Читать книгу O Diário De Um Gato Detective - R. F. Kristi - Страница 10
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12 Dias Até Ao Natal
Domingo, Já Muito Tarde:
De repente, tive uma sensação estranha, como se alguém estivesse a observar-nos.
Missy, a nossa Mãe, tinha acendido a lareira e a madeira estava a crepitar alegremente. A casa estava quente e confortável, mesmo com o frio tremendo que fazia lá fora.
Era uma noite normal para a família Inca. A Cara, o Fromage, a Charlotte e eu estávamos sentados à volta da lareira com a Mãe, o jovem humanóide que nos pertence.
Eu pensei que estivesse a imaginar coisas, que nos estivessem a observar, e sacudi a cabeça para me acalmar.
Mas aquela sensação voltou.
Como não queria assustar os outros, fui espreitar cuidadosamente pela janela. Não havia nada lá fora – só escuridão, com alguma luz vinda da enorme Lua lá em cima.
Dei duas ou três voltas e sentei-me de novo, virada para a janela, para o caso de entrarem por lá EXTRATERRESTRES para nos atacar.
Os meus olhos estavam a começar a fechar-se quando vi uma sombra a mover-se do lado de fora da janela. Abri-os logo muito outra vez e olhei lá para fora. Mas não vi nada. Só a calma de uma noite muito escura.
De repente, vi dois olhos verdes brilhantes a fixar-me.
O meu coração parou!
Seria um demónio?
Seria um dragão que come fogo?
Seria uma cobra rastejante?
Estaria o meu maior pesadelo prestes a tornar-se realidade? Seriam os extraterrestres que nos iam atacar?
O meu coração começou a bater furiosamente:
Vi uma pata cinzenta, grande e forte a esticar-se na minha direcção e o pelo das minhas costas eriçou-se como um porco-espinho prestes a atacar.
E, depois, percebi que a aquela figura gorducha na janela, que aparecia e desaparecia, era só a cara do nosso amigo Monk!
Expirei então lentamente e os batimentos do meu coração voltaram gradualmente ao seu ritmo normal.
Monk é um Russo Azul com pernas compridas e olhos grandes verde-dourados, que tem um pelo sedoso e cuidado e é muito bonito – para quem gosta de gatos mais gorduchos. Ele usa sempre com um laço vermelho vivo.
Monk é um gato bem esperto.
Vamos a ver se me explico bem. A maior parte dos gatos é naturalmente inteligente. Mas eu já tinha reparado que o Monk é muito mais inteligente do que a maior parte dos outros gatos que eu conheço. Acho que podemos chamar-lhe um gato nerd.
Monk vivia na casa ao lado da nossa com o Solo (um detective mundialmente famoso), o seu assistente Hobbs, e um cão grande chamado Terrance.
Terrance era o melhor amigo do Monk e também ele um grande cão detective.
Levantei-me devagar para não incomodar os outros, saltei pela janela e fui ter com o Monk debaixo de um arbusto denso que separa a nossa casinha do parque que fica na frente da casa enorme dele.
“O que é que se passa, Monk?”, ronronei baixinho.
O Monk, que normalmente é um gato calmo e descontraído, parecia bastante abalado.
Ouvi um som como se fossem campainhas e o pêlo do meu pescoço, que já tinha voltado ao normal, voltou a eriçar-se quando senti o quão perturbado ele estava.
“Tudo OK?”, miei, tentando abafar o meu próprio pânico.
O Monk engoliu em seco e respondeu no seu costumado miau lento, fazendo um esforço para controlar o medo.
“Vocês, gatinhos, têm de vir hoje à noite até minha casa. O Terrance tem novidades, e bastante inesperadas”, murmurou ele.
Prometi-lhe que íamos lá ter assim que a Mãe adormecesse.
Apressei-me a regressar para junto dos outros para lhes dar as novidades, ao mesmo tempo que me perguntava o que poderia perturbar tanto alguém normalmente tão calmo como o Monk.
Domingo Durante A Noite:
A noite estava escura como breu quando nos esgueirámos para casa do Monk. Comparado com o nosso chalé, o Monk vivia numa casa enorme e muito chique. Mas nós adorávamos a nossa casinha e não a trocávamos por nada deste mundo.
Atravessámos a grande cozinha silenciosamente, e o Fromage parou para cheirar uma taça de natas muito tentadoras que o Hobbs tinha deixado para o Monk.
“Anda, Fromage”, silvou a Cara. “O Monk não vai ficar contente se comeres da comida dele sem lhe perguntar primeiro.”
“Nem penses, Cara, o Monk é meu amigo!”, respondeu o Fromage, ao mesmo tempo que punha a língua de fora à Cara.
Mas mesmo assim ele veio atrás de nós, não sem antes olhar melancolicamente para trás, para o prato cheio de natas.
O Monk e o Terrance estavam juntos, sentados numa sala aquecida, em frente a uma lareira enorme, onde a lenha ainda crepitava.
