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Capítulo 1

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Pensava dizer-lho essa noite.

As palavras estavam claras na cabeça de Cesare. Tinha tomado uma resolução após muito tempo: seis longos anos. Demasiado tempo. A espera acabara com a sua paciência, levando-o por vezes ao limite. Mas nessa noite a espera chegara ao fim. Nessa noite, Megan seria sua.

O som da campainha da porta sobressaltou-o. Tentou acalmar-se porque não queria parecer um polícia com uma ordem judicial; ele era o futuro amante que esperara mais do que podia aguentar pela mulher desejada.

– Senhor Santorino!

A voz da governanta parecia soar confusa. E tinha motivos para isso. Apesar de o convidarem com frequência por ser um colega e um amigo, normalmente, as suas visitas eram previamente marcadas. Por isso, é que não era normal chegar ali daquela maneira.

– Não estávamos à sua espera. O senhor Ellis não nos disse…

– Não… – interrompeu-a, erguendo a mão. – Ele não sabia. Não lhe disse que vinha a Inglaterra, nem que ia passar por aqui.

– Mas…

A senhora Moore recuou um passo, pensando que devia convidá-lo a entrar, mas hesitou.

– Lamento, mas o senhor Ellis não está em casa, foi visitar uns familiares à Escócia. Só cá está a menina Megan.

– Ah! A Megan está cá!

Adorou o tom com o qual falara: de forma desinteressada e com um pouco de surpresa. Assim, ninguém pensaria que a sua visita tinha sido calculada. Que tinha viajado até Inglaterra sabendo que Tom estaria de viagem e que a sua única filha estaria sozinha em casa.

– Então, quer dizer, que já regressou da universidade?

– Sim. Já terminou o curso. Regressou no fim-de-semana… surpreendentemente sozinha.

– Surpreendentemente?

Não. Aquela pergunta era demasiado incisiva, mostrava demasiado interesse.

– Sim, pensei que traria o namorado.

Então, a governanta apercebeu-se de que deixar o amigo do seu patrão na rua não era o mais apropriado.

– Quer entrar, senhor? – convidou, dando um passo para trás. – Tenho a certeza de que a menina Megan vai adorar cumprimentá-lo.

Cesare duvidou que a jovem adorasse vê-lo. A forma como se tinham separado da última vez, numa festa do seu pai em Nova Iorque, dava-lhe poucas esperanças. Mas quando decidiu fazer-lhe aquela visita, tinha a certeza de que superaria qualquer resistência inicial; contudo, a menção de um namorado era uma complicação inesperada, algo que devia ter previsto.

– Vou-lhe dizer que está aqui.

– Não!

«Idiota!», repreendeu-se a si mesmo ao perceber que quase se desmascarara. Aquele «não» tinha sido demasiado rápido, com um sotaque italiano demasiado forte.

Com rapidez, desenhou um sorriso no rosto e fixou o olhar no rosto da empregada. Era um gesto calculado com o qual já conseguira derreter os corações mais duros. E nesse momento, obteve o efeito desejado.

– Não me anuncie. Gostaria de lhe fazer uma surpresa.

– Claro. Ela está na biblioteca.

A senhora Moore assinalou-lhe com uma mão o fundo do vestíbulo.

– Decerto que vai ficar feliz por vê-lo. Na minha opinião, acho que está um pouco deprimida… demasiado pálida e magra para o meu gosto.

Ele fez um esforço por conter a sua impaciência. Seria possível que aquela mulher nunca mais desaparecesse dali?

Por fim, a governanta dirigiu-se até à cozinha. Mas precisamente quando ele ia começar a andar, ela virou-se.

– Deseja tomar um café ou um sumo?

– Não, obrigado. Chamo-a se necessitarmos de alguma coisa.

Utilizou o tom que aplicava aos empregados mais difíceis. Um tom duro que exigia obediência instantânea… e cujos resultados eram sempre positivos. Dessa vez também funcionou. A empregada assentiu e, depois, afastou-se a passo ligeiro, com os saltos dos sapatos a ressoar pelo corredor.

