Читать книгу Pintar Com O Dragão - Ольга Крючкова - Страница 5
ОглавлениеCapítulo 1 . Ōi e o Casamento dos Ratos
No décimo nono ano do reinado do Imperador Kōkaku (1798, reinado do 119 imperador).
Na ilha de Honshu, na sua parte mais a leste está localizada a cidade de Edo1. Tinha uma riqueza histórica. Era uma vez, um terreno pantanoso onde é atualmente a cidade. E sítio onde o Rio Sumida banhava uma baía chamada "Edo", que significa "portão da baía" ou "boca do rio".
No longínquo século XII, há cerca de seiscentos anos atrás, um governante local construiu uma pequena fortificação nesta zona. Contudo, a história oficial da cidade de Edo começou mais tarde, trezentos anos mais tarde (1456). Quando um governante dessa época pertencente ao clã dos Uesugi chamado Ōta Dōkan, ordenou a construção de um pequeno castelo para se defender dos seus inimigos. Foi à data do término da construção deste castelo que se atribuiu a fundação da cidade de Edo.
Gradualmente, a cidade e o castelo foram crescendo. No entanto, doze anos após a sua formação oficial (1468), Ōta Dōkan foi assassinado, e assim Edo rapidamente caiu em desgraça. Pouco transformada, a cidade tinha mais de cem anos.
Mas como todos sabemos, mais tarde ou mais cedo tudo acaba. E pouco mais de um século depois2, estas terras foram anexadas aos títulos de3 Tokugawa Ieyasu. À época, o castelo erigido por Ōta Dōkan estava deplorável. Os locais tinham-se fixado em pequenas povoações à volta do castelo. A cidade nem tinha uma muralha para se proteger!
Ieyasu Tokugawa, sendo ele uma pessoa de mente aberta e inteligente, rapidamente percebeu que a cidade de Edo representava grande vantagem económica e estratégica. Assim sendo, começou por impulsionar a cidade e restaurar o castelo.
Nove anos mais tarde, quando no futuro se tornou Tokugawa shogun4 a segunda pessoa mais poderosa do país. Edo transformou-se numa cidade cheia de vida. De forma a assegurar o controlo sob os seus territórios, Ieyasu ordenou a construção de cinco estradas principais a partir de Edo. Cada uma destas estradas ligava a cidade às principais estradas do império.
Ao tornar-se num Shogun (em 1603), Tokugawa decidiu fazer de Edo a sua residência. Nos anos seguintes dedicou-se exclusivamente a expandir e a aperfeiçoar o castelo de Edo. O centro da cidade foi construído tendo por base o modelo da capital Heian. Esta por sua vez foi construída seguindo os exemplos clássicos das antigas capitais chinesas.
(Heian era chamada de capital da paz; o seu outro nome é Miyako.) A capital foi desenhada de acordo com o plano urbanístico chinês em "xadrez". Na parte Nordeste, as primeiras linhas de casas de Heian, que estão mais próximas do Mikado (Imperador) pertencem ao tribunal aristocrático. Elas elevam-se entre a primeira e segunda linha onde as ruas de Konoe, Nakamikado e Ōimikado se intersetam juntamente com as grandes estradas de Higashi no Toin, Nishi no Toin e Horikawa. Quanto mais afastadas da primeira linha fossem as casas, menos posses tinha o seu proprietário. Na parte Oriente e Ocidente de Heian havia dois mercados com a mais variada gama de produtos. E ainda havia mais dois templos na parte Sul. As restantes edificações religiosas localizavam-se fora de Miyako. Na parte central da cidade estava a avenida de Suzaku. Se observada pelos olhos de um pássaro durante um voo a cidade assemelhava-se a um retângulo.
Resultante desta situação, a área que envolvia o castelo também sofreu alterações: os pantanos estão cobertos e as colinas niveladas.
Vários materiais de construção foram trazidos através do canal que ligava a baía ao centro da cidade.