No início, a amizade entre o Monk e o Terrance tinha-me surpreendido.
Como é que um gato esperto como o Monk podia ser tão amigo de um cão?
Mas fui obrigada a mudar de ideias depois que conhecer melhor o Terrance.
Nós, gatos, tínhamos uma má opinião dos cães. Mas o Terrance é alguém de quem até nós, gatos, aprendemos a gostar e respeitar.
Para ser sincera, a nossa opinião sobre cães tinha mudado gradualmente.
Nunca tínhamos tido muito contacto com cães antes de chegar a Londres. Também nunca tínhamos querido ter. Tínhamo-los sempre tratado como animais terríveis e peludos e um bocado malcheirosos.
Mas agora era diferente. Agora tínhamos dois amigos cães com quem andávamos regularmente.
O Terrance e o Polo!
O Terrance era um cão forte, um Golden Retriever com um pêlo comprido dourado. Apesar do seu olhar um bocado piegas e da sua língua cor-de-rosa, babada e sempre ao dependuro, ele é muito esperto.
Ele era famoso por ter ajudado o Solo a resolver muitos casos.
Se havia alguma coisa que eu respeitava nele, era ele ser tão popular, tanto com os animais como com os humanóides bípedes que nos rodeavam.
A sua expressão meia tonta e a língua babada não mudavam isso nem um bocadinho.
Eu adorava ser popular assim.
O Terrance costumava acompanhar o Solo e o Hobbs para todo o lado.
O Solo tinha posto o Terrance numa escola para cães muito famosa. Ele não se tinha arrependido, pois Terrance tinha tido as melhores notas na Academia Canina de Busca e Salvamento. O Terrance era um bom colaborador da agência de detectives de Solo.
Eu estava morta por saber o que é que o Terrance andava a fazer.
O Terrance abanou a cauda quando nos viu e deu-nos um sorriso de boas vindas. O Monk saltou da sua cadeira favorita e veio receber-nos.
“Alguém quer natas frescas?”, ronronou ele na sua voz grave.
“Obrigada, NÃO”, respondeu a Cara antes que o Fromage ou eu pudéssemos dizer alguma coisa, “nós jantámos antes de vir.”
O Fromage olhou para ela fixamente.
Conhecendo bem o meu irmão, e sabendo que ele estava a preparar-se para começar uma briga, eu mudei rapidamente de assunto.
“Terrance, o que se passa?”, miei.
“Há novidades importantes acerca do Raoul, o pai desaparecido do Polo!”, disse o Terrance, depois que toda a gente se sentou no lugar do costume na biblioteca.
Tenho de vos falar sobre o nosso amigo Polo e o triste estado em que está a sua família.
O Polo é um pequinês. Ele é baixinho e não é muito maior do que eu.
Nós conhecemos o Polo quando nos mudámos de Paris para Londres no Verão passado. Curiosamente, havia uma amizade especial entre ele e a Charlotte.
Tinha havido alguns ciúmes entre o Fromage e o Polo por causa da Charlotte. Foi um alívio quando esses ciúmes passaram à história.
O Polo pertencia à Señora Conchita Consoles, a quem toda a gente chamava Senõra, uma cantora de ópera reformada.
A Señora tinha perdido o seu marido, Raoul, quando ele desapareceu ao escalar o Monte Evereste nos Himalaias. Desde essa altura, e até nós chegarmos, ela tinha estado muito triste.
Ela estava a recuperar-se pouco a pouco da perda de Raoul. Mas nós sabíamos que tanto a Señora como o Polo sentiam terrivelmente a falta do Raoul.
Tornámo-nos bons amigos quando ajudámos o Polo durante o mistério do colar de diamantes desaparecido da Señora.
O desfecho tinha sido surpreendente, mas fantástico, apesar do susto que foi o desaparecimento do Fromage e o sítio muito estranho em que o colar foi descoberto.
Foi nessa altura que o bichinho das investigações me mordeu. Eu estava morta por me envolver noutro caso e tornar-me uma detective famosa de direito próprio.
O Terrance continuou a contar a sua história em latidos graves.
“O Solo chegou a casa com novidades que, se se confirmarem, vão deixar o Polo felicíssimo.”
“O Solo tem um amigo que trabalha para os Médicos Sem Fronteiras no Nepal.”
“Numa viagem recente a Londres, o jovem médico disse ao Solo que tinha ouvido falar de um estrangeiro, ferido, que estava a ser tratado por alguns habitantes locais numa aldeia perto dos Himalaias.”
“A breve descrição que lhe deram fizeram-no pensar que se possa tratar de Raoul, o marido da Señora.”
“Nós vamos aos Himalaias para confirmar esta informação, uma vez que o Solo não pode ter a certeza se é mesmo Raoul, o dono do Polo.”
“Se a Señora ou o Polo ficam a saber disto e afinal é outra pessoa, eles vão ficar muito desiludidos.”
