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XXI Prima Justina.

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Na varanda achei prima Justina, passeando de um lado para outro. Veiu ao patamar e perguntou-me onde estivera.

—Estive aqui ao pé, conversando com D. Fortunata, e distraí-me. É tarde, não é? Mamãe perguntou por mim?

—Perguntou, mas eu disse que você já tinha vindo.

A mentira espantou-me, não menos que a franqueza da noticia. Não é que prima Justina fosse de biocos; dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro; mas, confessar que mentira é que me pareceu novidade. Era quadragenaria, magra e pallida, bocca fina e olhos curiosos. Vivia comnosco por favor de minha mãe, e tambem por interesse; minha mãe queria ter uma senhora intima ao pé de si, e antes parenta que extranha.

Passeámos alguns minutos na varanda, alumiada por um lampião. Quiz saber se eu não esquecera os projectos ecclesiasticos de minha mãe, e dizendo-lhe eu que não, inquiriu-me sobre o gosto que eu tinha á vida de padre. Respondi esquivo:

—Vida de padre é muito bonita.

—Sim, é bonita; mas o que pergunto é se você gostaria de ser padre, explicou rindo.

—Eu gósto do que mamãe quizer.

—Prima Gloria deseja muito que você se ordene, mas ainda que não desejasse, ha cá em casa quem lhe metta isso na cabeça.

—Quem é?

—Ora, quem! Quem é que hade ser? Primo Cosme não é, que não se importa com isso; eu tambem não.

—José Dias? conclui.

—Naturalmente.

Enruguei a testa interrogativamente, como se não soubesse nada. Prima Justina completou a noticia dizendo que ainda naquella tarde José Dias lembrára a minha mãe a promessa antiga.

—Prima Gloria póde ser que, em passando os dias, vá esquecendo a promessa; mas como ha de esquecer se uma pessoa estiver sempre, nos ouvidos, zás que darás, falando do seminario? E os discursos que elle faz, os elogios da egreja, e que a vida de padre é isto e aquillo, tudo com aquellas palavras que só elle conhece, e aquella affectação... Note que é só para fazer mal, porque elle é tão religioso, como este lampião. Pois é verdade, ainda hoje. Você não se dè por achado... Hoje de tarde falou como você não imagina.

—Mas falou á toa? perguntei, a ver se ella contava a denuncia do meu namoro com a visinha.

Não contou; fez apenas um gesto como indicando que havia outra cousa que não podia dizer. Novamente me recommendou que não me désse por achado, e recapitulou todo o mal que pensava de José Dias, e não era pouco, um intrigante, um bajulador, um especulador, e, apezar da casca de polidez, um grosseirão. Eu, passados alguns instantes, disse:

—Prima Justina, a senhora era capaz de uma cousa?

—De quê?

—Era capaz de... Supponha que eu não gostasse de ser padre... a senhora podia pedir a mamãe...

—Isso não, atalhou promptamente; prima Gloria tem este negocio firme na cabeça, e não ha nada no mundo que a faça mudar de resolução; só o tempo. Você ainda era pequenino, já ella contava isto a todas as pessoas da nossa amizade, ou só conhecidas. Lá avivar-lhe a memoria, não, que eu não trabalho para a desgraça dos outros; mas tambem, pedir outra cousa, não peço. Se ella me consultasse, bem; se ella me dissesse: «Prima Justina, você que acha?» a minha resposta era: «Prima Gloria, eu penso que, se elle gosta de ser padre, póde ir; mas, se não gosta, o melhor é ficar.» E o que eu diria e direi se ella me consultar algum dia. Agora, ir falar-lhe sem ser chamada, não faço.

Dom Casmurro

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