Bem como, a ponte de Nihonbashi construída alguns anos mais tarde, que significa "Ponte Japonesa" foi considerada lugar de destaque pelo país. Por ordem dada por Tokugawa, durante séculos todas as distâncias eram calculadas através desta ponte.
Consequentemente, os Shogun atraíram a chegada de cientistas, artesãos, artistas e escritores a Edo. E assim, a cidade foi crescendo e tornando-se o centro cultural do país. Quando comparada à Europa, Edo na sua dimensão superava grandes metrópoles como Londres ou Roma.
Posteriormente (em 1645) foram divididos os vários distritos da cidade. A entrada para cada um dos distritos era feita por vários portões, que estavam fechados desde a meia hora do porco até de madrugada5. O motivo destas medidas era evitar motins durante a noite, mas também para dificultar atividades criminais da máfia que existia em Edo.
Para além disso, tal como qualquer outra cidade com vários edifícios os fogos eram uma recorrente em Edo. Havia sempre um grande incêndio a cada três anos. Deste modo, para resistir ao destrutívo elemento do fogo, formou-se o primeiro grupo de bombeiros durante o reinado do terceiro shogun Tokugawa Iemitsu6. Por fim, os cidadãos começaram a ajudar a apagar os fogos e como resultado surgiram novos grupos de bombeiros rapidamente. No entanto, esta medida não ajudava a solucionar o problema por completo.
A outra patologia, para além dos fogos, que o Japão padecia tal como outras cidades era os sismos. Infelizmente, era impossível as pessoas resistirem ao seu poder destrutivo.
E claro que era em Edo o famoso distrito de Yoshiwara da Luz-vermelha. É de notar que durante o reinado do primeiro shogun Tokugawa Ieyasu, a prostituição de homens e mulheres estava amplamente disseminada pelo Japão. O que levou a que o segundo Tokugawa shogun, Hidetada7, criasse um decreto especial no décimo segundo ano do seu reinado (em 1617). De acordo com este decreto, a prostituição era ilegal fora e em especial dentro dos distritos fechados. Sendo estes Shimabara em Heian, Shinmachi em Osaka e Yoshiwara em Edo. Em Yoshiwara, mais de metade das cortesãs japonesas oficiais pertencentes à corte de yūjo trabalhava em Yoshiwara.
Em Yoshiwara, mais de metade das cortesãs oficiais japonesas de yūjo estavam referenciadas. Muitas mulheres foram parar ao distrito da Luz-vermelha quando eram ainda crianças: foram vendidas pelos pais com idades entre os sete e os doze. Algumas tiveram mais sorte e tornaram-se aprendizas de cortesãs de sucesso de classe alta. E quando as raparigas terminavam os seus estudos, elas próprias tornavam-se cortesãs.
Contudo, muitas mulheres de Yoshiwara sofriam com doenças sexualmente transmissíveis. Muitas das yūjo tinham sífilis entre outras maleitas terríveis.
Para as yūjo, deixar Yoshiwara só era possível de duas formas: ou eram compradas por um homem rico para ser sua mulher ou concubina ou se uma mulher as comprasse. Claro que a última hipótese só acontecia se a mulher fosse uma yūjo muito bem-sucedida. Embora fosse raro acontecer: muitas trabalhadoras dos bordéis morriam cedo devido a doenças sexualmente transmissíveis ou de abortos mal sucedidos antes do final dos seus contratos. Tipicamente, o contrato com um bordel findava em cinco ou dez anos, mas muitas mulheres tinham dividas exorbitantes que as prendiam lá para o resto da vida.
Afinal as raparigas tinham de pagar não só o valor da divida pela qual foram compradas. Tal como o total acumulado dos gastos durante a sua aprendizagem no bordel enquanto eram aprendizas. Até que começassem a trabalhar e dar lucro, as raparigas eram da total responsabilidade do bordel. Era lhes providenciada roupa e comida. E todas estas despesas eram eventualmente somadas à sua divida inicial juntamente com uma taxa de interesse.
