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Capítulo 2

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Artie olhou para ele, boquiaberta e com o coração a bater no peito como se fosse sair disparado. Ouvira-o bem? Dissera esposa? A mulher com quem o homem escolhia passar o resto da sua vida num acordo de amor e dedicação?

– A sua… quê?

Ele apoiou um tornozelo no joelho contrário e brincou com o fecho das suas botas italianas. Tão relaxado, tranquilo e confiante que era irritante.

– Já ouviu, preciso de uma esposa durante seis meses. No papel.

O tom de segurança na sua voz aumentou ainda mais a rejeição que despertava em Artie.

No papel? Ela esbugalhou os olhos. Era verdade que não era nenhuma modelo, mas, até à data, não partira nenhum espelho.

– Refere-se a um casamento por conveniência?

– É claro.

Porquê «é claro»? A proposta era ridícula e que mulher quereria ser imediatamente desprezada como amante potencial?

«E porque haveria de te desejar?», troçou a vozinha na sua mente. «Quem haveria de te desejar? Mataste a tua mãe, magoaste o teu pai e tudo para ires a uma festa estúpida.»

Rosa, a empregada, apareceu com a bandeja do café. Serviu uma chávena a Luca e outra a Artie, mas, assim que abandonou a divisão, Artie deixou o seu café na mesinha lateral, pois não confiava nas suas mãos trémulas para levar o café à boca seca. A sua consciência tinha razão. Porque haveria de querer, ele ou qualquer outra pessoa, casar-se com ela?

Luca pousou o pé no chão e esticou uma mão para a chávena, como se se tratasse de uma situação habitual e não como se acabasse de pedir uma desconhecida em casamento.

– Posso saber porquê eu? – Artie interrompeu o silêncio. – Sem dúvida, não lhe faltarão candidatas mais adequadas. – Jovens da alta sociedade. Supermodelos. Não uma ermitã como ela.

Luca pousou a chávena no pires com uma precisão irritante e metódica.

– Foi o seu pai que semeou a ideia…

– O meu pai? – Artie quase se engasgou.

– Preocupava-se com o seu futuro, dada a sua situação financeira. Queria deixá-la bem, de forma que pensei num plano para que ambos conseguíssemos o que queríamos. A menina fica com o castello e eu, com uma esposa temporária.

Artie juntou as mãos para tentar controlar a sua pulsação errática. As pernas ameaçavam ceder, mas não queria sentar-se, pois ficaria demasiado perto dele.

– Mas porque quer que seja a sua… esposa? – A palavra era estranha nos seus lábios, mas a sua mente aceitou a imagem e viu-se vestida de branco, de pé junto de Luca à frente do altar. Rodeava-a com os seus braços, atraindo-a para o seu corpo atlético. Os seus lábios aproximavam-se lentamente dos dela e…

– É exatamente o tipo de mulher que o meu avô aprovaria – esclareceu Luca, enquanto deslizava o olhar até aos seus lábios, como se pensasse o mesmo do que ela.

– A sério? – Artie arqueou as sobrancelhas. – Que tipo?

– É doce – ele sorriu com gozo –, caseira ou, pelo menos, foi o que o seu pai me disse.

O que mais é que o seu pai lhe teria contado? Fizera-o prometer que não falaria da sua fobia social. Quebrara essa promessa? Era o seu segredo pequeno e sujo. A dependência do seu pai depois do acidente fizera com que fosse mais fácil escondê-lo dos outros, mas, depois de ele morrer…

Artie manteve uma expressão neutra, ainda que, por dentro, fervesse de raiva. Como é que o pai se atrevera a leiloá-la àquele homem? Era próprio do feudalismo. E porque é que Luca Ferrantelli queria agradar ao seu avô? O que perdia se não o fizesse?

– Ouça, signor Ferrantelli, acho que houve algum mal-entendido entre si e o meu pai. Não me ocorre nenhuma situação em que poderia considerar casar-me consigo.

– Talvez não seja tão doce e submissa como o seu pai me garantiu. – O sorriso brincalhão de Luca aumentou. – Mas não importa. Vai fazê-lo. – O seu olhar percorreu preguiçosamente o corpo de Artie.

