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CAPITULO V

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Rubião achou um rival no coração do Quincas Borba,—um cão, um bonito cão, meio tamanho, pello côr de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordara o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagancias do dono foi dar-lhe o seu proprio nome; mas, explicava-o por dous motivos, um doutrinario, outro particular.

—Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o principio da vida e reside em toda a parte, existe tambem no cão, e este póde assim receber um nome de gente, seja christão ou mussulmano...

—Bem, mas porque não lhe deu antes o nome de Bernardo, disse Rubião com o pensamento em um rival politico da localidade.

—Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobrevivirei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?

Rubião fez um gesto negativo.

—Pois devias rir, meu querido. Porque a immortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Vivirei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e...

O cão, ouvindo o nome, correu á cama. Quincas Borba, commovido, olhou para Quincas Borba:

—Meu pobre amigo! meu bom amigo! meu unico amigo!

—Unico!

—Desculpa-me, tu tambem o és, bem sei, e agradeço-te muito; mas a um doente perdoa-se tudo. Talvez esteja começando o meu delirio. Deixa ver o espelho.

Rubião deu-lhe o espelho. O doente contemplou por alguns segundos a cara magra, o olhar febril, com que descobria os suburbios da morte, para onde caminhava a passo lento, mas seguro. Depois, com um sorriso pallido e ironico:

—Tudo o que está cá fóra corresponde ao que sinto cá dentro; vou morrer, meu caro Rubião... Não gesticules, vou morrer. E que é morrer, para ficares assim espantado?

—Sei, sei que voce tem umas philosophias... Mas fallemos do jantar; que hade ser hoje?

Quincas Borba sentou-se na cama, deixando pender as pernas, cuja estraordinaria magreza se adivinhava por fóra das calças.

—Que é! que quer? acudiu Rubião.

—Nada, respondeu o enfermo sorrindo. Umas philosophias! Com que desdem me dizes isso! Repete, anda, quero ouvir outra vez. Umas philosophias!

—Mas não é por desdem... Pois eu tenho capacidade para desdenhar de philosophias? Digo só que você póde crêr que a morte não vale nada, porque terá razões, principios...

Quincas Borba procurou com os pés as chinellas; Rubião chegou-lh'as; elle calçou-as e poz-se a andar para esticar as pernas. Affagou o cão e accendeu um cigarro. Rubião quiz que se agazalhasse, e trouxe-lhe um fraque, um collete, um chambre, um capote, á escolha. Quincas Borba recusou-os com um gesto. Tinha outro ar agora; os olhos mettidos para dentro viam pensar o cerebro. Depois de muitos passos, parou, por alguns segundos, deante de Rubião.

Quincas Borba

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