Comprar-se a si própria não era tarefa fácil. Para além disso os serviços das cortesãs eram pagos pelos clientes ao proprietário do bordel. Estes por sua vez ficavam com a maior parte dos lucros para si. Visto que, manter um bordel não era tarefa fácil. Era preciso comprar aprendizas, comprar bebidas e comida para os clientes. E ainda pagar todos os gastos com a alimentação das aprendizas e trabalhadoras do bordel. Todas estas despesas eram deduzidas dessa percentagem dos lucros que iam para as raparigas. Deste modo, elas nunca recebiam assim tanto dinheiro como podia parecer à primeira vista. Embora os clientes também podessem dar presentes às cortesãs e deixar gorjetas adicionais. Tudo isso ficava para as raparigas.
Mas por outro lado as cortesãs tinham de comprar cosméticos e quimonos para elas próprias. Mas compensava bastante. E era assim que poucas se conseguiam salvar a si mesmas.
... Quanto às classes sociais, estas não estavam fortemente enraizadas na sociedade de Yoshiwara. Qualquer plebeu com dinheiro suficiente era servido de forma igual a um samurai. A permanência de samurais em Yoshiwara não era aprovada, mas eles iam lá na mesma com alguma frequência. A única coisa que lhes pediam era que deixassem as suas armas à entrada do portão.
Ao mesmo tempo, Yoshiwara era uma zona de comércio auspiciosa. A moda na cidade estava sempre a mudar, o que criou uma grande necessidade de consumo de novas roupas e joias. Claro que, tradicionalmente, os trabalhadores do distrito da Luz-vermelha estavam autorizados a usar apenas modestas roupas azuis. Esta regra raramente era seguida. Por exemplo, as cortesãs da mais alta classe, oiran e tayu vestiam frequentemente quimonos bastante vistosos, e o seu cabelo adornado com elegantes e ostentosas joias. A moda representava uma importância tal em Yoshiwara que frequentemente servia de palco às novas tendências, que mais tarde eram encontradas em todo o Japão.
A propósito as cortesãs estavam dividadas por classes e estatutos. Estas incluíam: yūjo — "mulheres para prazer" ou simplesmente prostitutas. Também havia jovens aprendizas kamuro, aprendizas mais velhas shinzô, cortesãs de classe mais baixa hashi e cortesãs de classe alta kôshi (este título era considerado um pouco mais baixo que tayu). E por fim, tayu e oiran — as cortesãs da mais alta classe e mentoras de oiran, yarite. Também havia prostituição masculina.
Para além das cortesãs também havia geishas cujo nome significa "pessoas da arte" e as suas aprendizas as maiko. Ao contrário das cortesãs, as geishas estavam proibidas de enveredar pela prostituição. Assim sendo, elas simplesmente entretinham os seus visitantes com danças, canções, cerimónias de chá e conversavam. Contráriamente às cortesãs, que apertavam o obi (sash) com um simples nó à frente, a geisha apertava o nó atrás. E a geisha apenas podia apertar ou desapertar o nó do obi com a ajuda de uma criada.
E é óbvio que, em Yoshiwara, junto com os clientes habituais havia visitas de vários artistas para desenharem os retratos das beldades, bijin-ga.
Um desses artistas foi Tokitarō, mais conhecido pelo seu pseudónimo Katsushika Hokusai.8. Muitas pessoas o tratavam assim.
Hokusai nasceu há trinta e oito anos, num subúrbio pobre chamado Katsushika, na família de um artesão. A sua mãe era uma concubina do seu pai, desta forma, o rapaz nunca poderia ser herdeiro. Quando ainda era muito jovem foi entregue a um homem que fabricava espelhos para os shogun.
Hokusai começou a desenhar muito cedo, pois o trabalho do seu mentor incluía a pintura dos mesmos.
Aos dez anos, com o nome de Tetsuko, o rapaz tornou-se vendedor de livros. Ele deixou o seu mentor anterior pois queria encontrar o seu próprio caminho criativo. Até certo ponto, trabalhar numa livraria ajudou-o — aí aprendeu a ler e a escrever, e aprendeu mandarim.