Olhou para ele com tal frieza que poderiam ter-se formado pedaços de gelo nas suas pestanas.

– Por favor, vá-se embora. Não temos mais nada para falar.

Luca ficou sentado no sofá, na mesma posição relaxada. Porém, o seu olhar emitiu um brilho que fez Artie interrogar-se se não se enganara ao discutir com ele. Não tinha experiência a lidar com homens poderosos. Não tinha experiência e ponto final.

– A meu ver, não tem escolha. Se não aceder a casar-se comigo, perderá o castello.

Artie cerrou os dentes e os punhos. Teve de se esforçar para não o esbofetear. Viu-se a estampar a mão no seu queixo cinzelado. Imaginou o toque da sua pele, como a agarraria pelo pulso, a puxaria para se apoderar dos lábios dela com um beijo apaixonado…

Não devia ter visto tantas vezes E Tudo o Vento Levou.

– Fora daqui – insistiu, apontando para a porta com o dedo indicador.

Luca levantou o seu corpo alto e musculado do sofá com uma graça leonina e aproximou-se dela. Artie esforçou-se para não recuar, decidida a demonstrar que não a intimidava. Mesmo que o fizesse. Teve de deitar a cabeça para trás para conseguir manter o contacto visual e submeteu o seu corpo traiçoeiro a uma boa descompostura por reagir com a respiração ofegante e o coração acelerado.

– Dou-lhe vinte e quatro horas para considerar a minha proposta.

– Já a considerei e rejeitei-a. – Artie ergueu o queixo, desafiante. – Amanhã, vou dar-lhe a mesma resposta, de modo que não perca o seu tempo, nem o meu, voltando.

O sorriso preguiçoso acendeu uma luz no olhar de Luca, como se estivesse contente.

– Tem muito a perder, signorina Bellante. – Percorreu a divisão com o olhar antes de o devolver aos seus olhos. – Tem a certeza de que quer perder tudo isto por uma questão de orgulho?

– O orgulho não tem nada a ver com a minha decisão. Se alguma vez me casar, será por amor.

«Casar por amor? Tu? E quem vai amar-te?»

– Adora este lugar – o olhar de Luca pousou nos seus lábios –, não é? É o lar familiar há quantos séculos? Se isso não é casar-se por amor, não sei o que é. – O tom grave e meloso da sua voz teve um efeito hipnótico sobre ela. Artie teve de se concentrar em persistir na sua negativa. Seria muito fácil aceder. Todos os seus problemas ficariam resolvidos, mesmo que criasse outros novos e perigosos. Problemas excitantes.

– Claro que amo este lugar. – Cerrou os dentes. – Foi o único lar que conheci.

– Se não quiser casar-se comigo – os seus olhares fundiram-se, o de Luca era sombrio e misterioso –, vai perdê-lo. E arrebatar-lho não vai tirar-me o sono. Os negócios são assim. Pense nisso.

Ela tentou ignorar o brilho cínico nos seus olhos. Tentou ignorar as cobras de pânico que se enroscavam no seu estômago. Tentou não pensar em perder o seu lar, em vê-lo transformado num hotel de luxo cheio de estranhos, ocupando cada canto íntimo.

– Não pode obrigar-me a sair do meu lar. Tenho direitos.

– O seu pai renunciou a eles a meu favor quando me pediu ajuda.

Artie voltou a erguer o queixo e usou toda a sua energia para enfrentar tanto ego.

– Veio aqui à espera que acedesse, não foi? Alguém alguma vez lhe disse que não?

– Não com frequência. – Pôs a mão no bolso do casaco e tirou uma caixinha de veludo. – Isto poderia ajudá-la a tomar uma decisão.

– Acha que consegue subornar-me com diamantes? – Artie olhou para a caixinha, como se fosse uma barata.

– Não só diamantes. – Abriu a tampa, mostrando-lhe um anel brilhante de safiras e diamantes. – Tome. Experimente.

– Não, obrigada. – Ela fixou o olhar em Luca e cerrou os dentes.

Luca fechou a caixinha e deixou-a na mesinha de café. Se o ofendera com a sua rejeição, certamente, não se notava.

