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CAPÍTULO SEIS

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Gwendolyn abre os olhos ao bater a cabeça e observa os seus arredores, sentindo-se desorientada. Ela percebe que está deitada de lado em uma plataforma de madeira dura e que o mundo está se movendo ao seu redor. Gwen ouve um lamento e sente algo molhado em sua bochecha. Ao olhar para o lado, ela vê Krohn deitado ao seu lado, lambendo-a, e seu coração se enche de alegria. Krohn parece doente, faminto e exausto, mas ao menos ele está vivo. Isso é tudo o que importa. Ele também havia sobrevivido.

Gwen lambe os lábios e percebe que eles não estão tão secos quanto antes; ela fica aliviada por ser capaz de lambê-los, pois sua língua tinha estado muito inchada até mesmo que ela a movesse. Ela sente uma corrente de água fria entrar em sua boca e ela observa pelo canto do olho um daqueles nômades do deserto parado sobre ela, segurando um saco e acima dela. Ela engole a água avidamente, dando vários goles, até que ele começa a se afastar.

Quando ele afasta a mão, Gwen estende o braço, agarra o seu pulso e o dirige para Krohn. No início, o nômade parece perplexo, mas então ele percebe e, estendendo o braço, derrama um pouco de água na boca de Krohn. Gwen se sente aliviada enquanto observa Krohn absorver a água, bebendo enquanto continua deitado, ofegante, ao lado dela.

Gwen sente outra sacudida, bate a cabeça na plataforma outra vez e, ao olhar para cima, não vê nada além de nuvens passando pelo céu à sua frente. Ela sente seu corpo sendo erguido cada vez mais alto a cada solavanco e não consegue entender o que está acontecendo ou onde ela se encontra. Ela não tem a forças para se sentar, mas é capaz de erguer seu pescoço o suficiente para ver que está deitada sobre uma plataforma de madeira larga que é içada por cordas em cada uma de suas extremidades. Alguém diante dela está puxando as cordas e, a cada puxão, a plataforma sobe um pouco mais. Ela está sendo levada pela lateral de penhascos íngremes que parecem não ter fim, os mesmos penhascos que ela se lembra de ter visto antes de desmaiar, falésias coroadas por parapeitos e cavaleiros reluzentes.

Gwen se esforça para esticar o pescoço e, ao olhar para baixo, ela imediatamente se sente tonta. Eles estão a dezenas de metros acima do chão do deserto e continuam subindo.

Gwendolyn volta a olhar para cima e vê os parapeitos a trinta metros de distância, sua visão obscurecida pelo sol, e os cavaleiros olhando para baixo, chegando mais perto a cada puxão das cordas. Gwen imediatamente se vira e, ao examinar a plataforma, é inundada de alívio ao ver que todo o seu povo ainda está com ela: Kendrick, Sandara, Steffen, Arliss, Aberthol, Illepra, a bebê Krea, Stara, Brant, Atme, e vários cavaleiros da Prata. Todos eles estão na plataforma, sendo atendido por nômades que derramam água em suas bocas e rostos. Gwen sente uma onda de gratidão para com aquelas estranhas criaturas que haviam salvado as suas vidas.

Gwen fecha os olhos novamente, deita a cabeça sobre a madeira dura com Krohn aninhado ao seu lado e tem a sensação de que sua cabeça pesa centenas de quilos. Ao seu redor, um silêncio confortável preenche o ar, sem qualquer som ali em cima exceto o do vento e das cordas rangendo. Ela já tinha viajado muito, por um longo tempo, e começa a se perguntar quando tudo aquilo chegará ao fim. Logo eles chegarão ao topo e ela só torce para que os cavaleiros, quem quer que fossem, sejam tão hospitaleiros como aqueles nômades do deserto.

A cada puxão, os sóis ficam mais fortes e mais quentes, sem sombra sob a qual eles possam se esconder. Ela tem a sensação de estar queimando, como se estivesse sendo içada até o núcleo do próprio sol.