Contudo, as suas pesquisas criativas não terminaram ali, mas pode dizer-se que foi ali que começaram. A partir dos treze anos, o futuro Hokusai começou a trabalhar no atelier do gravurista. E nas gravuras, enquanto fazia várias experiências de iniciante.
Mas o trabalho de gravurista também parecia bastante limitante para o futuro Hokusai. Estas também eram limitativas das suas próprias visões artísticas. Continuando, aos dezoito anos Hokusai tornou-se aprendiz no estúdio de Katsukawa Shunshō9, o mestre de ukiyo-e — o mundo pairando.
Hokusai provou ser um aprendiz bastante capaz, um trabalho notável segundo o seu professor. Para Shunsyo ele era o seu preferido e distinguia-o do resto dos seus pupilos. Hokusai podia até mesmo assinar os seus trabalhos com o pseudónimo Shunrō, criado pelo próprio professor.
A partir dos vinte e cinco anos, Hokusai obteve autorização para publicar os seus próprios trabalhos. E esta foi a sua primeira experiência pessoal com várias formas gravura teatral. O jovem artista desprezava os retratos dos atores famosos dessa época, a sua popularidade foi comparável à do seu mestre, Shunshō. E assim Hokusai começou o seu próprio estilo de trabalho.
Para além dos retratos de atores de teatro, ele também ilustrava livros. As pluralidades de géneros exigiam que o artista retratasse várias cenas: ambas da vida quotidiana ou da história. Mais precisamente as segundas, pois eram necessárias para retratar a história do Japão.
Shunshō faleceu quando Hokusai fez trinta e dois anos. A escola foi liderada por um antigo aprendiz do artista falecido, Katsukawa Shun'ei. Foi na mesma altura que Hokusai saiu da escola. Sentia um pesar devido aos seus deveres de aprendiz; faltava-lhe liberdade criativa.
Paralelamente, sair da escola foi difícil para Hokusai. Durante os dois anos seguinte (1793-1794), o artista viveu em pobreza e fez alguns negócios dúbios por falta de dinheiro. Contudo, foi estudando outras escolas e estilos artísticos, desenvolvendo um estilo completamente novo. Até certo ponto estes dois anos tornaram-se um ponto de viragem na sua carreira.
E devido a isso a vida de Hokusai ficou mais ou menos estável. Ele criou várias pinturas, desenhou ilustrações para livros. Três anos mais tarde o artista começou a assinar com o seu próprio pseudónimo, Katsushika Hokusai.
Apesar das suas buscas criativas o artista não pôs de parte a hipótese de se casar, por duas vezes. A primeira mulher de Hokusai morreu cedo, deixando-o com duas crianças. A segunda mulher até à data está viva e bem de saúde. Ao todo Hokusai teve cinco crianças: três filhos e duas filhas.
Os seus filhos já eram crescidos e tinham as suas próprias vidas. Mas as suas filhas ainda não eram adultas. A filha mais velha chamava-se Tatsujo, e tinha feito dez anos há pouco tempo. E o nome da sua filha mais nova era Ōi10,e tinha feito sete anos há pouco tempo.
As irmãs não se davam muito bem, brigavam e discutiam com frequência. E naquela manhã de primavera a família Katsushika, numa casa antiga, mas um lar bem apresentável, acordou com uma discussão. No espaço que estava decorado pelo tatami e decoração simplista, ouviam-se os gritos agudos de raparigas. Embora a sala fosse espaçosa, talvez a sala não tivesse espaço para mais nada naquele momento. Nem móveis requintados, nem tão pouco decorações requintadas. A sala era tão comum quanto qualquer outra sala típica nas casas dos cidadãos de Edo. Mas havia duas notáveis pinturas com paisagens nas paredes: uma com macieiras em flor e outra com o mar. Claro que foi Hokusai quem as desenhou.
"Ōi, tu não sabes apertar um obi! já tens sete anos, mas continuas a pedir ajuda à mãe!" Dizia a Tatsujo num tom condescendente. Ela era uma rapariga com a altura certa para a sua idade com longos cabelos negros, elegantemente apanhados, e vestia um quimono rosa-claro. E lançando um olhar presunçoso a Ōi disse: "Mas como tu sabes, se uma mulher não sabe como apertar um obi, é como se não soubesse nada!"