– Volto amanhã para saber qual é a sua decisão. Ciao.

Depois de uma reverência brincalhona, saiu da sala e fechou a porta atrás dele.

Artie deixou escapar um suspiro com o corpo trémulo. Antes de cair, sentou-se no sofá. Tremiam-lhe as pernas e as mãos e a cabeça dava voltas.

Como podia estar a acontecer aquilo? Estavam a chantageá-la para se casar com um desconhecido e, assim, conservar o seu lar. Em que é que o pai estivera a pensar ao semear essa ideia na mente de Luca Ferrantelli? Para Luca, era apenas um negócio, mas o que estava em jogo era o seu lar, a sua segurança e o seu futuro. Se perdesse o castello, perderia tudo.

Como é que Luca Ferrantelli se atrevia a propô-lo como se oferecesse uma cenoura a um burro?

Ela não era uma moeda de câmbio. Se achava que estava tão desesperada por encontrar marido que aceitaria o primeiro homem que lho pedisse, enganava-se.

– Vejo que o teu convidado se foi embora. – Rosa entrou na sala para levar as chávenas. – O que queria? – O seu olhar foi diretamente para a caixinha na mesa. – Oh! O que é isso?

– Não acreditarias, mesmo que to contasse. – Artie levantou-se do sofá. – Não sei como consegui não o esbofetear. É o homem mais detestável que alguma vez conheci.

– Como se conhecesses muitos homens… – observou Rosa, com ironia, enquanto abria a caixinha e deixava escapar um assobio. – Mamma mia. É a isto que chamo um anel de noivado.

Artie tirou-lhe a caixinha e fechou-a com força.

– Se esse representa os homens que há lá fora, alegro-me por não conhecer muitos. Sabes o que queria? Que me casasse com ele. Durante seis meses. Um casamento no papel. E sabes o pior? Foi o meu pai que lhe pôs essa ideia na cabeça. O Luca Ferrantelli só vai devolver-me o castello, livre de encargos, se me casar com ele.

– E o que lhe disseste?

– O que achas que lhe disse? – Artie franziu o sobrolho. – Fui muito clara quando me recusei.

– Terias dito que sim se o casamento não fosse no papel? – perguntou Rosa.

– Não, claro que não.

– Então, qual é o problema? Não confias na palavra dele?

Artie apoiou as mãos nas ancas. Sentia o veludo suave na palma da sua mão, mas esforçou-se para o ignorar. Não ia olhar para esses diamantes brilhantes e para a safira de um azul intenso, nem imaginar a sua vida livre de preocupações económicas.

Não consideraria ser a esposa de Luca Ferrantelli. Não, não e não.

– Estás mesmo a dizer que devia aceitar essa proposta absurda? Enlouqueceste? – Artie semicerrou os olhos. – Espera, tu sabias alguma coisa sobre isto? O meu pai falou-te do seu plano?

Rosa pegou na bandeja e segurou-a à frente dela, com uma expressão tão pragmática como sempre.

– O teu pai estava preocupado contigo, com o que te aconteceria quando ele não estivesse cá. Renunciaste à tua vida por ele. Não deveria ter-to pedido, nem deveria ter administrado a propriedade como o fez, mas, depois do acidente, não voltou a ser o mesmo. E, agora, tens a oportunidade de reivindicar a tua vida e a tua herança. E porque é que o teu pai haveria de o pedir ao Luca Ferrantelli se não confiasse que vai fazer o correto? Seis meses não é muito tempo. E, desde que seja tudo legal, não tens nada a perder e tudo a ganhar.

– Não consigo acreditar que pensas que devia casar-me com esse homem odioso. – Artie atirou a caixinha para o sofá.

– Não podes continuar aqui fechada para sempre, Artie. O teu pai queria que superasses a tua…

– Não consigo sair daqui – interrompeu Artie. – Tu devias compreendê-lo. Viste-me nos meus piores momentos. A ansiedade paralisa-me assim que tento sair. Não consigo evitá-la.

Tentara tudo: medicação, psicólogos e mindfulness. Nada a libertara da maldição da sua fobia. E resignara-se a uma vida de isolamento.

– Não terás outro remédio senão abandonar o castello se for vendido – indicou Rosa, muito séria.

