Читать книгу Vida De Aeromoça - Marina Iuvara - Страница 8
ОглавлениеGostaria de ser aeromoça
Chega, estou farta! Mario estava insuportável, chega a me seguir até quando vou tomar um café com as amigas. Não quer que eu vá para a aula e me proíbe até de cumprimentar meu ex. Quero pensar mais em mim mesma e me tornar independente. Por que não criamos algo nosso e abrimos um negócio juntas? O que você pensa para o futuro, Anna? O que você gostaria de fazer?
Foi isso que me disse Stefania em nosso habitual encontro matutino para um café no “Bar das Finanças” em frente a minha casa, infeliz com sua perspectiva de futura dona de casa, tão desejada por seu noivo ciumentíssimo.
Nunca me tinha feito seriamente essa pergunta, nem tinha feito planos de carreira.
Depois de sair da escola e me inscrever na faculdade de direito, já que as matérias científicas não eram para mim, procurei um trabalho como secretária para me manter estudando e tentar satisfazer alguns pequenos caprichos.
Na época, acordava todos os dias à mesma hora e, depois de um rápido café da manhã, me metia no trânsito caótico, enfrentando os 45 minutos de filas intermináveis nos semáforos e os barulhentos engarrafamentos nas rótulas, tentando poupar alguns minutos para chegar a tempo no escritório.
Todo dia, na rua Barriera del Bosco, onde sempre ficava presa em um ponto especial de engarrafamento por pelo menos 15 minutos, eu encontrava com frequência um homem: um barbudo sempre sentado em um montinho de terra que ele fazia com as mãos.
Agachado sob a sombra de uma árvore, observava aquele interminável vai e vem, igual todos os dias.
O olhar daquele indivíduo tinha algo de sereno e vislumbrava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam por ele, aprisionados em seus carros.
Ele era bastante discreto, como se não quisesse que percebessem sua presença a observar atentamente, admirado de encontrar sempre as mesmas caras nervosas e exaustas, os mesmos carros enfileirados um atrás do outro, e todo aquele buzinaço que soava como um protesto. Acho que pensava como seria difícil para todos aqueles homens encontrarem a tranquilidade que ele parecia ter atingido.
Suas pupilas se moviam atentas e direcionavam olhares quase benevolentes e indulgentes a todos aqueles motoristas que, a sua volta, olhavam com compaixão ou desprezo para ele e seus trapos jogados ao relento, muitas vezes úmido.
Todas as manhãs, eu me perguntava quem de nós dois era o doido, eu, a motorista nervosa, ou ele.
Eu pensava todas as noites sobre a pergunta que Stefania me fez sobre meu futuro.
A resposta chegou num fim da tarde, na hora de voltar do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado uma colisão frontal com um idiota que cortou minha frente, ao fim de uma jornada de trabalho interminável, tendo de lidar com um chefe briguento e dado a abusos, com colegas que eu preferiria não ter conhecido, falsos e interesseiros.
No fim do expediente, saí da vaga que achei a duras penas pela manhã, que só consegui depois de ter brigado com outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, tentando me fazer desistir dela obstruindo meu ingresso.
Naquela tarde, percebi um pequeno arranhão na lataria e limpador de para-brisas posterior desencaixado.
Todo dia, chegando em casa cansada, organizava a casa e preparava a janta com pressa, por causa daquela “fome famélica” que eu conseguia apaziguar pegando algum resto do dia anterior da geladeira e pedaços de queijo amarelados, porque mal colocados nas embalagens de plástico entreabertas.
QUERO VOAR! - Gritei de repente - Sim! Encontrei! Quero voar!
O que mais me seduzia era a possibilidade de evitar a rotina diária, o tráfego da cidade, ver sempre os mesmos rostos nos mesmos lugares. Gostaria de me relacionar sempre com pessoas diferentes, mudar de espaços, expandir meus pontos de vista, ter a possibilidade de perambular pelo mundo e me deliciar com a culinária internacional.
Pensei isso mastigando uma bolacha de água e sal e a última azeitona no pote.
O sonho era voar, gostaria de ser aeromoça.
Então liguei para Stefania.
Stefania ficou entusiasmada com a ideia e me disse que também gostaria. Sua única preocupação era o noivo.
Um tempo depois, com os olhos brilhando e a página arrancada de uma revista, nos encontramos para ler com atenção e entusiasmo estas indicações:
Como se tornar comissário de bordo
“O comissário de bordo é sinônimo de confiança e compromisso, estilo e cordialidade; grande capacidade de organização, tenacidade, resistência ao cansaço e, sobretudo, vontade de trabalhar para os outros, entrando em contato com culturas e países diversos, dotes necessários para lidar melhor com o trabalho.
Nas seleções, busca-se praticidade, capacidade de se antecipar a e resolver problemas, capacidade de se relacionar, responsabilidade, autocontrole, estabilidade emocional, mente aberta e tolerância com o novo.
Características:
Idade entre 18 e 32 anos
Estatura mínima: 164 centímetros para mulheres, 172 centímetros para homens
Escolaridade: nível médio completo
Línguas: italiano e inglês avançado, conhecimento de uma terceira língua preferível
Boas habilidades atléticas e de natação
Sem tatuagens visíveis”.
Tudo estava de acordo com nossas características e aspirações. Podíamos tentar, podíamos conseguir.
