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Capítulo 1

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Horrorizada, Artemisia Bellante olhou para o advogado do pai.

– Mas tem de haver algum erro. O Castello Mireille, hipotecado? Pertence à minha família paterna há gerações. O meu pai nunca mencionou que devia dinheiro ao banco.

– Não o devia ao banco. – Bruno Rossi, deslizou umas folhas para Artie. – Ouviste falar do Luca Ferrantelli? Gere a empresa global de desenvolvimento que era do seu falecido pai. Também produz vinho e está muito interessado em variedades de uva pouco comuns, algumas das quais estão nas terras do Castello Mireille.

Artie pousou o olhar nos papéis e sentiu um calafrio leve.

– Ouvi algumas coisas… – Embora tivesse passado anos isolada na residência familiar, até ela ouvira falar do playboy atraente e multimilionário. E vira fotografias. E ficara afetada como quase todas as mulheres entre os quinze e os cinquenta anos. – Como pôde acontecer? – perguntou. – Sei que o meu pai insistiu em reduzir gastos, mas não mencionou nada sobre pedir empréstimos. Como é que o signor Ferrantelli pode ser o dono de praticamente todo o meu lar? Porque é que o meu pai não me contou?

Era o modo que o pai tinha de obrigar a filha ermitã a sair do ninho? Onde ia encontrar o dinheiro necessário?

Bruno ajeitou os óculos na cana do nariz.

– Aparentemente, o teu pai e o do Luca tiveram uma relação comercial há anos. Ele contactou o Luca para lhe pedir ajuda quando a tempestade atingiu o castello no ano passado. A sua apólice de seguro tinha caducado e teria de vender se não encontrasse quem o financiasse.

– O seguro tinha caducado? – Artie pestanejou. – Porque não me disse? Sou a sua única filha. A sua única família.

– Orgulho. – Bruno Rossi encolheu os ombros. – Vergonha. Remorso. Teve de voltar a hipotecar a propriedade para pagar as reparações. O Luca Ferrantelli parecia a única opção, dado o estado de saúde do teu pai. Mas o plano de reembolso não correu segundo o previsto.

Artie franziu o sobrolho enquanto uma enxaqueca causada pela tensão a apunhalava por trás dos olhos. Era um pesadelo? Ia acordar e descobrir que fora apenas um sonho?

– Sem dúvida, o meu pai sabia que, no fim, teria de devolver todo o dinheiro emprestado ao senhor Ferrantelli. Como deixou que a coisa chegasse tão longe? O senhor Ferrantelli não sabia que o meu pai não ia poder pagar-lhe o empréstimo? Ou tencionava arrebatar-nos o castello desde o começo?

– O teu pai era um bom homem, Artie – Bruno suspirou –, mas não tinha jeito para as contas, sobretudo, desde o acidente. A tua mãe era a única com solvência económica, mas morreu no acidente. O teu pai nem sempre seguia os conselhos dos contabilistas e conselheiros financeiros.

O advogado fez uma careta e continuou.

– Sei que não serei o primeiro a contar-te que mudou muito depois do acidente. Despediu os três últimos contabilistas porque lhe disseram que tinha de fazer mudanças. A oferta de ajuda económica do Luca Ferrantelli permitir-te-ia cuidar do teu pai aqui até à sua morte. Contudo, agora, a não ser que encontres o dinheiro para pagar a dívida, continuará nas mãos do Luca.

Para isso, teriam de passar por cima do seu cadáver. De maneira nenhuma ia renunciar ao seu lar familiar sem lutar. E Artie encontraria uma forma de ganhar.

Artie fez o possível para ignorar as gotas de suor que caíam pelas suas costas. O batimento de pânico no seu peito. As agulhas que se cravavam atrás dos seus olhos.

– Quando e onde é que o meu pai se encontrou com o signor Ferrantelli? Cuidei do meu pai a tempo inteiro durante os últimos dez anos e não me lembro de ter vindo visitá-lo.

– Talvez tenha vindo enquanto estavas fora.

Fora? Artie não saía.

Ela não era como os outros. Estar com mais de uma ou duas pessoas ao mesmo tempo era impossível.

– Talvez… – Artie voltou a olhar para os papéis. A sua fobia social era mais eficaz do que uma prisão. Não saía dos muros do castello desde que tinha quinze anos… e já tinham passado dez.

Uma década.