A ideia de abandonar o seu lar, de lhe ser arrebatado, causava-lhe calafrios.

– O Luca Ferrantelli é um playboy internacional. – Artie observou a caixinha de veludo. – Muda de amante todas as semanas. Que tipo de marido vai ser?

– Nunca saberás se não te casares com ele, pois não? – replicou Rosa. – Convence-o a casarem-se aqui e, assim, não terás de sair. É um casamento falso, não haverá lua-de-mel. Em seis meses, serás a dona de tudo. Além disso, terás um anel lindo. Problema resolvido.

Uma lua-de-mel! Luca queria uma esposa, mas não desse tipo. Artie sentiu um formigueiro por baixo da cintura ao imaginar as suas mãos a tocar nela, os seus lábios a beijá-la e o seu corpo a fazer-lhe coisas com que fantasiara, mas que nunca experimentara.

Assim que Rosa abandonou a divisão, pressionou as têmporas com os dedos. Em que universo paralelo louco caíra se até a empregada pensava que devia aceitar? A caixinha de veludo preto no sofá branco representava a escolha que devia fazer. As almofadas ainda tinham o rasto do corpo atlético de Luca e o ar continuava a cheirar levemente à loção cítrica. O coração de Artie ainda não recuperara o seu ritmo normal. Alguma vez recuperaria?

Conhecer Luca Ferrantelli fizera-a sentir uma consciência intensa da sua feminilidade. Sentia o corpo vivo como nunca sentira. A sua mente decidira que Luca era o homem mais odioso que alguma vez conhecera, mas o seu corpo não percebera a mensagem e ignorara o guião. Cada olhar que lhe lançara, cada brilho tórrido dos seus olhos cor de avelã, cada sorriso preguiçoso, aquecera o seu sangue e alterara a sua pulsação, queimara o seu cérebro até mesmo ela começar a pensar que devia aceitar a proposta.

Artie aproximou-se do sofá e pegou na caixinha. Pensou que a guardaria no cofre até Luca regressar no dia seguinte. Mas, de repente, os seus dedos abriram-na. O anel chamava-a com os seus brilhos. «Usa-o.»

Era o anel mais bonito que alguma vez vira. Embora não pudesse ir às compras, fazia muitas buscas online. Deslizou um dedo pelo trabalho arabesco, impressionada com o seu desenho e qualidade. O dinheiro não era problema para homens asquerosamente ricos como Luca Ferrantelli. Pensava que bastava mostrar-lhe o anel ridiculamente caro para que ela aceitasse a proposta estúpida sem pensar duas vezes.

Voltou a observar o anel, apreciando o efeito da luz nele. Certamente, seria demasiado grande. Qual era o problema de experimentar? Ninguém tinha de saber.

Tirou o anel da caixinha e deslizou-o pelo seu dedo anelar esquerdo. Estranhamente, encaixava na perfeição. Artie não conseguia desviar o olhar. O brilho dos diamantes e o azul profundo da safira deixaram-na com falta de ar.

– Não te acomodes – disse ao anel. – Não vou ficar contigo.

O anel brilhou.

Artie tirou o anel, pô-lo novamente na caixinha e fechou a tampa, fulminando-a com o olhar como se contivesse um inseto venenoso.

– Não vou olhar outra vez para ti, ouves-me? – Deixou a caixinha na mesa de café e foi para a cozinha.

– O anel fica-te bem? – perguntou Rosa, enquanto preparava os legumes para a sopa.

– O que te faz pensar que o experimentei? – Artie fez uma careta.

– Não é todos os dias que uma rapariga pode experimentar um anel tão impressionante.

– Pensava que ficarias do meu lado. – Artie franziu o sobrolho. – A minha situação não te preocupa?

– Preocupa-me e muito que vás perder tudo se não fizeres o que o Luca Ferrantelli pede – declarou Rosa. – Poderias encontrar outro muito pior como marido. É atraente e rico e, se esse anel for um exemplo, vai mimar-te.

– E se não quiser ser mimada?

