meia hora de paz e tranquilidade antes de a mãe voltar a casa, pensou, enquanto introduzia a chave na fechadura da porta do edifício. Durante a semana, a mãe ia para um centro de dia para pessoas com Alzheimer e demência senil. Um autocarro ia buscá-la todas as manhãs e trazia-a de volta à tarde.

Estava a empurrar a porta para entrar quando uma figura saiu do beco que levava ao pátio traseiro do bloco, onde estavam os contentores do lixo. Rachel deixou escapar um grito e arrancou a chave da fechadura, disposta a usá-la como arma, embora não lhe servisse de muito.

– Rachel, sou eu!

Ao ouvir essa voz profunda, o coração acelerou e deixou cair as chaves ao chão.

– Mateo…?

– Sim – assentiu ele, saindo das sombras e avançando para ela com um sorriso.

Rachel ficou a olhar para ele, atordoada e incapaz de dizer algo coerente. Só conseguia pensar que estava muito contente por o ver.

– O que estás a fazer aqui? – perguntou, finalmente.

Em vez de responder, Mateo disse:

– E se entrarmos? Acabaremos encharcados se continuarmos aqui, à chuva.

– Sim, claro – balbuciou ela.

Apanhou as chaves do chão e entraram no edifício. Depois de irem para o seu apartamento e de acender as luzes, Rachel pensou que Mateo devia achá-lo muito pequeno e sentiu vergonha ao olhar para os sutiãs que deixara a secar no aquecedor e na torrada meio comida que deixara na mesinha, junto de um romance com uma ilustração erótica na capa.

Virou-se bruscamente, rogando para que não reparasse em nada daquilo, e voltou a perguntar:

– Porque vieste?

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