Gwendolyn abre os olhos ao sentir um solavanco final e percebe que tinha caído no sono novamente. Ela sente um movimento repentino e percebe que está sendo cautelosamente carregada pelos nômades, que colocam ela e seu povo de volta nas lonas, tirando-os da plataforma, e sendo levada até os parapeitos. Gwendolyn sente-se finalmente sendo suavemente colocada em um chão de pedra e olha para cima, piscando várias vezes contra a claridade do sol. Ela está exausta demais para levantar seu pescoço e não tem certeza se ela ainda está acordada ou se está sonhando.

Dezenas de cavaleiros vestindo cotas de malha e lindas armaduras brilhantes começam a surgir, aproximam-se dela e se reúnem ao seu redor, olhando-a com curiosidade. Gwen não consegue entender como aqueles cavaleiros podem estar ali, naquele grande deserto no meio do nada, como eles podem estar montando guarda na parte superior daquele imenso cume, sob a constante presença dos dois sóis. Como eles sobrevivem ali? O que eles estão protegendo? Onde eles haviam conseguido armaduras reais? Aquilo tudo seria apenas um sonho?

Até mesmo o Anel, com a sua antiga tradição de grandeza, tem poucas armaduras a altura das armaduras que aqueles homens estão usando. Aquela é a armadura mais intrincada que ela já tinha visto, forjada em prata, platina e algum outro metal que Gwen não consegue reconhecer, exibindo marcações intrincadas e com armamentos de igual qualidade. Aqueles homens são claramente soldados profissionais. A visão faz Gwen recordar os dias em que ela ainda era uma jovem menina e tinha o costume de acompanhou seu pai em campo; ele tinha tido o hábito de mostrar-lhe os soldados e ela havia gostado da oportunidade de vê-los alinhados com tal esplendor. Gwen se pergunta como tal beleza pode existir e como aquilo tudo pode ser possível.

Ela pensa que talvez ela tenha morrido e aquela seja a sua versão do céu, mas então ela ouve um deles dar um passo à frente, ficando na frente dos outros, remover seu capacete e olhar para ela, seus brilhantes olhos azuis cheios de sabedoria e compaixão. Ele parece ter trinta anos e sua aparência é assustadora, sua cabeça é completamente calva e ele exibe uma barba loura. Claramente, ele é o oficial no comando.

O homem volta sua atenção para os nômades.

"Eles estão vivos?" Ele pergunta.

Um dos nômades, em resposta, estende seu longo cajado e gentilmente cutuca Gwendolyn, que começa a se mover no mesmo instante. Ela quer mais do que qualquer coisa poder se sentar e conversar com eles para descobrir quem eles são, mas ela está muito cansada e com a garganta seca demais para responder.

"Incrível," diz outro cavaleiro, dando um passo adiante com as esporas tilintando à medida que cada vez mais cavaleiros se aproximam, reunindo-se em torno deles. Claramente, eles são todos objetos de grande curiosidade.

"Não é possível," afirma um deles. "Como eles podem ter sobrevivido ao Grande Deserto?"

"Eles não fizeram isso," responde outro cavaleiro. "Eles devem ser desertores e devem ter de alguma forma atravessado a cordilheira, se perdido no deserto e decidido voltar."

Gwendolyn tenta responder para dizer-lhes tudo o que havia acontecido, mas ela ainda está exausta demais para conseguir pronunciar as palavras.

Depois de um breve silêncio, o líder dá um passo adiante.

"Não," ele responde com confiança. "Olhe para as marcas nas armaduras dele," ele pede, cutucando Kendrick com o pé. "Esta não é a nossa armadura e também não é a armadura do Império."

Todos os cavaleiros se aglomeram ao redor, parecendo atordoados.

"Então, de onde eles são?" Pergunta um deles, claramente perplexo.

"E como é que eles sabem onde nos encontrar?" Pergunta outro.

O líder se vira para os nômades.

"Onde vocês os encontraram?" ele indaga.

Os nômades guincham sua responde e Gwen vê o líder arregalar os olhos.

"Do outro lado do muro de areia?" Ele pergunta. "Você tem certeza?"