– Vês isto? – Rosa pegou numa cebola e segurou-a na palma da sua mão. – Os homens como o Luca Ferrantelli são como esta cebola. Tu só vês a camada de fora, a fachada que ele mostra ao mundo. Se tirares as camadas, verás o homem por trás da máscara. Talvez te surpreendas agradavelmente com o que encontrares.

– E como saberei se tirar essas camadas não vai fazer-me chorar como essa cebola?

– É um risco que terás de correr quando te aproximas de alguém. – Rosa cortou a cebola. – E Deus sabe que nunca vais estar perto de ninguém se continuares a viver aqui sozinha. É um salva-vidas e seria estúpido da tua parte não te agarrares a ele.

Talvez Rosa tivesse razão porque, se Artie não se casasse com Luca Ferrantelli, teria de sair do castello. Para sempre.

Mas como ia fazer com que fosse em seu benefício? O que é que Luca ia fazer por ela em troca? Para além de comprar um anel de noivado impressionante que gritava para abandonar essa caixinha e instalar-se orgulhosamente no seu dedo. Artie regressou à sala e pegou na caixinha. Pensou que ia guardá-la no cofre até ao dia seguinte, mas sem conseguir evitá-lo, tirou o anel e pô-lo novamente no dedo. Prometeu-se que só o usaria durante algumas horas e que o devolveria a Luca no dia seguinte, com um firme «obrigada, mas não».

Não podia casar-se com ele… pois não?

Nessa tarde, Artie estava a fazer um bordado quando, de repente, se apercebeu de que o anel não estava no seu dedo. Levantou-se do sofá com um salto e procurou entre as almofadas. Onde estava? Caíra? Meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus. Esse anel valia uma fortuna e Luca ficaria furioso se ela perdesse o seu maldito anel. Sentiu um nó no estômago. Exigiria que lho restituísse? Sim, fá-lo-ia.

Nesse momento, Rosa entrou.

– Sei que as coisas não estão bem economicamente, mas estão suficientemente más para teres de rebuscar atrás do sofá para encontrar alguma moeda?

– Não encontro o maldito anel de noivado do Luca! – exclamou Artie, enquanto se virava para ela com uma expressão de pânico.

– Não o guardaste no cofre? – Rosa franziu o sobrolho.

– Não. Cometi a estupidez de o usar durante algumas horas. – Artie atirou as almofadas para o chão e começou a levantar os estofos do sofá. – O que vou fazer?

– Terás de pensar no que fizeste antes. – Rosa juntou-se a ela. – Onde estiveste nas últimas horas? Foste ao jardim?

– Não, estive aqui dentro.

Artie esvaziou o cesto de bordados no chão, espalhando dedais, meadas e agulhas em todas as direções. A desordem do chão era um reflexo da sua mente. Caos. Pensamentos confusos. Problemas de consciência.

– Tem de estar aqui em algum lugar. Meu Deus! Como pude perdê-lo?

Artie voltou a guardar os objetos de bordado no cesto e picou um dedo com uma das agulhas.

– Ai! – Levou o dedo à boca e chupou as gotas de sangue enquanto olhava para Rosa com uma expressão funesta. – Não tinha o direito de me oferecer um anel tão caro. Agora, terei de me casar com ele.

«Na verdade, queres fazê-lo, não é? Casar-te com o Luca Ferrantelli proporcionar-te-ia o controlo sobre a tua vida. Dinheiro. Liberdade. Já para não mencionar um marido pecaminosamente atraente, no papel.»

Rosa baixou-se e rebuscou cuidadosamente no cesto de Artie.

– Aqui está – anunciou, enquanto lhe entregava o anel. – Será melhor continuares a usá-lo até o devolveres ao signor Ferrantelli.

«Devolver?»

Perder a oportunidade de recuperar o controlo da sua vida? Perder o seu lar?

Artie deslizou o anel no seu dedo e os seus pensamentos esclareceram-se de repente.

– Não vou devolver-lho. Talvez tenhas razão. Talvez seja a minha única oportunidade de ter o controlo da minha vida. Vou impor as minhas condições. Serão apenas seis meses. O que posso perder?

– O teu coração? – Rosa arqueou uma sobrancelha.

– Isso não vai acontecer. – Artie cerrou os dentes. – Trata-se de um acordo comercial. Se o Luca Ferrantelli consegue manter as suas emoções fora disto, eu também.