“O mais importante é evitar que tanto a Señora como o Polo saibam oq eu se passa até termos a certeza de que este estrangeiro é o Raoul”, disse o Terrance.
“Não te preocupes, nós vamos fazer tudo para que isto não chegue aos ouvidos do Polo”, disse eu, olhando para o Fromage e a Charlotte com um olhar severo.
“A última coisa que eu quero é desiludir o Polo. Ele é nosso amigo”, disse a Charlotte, olhando para o Fromage e franzindo os seus olhinhos pequeninos.
“Também eu”, murmurou o Fromage, um pouco acanhado. Eu respirei de alívio.
Terrance deu-nos mais pormenores.
Ele ia acompanhar Solo e Hobbs na viagem até ao Nepal. Eles iam apanhar o avião de Inglaterra para Katmandu, a capital do Nepal, onde iam alugar um carro para ir até aos Himalaias. De lá iriam a pé até à aldeia, com a ajuda de um guia local.
O Terrance disse-nos que a parte da viagem que iam fazer a pé era perigosa e difícil, Iam ter de andar por caminhos estreitos em encostas montanhosas.
Mas o Solo estava decidido a fazê-lo porque o Raoul era seu amigo. Se o Raoul estivesse vivo, ia fazer toda a diferença do mundo para a Señora se ela pudesse vê-lo outra vez.
“E não só para a Señora”, disse a Charlotte, numa voz fininha.
“Também para o Polo. Ele adorava o Raoul! Afinal, ele é o pai dele”, suspirou Charlotte com o seu narizinho a tremer.
Prometemos ao Terrance não dizer uma palavra ao Polo acerca da razão que os levava a viajar até ao Nepal.
“Quando é que partem?”, perguntei.
“Amanhã”, ladrou o Terrance.
“O Hobbs está a fazer as malas. Ele já comprou os bilhetes de avião para o Nepal. Eu vou agora tomar as minhas vacinas para poder viajar para fora do país.”
De repente lembrei-me de uma coisa – e o Natal?
Nós tencionávamos festejar o Natal todos juntos em casa do Solo. A Señora, o Polo, os empregados deles, o Senhor e a Senhora Applebee, que eram parentes do Hobbs e muito simpáticos, e a Mãe andavam a planear o jantar de Natal há semanas.
“Se tudo correr bem, estaremos de volta antes do Natal”, disse o Terrance.
Eu senti um arrepio na espinha quando vi o olhar pensativo que os dois velhos amigos, Monk e Terrance, trocaram entre si.
Lembrei-me do que o Terrance tinha dito acerca da última parte da viagem, que era muito perigosa e extremamente arriscada.
E eu aqui, a pensar na festa de Natal, enquanto a família do Monk ia viajar por algumas das estradas mais perigosas do mundo para ajudar a Señora e o Polo, dois bons amigos nossos.
Que egoísta que eu sou!
Não admira que o Monk estivesse em pânico quando me visitou nesse dia.
Ele parecia ter-se acalmado, mas devia estar ansioso por ver a sua família fazer uma viagem tão perigosa – e a perguntar-se se eles regressariam sãos e salvos.
Os Himalaias! Hmmmm… pensei eu. Nunca tinha ouvido falar desse sítio. Eu, que normalmente gostava de saber tudo, estava perplexa.
“Onde é que isso fica?”, perguntei ao Terrance.
Ele foi até à secretária do Solo e trouxe-nos um livro com fotografias dos Himalaias.
Que paisagem extraordinária! Imensas montanhas com o cume coberto de neve. Aquele lugar era enorme e tinha um ar muito inóspito. Eu imaginava como devia ser gelado…
Eu imaginei o Terrance observando os Himalaias, pronto para os conquistar.
“Solo não acha que esta seja a melhor altura do ano para visitar os Himalaias, já que entre Novembro e Março é extremamente frio”, ladrou o Terrance
“Mas, por outro lado, o Solo também não quer esperar nem mais um dia, no caso de o Raoul estar vivo e a precisar de cuidados médico.
Nós vamos de avião directos a Katmandu”, concluiu o Terrance.
“Vai ser difícil para ti ficares sozinho, Monk?”, perguntou a Cara com o seu miado suave.
“O Lance vem até cá. O Solo ligou-lhe ontem à noite e pediu-lhe para tomar conta da casa até eles voltarem”, respondeu Monk, piscando os olhos.
“Quem é o Lance?”, perguntou o Fromage.
“Um familiar afastado do Solo”, disse o Monk.
“É um rapaz novo, sempre metido em biscates. Ele fica cá quando o Solo e o Hobbs estão a trabalhar num caso.”
“Ele não é má pessoa, mas eu tento manter-me afastado dele. Normalmente ele fica por aqui a ver televisão enquanto come sem parar, e tem umas ideias meio malucas para ganhar dinheiro”, miou o Monk.