Читать книгу ¿Qué será de ti? / Como vai você? - Luis Angel Aguilar - Страница 42
ОглавлениеPoemas
(1)
os livros o carpete a pilha de livros no chão a estante abarrotada de livros
o espaço sem lugar para respiro
o pó dos livros
eu me fazia lúcida em meio à fumaça de cigarro que se misturava com a poeira
a poluição do centro da cidade ao meio dia
a longa espera
e eu olhava para o teu rosto com uma pergunta insolúvel
que mal sabia formular
os teus olhos perdidos na neblina
(não sei se eram teus olhos que eu buscava
tampouco sei se era você)
teus olhos estavam voltados para dentro em uma acrobacia nunca vista
havia também os óculos e o suor havia os rasgos do teu rosto as rugas alguma ferida
havia alguma ferida mal cicatrizada
essas marcas o pó a brisa acinzentada que tingia os vidros o mofo nas páginas dos livros
tanta coisa preenchia o espaço entre a minha pele e a tua
(e eu nem sabia se eram teus olhos ou algo que estava por trás deles
por trás da acrobacia que teus olhos faziam)
tanta coisa prendia nossa respiração
que eu devia me fazer lúcida e aguardar
um banco a vontade de ir ao banheiro o café morno da garrafa
o cenário de uma vida em que os livros envelhecem antes dos corpos
eu não podia lamentar minha presença nem a dos papéis craft enrolados a coleção de papéis com as pontas amassadas
os arquivos de metal
era preciso ter algo por onde passear os olhos os meus olhos
(não sei se eram os teus que eu buscava
ou se buscava fugir)
passear os olhos no cartaz de uma peça da década de setenta o pôster de uma tourada espanhola o cardápio de um restaurante italiano em um vilarejo medieval
como fugir destes monumentos mínimos de uma vida
qual seria esta espera
teus olhos voltados para trás da cabeça e a minha pergunta reverberando entre as paredes entre o mofo das paredes
a minha pergunta grudada na umidade quente e abafada de um meio dia no centro da cidade
a minha pergunta que não chegava até você que não chegava em teus olhos voltados para dentro que não alcançava a acrobacia dos teus olhos e ficava pregada na fuligem dos ônibus nos ruídos que se misturavam com as palavras com as nossas palavras
nossas vozes que eram só fumaça e confusão algum pequeno fio que nos mantivesse ali que nos prendesse mesmo que momentaneamente entre aquelas estantes abarrotadas de livros caixas papelões objetos de acrílico de madeira jogos que já nem se fabricam mais
(e eu nem sei se era você que estava ali
por trás da minha respiração)
(2)
a imagem no aparador é mera alucinação
um meio nariz mal delineado a quarta parte de um olho
o queixo um pedaço de gola
a sombra de um tronco infantil
seria uma lembrança não fosse o fato
de não me reconhecer nestas unhas que saem de dedos compridos
no modo de cruzar as pernas
curvar o corpo inclinar o pescoço para a esquerda
para a direita
piscar nervosamente a quarta parte de um olho negro
cravado numa pele transparente
seria mera alucinação?
uma das mãos se mantém fechada
enquanto seguro o guarda-chuva e procuro
dentre os pedaços dispersos
o outro braço que alcançaria a maçaneta da porta a meu lado