Luca não se lembrava de ter sentido tanta vontade de ir a uma reunião como a que sentia enquanto se dirigia, no dia seguinte, de regresso ao Castello Mireille para se encontrar com Artemisia Bellante. Havia algo nela que o intrigava como muito poucas pessoas faziam. Esperara que fosse uma pessoa submissa, mas o seu caráter desafiante fora uma mudança refrescante depois de tantos aduladores que o rodeavam sempre. Era quase impossível desviar o olhar das suas curvas esbeltas, embora generosas, nos lugares adequados, desses olhos castanhos brilhantes, do cabelo castanho-escuro selvagem e encaracolado, do nariz erguido, do queixo desafiante e da boca cor de cereja, tanto que quase lhe propusera um casamento real. No entanto, para ele, não haveria um casamento verdadeiro. Não o queria nem precisava dele. O amor era uma emoção imprudente com o potencial de causar um dano incomensurável. Fora espetador na primeira fila da dor que podia causar.

Contudo, um acordo de seis meses para que o avô acedesse a receber tratamento era factível. Não conseguira salvar o pai ou o irmão, mas podia salvar o avô. E casar-se com Artemisia Bellante era o único modo de o fazer.

Nas suas conversas, Franco Bellante contara-lhe que Artemisia era muito tímida com os homens, mas Luca não o percebera. Mostrara-se descarada e com caráter, com uma sensualidade contida que era irresistível. Percebera os seus olhares discretos para a boca dele e sentira a energia no ar quando os seus olhares se tinham encontrado. Isso significava que poderia querer ajustar os termos do seu casamento no papel?

«Nem penses.»

Luca sabia controlar os seus impulsos. Aprendera, da forma mais difícil, a não se apressar. Artemisia Bellante era a mulher mais atraente que conhecia em anos, mas um acordo era um acordo e a sua palavra, a sua palavra. O casamento duraria seis meses, nem mais um. Os médicos do nonno não lhe davam mais de um ano de vida se não recebesse tratamento em breve. O relógio da vida do idoso avançava e Luca estava decidido a apresentar-lhe a noiva perfeita.

A governanta levou-o à mesma sala do dia anterior, onde Artemisia o esperava junto da janela. Tinha as mãos entrelaçadas atrás dela e parecia tensa. O seu aspeto era régio e elegante, apesar da roupa informal: calças de ganga azuis e uma camisa branca com um lenço estampado artisticamente posto em redor do pescoço. As calças realçavam as curvas das suas ancas e a camisa branca, o tom suave da sua pele. O queixo apontava orgulhosamente para cima e os olhos castanhos brilhavam com um desagrado evidente.

Um desejo ardente e profundo manifestou-se no sexo de Luca. O desagrado que essa mulher mostrava estava a ser muito excitante. Ultimamente, os seus encontros eram demasiado aborrecidos e previsíveis. Contudo, em Artemisia Bellante, não havia nada aborrecido ou previsível.

«Controla-te, amigo. Não queres chegar aí, lembras-te?»

– Buongiorno, Artemisia. – Luca fez uma reverência. – Tomou uma decisão?

– É verdade – respondeu ela. A sua respiração fazia-o pensar num gato encurralado.

– E? – Luca não se apercebeu de que sustinha a respiração até sentir a pressão nos pulmões. Queria-a como esposa. Não aceitaria outra coisa. Tinha de a ter. Não conseguia explicá-lo, mas havia algo nela que satisfazia todos os seus requisitos.

– Vou casar-me consigo.

O alívio que Luca sentiu perturbou-o. Não esperara que o rejeitasse, mas, até àquele momento, não se apercebera de como desejava que aceitasse.

– Ainda bem. Fico contente por ter mudado de ideias.

– No entanto… – Ela arqueou as sobrancelhas. – Tenho algumas condições.

Luca não era dos que permitia que mandassem nele, mas algo na expressão de Artie encorajou-o a abrir uma exceção. O desejo aquecia-lhe o sangue e respirou fundo para inalar o cheiro floral do seu perfume.

– Está bem.

