Читать книгу Mais do que um filho secreto - Кейт Хьюит - Страница 5
Capítulo 1
ОглавлениеO trigésimo segundo andar do edifício de escritórios estava completamente às escuras enquanto Maisie Dobson empurrava o carrinho de limpeza pelo corredor e o barulho das rodas era o único som no edifício fantasmagórico. Depois de seis meses a trabalhar nas limpezas, devia estar habituada, mas continuava a assustá-la um pouco. Embora houvesse uma dúzia de empregadas no edifício, cada uma trabalhava num dos andares, com todos os escritórios silenciosos e escuros e as luzes de Manhattan a entrar pelas janelas.
Eram duas da manhã e estava muito cansada. Tinha uma aula de violino às nove da manhã e receava adormecer. Esse sempre fora o seu sonho, a Escola de Música, não ser empregada de limpeza. Contudo, para conseguir o segundo precisava do primeiro e não se importava. Estava habituada a trabalhar muito para conseguir o que queria.
Parou ao ver luz num escritório ao fundo do corredor. Alguém deixara a luz acesa, pensou. E, no entanto, sentiu uma certa inquietação. Às onze, quando chegava a equipa de limpeza, o arranha-céus de Manhattan estava sempre completamente às escuras. Maisie, nervosa, continuou a empurrar o carrinho. O barulho das rodas era muito alto no corredor silencioso.
«Não sejas tão covarde», repreendeu-se. «Não tens nada a recear. É apenas uma luz acesa, mais nada.»
Parou o carrinho à frente da porta e, depois, respirando fundo, espreitou para o escritório… e viu um homem.
Maisie ficou imóvel. Não era o executivo típico e gordo que ficara a trabalhar mais algumas horas. Não, aquele homem era… A sua mente começou a dar voltas, tentando encontrar as palavras para o descrever. Certamente, era muito bonito. O cabelo escuro caía por cima da testa e das sobrancelhas arqueadas. Tinha um ar contrariado, enquanto olhava para o copo meio vazio de uísque que pendia dos seus dedos compridos.
Não usava gravata e os dois primeiros botões da sua camisa estavam desabotoados, deixando ver um peito moreno. Exsudava carisma e poder, tanto que Maisie dera um passo em frente sem se aperceber.
Então, ele levantou o olhar e uns olhos azuis penetrantes deixaram-na colada ao chão.
– Ena, olá – murmurou, esboçando um sorriso frio. A sua voz era baixa e rouca, com um pouco de sotaque. – Como está nesta noite tão agradável?
Maisie ter-se-ia sentido alarmada, até assustada, mas, nesse momento, viu um brilho de angústia nos seus olhos, nas linhas duras do seu rosto.
– Estou bem – respondeu, olhando para a garrafa de uísque quase vazia que estava na secretária. – Mas acho que a questão é como está o senhor.
O homem inclinou a cabeça para um lado, com o copo prestes a escorregar dos seus dedos.
– Como estou? É uma boa pergunta. Sim, uma pergunta muito boa.
– Ah, sim?
A intensidade da sua angústia fez com que Maisie sentisse um aperto no coração. Sempre tivera muito amor para dar e poucas pessoas a quem o dar. O irmão, Max, fora o principal recetor, mas, agora, era independente e queria viver a sua vida. E isso era bom. É claro que sim. Tinha de o repetir todos os dias.
– É, sim – confirmou o homem, endireitando-se um pouco. – Porque devia estar bem, não é? Devia estar lindamente.
Maisie cruzou os braços.
– E porque devia estar bem? – perguntou, intrigada.
Quem era aquele homem? Há seis meses que limpava o escritório e nunca o vira. Claro que não vira muitos dos empregados porque chegava tarde. No entanto, tinha a sensação de que aquele escritório, pequeno, num andar médio de um edifício anónimo, não era o seu lugar. Parecia… diferente, demasiado poderoso e carismático. Até bêbado, era encantador e atraente. Mas, para além da sensualidade, aquele homem mostrava uma dor que a fez recordar a dela, a sua própria tristeza.
– Porque devia estar lindamente? – O homem arqueou uma sobrancelha escura. – Por muitas razões. Sou rico, poderoso, no topo da minha carreira e posso ter qualquer mulher. Tenho casas em Milão, Londres e Creta. E um iate de doze metros de comprimento, um avião privado… – Levantou a cabeça para olhar para ela com aqueles olhos azuis trocistas. – Quer que continue?