«Até que enfim!», pensou.

Cesare deixou escapar um suspiro de alívio e passou as mãos pelo cabelo negro, cor-de-azeitona. Parecia que a empregada tinha descoberto as suas intenções, a razão pela qual se encontrava ali nessa noite, erguendo-se como a guardiã moral da filha da casa, a defensora da honra de Megan, perante a pressão de um homem com muita experiência.

A sua linda boca adoptou uma curvatura cínica ao fechar a porta com bastante sigilo. Não queria que Megan desse pela sua presença. Queria apanhá-la desprevenida. E não era a sua honra que queria roubar. Era o seu coração.

Megan ouviu a campainha, mas decidiu ignorá-la. Se fosse algo importante, a senhora Moore chamá-la-ia. Senão, ela encarregar-se-ia do que quer que fosse. Desde que fora para a universidade que a governanta sabia muito mais sobre as coisas do seu pai do que ela mesma. Além disso, não estava com humor para receber ninguém.

«O que é que eu vou fazer?», interrogou-se.

Com um suspiro, afastou o cabelo acobreado e apoiou os cotovelos sobre a mesa, escondendo o rosto entre as mãos. Tinha um livro aberto à sua frente. Pretendia lê-lo, mas tratava-se de uma mera desculpa, pois os seus olhos, verdes como a relva, estavam inundados de lágrimas.

«O que é que eu vou fazer?», voltou a pensar.

Era uma pergunta que repetia constantemente para si mesma sem encontrar resposta.

– Megan?

A figura que viu junto à porta, alta, escura e devastadora, deixou-a petrificada, incapaz de acreditar naquilo que estava a ver.

– Cesare?

O seu coração deu um salto tremendo. Cesare Santorino era a última pessoa que esperava ver nessa noite. Era a última pessoa que desejava ver.

Mas isso não impediu que as suas estúpidas emoções começassem a funcionar a toda a velocidade.

Houvera um tempo em que adorara ver cada centímetro daquele homem moreno, alto e magro. Sonhara perder-se nos seus braços e afogar-se naquele profundo olhar de bronze. A imagem das suas feições cravara-se-lhe na memória de tal forma que, durante muitas noites, a última coisa em que pensara antes de adormecer era naqueles pómulos pronunciados, naquela mandíbula angulosa e na devastadora curva da sua boca sensual.

– O que é que estás aqui a fazer?

Para seu desgosto, a sua voz ia e vinha como se fosse uma rádio mal sintonizada. Era assim que ela se sentia.

Mas não era por ele.

Os seus sentimentos por Cesare já estavam superados desde há muitos meses, desde aquela desastrosa festa em Nova Iorque onde ele a humilhara. Antes disso, teria beijado o chão que Cesare pisava; mas naquela noite, ele arrancou-lhe a sua devoção e orgulho, espezinhando-os com os lindos sapatos feitos à medida.

– Se vieste falar com o meu pai, lamento informar-te que ele…

– Eu sei – interrompeu-a com o sobrolho ligeiramente franzido. – Vim ver-te a ti.

– A mim?

Aquele gesto e o tom da sua voz colocaram-lhe os nervos à flor da pele. De repente, apercebeu-se das marcas que as lágrimas tinham deixado no seu rosto, pelo que as limpou rapidamente.

– O que é que queres de mim?

Levantou-se e afastou-se da luz directa da janela até uma zona mais escura do quarto.

– Nunca pensei que quisesses voltar a falar comigo.

– Porque não? – perguntou ele, com um tom de humor que a fez ferver de fúria.

– Deixaste bem claro que não querias perder tempo comigo.

O seu sorriso lento e sexy provocava-lhe terríveis sensações, afectando-lhe a postura.

– Oh, Megan, cara, não estavas em condições de passar o tempo com ninguém.