Vamos mandar nosso currículo para a companhia aérea o quanto antes – eu disse.
Dito e feito.
Stefania preencheu os formulários, apesar das ameaças veladas do namorado, e enviamos tudo juntas, anexando também fotos tiradas com diligência e atenção.
Eu não disse nada a meus pais, pois estava certa de que eles não aprovariam nem apoiariam minha ideia.
Vai, tira, tira a foto agora!
Escolhemos nossas roupas com cuidado: o look é importante nessas situações, e a roupa formal é a ideal.
Fecha a camisa, por favor.
Não, vira o rosto um pouco para a direita e segura os braços um pouco dobrados, com as mãos nas costas.
Depois de tirar os jeans rasgados, a blusinha vintage do mercadinho de quinta-feira e os tênis rosa-shock de algodão, pus um tailleur azul horrível que usei no casamento da Ágata, uma prima distante, e esqueci no armário por anos; uma camisa branca, meias-calças cor de pele e sapatos de salto alto combinando com a jaqueta completavam o outfit.
Prendemos o cabelo com elásticos pretos e muito laquê, um pouco de maquiagem, um deslumbrante sorriso falso e fomos:
Vou bater a foto.
Perfeitas!
Depois de mais ou menos um mês, recebemos as cartas com o convite para participar das primeiras seleções.
Minhas pernas tremiam enquanto eu abria o envelope; Stefania quase desmaiou.
Aproveitamos para participar de um curso rápido para relembrar o inglês meio enferrujado.
Fui determinada a convencer minha família pelo menos a participar da seleção: minha obstinação venceu. Não conseguiram me impedir de ir e esperaram, como o noivo de Stefania, que eu não passasse nas provas.
Pegamos um avião para chegar a Roma, a cidade de nosso importante encontro.
Stefania precisava comprar uma roupa adequada para a ocasião. Escolheu um tailleur preto, apertadinho mas um pouco rígido, pois seus movimentos ficavam pouco naturais e desconfortáveis nele. Eu arrumei o meu para que ficasse mais sóbrio.
No avião, não era a primeira vez que olhávamos com devota admiração aquelas mulheres uniformizadas que andavam pela cabine com muita desenvoltura e profissionalismo, mas, daquela vez, senti um pouco de inveja.
Logo depois da decolagem, olhei pela janelinha.
Vi encolherem os mesmos carros que via enfileirados todas as manhãs enquanto ia ao trabalho e apertei forte a mão de Stefania.
Passamos sem muito esforço em todos os testes da seleção, que durou diversos dias. Estávamos movidas por uma energia, determinação e entusiasmo inimagináveis, pondo de lado nossa timidez e mostrando até a nós mesmas uma desconhecida propensão à liderança.
A prova com o psicólogo foi, para Stefy, a mais difícil.
Eu fui a primeira a entrar em uma sala iluminada onde encontrei um homem encarregado do último exame antes da minuciosa inspeção médica final.
Esse exame foi, para mim, um papo agradável e relaxante, mas percebi que o homem tentava me deixar constrangida enquanto eu tentava não ceder.
Eu estava feliz.
Inesperadamente e depois de uma breve conversa inicial de apresentação, ele alegou não acreditar que eu fosse aquela pessoa positiva, correta e sociável que eu descrevia. Respondi que sentia muito, mas aquilo não me preocupava, pois sua avaliação talvez resultasse de nossa conversa amigável.
Fui convidada a participar da prova seguinte.
Saindo, pisquei para Stefy.
Não há nada com que se preocupar. Vai tranquila – eu disse.
Stefania entrou logo depois.
Poucos minutos depois, vi-a sair muito séria.
Vai se ferrar, quem aquele mal educado pensa que é?
Stefania, o que aconteceu?
Não sei quem é ele, mas com certeza não quero nunca mais encontrar com um cara como aquele. Ele disse que meu cabelo é bagunçado e minhas roupas inadequadas.
Cabelo bagunçado? Roupa inadequada?
Que mal educado!
Como ele ousa?
Fez umas perguntas inoportunas, muito íntimas, e eu respondi que não eram da conta dele. Depois, me disse: “mas quem você pensa que é?” Naquele ponto, eu já estava bufando de ódio e respondi que ele deveria cuidar o que dizia. Depois, bati a porta na cara dele!
Era nossa teste de tolerância ao estresse. Em um trabalho que envolve contato contínuo com o público, essa é uma habilidade necessária.
Nem preciso dizer que Stefania não foi convidada para a prova seguinte.
Voltou para casa chocada, perguntando onde tinha errado. Seu noivo foi o único que ficou feliz com o insucesso, e suas perguntas ficaram para sempre sem resposta.
Enquanto isso, eu comecei um curso que durou três meses, onde fui treinada para extinguir incêndios e como me comportar em caso de emergência.
Também estudei as questões técnicas de diversos tipos de avião e a composição da bagagem, alguns pontos de medicina para a habilitação em primeiros socorros e, depois de superar os exames de técnica, medicina e inglês, estava pronta para entrar em um avião na posição que tanto sonhei: a de aeromoça.
Durante o curso, conheci três garotas, e ficamos amigas: Eva, Valentina e Ludovica.
Dividimos o quarto de hotel durante todo o período e, depois que assumimos o cargo, decidimos alugar uma casa em uma região perto do aeroporto Fiumicino, nossa base.
Foi assim que começou nossa aventura.