Os nômades guincham de volta.

O comandante se vira para o seu povo.

"Eu não acho que eles sabiam que estávamos aqui. Eu creio que eles tiveram sorte, os nômades os encontraram e, em busca de uma recompensa, os trouxeram até aqui, confundindo-os com um de nós."

Os cavaleiros se entreolham e fica claro que eles nunca haviam se deparado com uma situação como aquela antes.

"Nós não podemos acolhê-los," afirma um dos cavaleiros. "Você conhece as regras. Se você os deixar entrar, deixaremos um rastro. Não devemos deixar rastros. Nunca. Nós temos que mandá-los de volta para o Grande Deserto."

Um longo silêncio se segue, interrompido por nada, exceto o uivo do vento, e Gwen pode sentir que eles estão debatendo o que fazer com eles. Ela não gosta de quanto tempo eles permanecem em silêncio.

Gwen tenta se sentar para protestar, para dizer-lhes que eles não podem mandá-los embora. Ela sabe que eles simplesmente não sobreviverão – não depois de tudo pelo qual eles haviam passado.

"Se nós fizermos isso," explica o líder, "significará a morte de todos eles. Nosso código de honra exige que ajudemos os desamparados."

"E, no entanto, se nós os acolhermos," responde um cavaleiro, "todos nós poderemos morrer. O Império seguirá o rastro deles e descobrirão o nosso esconderijo. Nós estaremos colocando em risco todo o nosso povo. Você prefere que alguns estranhos morram ou que todo o nosso sofra as consequências?"

Gwen pode ver o líder pensando, dilacerado pela angústia diante de uma decisão difícil. Ela entende qual é a sensação de enfrentar decisões difíceis. Ela está muito fraca para resignar-se a qualquer coisa, exceto permitir-se ficar à mercê da bondade de outras pessoas.

"Pode ser que sim," diz finalmente o líder com um tom de resignação em sua voz, "mas eu não condenarei pessoas inocentes a morte. Eles ficarão conosco."

Ele se vira para seus homens.

"Levem eles para o outro lado", ele ordena com a voz firme, demonstrando toda a sua autoridade. "Vamos levá-los para o nosso Rei e ele decidirá o destino dessas pessoas."

Os homens ouvem a ordem e começam a partir para a ação, preparando a plataforma do outro lado para a descida ao mesmo tempo em que um dos homens volta a olhar para o líder, parecendo incerto.

"Você está violando as leis do rei," o cavaleiro diz. "Nenhum estranho está autorizado a acessar a Cordilheira. Jamais."

O líder olha para ele com firmeza.

"Nenhum forasteiro jamais chegou até aqui," ele responde.

"O Rei pode prendê-lo por isso," rebate o cavaleiro.

O líder não vacila.

"Essa é uma possibilidade que eu estou preparado para enfrentar."

"Você fará isso por estranhos? Inúteis nômades do deserto?" pergunta o cavaleiro com surpresa. "Nós ainda não sabemos quem são essas pessoas."

"Toda a vida é preciosa," o líder responde, "e minha honra vale mais do que mil vidas na prisão."

O líder acena para seus homens, que permanecem à espera, e Gwen de repente é erguida nos braços de um cavaleiro e sente sua armadura de metal contra suas costas. Ele a pega no colo sem esforço, como se ela fosse uma pluma, e começa a caminhar ao mesmo tempo em que os outros cavaleiros recolhem os outros. Gwen percebe que eles estão andando em uma ampla e plana plataforma de pedras no cume da montanha, com aproximadamente cem metros de largura. Eles caminham sem parar e ela se sente à vontade nos braços daquele cavaleiro, mais à vontade do que ela havia se sentido em muito tempo. O que ela quer, mais do que qualquer outra coisa, é dizer-lhe obrigado, mas ela está exausta demais sequer para abrir a boca.