– Não – respondeu Maisie, intimidada com a lista impressionante. Aquele não era o seu lugar, pensou. Devia estar no último andar, com o presidente e os vice-presidentes da empresa, ou ter um andar só para ele. Quem seria, questionou-se. – Mas vivi o suficiente para saber que essas coisas não dão felicidade.
– Viveste o suficiente? – repetiu ele, olhando para ela com interesse. – Pareces uma estudante.
– Tenho vinte e quatro anos – disse Maisie, com um ar digno. – E sou uma estudante. Limpo escritórios para pagar os estudos.
– É de noite, não é? – murmurou o desconhecido, virando-se para olhar para as luzes do edifício Chrysler. – Uma noite escura e fria.
Maisie sentiu uma certa apreensão. Sabia que não estava a falar do tempo.
– Porque está aqui, a beber sozinho num edifício vazio?
Ele continuou a olhar para o céu escuro durante uns segundos e, depois, virou-se para ela com um sorriso nos lábios.
– Mas o edifício não está vazio. Porque haveria de beber sozinho? – perguntou, pousando o copo na secretária e empurrando-o para ela.
– Não posso – disse Maisie, dando um passo atrás. – Estou a trabalhar.
– A trabalhar?
– Limpo estes escritórios. Este é o último escritório do andar.
– E já quase acabaste.
Era verdade, mas não importava. Eram quase três da madrugada e tinha aulas no dia seguinte.
– Mesmo assim, não posso beber álcool. E devia continuar a limpar…
Ele apontou à volta: Uma secretária, algumas cadeiras e um sofá de pele apoiado contra a parede.
– Não acho que haja muito para limpar.
– Tenho de esvaziar o caixote do lixo, aspirar…
Por alguma razão estranha, Maisie ficou corada.
– Então, deixe-me ajudar – ofereceu-se o desconhecido. – E, depois, beberemos um copo.
– Não, eu…
– Porquê?
O homem levantou-se da cadeira com um equilíbrio surpreendente, considerando que devia ter bebido quase toda a garrafa de uísque, e tirou do carrinho um pano e uma embalagem de detergente. Depois, afastou os papéis da secretária e começou a limpar enquanto Maisie o observava, atónita. Nunca acontecera uma coisa dessas. Nunca encontrara um empregado que trabalhava até muito tarde. Em geral, deixavam-na limpar enquanto continuavam a trabalhar, suspirando de vez em quando para deixar claro que era um incómodo.
O homem acabara de limpar a secretária e estava a limpar a mesa de café que havia à frente do sofá.
– Não vai ajudar-me? Estou a começar a pensar que é uma preguiçosa – brincou.
– Quem é? – perguntou ela.
– Antonio Rossi – respondeu ele, pegando no caixote do lixo e esvaziando-o no caixote do carrinho. – E quem é a senhora?
– Maisie.
– É um prazer conhecê-la, Maisie – declarou, apontando para o aspirador. – Só falta aspirar e, depois, poderemos beber um copo.
Era linda, pensou Antonio. Maisie, dissera que se chamava. Parecia surpreendida com a sua atitude e ele também estava um pouco surpreendido.
Gostava de Maisie, com os seus caracóis ruivos, os seus olhos verdes grandes e essa figura voluptuosa parcialmente escondida por baixo da bata azul do uniforme. Queria beber um copo com ela. Precisava de esquecer e, com os anos, descobrira que o álcool era a melhor forma de o fazer. O álcool ou o sexo.
Antonio, impaciente, tirou-lhe a aspirador da mão e ela deu um salto. Os seus caracóis saltaram à volta do rosto bonito e ovalado. Tinha sardas no nariz, como um pó dourado.
– Eu faço-o – disse. E começou a aspirar o escritório. O barulho quebrava o silêncio, que se tornou ensurdecedor quando o desligou.
Maisie observava-o, perplexa, e ele não estava suficientemente bêbado para não se sentir culpado por seduzir uma empregada num edifício vazio a meio da noite. Mas ela aceitaria ou ir-se-ia embora, de modo que não tinha de se sentir culpado. Já tinha pecados suficientes para expiar.
Além disso, talvez não levasse a sua avante. Talvez ela fosse casada ou tivesse namorado. Embora achasse que não estava a imaginar a faísca que vira nos seus olhos. Só para pôr essa teoria à prova, tocou nos seus dedos enquanto arrumava o aspirador e viu que as suas pupilas se dilatavam. Sim, a faísca estava lá. Definitivamente, estava lá.
– Bom, então, bebemos esse copo?
– Não devia…
Antonio tirou outro copo da gaveta da secretária e serviu uma dose generosa de uísque.
– «Não devia» é uma expressão tão aborrecida, não acha? Não devíamos deixar que um «não devia» decidisse as nossas vidas.