– Mas eu apenas bebi uma ou duas taças de champanhe!

Aquilo que não podia admitir era que não tinha sido a bebida espumosa que a embriagara, mas o impacto da presença de Cesare, elegante e distinta.

– Ou três ou quatro… – continuou ele. – E o problema era que estavas diabolicamente atraente naquele estado. Imaginas a doçura e a sedução que transmitias com aquele vestido?

– Doçura e…? – repetiu Megan, totalmente desconcertada.

Ele teria realmente dito aquilo que ela ouvira? Teria realmente utilizado as palavras «doçura» e «sedução» para descrever o seu estado? Apesar da tristeza, aquelas palavras despertaram algo nela. Algo que julgava morto há muito tempo. Algo que ainda perdurava no seu coração.

– Estás a gozar comigo!

– Em absoluto.

Cesare abanou a cabeça, movendo-se por fim, atravessando o quarto como um felino.

– Fiz aquilo que julguei ser melhor para manter as mãos afastadas de ti.

A única coisa que saiu da boca de Megan foi uma espécie de desabafo pouco feminino que indicava achar aquele comentário cínico.

– Oh, claro! Foi tão difícil conter-te que me afastaste como se eu tivesse a peste! Depois… ignoraste-me durante o resto da noite.

Megan pestanejou, confusa, enquanto Cesare negava com a cabeça.

– Não – adiantou com firmeza. – Era impossível ignorar-te, por muito que tentasse. Nunca consegui ignorar-te. Desde a primeira vez que apareceste na minha vida, quando eras uma linda menina de treze anos, que não consigo afastar os olhos de ti.

Se ela estivesse numa sala, os seus olhos dirigiam-se apenas para uma direcção. Era como uma faísca, tão brilhante que, por vezes, o cegava. E o pior de tudo era que nunca o admitira.

Até àquele momento.

E agora, Megan era muito mais adorável. A beleza que já se previa aquando adolescente, tornara-se realidade na mulher que tinha diante de si. Possuía o cabelo acobreado e os olhos verdes mais lindos que jamais vira em toda a sua vida. Era alta e esbelta, com umas curvas perfeitas que declaravam a sua feminilidade. Tinha a pele suave como a de um pêssego e Cesare até sentia dores nos dedos de tanta necessidade que tinha em tocá-la.

Mas fizera uma promessa ao pai dela e jurara-lhe que esperaria até Megan completar os vinte e dois anos.

– Estás a gozar!

– Não gozo com este tipo de coisas.

– Cesare…

Megan abanou a cabeça, desconcertada. Aquilo não podia estar a acontecer. Nada daquilo que ele dissera podia ser verdade. E o pior de tudo, a maior ironia de todas: aquelas palavras eram aquilo com que sempre sonhara, mesmo sabendo que se tratava de um sonho impossível.

Estivera loucamente apaixonada por aquele homem desde a sua adolescência. Mas era oito anos mais velho do que ela; um homem de negócios sofisticado e cosmopolita. Dono de uma multinacional enorme na qual a empresa do seu pai era um minúsculo componente.

– Pára de gozar comigo.

– O que é que te leva a pensar que estou a gozar contigo?

Ao olhar para o seu rosto moreno e indecifrável, quase podia acreditar que estava a dizer a verdade. Não existia nem um brilho de humor naqueles olhos abrasadores, nem rasto de um sorriso na sua boca sensual.

– Mas tens…

– Não, cara. Estou a dizer-te a verdade.

– Não pode ser.

Toda a força desapareceu das suas pernas e deixou-se cair na cadeira mais próxima.

– Não acredito.

– Acredita.

Oh, aquilo era o pior que lhe podia acontecer!

Cesare inclinou-se sobre ela com as mãos apoiadas nos braços da cadeira, aprisionando-a. Entreolharam-se, mas Megan sentiu que os olhos dele a queimavam como lava de um vulcão. Estava tão perto que o seu aroma a intoxicava. O coração batia a toda a velocidade e sentia dificuldade em respirar.