Indignada a irmã mais nova disse: "Eu sei apertar o obi!" Parecia demasiado nova para a sua idade e era mais alta do que a Tatsujo. Ela vestia um quimono amarelo e trazia o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo. "Até mesmo com um simples nó eu consigo!"
"Não consigo perceber como, não consigo perceber como!" A Tatsujo continuava a sua provocação.
Um grito de guerra foi solto por Ōi, uma batalha estava prestes a começar. Felizmente, Okiko a mãe elas, interviu a tempo. Rigidamente a mulher disse às suas filhas:
"Vocês são raparigas, mas comportam-se como rapazes! E enquanto forem assim indelicadas. Ou continuarem com este comportamento, nenhuma das duas se casará!"
A última frase fez com que Tatsujo voltasse à realidade. A simples ideia de nunca se casar deixava a rapariga estremecida. Por outro lado, a Ōi suspirava com revolta. Era certo que, ela não se queria casar. Em vez disso a rapariga sonhava em tornar-se uma artista, tal como, o seu pai.
A Ōi sempre foi fascinada por pinturas e telas em branco. Ela gostava de ver a forma como o pincel deslizava na tela em branco e criava diversos universos: paisagens, retratos, criaturas míticas, ilustrações para livros fossem quais fossem as imagens. Isto deixava-a hipnotizada.
A Ōi adorava desenhar. Os pais em nada se opunham ao hobbie da filha, embora Tatsujo tentasse pigarrear frequentemente a sua irmã com isso. Ela disse, debatendo um dos seus temas favoritos, a Ōi não sabe fazer nada, incluindo desenhar, e que nunca se iria casar. Tatsujo percebeu que o que realmente ofendeu Ōi, não foi dizerem-lhe que nunca se se iria casar, mas sim que ela não sabia fazer mais nada. Ficou especialmente melindrada relativamente ao desenho! Ōi achou aquele comentário bastante insensato até porque Tatsujo pintava bem pior.
... Depois de uma discussão com a sua irmã, a Ōi decidiu ir dar uma volta. A família Katsushika vivia agora numa zona urbana, calma e bastante decente. Por conseguinte, os seus pais permitiam que as suas filhas andassem sozinhas, desde que não se afastassem muito de casa.
Assim que a Ōi saiu de casa, ouviu logo uma voz ameninada jubilosa:
"Ōi! Vem brincar connosco!"
Quando se virou a menina viu os seus amigos: a filha do mercador, a Satsuki, uma menina bastante bonita que, iria obviamente tornar-se num tipo de beleza rara no futuro. Mas também o filho do artesão Shotaro, um rapaz baixo, forte e com cabelo curto. Os rapazes davam-se muito bem e era comum jogarem juntos, à bola, às escondidas, aos ninjas e muito mais.
Agora foi a vez da Satsuki dizer:
"Ōi, anda estamos a jogar às escondidas!"
"Com todo o gosto! Quem é a contar?" a menina estava contente.
"Shotaro!" exclamou Satsuki.
"O quê? Não é justo! Ainda agora fui eu!" o rapaz estava revoltado.
"Mas as meninas riram-se e respondendo em uníssono, disseram:
"Conta, conta! Conta até cem, nós vamos nos esconder!"
E assim fugiram. O Shotaro respirou profundamente aborrecido, mas cumpriu e começou a contar até cem.
Ouvia-se a voz do menino a contar na rua "Um, dois..."
Entretanto as meninas foram se esconder. A Satsuki decidiu esconder-se atrás de uma barreira numa das casas. A Ōi hesitu um pouco, mas subitamente achou ter uma ideia genial. A menina correu para uma falha entre as casas, decidindo que aquele sério o esconderijo ideal.