Segundo sabia, o seu problema não era do domínio público. A dependência que o seu pai tinha dela ajudava a disfarçá-lo. Desfrutara do seu papel de cuidadora. Dera um sentido à sua vida. Quando alguém ia ao castello, tentava manter-se afastada até se irem embora. No entanto, durante os dois últimos anos da sua vida, quase não viera ninguém senão o médico ou os fisioterapeutas. A compaixão acabara por esgotar os supostos amigos. E, sabendo que o dinheiro desaparecera, entendia melhor porque se tinham afastado, um atrás de outro. Tendo estudado em casa desde os quinze anos, perdera o contacto com os seus amigos da escola. Os amigos queriam que socializasse com eles e ela não podia, de modo que eles também se tinham afastado. A sua única amiga era Rosa, a empregada.

Artie respirou fundo e pestanejou para esclarecer a visão. As palavras que leu confirmavam os seus piores receios. Nenhum banco estaria disposto a emprestar-lhe os fundos necessários para arrebatar o castello a Luca Ferrantelli. O único trabalho que tivera fora o de cuidadora do pai. Desde os quinze até aos vinte e cinco anos, tomara conta de todas as suas necessidades. Não tinha nenhuma qualificação, nenhuma habilidade senão a sua afeição pelos bordados.

– E o fideicomisso da minha mãe? Não há suficiente para pagar a hipoteca?

– Há suficiente para que possas viver a curto prazo, mas não para cobrir a dívida.

– Quanto tempo tenho? – Parecia um diagnóstico terminal e, de certo modo, era assim. Não imaginava a sua vida sem o Castello Mireille. Era o seu lar, a sua base, a sua âncora. O seu mundo inteiro.

– Um ano ou dois. – Bruno Rossi ajeitou as folhas. – Mas, mesmo que conseguisses juntar o dinheiro suficiente, este lugar requer muita manutenção. Os danos causados pela tempestade no ano passado evidenciaram como o castello é vulnerável. O telhado da ala norte ainda não foi reparado, já para não mencionar a estufa. Precisarás de milhões de euros para…

– Sim, sim, eu sei. – Artie empurrou a cadeira e limpou as mãos húmidas nas coxas. O castello estava a cair aos bocados. Mas era impensável abandonar o seu lar. Impossível.

O pânico, como milhares de abelhas minúsculas, espicaçou a sua pele. O seu peito afundou-se por baixo do peso que esmagava os seus pulmões, impedindo-a de respirar. Rodeou a cintura com os braços para tentar controlar o ataque de pânico. Há muito tempo que não sofria um, mas a ameaça permanecia latente desde o seu regresso a casa depois do acidente que matara a mãe e deixara o pai numa cadeira de rodas.

Um acidente que não teria acontecido se não fosse por ela.

– Há mais uma coisa. – O advogado pigarreou e o tom formal fez com que Artie tremesse.

– O quê? – perguntou, enquanto tentava manter uma pose fria e digna.

– O signor Ferrantelli tem um plano. Se estiveres de acordo, recuperarás o castello em seis meses.

Artie arqueou as sobrancelhas enquanto a ansiedade a embargava. Como ia poder pagar a dívida em tão pouco tempo?

– Um plano? Que tipo de plano? – perguntou, num tom agudo.

– Não me autorizou a revelá-lo. Insiste em fazê-lo pessoalmente. – Bruno empurrou a cadeira para trás. – O signor Ferrantelli quer ver-te no seu escritório de Milão na segunda-feira às nove da manhã em ponto, para falar das tuas opções.

Opções? Que opções poderia ter? Um terror gélido rasgou-lhe o estômago. Que intenções vis é que Luca Ferrantelli poderia ter? Nem sequer a conhecia. E porque fazia essa exigência?

«Às nove da manhã. Em ponto. No seu escritório. Em Milão.»

Parecia o típico homem habituado a dar ordens e a ser obedecido sem mais nem menos. Mas não tencionava ir a Milão. Nem na segunda-feira, nem nunca. Era incapaz de passar da porta da sua casa sem sofrer um ataque de pânico paralisante.

Artie agarrou as costas da cadeira mais próxima. O coração batia freneticamente.

– Diz-lhe para vir cá. Não posso ir a Milão. Não conduzo e, a julgar pelo que acabaste de me contar, nem sequer posso pagar um Uber.

– O signor Ferrantelli é um homem ocupado. Insistiu que…

– Diz-lhe para vir cá, às nove da manhã, em ponto, na segunda-feira. – Artie endireitou-se e ergueu o queixo, esboçando um sorriso gélido. – Ou não se reunirá comigo.