– Não me faças isto, Cesare. O que é que se passa? É um novo jogo divertido? Diverte-te atormentar-me, mentir-me? Porque…

– Que tal se te dissesse que agora não te estou a mentir, mas que já te menti?

– Já?

Parecia que, com cada palavra que dizia, a situação se tornava mais e mais estranha. Era como se o Cesare Santorino que ela conhecia tivesse desaparecido, sendo substituído por uma pessoa totalmente diferente.

– Quando?

Sentiu a boca seca e dificuldade em falar.

– Quando te disse que não me interessavas. Quando agi como se me aborrecesses. Quando…

– Não…! Chega…! Não, não, não!

Megan tapou os ouvidos com as mãos e depois cobriu o rosto.

– Chega! – murmurou atrás das mãos. – Isto não é justo…

No ano anterior, quando cumpriu vinte e um anos, teria adorado ouvir aquelas palavras. Durante as festas e até durante aquela festa horrível de Nova Iorque, o seu coração teria saltado de júbilo. Mas agora… era demasiado tarde.

Naquela altura, não podia sonhar com nada melhor. Mas agora, era o pior que lhe podia acontecer. Porque se aquilo que Cesare dizia era verdade, deixaria de sê-lo assim que ele descobrisse que…

– Chega! – repetiu com mais energia.

– Mi dispiace… Lamento.

Agira demasiado rápido, pensou Cesare. Mas depois de a ver, após seis meses, perdera todo o controle. Andava há seis longos anos a controlar-se e já não aguentava mais.

– Perdoa-me, Megan…

O seu tom continha tanta emoção que ela afastou as mãos do rosto para o contemplar.

– Tens razão – disse, enquanto se erguia. – Nunca devia ter brincado com isto.

Era o que ela tinha pensado! Viu-o ir até à outra extremidade do quarto. Megan sabia que nenhuma daquelas declarações podia ser verdade.

Ainda assim, sentia-se muito magoada. Muitíssimo. Sobretudo, depois do que acontecera com Gary; a maneira como este se comportara e as consequências dos seus actos.

– Não importa – conseguiu ela dizer. – Agora que já te divertiste, por favor, deixa-me sozinha.

– Divertir-me? Achas que me estou a divertir? Que ando a brincar contigo?

Ela ergueu o queixo.

– Que mais é que podias estar a fazer?

– La venta! – disparou Cesare. – Estou a dizer-te a verdade!

Aquilo era demasiado! Estava a levar a brincadeira demasiado longe e Megan não se encontrava em condições de suportar aquela nova forma de tortura.

– Não me faças isto! – gritou com dor.

– O que é que se passa? – perguntou ele, emocionado. Megan apenas conseguia negar com a cabeça; estava muda e sentia-se abatida. Então, Cesare aproximou-se dela e, com uma mão, ergueu-lhe a cara para que o olhasse nos olhos. Estava a chorar. As lágrimas corriam abertamente e iam cair por sobre o queixo.

– Carina, porque é que estás a chorar? Meggie… – sem pensar, da sua boca escapou o diminutivo que ela usara aquando a sua infância. – Diz-me o que se passa.

Foi o diminutivo que lhe arrasou com as forças que ainda lhe restavam. Senão a tivesse chamado de «Meggie»… daquela maneira. Senão tivesse utilizado aquele nome tão familiar que só as pessoas mais queridas utilizavam, talvez, então, conseguisse resistir.

Mas proferira-o com um tom e uma expressão tão doce que a transportara até outra época. Um tempo no qual era sempre Verão, o sol brilhava no céu e parecia que nada podia correr mal.

Um tempo no qual ela sonhava com um futuro feliz… com o dia em que aquele homem a amasse.

Foi então que soube. Soube que lhe ia contar toda a história.

A esposa do Siciliano

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