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CAPITULO IX

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Horas depois, teve Rubião um pensamento horrivel. Podiam crer que elle proprio incitara o amigo á viagem, para o fim de o matar mais depressa, e entrar na posse do legado, se é que realmente estava incluso no testamento. Sentiu remorsos. Porque não empregou todas as forças, para contel-o? Viu o cadaver do Quincas Borba, pallido, hediondo, fitando nelle um olhar vingativo; resolveu, se acaso o fatal desfecho se désse em viagem, abrir mão do legado.

Pela sua parte o cão vivia farejando, ganindo, querendo fugir; não podia dormir quieto, levantava-se muitas vezes, á noite, percorria a casa, e tornava ao seu canto. De manhã, Rubião chamava-o á cama, e o cão acudia alegre; imaginava que era o proprio dono; via depois que não era, mas aceitava as caricias, e fazia-lhe outras, como se Rubião tivesse de levar as suas ao amigo, ou trazel-o para alli. Demais, havia-se-lhe affeiçoado tambem, e para elle era a ponte que o ligava á existencia anterior. Não comeu durante os primeiros dias. Supportando menos a sede, Rubião pôde alcançar que bebesse leite; foi a unica alimentação por algum tempo. Mais tarde, passava as horas, calado, triste, enrolado em si mesmo, ou então com o corpo estendido e a cabeça entre as mãos.

Quando o medico voltou, ficou espantado da temeridade do doente; deviam tel-o impedido de sair; a morte era certa.

—Certa?

—Mais tarde ou mais cedo. Levou o tal cachorro?

—Não, senhor, está commigo; pediu que cuidasse delle, e chorou, olhe que chorou que foi um nunca acabar. Verdade é, disse ainda Rubião para defender o enfermo, verdade é que o cachorro merece a estima do dono: parece gente.

O medico tirou a largo chapéo de palha para concertar a fita; depois sorriu. Gente? Com que então parecia gente? Rubião insistia, depois explicava; não era gente como a outra gente, mas tinha cousas de sentimento, e até de juizo. Olhe, ia contar-lhe uma...

—Não, homem, não, logo, logo, vou a um doente de erysipella... Se vierem cartas delle, e não forem reservadas, desejo vel-as, ouviu? E lembranças ao cachorro, concluiu sahindo.

Algumas pessoas começaram a mofar do Rubião e da singular incumbencia de guardar um cão, em vez de ser o cão que o guardasse a elle. Vinha a risota, choviam as alcunhas. Em que havia de dar o professor! sentinella de cachorro! Rubião tinha medo da opinião publica. Com effeito, parecia-lhe ridiculo; fugia aos olhos extranhos, o mais que lhe era possivel; em casa, olhava com fastio para o animal; dava-se ao diabo, arrenegava da vida. Não tivesse a esperança de um legado, pequeno que fosse. Era impossivel que lhe não deixasse uma lembrança.

Quincas Borba

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