Na segunda-feira de manhã, Luca Ferrantelli atravessou os portões enferrujados do Castello Mireille no Maserati. O edifício de pedra coberto de uma hera centenária estava rodeado de uns jardins que não eram tratados há anos. Mas a sua habilidade para descobrir um diamante em bruto dizia-lhe que o castello possuía muito potencial.

«E falando de diamantes…»

Olhou para a caixinha de veludo no banco, que continha o anel de noivado da sua avó, e sorriu. Artemisia Bellante seria a sua esposa temporária perfeita. O pai enviara-lhe uma fotografia da filha, pedindo-lhe que cuidasse dela. A fotografia enraizara-se na mente de Luca, florescera, até só conseguir pensar em conhecê-la, em oferecer-lhe um modo de sair da sua situação. Jovem, inocente e o tipo de mulher que o avô aprovaria para um Ferrantelli.

O tempo para convencer o avô a ser tratado com quimioterapia esgotava-se e Luca faria o que fosse preciso, até casar-se com uma herdeira arruinada, para que o avô vivesse mais alguns anos. Afinal de contas, era culpa dele que o nonno tivesse perdido a vontade de viver.

A imagem do pai de Luca, Flavio, e do seu irmão mais velho, Angelo, apareceu na sua mente. Os seus corpos arrastados pelas ondas por causa do seu comportamento adolescente irresponsável e por causa do seu amor por ele, uma combinação letal. Duas vidas, juntamente com a destruição irreparável da felicidade da mãe e dos avós. Por culpa dele.

Luca pestanejou para focar o olhar e agarrou o volante com força. Não podia devolver-lhes a vida, nem desfazer os danos causados à mãe, à nonna e ao nonno. A avó morrera há um ano e o avô perdera a vontade de viver, recusando-se a receber tratamento para o cancro.

Mas tinha um plano. Casar-se com uma jovem devolveria a esperança ao avô de que a dinastia Ferrantelli seguiria em frente.

Artie observou o Maserati azul-escuro a atravessar os portões do castello como um leão à espreita. O ronronar surdo do motor ouvia-se do interior da sala. Os vidros fumados impediam-na de ver o rosto do condutor, mas aquele carro era um reflexo fiel da sua personalidade.

Não diziam que a escolha do carro dizia muito sobre quem o conduzia?

Artie já sabia tudo o que queria saber sobre ele. Mais. Investigara-o na Internet durante o fim de semana. Era um playboy declarado dedicado ao negócio imobiliário que partia corações femininos onde quer que fosse. Mal decorria uma semana sem que aparecesse em alguma revista de braço dado com uma loira fabulosa.

O desportivo parou à frente do castello. Artie respirou fundo enquanto a porta se abria e o coração acelerou ao ver a presença masculina poderosa ao volante. Como é que alguém podia ser tão avassaladoramente atraente?

Um metro e noventa e quatro, musculado e atlético, cabelo preto ondulado penteado ao estilo «recém-saído da cama». Mesmo ao longe, o coração de Artie parava e acelerava como um motor avariado. Como ia poder estar na mesma divisão do que ele, respirar o mesmo ar?

Como se Luca Ferrantelli tivesse sentido o seu olhar, tirou os óculos de sol de aviador e fixou os seus olhos nela. De repente, Artie foi incapaz de respirar. Afastou-se da janela e apoiou-se contra a parede enquanto levava uma mão ao pescoço e o calor enchia as suas faces. Tinha de recuperar. Não podia parecer trôpega e pouco sofisticada, mas estava em clara desvantagem. Ele era famoso pelo seu ritmo de vida. Ela era o patinho feio que não aparecia em público há uma década.

Rosa conduziu Luca Ferrantelli até Artie, cujo coração continuava a dar saltos quando a porta da sala se abriu. E se fosse incapaz de falar? E se corasse?

– O signor Ferrantelli está aqui – anunciou Rosa, antes de abandonar a sala e fechar a porta.

A primeira coisa em que reparou foi que o cabelo não era totalmente preto, pois as têmporas estavam sulcadas de cabelos grisalhos, dando-lhe um aspeto distinto e sábio. Os olhos cor de avelã com bolinhas verdes estavam emoldurados por umas pestanas pretas e espessas. Esses olhos eram um caleidoscópio das cores do bosque. Estava recém-barbeado, mas a sombra à volta do nariz e da boca apontava para umas hormonas masculinas vigorosas.