Ela soltou os braços e deslizou as mãos para as coxas. Luca pousou o olhar nas pernas magras e compridas, nas barrigas das pernas bonitas. Usava umas botas de cano alto de couro castanho que elevavam a sua estatura vários centímetros. Mas nem sequer assim chegava aos seus ombros. No entanto, isso não era a única coisa que usava… o anel de noivado da sua avó brilhava, orgulhoso e quase desafiante, na sua mão esquerda. O desenho arabesco escolhido amorosamente pelo seu nonno para o amor da sua vida, a avó de Luca, encaixava na mão de Artemisia como se tivesse sido desenhado para ela. Um alarme tocou no fundo da sua mente. Ia ter de ter cuidado para manter as emoções fora daquilo. A sua relação era um negócio. Não fazia sentido ficar sentimental ao ver o anel da sua avó na mão de Artie. Não havia nada sentimental na escolha desse anel. Poderia ter-lhe comprado outro, mas optara pelo da sua nonna, consciente de que daria autenticidade ao noivado aos olhos do seu avô.

– Sente-se, por favor. – O tom de Artie era de cordialidade fria e tinha um olhar de amargura.

– As damas primeiro… – Luca apontou para o sofá mais próximo dela.

Artie sentou-se, com as mãos a agarrar no joelho e os lábios carnudos fechados.

– Bom, decidi aceitar a sua proposta, com a condição de que nos casemos aqui, no castello. Um casamento íntimo, com o mínimo de convidados.

Aquilo intrigou Luca. A maioria das jovens não sonhava ser uma princesa por um dia?

– Existe algum motivo em particular por que queira casar-se aqui e não em alguma igreja local?

– O funeral do meu pai celebrou-se aqui – Artie pousou o olhar no ombro esquerdo de Luca –, e também o da minha mãe. Muitos dos meus antepassados estão enterrados aqui.

– Sì, mas um funeral é um pouco diferente de um casamento, não é?

– Do meu ponto de vista, não. – Os olhos castanhos fixaram-se nos seus. – Não se trata de um casamento real. Sentir-me-ia incomodada ao profanar uma igreja pronunciando uns votos que nenhum dos dois tem intenção de honrar. Também não quero um casamento grande e deslumbrante com pessoas que não conheço. Seria um desperdício.

Luca não queria saber onde se casavam, desde que o fizessem. Só esperava que o nonno se encontrasse suficientemente bem para viajar da sua casa da Toscana. A viagem não era grande, pouco mais de duas horas de carro.

– Está bem, vamos casar-nos aqui. Eu tomo conta de tudo. Já pedi uma licença para não termos de esperar as seis semanas habituais. O seu pai enviou-me uma cópia da sua certidão de nascimento e passaporte antes de morrer.

– Tinha assim tanta certeza de que aceitaria? – Ela esbugalhou os olhos. – Mas nem sequer me tinha visto pessoalmente até ontem – acrescentou, boquiaberta.

– O seu pai mostrou-me uma fotografia e falava muito sobre si. – Luca encolheu os ombros. – Estava convencido de que seria satisfatória.

– Pensava que um homem da sua posição não teria de recorrer a uma noiva por correio. – Artie descruzou as pernas. As suas palavras estavam carregadas de desprezo. – E se tivesse dito que não?

– Teria encontrado um modo de a fazer mudar de ideias. – Luca sorriu.

– Não consigo acreditar que o meu pai encorajou este plano ridículo para lhe encontrar esposa. – Fulminou-o com o olhar. – Quando se reuniu com ele? Até ontem, nunca o tinha visto aqui.

– Fiz-lhe uma visita no hospital, quando esteve internado com pneumonia no ano passado. Falava tanto de si que despertou a minha curiosidade. Dececionou-me não a ver em nenhuma das minhas visitas, mas ele explicou-me que, desde o acidente, não gostava dos hospitais.

– Contou-lhe mais alguma coisa sobre mim? – Artie mordeu o lábio e desviou o olhar.

– Só que era tímida e que não gostava de festas.

– Sim, bom – deixou escapar uma gargalhada cheia de amargura –, isso é, certamente, verdade.