Eles chegam ao outro lado dos parapeitos e, à medida que os cavaleiros se preparam para colocá-los em uma nova plataforma e levá-los para o outro lado do cume, Gwen olha para fora e vê de relance para onde eles estão indo. Aquela é uma visão que ela nunca será capaz de esquecer, uma visão que lhe tira o fôlego. O cume da montanha, erguendo-se acima do deserto como uma esfinge, tem, ela percebe, a forma de um grande círculo, tão grande que desaparece de vista no meio das nuvens. Aquele é um muro de proteção, ela percebe, e do outro lado, lá em baixo, Gwen vê um lago azul cintilante tão grande quanto um oceano, brilhando sob os sóis do deserto. A riqueza do azul e a visão de toda aquela água lhe tiram o fôlego.

E, além disso, no horizonte, ela vê uma terra vasta, uma terra tão vasta que Gwen não consegue ver onde ela termina. Para sua surpresa, a terra é de um verde fértil, uma terra repleta de vida. Até onde ela é capaz de enxergar há fazendas, árvores frutíferas, florestas, vinhedos e pomares em abundância; aquela é, evidentemente, uma terra bastante fértil. Aquela é a visão mais idílica e bonita que ela já tinha visto.

"Bem-vinda, minha senhora," diz o líder, "a terra além do cume."

CAPÍTULO SETE

Godfrey, deitado na posição fetal, é despertado por um gemido persistente e constante que interrompe os seus sonhos. Ele acorda lentamente, sem saber se está realmente acordado ou se ainda está preso em seu pesadelo interminável. Ele pisca sob a luz fraca, tentando livrar-se das lembranças de seu sonho. Ele havia sonhado ser um fantoche, balançando sobre Volúsia e sendo controlado pelos Finianos que, ao movimentarem as cordas para cima e para baixo, moviam os braços e pernas de Godfrey enquanto ele pendia diante da entrada para a cidade. Godfrey tinha sido forçado a assistir enquanto milhares de seus compatriotas eram massacrados diante de seus olhos e as ruas de Volúsia eram preenchidas de vermelho com o sangue dos soldados mortos. Todas as vezes que ele havia pensado que seu martírio tinha chegado ao fim, o Finiano mexia suas cordas novamente, puxando-o para cima e para baixo sem parar…

Finalmente, por sorte, Godfrey é despertado por um gemido e vira o rosto, com a cabeça latejando de dor, para ver que o barulho vem de algum lugar perto dele, onde estão Akorth e Fulton. Os dois estão encolhidos no chão ao lado de Godfrey, ambos gemendo e cobertos de hematomas pretos e azuis. Nas proximidades estão Merek e Ario, deitados imóveis em um chão de pedras que Godfrey imediatamente reconhece como o chão de uma cela de prisão. Todos parecem ter sido torturados, mas, pelo menos, todos eles ainda estão ali e, até onde Godfrey é capaz de dizer, todos ainda estão respirando.

Godfrey fica ao mesmo tempo aliviado e perturbado. Ele fica surpreso por estar vivo depois da emboscada que ele havia testemunhado e espantado por não ter sido abatido pelos Finianos imediatamente após o ataque. Mas, ao mesmo tempo, ele se sente vazio e oprimido pela culpa, sabendo que Darius e os outros tinham caído na armadilha dentro dos portões de Volúsia por sua culpa. Tudo aquilo havia acontecido por causa de sua ingenuidade. Como ele pode ter sido tão estúpido a ponto de confiar neles?

Godfrey fecha os olhos e balança a cabeça, querendo esquecer tudo aquilo e desejando que a noite tivesse sido diferente. Ele havia levado Darius e os outros até a cidade involuntariamente, como cordeiros levados para o abate. Ele ouve os gritos daqueles homens, lutando por suas vidas e tentando escapar, ecoando em seu cérebro repetidas vezes e seu coração não consegue ficar em paz.

Godfrey aperta as mãos em torno de sua cabeça, tentando esquecer tudo aquilo e tentando abafar os gemidos de Akorth e Fulton, ambos claramente com dor por causa de todos os seus hematomas e de uma noite dormindo em um chão de pedra dura.

