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Subcomandante Marcos

Venceremos! (antes ou depois)

Chiapas, México, San Cristobal de Las Casas, Hotel Flamboyant .

A mensagem foi inserida por baixo da porta do quarto:

É necessário partir para a Selva hoje.

Encontro na recepção às 19.

Levar sapatos de montanha, uma coberta,

uma mochila e comida em lata.

Tenho só uma hora e meia para juntar estas poucas coisas. A minha meta está no coração da floresta. Na fronteira entre o México e a Guatemala, onde começa a Selva Lacandona, um dos poucos locais no mundo completamente inexplorados. No momento, existe só um, muito especial, “operador de turismo” capaz de me fazer chegar lá em cima. Ele pede para ser chamado subcomandante Marcos e a Selva Lacandona é o seu último refúgio.

*****

Motivo pelo qual, ainda hoje, se estou provavelmente mais orgulhoso na minha carreira é sem dúvida este encontro com o subcomandante Marcos na floresta Lacandona del Chiapas, em abril de 1995, para o jornal Sette del Corriere della Sera; primeiro jornalista italiano a entrevistá-lo (não sei, na verdade, se antes de mim, foi o simpático e onipresente Gianni Minà, a bem dizer, o verdadeiro), mas certamente bem antes que o mítico subcomandante, com o seu eterno capuz preto, fez surgir nos anos seguintes um tipo de autêntica “assessoria de imprensa guerrilheiro” que levava para cima e para baixo do seu refúgio na floresta de jornalistas de cada lugar.

Tinham se passado quase duas semanas de quando, os últimos dias de março daquele dia de 1995, o avião proveniente da Cidade do México tinha aterrissado no pequeno aeroporto militar de Tuxla Gutierrez, a capital de Chiapas. Na pista passavam aviões com os emblemas do exército mexicano e meios militares estacionavam ameaçadores nas bordas. Em um território grande quanto um terço da Itália viviam milhões de habitantes. A maior parte dos quais com sangue índio nas veias: duzentos e cinquenta mil os descendentes direitos dos Maias. Encontram-me em uma das áreas mais pobres do mundo: noventa por cento dos índios não tinha água potável. Sessenta e três em cem eram analfabetos. Tudo me parecia muito claro: por um lado, os proprietários de terras brancos, poucos e riquíssimos. Pelo outro, os camponeses, tantos e que recebiam em média sete pesos: menos de dez dólares por dia.

Para estas pessoas, a esperança de receber tinha começado em primeiro de janeiro de 1994. Enquanto o México assinava o acordo de livre troca comercial com os Estados Unidos e Canadá, um revolucionário encapuzado declarava guerra ao País: a cavalo, armados com fuzis - alguns verdadeiros (poucos), outros falsos, de madeira - dois mil homens do Exército Zapatista de liberação nacional ocupavam San Cristobal de Las Casas, a antiga capital de Chiapas, Palavra de ordem: «Terra e liberdade».

Hoje sabemos como acabou o primeiro round, aquele decisivo: venceram os cinquenta mil soldados mandados com os carros blindados para enfrentar a revolta. E Marcos? Onde estava o homem que de algum modo tinha feito reviver a lenda de Emiliano Zapata, o herói da revolução mexicana de 1910?

*****

Às 19 horas, Hotel Flamboyant: o nosso contato chega pontual. Ele se chama Antonio, é um jornalista mexicano que na Selva tinha ido não uma, mas dez, vinte vezes. Claro, agora não é mais como um ano atrás, quando Marcos ficava relativamente tranquilo com os seus na pequena cidade de Guadalupe Tepeyac, às portas da Selva, munido com um celular, computador, conexão à rede internet, pronto para receber os enviados das tvs americanas. Hoje para os índios não mudou nada, mas para Marcos e os seus mudou tudo: depois da última ofensiva do governo, os chefes zapatistas tiveram que se esconder realmente na montanha. Ali não existem telefones, não existe eletricidade, nem estradas: nada.

O colectivo ( como chamamos aqui estes estranhos táxi-miniônibus) corre rápido entre as curvas, na noite. Dentro sente-se o cheiro de suor e de tecido molhado. São necessárias duas horas para chegar em Ocosingo , um pueblo às portas da Selva. Para as estradas animadíssimas, as garotas com os longos cabelos pretos e com traços indígenas sorriem. E tantos militares, em todo lugar. Os quartos do único hotel não têm janelas, só uma grade na porta. Parece estar em um cárcere. Na rádio ouve-se uma notícia: «Hoje, o pai de Marcos declarou: meu filho, o professor universitário Rafael Sebastian Guillen Vicente, 38 anos, nascido em Tampico, é o subcomandante Marcos».

Na manhã seguinte, temos um novo guia. Chama-se Porfirio. Ele também é índio.

A bordo da sua camionete, são necessárias quase sete horas de buracos e poeira para chegar em Lacandon, o último povoado. Ali termina a terra batida. E começa a Selva. Não chove, mas a lama chega mesmo assim até os joelhos. Dorme-se em algumas barracas na floresta, ao longo do caminho. Depois de dois dias de marcha intensa, cansativa, no meio da floresta inóspita, sufocados pela umidade, chegamos ao povoado. A comunidade se chama Giardin ; estamos na área dos Montes Azules . Vivem aqui quase duzentas pessoas. Todos velhos, crianças e mulheres. Os homens estão na guerra. Fomos bem acolhidos. Poucos conhecem o espanhol. Todos falam o Tzeltal , o dialeto Maya. «Encontraremos Marcos?» perguntamos. «Pode ser», diz Porfirio.

