Читать книгу ¿Qué será de ti? / Como vai você? - Luis Angel Aguilar - Страница 46
ОглавлениеPaisagens são repetições
FERNANDO PESSOA
Fragmento
habituar-se com o corpo
que não se acomoda à cadeira
que não se encaixa à altura da mesa
que não foi feito nas proporções da sala de estar
habituar-se com a necessidade de restringir os gestos
os movimentos elementares
quase todos calculados
o hábito que pouco a pouco adere à pele
como o perfume do cigarro
que se molda à roupa em ambientes fechados
com pouca circulação de ar
é preciso manter as portas e janelas abertas
se há brisa
abro a porta e te convido
pode entrar
te observo com o canto dos olhos
sentada em minha poltrona azul-marinho
viajo em alguns sentimentos pequenos e desajustados
como a preocupação com os vidros abertos
e um certo nojo pelo toque do carpete nos pés
te convido para sentar, te ofereço um café
e subitamente
sou detida pelas paredes
como se de um minuto a outro a sala se estreitasse
e um corredor comprido e desajeitado
se armasse entre nós
(…)
para Juliano Pessanha
Poema para duas vozes:
oculta, detrás destas linhas, uma origem cada vez mais remota (às vezes tenho medo de escrever porque posso estilhaçar meu rosto) as palavras nascem para fazer algo morrer —foi o que ela disse (fiquei imaginando as coisas que não posso escrever, que não posso deixar morrer) desviar o pensamento fútil para pensamentos mais nobres (a nobreza esta no tema?) quais são as coisas que não podem morrer em mim? (Defendo-me detrás de um rosto frágil porque não sei construir máscaras de Veneza—minhas fantasias se desfazem na chuva, não aprendi a prever o tempo) quais os andaimes que me trouxeram até aqui? (não quero descer. não posso. aqui me mantenho, nestas linhas. depois descanso a caneta ao lado e me vou. pouco resta de mim. oculta, cada vez mais remota. pouco fica da minha carne —não quero ser origem. quero despertencer.