– Buongiorno, signorina Bellante. – A voz de Luca Ferrantelli era como o seu carro, profunda e com um toque sensual que ela sentiu na base da coluna. O mesmo efeito que o movimento dos seus lábios causou ao pronunciar o nome dela. O lábio inferior era carnudo e sensual, pouco mais do que o superior, e tinha uma covinha no queixo.

Artie apertou a mão que lhe oferecia e sentiu uma corrente elétrica no seu interior. Mão firme, mas delicada. Os dedos eram compridos, bronzeados e peludos, tal como o dorso da mão e o pulso, onde começava o punho da camisa e do casaco, Armani, supôs ela. A loção de barbear tinha um cheiro cítrico embriagador e sofisticado.

– Buongiorno, signor Ferrantelli – cumprimentou ela, tensa até ao estupor.

A sua intenção fora aparentar uma cortesia fria, mas parecia mais uma adolescente embevecida com uma estrela de cinema. Sentiu o calor nas suas faces e o coração a acelerar. Sentiu as hormonas femininas a reagir.

«Larga a mão dele!»

O cérebro de Artie emitiu a ordem, mas a sua mão tinha uma mente própria.

Luca afastou a mão, mas não desviou o olhar. E ela foi incapaz de desviar o dela. Magnéticos e cativantes, os olhos de Luca pareciam arrancar-lhe todos os seus segredos sem revelar os dele.

– Em primeiro lugar, deixe-me oferecer-lhe as minhas condolências pela morte recente do seu pai.

– Grazie. – Apontou para o sofá. – Sentamo-nos? Pedirei café. Como o bebe?

– Forte e sem açúcar.

«É claro.»

Artie chamou Rosa pelo intercomunicador sem parar de olhar para Luca às escondidas. Tudo nele era forte. O queixo, forte. O olhar, forte. O corpo, forte, próprio de um homem que exigia até ao limite, que não permitia que ninguém o impedisse de alcançar os seus objetivos.

Artie sentou-se numa poltrona e Luca fez o mesmo à frente dela. Apoiou relaxadamente um braço nas costas, despertando a inveja de Artie, que teve de pôr as mãos nas coxas para parar o tremor das pernas. Não tremia de medo, mas por causa de uma excitação efervescente. Tentava não olhar fixamente para as coxas musculadas, para os braços bem torneados e para a barriga plana, mas o seu olhar agia com vontade própria. Questionou-se o que estaria a acontecer por trás do seu olhar, se esses lábios tão firmes se suavizariam quando beijasse…

Artie pestanejou e endireitou-se, cruzando as pernas para tentar controlar os impulsos da cintura para baixo. O que se passava? Cerrou os punhos no colo e esboçou um sorriso.

– Como foi a viagem desde Milão? Espero que não se tenha incomodado muito por ter de vir.

O sorriso de Luca e os seus olhos da cor do bosque fizeram algo estranho no seu estômago.

– Não foi um incómodo. Mas ambos sabemos que essa era a sua intenção, não é?

– Signor Ferrantelli – não desviou o olhar –, não obedeço às ordens de um homem.

– Talvez não tenha escolha, dado que sou o dono de noventa por cento do Castello Mireille, a não ser que possa comprar a minha parte em vinte e quatro horas. – A voz de Luca avisava-a de que não devia brincar com ele e só conseguiu fazer com que ela sentisse vontade de o fazer.

– O advogado do meu pai informou-me do acordo económico fora do comum que fez com ele. Não sei porque não comprou a totalidade.

– Estava a morrer e merecia alguma dignidade. – Observou-a, imperturbável.

Artie sorriu com cinismo enquanto a raiva rugia no seu peito.

– Espera que acredite que sentiu compaixão por ele? Enquanto estava a arrebatar-lhe o seu lar?

Luca não mudou de posição, mas uma tensão leve apareceu no seu rosto, endurecendo o olhar.

– O seu pai veio ter comigo em busca de ajuda. Eu ofereci-lha. Foi um negócio limpo. E vim para recuperar o meu investimento.

– Não pode arrebatar-me o meu lar. – Artie levantou-se do sofá com um salto e fulminou-o com o olhar. O peito subia e descia como se acabasse de correr uma maratona. – Não permitirei.

– A minha intenção é devolver-lhe o castello – o olhar de Luca era duro como um diamante –, depois de algum tempo. E em troca de um preço.

– Que preço? – Algo muito pesado aterrou no estômago de Artie. – Já deve saber que não conseguirei juntar o dinheiro necessário para pagar a hipoteca.

– Comutarei a dívida – observou-a –, se aceder a transformar-se na minha esposa durante seis meses.

Doce despertar

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