Godfrey se senta, sentindo que sua cabeça pesa uma tonelada, e observa seus arredores, uma pequena cela contendo apenas ele, seus amigos e alguns outros prisioneiros que ele não conhece, e tira algum consolo do fato de que, dado o ambiente sombrio daquela cela, a morte chegará até eles mais cedo ou mais tarde. Aquela prisão é obviamente diferente da última cela onde eles haviam ficado e se parece mais com uma sala de espera para prisioneiros condenados à morte.

Godfrey ouve, em algum lugar ao longe, os gritos de um prisioneiro sendo arrastado por um corredor e ele percebe: aquele lugar é, na verdade, uma cela para prisioneiros aguardando suas execuções. Ele tinha ouvido falar de outras execuções em Volúsia e sabe que ele e os outros seriam arrastados para fora ao nascer dos sóis, tornando-se atrações para a arena, onde os bons cidadãos de Volúsia poderão vê-los sendo dilacerado até a morte por Razifs antes do início do espetáculo dos gladiadores. É por isso que eles tinham sido mantidos vivos por tanto tempo. Pelo menos agora tudo faz sentido.

Godfrey se ajoelha, estendendo a mão e estimulando cada um de seus amigos na tentativa de acordá-los. Sua cabeça está girando, ele sente dor em todas as partes de seu corpo, ele está coberto de hematomas e contusões e mover lhe causa uma dor insuportável. Sua última lembrança é de um soldado prestes alcançá-lo e Godfrey percebe que deve ter apanhado dos outros soldados depois de ter sido nocauteado. O Finianos, aqueles covardes traiçoeiros, obviamente não tinham tido coragem de matá-lo com suas próprias mãos.

Godfrey leva a mão até a testa, espantado pelo fato de que sua cabeça possa doer tanto mesmo sem que ele tenha bebido. Ele fica em pé, sentindo fraqueza nas penas, e olha em volta da cela escura. Há apenas um único guarda do lado de fora das barras da cela, de costas para ele e apenas observando. No entanto, aquelas celas são feitas com fechaduras resistentes e grossas barras de ferro, e Godfrey sabe que eles não terão uma fuga fácil desta vez. Desta vez, eles estão condenados à morte.

Lentamente, ao lado dele, Akorth, Fulton, Ario e Merek ficam em pé e também começam a analisar seus arredores. Godfrey pode ver a confusão e o medo em seus olhares e, em seguida, o arrependimento à medida que eles começam a se lembrar.

"Será que todos eles morreram?" Pergunta Ario, olhando para Godfrey.

Godfrey sente um buraco no estômago ao mesmo tempo em que ele lentamente assente com a cabeça.

"A culpa é nossa," diz Merek. "Nós os enganamos."

"Sim, isso foi nossa culpa," Godfrey responde com a voz embargada.

"Eu lhe disse para não confiar nos Finianos," declara Akorth.

"A questão não é de quem é a culpa," Ario fala, "mas o que vamos fazer sobre isso. Será que vamos permitir que todos os nossos irmãos e irmãs tenham morrido em vão? Ou será que vamos buscar a vingança?"

Godfrey pode ver a seriedade no rosto do jovem Ario e fica impressionado com a intensidade de sua determinação, mesmo estando preso e prestes a ser morto.

"Vingança?" Pergunta Akorth. "Você está louco? Estamos presos debaixo da terra, atrás de barras de ferro e sob os olhares atentos dos guardas do Império. Todos os nossos homens estão mortos. Nós estamos no meio de uma cidade hostil e de um exército hostil. Todo o nosso ouro está perdido e nossos planos estão arruinados. Que tipo de vingança nós podemos buscar?"

"Há sempre uma maneira," diz Ario, mostrando-se determinado. Ele se vira para Merek.

Todos os olhos se voltam para Merek e ele franze a testa.

"Eu não sou especialista em vingança," Merek diz. "Eu mato homens quando eles me incomodam. Eu não espero pela oportunidade de vingança."

"Mas você é um ladrão," declara Ario. "Você passou toda a sua vida em uma cela de prisão, como você mesmo já admitiu. Certamente você pode nos tirar daqui?"

