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Mireya Garcia

Perdoar é impossível

Enquanto no Palácio presidencial da Moneda estava ainda em curso a reunião do Conselho de segurança nacional, convocado com urgência pelo presidente Frei, uma notícia terrível tinha percorrido o Chile, já agitado pelos póstumos da contraditória sentença londrina sobre Pinochet, contribuindo a aumentar a já alta tensão geral: a notícia da descoberta de um novo centro de detenção ilegal remonta o período da ditadura militar, graças às revelações do bispo de Punta Arenas, monsenhor Gonzales, onde já tinham sido identificados os restos de centenas de desaparecidos.

O centro de detenção se encontrava no extremo norte do Chile, a cento e dez quilômetro da cidade de Arica, em uma região desértica onde, há muito tempo, se suspeitava a sua existência. Foi assim que se tomou conhecimento que a magistratura local, de diversas semanas e no mais absoluto segredo, investigava no centro. Apesar da reserva mantida no caso do juiz da terceira seção penal de Arica, Juan Cristobal Mera, e graças às declarações do governador local, Fernando Nuñez, se sabia que estava a par que restos humanos se encontravam em uma área costeira no distrito de Camarones. Muito próximo ao antigo cemitério da cidade definido “de fácil acesso” pelas autoridades.

«É preciso esclarecer» tinha prontamente declarado o governador Nuñez aos jornalistas, «que as coordenadas geográficas não são tão precisas, mas sabemos que o juiz já verificou a existência de pelo menos duas delas. Assim, no momento da eventual exumação dos restos dos desaparecidos, pediremos a presença do ministro Juan Guzan Tapia».

As indicações que tinham permitido identificar este centro de detenção nasciam de algumas revelações do bispo Gonzalez, que teria recebido as informações do caso «sob o segredo da confissão» como ele mesmo tinha declarado. Não estava ainda claro a quantos centros de detenção essas notícias se referiam.

Decidi então aprofundar a terrível realidade dos desaparecidos chilenos, encontrando a líder da Associação dos familiares dos desaparecidos.

*****

Presa, torturada, exilada. Mireya Garcia não perdeu pelo caminho apenas a sua juventude com o golpe de Estado de Pinochet. Seu irmão desapareceu, afinal há mais de um quarto de século. Hoje, Mireya é vice-presidente da Associação dos familiares dos detentos “desaparecidos” e nunca parou de combater para a busca da Verdade.

A sede onde se reúnem, dia após dia, há anos afinal, essas mães, essas avós, cada uma com a sua carga de dor, cada uma com a sua fotografia de um filho, um irmão, um marido ou um sobrinho, desaparecido, é um prédio azul próximo ao centro de Santiago. As paredes do pátio são recobertas com fotografias dos desaparecidos, para cada um deles uma foto desbotada e uma frase, que repete ao infinito a mesma pergunta: Donde estan? » «Onde estão?». De vez em quando, tanto o muro de fotos e de perguntas todas iguais, todas sem resposta, é interrompido por uma rosa, por uma flor.

Que lembrança tem daqueles anos, do Golpe de Estado?

Uma lembrança muito vaga. Estava em casa e lembro simplesmente de ter ouvido músicas militares na rádio. Depois, muitos homens, de farda, pelas ruas. Não conseguia ainda perceber que, naquele dia, a história do meu país, o Chile, tinha sofrido um golpe duríssimo...

Quantos anos tinha então?

Fazia parte da juventude socialista de Concepcion, uma cidadã a algumas centenas de km ao sul de Santiago. Eu gostaria de ter estudo, casado, ter uma família e filhos... Em vez disso, tudo caiu. Rapidamente, muito rapidamente. Agora consigo falar de tudo isso com a relativa tranquilidade. Mas por anos não fui capaz de lembrar daqueles dias. Nem com a minha família...

Uma noite, vieram nos pegar. Em casa, estava só eu e o meu irmão... Fui presa (se pode-se dizer assim), depois torturada. Ainda hoje, sinceramente, não consigo falar daquelas humilhações...

Não vi mais meu irmão. Mais tarde, quando conseguimos, com a minha família, fugir para o exterior, no México, soube que Vicente tinha desaparecido definitivamente. Lembro com uma angústia terrível, saber que talvez ainda estava vivo, em algum lugar, e eu estava lá, longe a milhares de quilômetros, sem poder voltar para o Chile, sem poder procurá-lo, ajudar.

Foi então que teve a ideia de fundar essa associação?

Sim. No México estamos em tantos, exilados, com parentes que foram feitos desaparecer pela ditadura de Pinochet. Organizamos cortejos pelas estradas. Uma arma muito débil, contra uma ditadura tão feroz, mas pelo menos as pessoas começaram a se interessar por nós. Começou a saber.

Quando conseguiu voltar para o Chile?

Foram necessários quinze anos. E ainda hoje me sinto uma exilada. Uma exilada no meu País.

O que conseguiu saber da sorte de seu irmão?

Muito pouco. Apenas que tinha sido deportado para um centro clandestino de detenção, de tortura, que se chamava Cuartel Borgoño e que hoje não existe mais. Destruíram tudo, com os bulldozer, para fazer desaparecer os vestígios e as provas.

Acredita que as responsabilidades sejam todas de Pinochet?

Não. E é este o aspecto incrível do Chile. Nos arquivos dos tribunais há procedimentos judiciários abertos, pelo menos contra uns trinta pessoas, generais, coronéis, políticos e simples “trabalhadores” da morte, que se tornaram responsáveis de tortura, assassinatos e violências de todo gênero. Mas o aspecto absurdo do meu País é que todos sabem que desapareceram no nada pelo menos três mil pessoas, enquanto é certo pelos tribunais o desaparecimento apenas de onze deles. É como se todo um País soubesse, mas girasse a cabeça para o outro lado...

Alguns dizem que a Justiça não é um conceito universal, mas relativo ao momento histórico, às condições de um País... está de acordo?

Não, eu acho que a dignidade, o respeito e a justiça são conceitos universais. De outro modo, por que assinar declarações solenes para os direitos humanos ou tratados contra a tortura?

Como viveu o fato da prisão de Pinochet?

Foi uma contínua montanha-russa de esperanças e desilusões. O que aconteceu em Londres, colocou em destaque que o Chile é até agora um País profundamente dividido. Onde os militares exercem ainda um forte poder, decisivo no plano dos equilíbrios políticos e institucionais. Por um outro ponto de vista fique ainda chocada. Pinochet, nestes anos, tinha construído a sua impunidade com uma atenção quase maníaca. Tinha até feito modificar a Constituição para que ninguém pudesse atingi-lo. E se não for julgado no Exterior, estou certa, Pinochet, aqui, no Chile, nunca será levado em frente de um tribunal. Nunca no Chile.

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