A Ōi corria e corria, mas a falha não parecia ter qualquer fim à vista. Subitamente, começou a sentir algo de estranho à sua volta. À sua volta havia vários ratos que apareciam do nada. Porém, o mais estranho é que estes ratos estavam vestidos com quimonos, cada um à sua maneira e.… tinham vozes de humanos!
"Uma pessoa, uma pessoa! Está aqui uma pessoa!" chiava um rato.
"De onde veio esta rapariga?" chiava outro rato.
A Ōi não percebeu de imediato de onde vinham as vozes. Ela parou e olhou à sua volta. Mas quando ela percebeu de onde vinham as vozes, ela sentiu um calafrio, calores frios percorriam-lhe o corpo.
"O que é que se está a passar aqui? Ajuda-me Amaterasu!" a menina começa a rezar ao Deus do Sol.
De repente, um dos ratos que tinha um ar bastante respeitável, parou e disse à Ōi:
"É raro virem aqui pessoas, mas já que vieste não tens nada a temer. Não fazemos mal às pessoas. Pensa: vocês são tão grandes e nós tão pequenos! Porque haveríamos de ofender alguém que nos pode esmagar?"
A menina ficou a olhar incrédula para o rato. Apenas um, não era motivo para ter medo. Mas havia tantos! E se eles a atacassem todos ao mesmo tempo? Entretanto falou outro rato:
"Sim, sim menina, não nos faças mal! E nós também não te tocamos, tu és enorme! E podes ficar para o casamento!"
"Para o casamento? De quem?" esfregando os olhos, que estavam repletos de curiosidade.
"Oh, deixa-me contar-te tudo!" disse o primeiro rato que falou coma Ōi.
E começou a contar a história:
"Um casal de ratos magnata vivem aqui perto. Eles têm uma filha linda chamada Ochyu. Ela não só foi abençoada com beleza, mas também com inteligência e outros dotes. Os pais amam-na muito! Tratam-na como um verdadeiro tesouro! Eles sempre fizeram de tudo para que Ochyu não andasse ao sabor do vento, se era para ler ela apenas lia os melhores clássicos da literatura! Ela também estudou artes! A Ochyu também sabe fazer uma cerimónia do chá e ikebana!
Assim sendo, Ochyu tornou-se uma jovem rato muito bem formada, nenhuma das suas amigas se poderia comparar a ela. Agora ela chegou à idade de casar. E os seus pais começaram a pensar: qual seria o melhor par para a sua preciosa filha? Afinal de contas, ela é linda e tem uma excelente educação. Assim sendo, pensaram por muito tempo, mas no fim os seus pais decidiram casar Ochyu com a criatura mais poderosa que existe no Mundo dos Espíritos! As criaturas mais poderosas deste mundo são o Sol e a Lua. Mas o Sol é demasiado brilhante: tu não te consegues aproximar muito dele! Por outro lado, Lua é meigo e gentil e foi ele quem os seus pais escolheram. Assim sendo, o pai da Ochyu foi ter com Lua. Ele contou-lhe tudo. Lua ouviu ficou impressionado e sem palavras. Mas respondeu-lhe que: 'Sou de facto muito poderoso, mas neste mundo não posso ser genro de ninguém. É claro que estou grato que me ofereças a mão da tua filha em casamento. Desculpa, mas será impossível! Embora te deva dizer: Eu tenho um rival poderoso, Nuvem! Muitas vezes me impede de sair à rua! Vai ter com ele!'
Depois de saber acerca de Nuvem pela boca de Lua, Chyube foi ter com ele. Mas Nuvem disse-lhe: "Sim muitas vezes não deixo Lua sair... Mas eu apenas tenho um rival, Vento. Muitas vezes, quando estou prestes a sair, o vento sopra-me e tenho de me ir embora!"
Ao saber disto, Chyube vai ter com Vento. Depois de lhe contar tudo Vento responde-lhe: ' Obrigada pela tua generosa oferta. Mas será impossível. Sempre que sopro com todas as minhas forças, vou embater no meu adversário, Parede!"
E aí Chyube disse: "Muito bem, vou falar com Parede!"