Merek se vira e examina a cela, as barras, as janelas, as chaves e os guardas – tudo isso com o olhar apurado de um especialista. Ele considera a situação e, então, volta a olhar para eles com uma expressão séria no rosto.

"Esta não é uma cela de prisão comum," ele explica. "Deve ser uma célula Finiana, um trabalho muito caro. Não vejo pontos fracos ou alguma saída, por mais que eu gostaria de dizer o contrário."

Godfrey, sentindo-se sobrecarregado e tentando ignorar os gritos dos outros prisioneiros no corredor, caminha até a porta da cela, pressiona a testa contra o ferro frio e pesado e fecha os olhos.

"Traga-o aqui!" Dispara uma voz do fundo do corredor de pedra.

Godfrey abre os olhos, vira a cabeça e, ao olhar para o corredor, vê vários guardas do Império arrastando um prisioneiro. O prisioneiro usa uma faixa vermelha por cima do ombro, atravessando o seu peito, e é carregado nos braços dos soldados sem relutar, sem ao menos tentar resistir. Na verdade, quando ele se aproxima, Godfrey percebe que eles o estão arrastando enquanto ele parece estar inconsciente. Algo claramente está errado com ele.

"Você está me trazendo outra vítima da peste?" O guarda grita com desdém. "O que você espera que eu faça com ele?"

"Isso não é problema nosso!" Os outros guardas respondem.

O guarda de plantão demonstra uma expressão de medo e começa a erguer as mãos.

"Eu não vou colocar minhas mãos nele!" Ele diz. "Coloquem-no poço com as outras vítimas da peste."

Os guardas olham para ele interrogativamente.

"Mas ele ainda não está morto," eles respondem.

O guarda de plantão faz uma careta.

"Você acha que eu me importo com isso?"

Os guardas trocam um olhar e, em seguida, seguem as ordens do guarda, arrastando o prisioneiro para o outro lado do corredor da prisão e jogando o homem dentro de um grande poço. Godfrey vê que o poço está cheio de corpos, todos eles cobertos com a mesma faixa vermelha.

"E se ele tentar fugir?" Os guardas perguntam antes de se virar.

O guarda comandante sorri um sorriso cruel.

"Você não sabe o que a peste faz a um homem?" Ele pergunta. "Este homem estará morto ao amanhecer."

Os dois guardas se viram e vão embora, e Godfrey olha para a vítima da peste, deitado ali sozinho naquele poço subterrâneo, e de repente têm uma ideia. É um plano tão louco que é provável que ele funcione.

Godfrey olha para Akorth e Fulton.

"Deem-me um soco" Ele pede.

Akorth e Fulton trocam um olhar intrigado.

"Eu estou pedindo para que vocês batam em mim!" Repete Godfrey.

Eles balançam a cabeça.

"Você está louco?" Pergunta Akorth.

"Eu não vou lhe dar um soco," Fulton entra na conversa, "por mais você possa merecê-lo."

"Eu estou lhes ordenando que me deem um soco!" Godfrey exige. "Com força, no rosto. Quebrem o meu nariz! AGORA!"

Mas Akorth e Fulton se viram.

"Você ficou louco" Eles dizem.

Godfrey olha para Merek e Ario, mas eles também recuam.

"Não quero saber o que aconteceu," Merek diz, "Mas eu não quero participar disso."

De repente, um dos prisioneiros se aproxima de Godfrey.

"Não pude deixar de ouvir sua conversa," ele diz, exibindo um sorriso banguela e soltando um bafo horrível na direção de Godfrey. "Eu ficarei mais do que feliz em bater em você, nem que seja para fazê-lo calar essa boca! Você não tem que me pedir duas vezes."

O prisioneiro dá um golpe certeiro no nariz de Godfrey com os nós de seus dedos ossudos e Godfrey sente uma dor aguda atravessar seu crânio ao mesmo tempo em que ele grita, levando as mãos ao nariz. O sangue esguicha por todo o seu rosto e escorre pela sua camisa. A dor é tão intensa que Godfrey perde temporariamente a visão.