Luca levantou-se do sofá e aproximou-se de uma mesa sobre a qual descansavam várias fotografias emolduradas. Pegou numa de Artie quando era mais nova, sentada ao colo da mãe.

– A sua mãe era muito bonita. Era inglesa, sì?

– Bom… sim.

– É difícil perder um progenitor quando se é adolescente. – Luca pousou a fotografia na mesa e virou-se.

E era ainda mais difícil quando se era a causa da sua morte. E da morte do seu único irmão. A sensação de culpa nunca o abandonava. Seguia-o. Magoava-o. Não o permitia esquecer. Mantinha-o acordado de noite. Era o seu perseguidor particular, torturando-o.

– Perdeu o seu pai e o seu irmão mais velho quando era adolescente, não foi? – Olhou para ele.

Luca sabia que continuava a aparecer informação online sobre o acidente. Não era fácil, mas continuava a ser acessível se se fizesse uma busca exaustiva. Na altura, fora uma notícia de impacto devido à posição do seu pai nos círculos comerciais.

Ainda via os títulos: «Diretor-geral e o seu filho desaparecem no mar na Argentina».

Não se mencionava nada sobre o papel de Luca no seu afogamento e tinham passado anos antes de descobrir que o nonno usara a sua influência para o proteger.

Outro motivo por que o seu casamento com Artie devia acontecer e depressa. Devia um pouco de paz ao seu nonno na última etapa da sua vida.

– Sim. Eu tinha treze anos. – Esvaziou a sua voz de toda a emoção ao responder.

– Lamento. – Artie fez uma pausa. – A sua mãe ainda está viva?

– Sim. Vive em Nova Iorque.

– Voltou a casar-se?

– Não.

Luca poderia ter preenchido o silêncio profundo que se seguiu com explicações sobre porque a mãe já não vivia em Itália. A dor insuportável. A relação tensa que tinha com ela, impossível de resolver. O buraco que abrira com as suas ações naquele dia fatídico. Nesse dia, não só perdera o seu pai e o seu irmão, perdera toda a família como a conhecia. Até os seus avós, apesar do seu carinho e apoio, tinham sido atingidos pela dor. A família extensa, tias, tios, primos… todos marcados pelas suas ações nesse dia.

– O que a fez mudar de ideias em relação a casar-se comigo? – Luca decidiu que o melhor seria cingir-se ao assunto do seu casamento iminente. – Deixe-me adivinhar. O anel de noivado?

– De certo modo, sim. – Engoliu em seco nervosamente e corou.

– Fica-lhe bem. – Luca não a teria confundido com uma caçadora de fortunas, mas o maldito anel merecia-o. O seu olhar pousou na mão esquerda de Artie. – Espero que não se importe que seja em segunda mão. Pertenceu à minha avó. Deixou-mo no seu testamento.

– À sua avó? – Artie esbugalhou os olhos. – Meu Deus. Ainda bem que…

– O quê? – urgiu-a Luca, intrigado pela expressão reservada e pelo rubor intenso.

– Eu… – Ela voltou a engolir em seco e desviou o olhar. – Perdi-o durante algumas horas. Mas a culpa é sua por me dar um anel tão valioso. Uma herança incalculável, pelo amor de Deus. No que estava a pensar? É claro, devolvo-lho ao fim dos seis meses.

– Não o quero de volta. É um presente.

– Não posso ficar com ele. – Artie olhou para ele nos olhos com uma expressão horrorizada. – Vale uma pequena fortuna, já para não mencionar o seu valor sentimental.

– Tanto me faz o que faz com ele quando o nosso casamento acabar. – Ele encolheu os ombros. – É apenas um anel, sem nenhuma utilidade posterior. Para mim, não significa nada.

– Há alguma coisa que tenha significado para si, para além de ganhar quantias enormes de dinheiro?

– Triunfar nos negócios não é contra a lei. – Luca sorriu. – O dinheiro abre muitas portas.

– E suponho que também feche outras. Como sabe se as pessoas gostam de si por ser como é ou pelo seu dinheiro?

– Sei julgar as pessoas. Depressa descubro os parasitas.

– Bom, bravo! – Ela fez uma careta e olhou para ele com uma expressão de desprezo.

Doce despertar

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