Então foi ter com Parede e fez novamente a proposta. E recebeu novamente uma educada recusa? E assim sendo, Chyube pergunta o porquê da recusa.
É aí que Parede responde: "Embora eu resista ao vento, não tenho qualquer hipótese contra vocês ratos. Vocês conseguem me morder e fazer buracos." Pensativo Chyube regressou a casa depois de uma série tentativas de casamento mal sucedidas.
À sua espera em casa estava a sua mulher. Ao que ela lhe perguntou: "Encontraste um noivo para nossa Ochyu?"
Chyube disse-lhe: "Alegra-te mulher! No nosso mundo, nós ratos, somos os mais poderosos!" A sua mulher desconfiou: "É mesmo do nosso mundo inteiro?" Foi aí que ele lhe contou tudo sobre as suas aventuras. Depois de ouvir a explicação de Chyube a sua mulher concordou com ele. Foi assim que decidiram, entre todos os ratos, arranjar um noivo para a sua filha.
A sua mulher respondeu-lhe: "Se assim é, claro que vamos casar a nossa filha com um rato. Mas qual o melhor candidato?"
O marido responde-lhe: "Pensei nisso no caminho. E lembrei-me do Chyumaru, que vive no sótão."
Pensativa a mulher de Chyube disse: "Claro que sim ele é um bom rato. Mas o gato é o seu único vizinho. E se acontece alguma coisa? Preocupamos-nos depois..."
Foi aí que Chyube disse: "E que tal o Chyukuro da lixeira? Mas obteve a mesma resposta da sua mulher: "O furão vive mesmo ao lado dele, sabes o quão perigoso é!"
E o casal pôs-se a pensar quem seria o par ideal para Ochyu? Durante muito tempo pensaram, mas não se conseguiam decidir. De repente lembraram-se do seu mordomo chamado Chyuske. Desde sempre os servira e não notaram qualquer característica maliciosa nele, e era conhecido de Ochyu desde os seus tempos de infância. Chamaram Chyuske de imediato e logo o informaram da sua decisão. A felicidade era clara nas suas expressões. Depois chamaram Ochyu que também foi informada da decisão. Também ela ficou bastante feliz.
Os pais da Ochyu ajudaram o Chyuske a arranjar a sua própria casa e a abrir uma loja. Foi aí que escolheram um dia auspicioso com a ajuda de um astrólogo para celebrar o casamento, onde a noiva passou a integrar a família noivo. É hoje o dia da dita cerimónia! Todos nós fomos convidados para o casamento!"
Foi assim que o rato deu por terminada a sua história. Durante algum tempo Ōi ficou a olhar surpreendida para o animal falante. Mas, entretanto, decidiu dizer-lhe:
"Eu percebo o que me está a contar Sr. Rato... Mas por certo não compreendo como cheguei até aqui! Eu estava a jogar às escondidas com os meus amigos e fui esconder-me num espaço entre duas casas! E do nada, sem qualquer razão, vou dar comigo aqui!"
"Eu ouvi a minha avó contar-me que de tempos a tempos as pessoas caiem no nosso mundo!" respondeu-lhe o rato. "Mas menina já que aqui está, porque não assistir ao casamento de Ochyu e Chyuske? Para nós ratos é considerado um bom presságio um humano testemunhar um casamento de ratos! Eu acho que os pais da noiva também vão ficar muito felizes!"
"Eu adoraria ficar para ver o casamento, mas como é que faço para regressar a casa depois?" Questionou a Ōi que por esta altura já estava um pouco mais calma. "É claro que os meus pais e amigos vão ficar preocupados... Tal como a minha irmã, muito embora ela seja ruinzinha."
"Oh, não te preocupes! Vais regressar em breve! Os humanos não podem aqui ficar muito tempo."
"Então vou assistir alegremente a este casamento de ratos," sorriu a menina.
E assim seguiu o rato falante, que lhe contou tudo. Pouco depois chegaram a uma rua, parecida com Edo, mas sem uma única pessoa. Mas sim vastas populações de ratos lotavam as ruas sem quaisquer pessoas. Todos olhavam para um palanquim que estava nas próximidades adornado com várias joias.