– Isso não é uma contradição?
Ele riu-se, adorando o seu engenho.
– Exatamente – confirmou, enquanto lhe oferecia o copo. Ela aceitou-o, sem parar de olhar para os olhos dele.
– Porque está aqui?
– Não sei a que se refere. – Antonio bebeu um gole de uísque, desfrutando do ardor do álcool na garganta, um consolo bem-vindo.
– Neste edifício vazio, a estas horas e a beber sozinho.
– Estava a trabalhar.
Até as lembranças amargas começarem a embargá-lo, como acontecia naquele dia todos os anos. E em muitos outros dias se ele o permitisse.
– Trabalha aqui? – perguntou ela, incrédula.
– Não de forma habitual. Contrataram-me para me encarregar de uma certa operação.
– Que tipo de operação?
Ele hesitou porque, embora a aquisição fosse de conhecimento geral, não queria inspirar rumores. Porém, então, decidiu que Maisie, certamente, não conhecia nenhum dos empregados, de modo que era inofensiva.
– Dedico-me a avaliar os riscos de uma aquisição e tento minimizar as perdas e os danos durante a mudança de poder.
– Esta empresa foi adquirida por outra?
– É verdade. Conhece alguém que trabalhe aqui?
– Só as empregadas da limpeza. Os nossos postos de trabalho estão em perigo? – perguntou ela, sem conseguir disfarçar o seu medo.
– Não, não me parece. Seja quem for o proprietário, terá de limpar os escritórios.
– Ah… – murmurou ela, deixando escapar um suspiro de alívio. – Ainda bem.
– Brindamos a isso? – sugeriu Antonio. – Os vossos são dos poucos empregos que não se verão afetados pelas mudanças.
– Ena, é uma pena.
– Mas não para ti.
– Não, não.
Ele levantou o seu copo.
– Tchim-tchim.
Maisie bebeu um gole de uísque, fazendo uma careta quando o álcool potente lhe queimou a garganta.
– O que significa isso?
– É um brinde italiano.
– Ah… É italiano?
– É verdade.
– O uísque é muito forte, não estou habituada.
– Ena, agora, sinto-me culpado…
Antonio não acabou a frase. «Culpado.» Sentia-se culpado por tantas coisas… Coisas que não podia mudar. Coisas que nunca esqueceria.
– Nunca estive em Itália. É bonita?
– Algumas cidades são lindas.
Maisie bebeu outro gole de uísque.
– Sabe a fogo.
– E queima como o fogo. – Antonio bebeu o resto do uísque, saboreando o ardor e desejando o esquecimento. Se fechasse os olhos, via o rosto do irmão, o seu sorriso, os seus olhos brilhantes, tão jovem e despreocupado. Mas, se os mantivesse fechados, esse rosto mudaria, tornar-se-ia apagado e pálido. Veria o pavimento vermelho de sangue por baixo da sua cabeça, embora nunca tivesse visto o irmão assim. Nunca tivera oportunidade.
Era por isso que precisava de continuar a beber. Para poder fechar os olhos.
– Porque está aqui? – insistiu Maisie, olhando para ele com uma expressão incerta. – Tinha um aspeto tão triste… tão triste como eu me senti muitas vezes.
Essa admissão surpreendeu-o.
– Porque se sentia triste?
Maisie fez uma careta.
– Os meus pais morreram quando eu tinha dezanove anos. Quando o vi, pensei nisso. Parecia… enfim, parecia tão triste como eu me senti nessa altura. Às vezes, continuo a sentir-me assim.
A sua sinceridade surpreendeu-o. Mais do que isso, essa verdade sem enfeites deixou-o sem fala. Finalmente, encontrou as palavras, mas não eram as que esperava.
– Porque eu também perdi alguém e estava a pensar nele esta noite.
O que estava a fazer? Nunca falava de Paolo com ninguém e muito menos com uma desconhecida. Tentava não pensar nele, mas fazia-o sempre. Paolo estava sempre na sua mente e na sua alma. Perseguindo-o, acusando-o. Fazendo-o recordar.
– Quem perdeu? – perguntou ela, com um brilho de compaixão nos olhos.
Era tão encantadora… O cabelo ruivo emoldurava um rosto ovalado de expressão aberta e acolhedora e os lábios suculentos eram tão tentadores… Queria abraçá-la, mas mais do que isso, queria falar com ela. Queria contar-lhe a verdade ou, pelo menos, a parte da verdade que podia revelar.
– O meu irmão – esclareceu, em voz baixa. – O meu irmão mais novo.