"Agora eu preciso daquela faixa," diz Godfrey, voltando-se para Merek. "Você pode pegá-la para mim?"

Merek, intrigado, segue a direção dos olhos de Godfrey e vê o prisioneiro deitado inconsciente no poço.

"Por quê?" Ele pergunta.

"Faça o que eu estou lhe pedindo," Ordena Godfrey.

Merek franze a testa.

"Se eu amarrar algo, talvez eu possa alcançá-la" Explica ele. "Alguma coisa comprida e fina."

Merek estende a braço, coloca as mãos na gola de sua camisa e extrai um pedaço de arame dela; então, ele o desdobra e percebe que o arame é longo o suficiente para suas necessidades.

Merek se inclina contra as grades da prisão, com cuidado para não alertar o guarda, e estende a mão com o arame, tentando pescar a faixa. Ele começa a arrastá-la pelo chão, mas ela logo cai.

Ele tenta várias outras vezes, mas o cotovelo de Merek fica preso nas barras da cela. Seus braços não são magros o suficiente.

O guarda se vira na direção deles e Merek rapidamente recolhe o braço antes que possa ser visto.

"Deixe-me tentar," Pede Ario, dando um passo à frente quando o guarda lhes dá as costas novamente.

Ario segura o arame, estica o braços através das barras e, por ser muito magra, ele consegue enfiá-lo através das barras da cela até o ombro.

Aqueles centímetros a mais são exatamente do que eles precisam. O arame alcança o fim da faixa vermelha e Ario começa a puxá-la em sua direção. Ele para quando o guarda, cochilando de costas para eles, levanta a cabeça e olha em sua direção. Todos eles esperam, suando e rezando para que o guarda não veja o que eles estão fazendo. Eles esperam pelo que parece uma eternidade, até que finalmente o guarda começa a cochilar novamente.

Ario puxa a faixa cada vez mais perto, deslizando-a pelo chão da prisão, até que, finalmente, ele consegue puxá-la para dentro da cela.

Godfrey estende o braço e veste a faixa, e todos eles se afastam dele com medo.

"Que diabos você está fazendo?" Pergunta Merek. "A faixa está contaminada com peste. Você pode infectar todos nós."

Os outros presos na cela também recuam.

Godfrey olha para Merek.

"Eu vou começar a tossir e não vou parar," Ele diz enquanto veste a faixa e seu plano vai tomando forma em sua mente. "Quando o guarda se aproximar, ele verá o meu sangue e esta faixa, e você vai dizer a ele que eu estou com a peste e que eles cometeram um erro em não me separar do grupo."

Godfrey não perde tempo. Ele começa a tossir violentamente, espalhando o sangue em seu rosto para ficar com a pior aparência possível. Ele tosse mais alto do jamais havia tossido antes até que, finalmente, ele ouve a porta da cela se abrir e os passos do guarda.

"Façam seu amigo calar a boca," Diz o guarda. "Vocês estão entendendo?"

"Ele não é meu amigo," Responde Merek. "Apenas um homem que nós conhecemos. Um homem contaminado com a peste."

O guarda, perplexo, olha para baixo, nota a faixa vermelha e seus olhos se arregalam.

"Como ele entrou aqui?" Pergunta o guarda. "Ele deveria ter sido separado."

Godfrey tosse cada vez mais, todo o seu corpo torturado pelo acesso de tosse.

Ele logo sente mãos ásperas agarrando-o e arrastando-o para fora aos empurrões. Ele tropeça e, com um último empurrão, é atirado dentro do poço com as outras vítimas da peste.

Godfrey cai em cima de um corpo infectado, tentando não respirar muito fundo e virando a cabeça na outra direção para não se contaminar com a doença do homem. Ele reza a Deus para que isso não aconteça. Aquela certamente será uma longa noite, deitado ali, mas ele não está sendo supervisionado agora e, quando o dia amanhecer, ele poderá sair. E então, ele irá atacar.

Um Sonho de Mortais

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