Às três da manhã, nos acordam delicadamente: é preciso ir, não tem lua, mas há muitas estrelas. Meia hora de caminhada para chegar em uma cabana. Dentro se intui a presença de três homens. Está tudo preto, como o capuz deles. No retrato falado do governo, Marcos é um professor formado em filosofia com uma tese sobre Althusser e uma especialização na Sorbonne de Paris. Agora, rompendo o silêncio na cabana, chega uma voz em francês: «Temos só vinte minutos. Prefiro falar em espanhol, se não houver problemas. Sou o subcomandante Marcos. Melhor não usar o gravador porque se a gravação for interceptada seria um problema para todos, principalmente para vocês. Mesmo se oficialmente, estamos em um momento de trégua, na realidade me procuram em todos os modos. Pode me perguntar o que desejar».

Por que se faz chamar de subcomandante?

Dizem de mim: «Marcos é o chefe». Não é verdade. Os chefes são eles, o povo zapatista, eu tenho apenas funções de responsabilidade a nível militar. Eles me encarregaram de falar porque sei espanhol. Através de mim falam os companheiros. Eu só obedeço.

Dez anos de clandestinidade é muito tempo... Como vive na montanha?

Leio. Dos doze livros que levei comigo na Selva um é o Canto Generale , de Pablo Neruda. Um outro é Don Quixote ...

E depois?

E depois os dias, os anos passam na nossa luta. Vendo todos os dias a mesma pobreza, a mesma injustiça... Não se pode ficar aqui sem que a vontade de lutar, de mudar, aumente. A menos que você não seja um cínico ou um filho da puta. Depois existem as coisas que geralmente os jornalista não me perguntam. É que aqui na Selva, às vezes temos que comer os ratos, beber a urina dos companheiros para não morrer de sede nas longas transferências... é isso.

O que lhe falta? O que deixou?

Falta o açúcar. E um par de meias secas. Ter sempre os pés molhados, dia e noite, no frio, é uma coisa que não desejo a ninguém. E depois o açúcar: é a única coisa que a Selva não lhe dá, é preciso fazê-lo vir de longe, pelo cansaço físico seria necessário. Para aqueles de nós que veem da cidade, certas lembranças são uma espécie de masoquismo. Então, nos repetimos: «Você se lembra dos sorvetes de Coyoacàn ? E os tacos da Division del Norte ?». Lembranças. Aqui se captura-se um faisão ou um outro animal, é preciso esperar três ou quatro horas para que fique pronto. E se a tropa está desesperada de fome e o come cru, no dia depois é diarreia para todos. Aqui a vida é diferente, se vê tudo de uma outra forma... Ah, sim, me perguntou o que deixei na cidade. Um bilhete de metrô, uma montanha de livros, um caderno cheio de poesias... e alguns amigos. Não tantos, alguns.

Quando mostrará o seu rosto?

Não sei, acho que o nosso capuz tenha também um significado ideológico positivo, corresponde à concepção desta nossa revolução, que não é individual e que não tem um chefe. Com o capuz somos todos Marcos.

Porém, para o governo, você esconde o rosto porque tem algo a esconder…

Eles não entenderam nada. Mas o verdadeiro problema não é nem o governo, são sim as forças reacionárias do Chiapas, os criadores e os latifundiários da área, com as suas “guardas brancas” privadas. Não acredito que exista muita diferença entre a tradicional abordagem racista de um branco da África do Sul perante um negro e aquele de um proprietário de terras do Chiapas em relação a um Índio. Aqui a expectativa de vida para um Índio é de 50-60 anos para os homens e 45-50 para as mulheres.

E as crianças?

A mortalidade infantil é altíssima. Agora vou lhe contar também a história de Paticha. Uma vez, há um tempo, deslocando-nos de uma zona à outra da Selva, acontecia atravessar uma pequena comunidade, muito pobre, onde sempre nos acolhia um companheiro zapatista com uma menina de três-quatro anos. Ela se chamava Patricia, mas ela pronunciava o seu nome “Paticha”. Eu lhe perguntava o que queria fazer quando ficasse grande e ela me respondia sempre: «guerrilheira». Uma noite, a encontramos com febre alta. Não tínhamos antibióticos e ele deveria estar com quarenta ou mais de febre. Os panos molhados secavam sobre ela como se fosse uma estufa. Ela morreu entre os meus braços. Patricia não tinha uma certidão de nascimento. E nem teve uma de morte. Para o México, nunca existiu, nem a sua morte nunca ocorreu. É isso, esta é a realidade dos Índios do Chiapas.

O Movimento Zapatista colocou em crise Todo o sistema político mexicano, mas não venceu.

O México precisa de democracia e de pessoas acima das partes que a garantam. Se a nossa luta for útil para alcançar este objetivo, não terá sido uma luta em vão. Mas o Exército Zapatista nunca se converterá em um partido político. Desaparecerá. E o dia em que isto acontecer, significará que teremos democracia.

E se isto não ocorrer?

Militarmente, estamos cercados. A verdade é que dificilmente o governo irá querer ceder porque o Chiapas e a selva Lacandona em particular, boiam literalmente sobre um mar de petróleo. E o petróleo do Chiapas é a garantia que o Estado mexicano deu aos Estados Unidos para os bilhões de dólares que os EUA lhes emprestaram. Não pode mostrar aos americanos que não tem o controle da situação.

E vocês?

Nós, em vez disso, não temos nada a perder. E a nossa é uma luta pela sobrevivência e para uma paz digna.

A nossa é uma luta justa.

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