Os ratos olharam para a Ōi com uma surpresa impossível de esconder, o que fez com que a menina se sentisse um pouco desconfortável. Contudo, os pequenos animais não mostravam quaisquer sinais de agressividade. Apenas sussurravam:
"Uma pessoa, uma pessoa! Está aqui uma pessoa!"
"Sim, é uma menina!"
"É um sinal auspicioso, não é?"
Mas em pouco tempo, a atenção dos ratos focou-se na noiva que emergia do buraco dos ratos. Involuntariamente a Ōi abriu os seus olhos maravilhados. Ela não esperava ver um vestido de noiva tão pequenino, mas ao mesmo tempo tão detalhado e elegante! Numa palavra apenas, a noiva Ochyu era deveras lindíssima, parecia-se com um desenho animado de um conto de fadas.
"Eu quero desenhar isto," foi o primeiro pensamento de Ōi. "Quando chegar a casa vou certamente desenhar isto! Eu não sei desenhar tão belas imagens quanto o meu pai, mas vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para enaltecer parte desta beleza!"
A noiva caminhava para o palanquim onde se sentou, enquanto isso, a menina observava-a admirada. Depois disso os ratos carregaram o palanquim para a casa do noivo.
Os ratos começaram a sussurrar novamente:
"Quando as raposas se casam, no céu ou está um calor abrasador ou chove! Mas quando os ratos se casam está bom tempo!"
"É verdade o tempo está ótimo!"
Talvez a Ōi teria tomado mais atenção às conversas dos ratos não fosse o facto dos ratos à sua volta começarem a desaparecer tão subitamente quanto o seu surgimento. E mesmo ela própria se apercebeu de que num piscar de olhos ela já não estava no casamento dos ratos, mas sim na mesma falha onde tinha entrado pra se esconder. Estava de tal forma perplexa que nem se mexia isto até ouvir Shotaro a gritar de alegria:
Encontrei-te Ōi! Onde estavas? Estavas a esconder-te noutro sítio? Já tinha aqui vindo à tua procura antes!"
"Eu estive num casamento de ratos," disse a Ōi orgulhosa.
O Shotaro pensou que ela estava a brincar e apenas abriu os olhos mostrando o seu espanto.
"Mas afinal o que é um casamento de ratos? Estiveste num sítio com muitos ratos? Oh, já percebi! Escondeste-te no celeiro dos nossos vizinhos eles estão sempre a queixar-se dos ratos! Mas como é que lá entraste? Afinal de contas o celeiro está fechado... Onde estiveste? A Satsuki e eu já andámos á tua procura!"
"E por acaso desapareci por muito tempo?"
"Não muito."
"Quem é a contar agora?"
"Provavelmente é a Satsuki encontreia primeiro."
Entretanto apareceu a Satsuki.
"Ōi! Onde estiveste? O Shotaro e eu andámos á tua procura!" exclamou ela.
"Eu estive no casamento dos ratos!" respondeu novamente.
"O quê?" abrindo os olhos de espanto.
Ōi riu-se. Ela já se tinha apercebido que os seus amigos nunca iriam acreditar em si. Então ela disse:
"Quem é que vai contar agora? És tu Satsuki? Então começa a contar que eu e o Shotaro vamos nos esconder!"
Satsuki suspirou tristemente, fechou os olhos e começou a contar. Entretanto a Ōi e o Shotaro foram a correr esconder-se. Mas a filha do artista pensou para si própria que iria certamente desenhar o casamento dos ratos.
E ao anoitecer quando chegou a casa decidiu dar vida á sua ideia. Era mais do que óbvio o que é que a criança estava a pintar. Estava a esforçar-se de tal forma, que Hokusai a elogiou e disse-lhe:
"Ōi um dia serás uma artista fantástica! Podes ajudar-me?"
"Com todo o gosto!" disse ela
Nem ela nem o seu pai sabiam o quão proféticas seriam estas palavras...