Читать книгу Mais do que uma dúvida - Sara Craven - Страница 5
Capítulo 1
Оглавление– Chessie… Oh, Chess, não vais acreditar no que ouvi nos correios.
Francesca Lloyd franziu ligeiramente o nariz, mas não afastou os olhos do monitor do computador, quando a sua irmã mais nova entrou na sala.
– Jen, já te disse um milhão de vezes que não deves vir para esta parte da casa, sobretudo quando estou a trabalhar.
– Deixa-te de parvoíces – Jenny sentou-se num canto da mesa depois de afastar os papéis para se poder sentar. – Tinha que te ver e o ogro ainda vai demorar umas quantas horas antes de voltar de Londres – acrescentou. – Reparei que o carro dele não estava aqui.
Chessie cerrou os lábios.
– Por favor, não lhe chames isso. Não é justo.
– Ele também não é justo – Jenny fez uma careta. – E talvez não seja preciso que continues a trabalhar para ele por muito mais tempo – excitada, respirou fundo. – Ouvi a senhora Cummings dizer que a administradora dos correios recebeu ordens para abrir novamente Wenmore Court, o que quer dizer que Alastair finalmente vai voltar.
Chessie parou de escrever momentaneamente e o seu coração deu um salto.
– A povoação vai receber a notícia com alegria – comentou Chessie, obrigando-se a manter uma voz neutral. – A casa tem estado fechada há demasiado tempo, mas seja como for, a nós não nos vai afectar.
– Por favor, Chessie, não sejas tola – Jenny suspirou, impacientemente. – Claro que nos vai afectar, não te esqueças que Alastair e tu estiveram quase noivos.
– Não – Chessie olhou para a sua irmã – não estivemos quase noivos. E não voltes a dizer isso.
– Terias sido a noiva dele se o seu pai não o tivesse mandado para os Estados Unidos para estudar Economia – replicou Jenny. – Toda a gente sabia que vocês estavam apaixonados.
– Éramos muito novos – Chessie voltou a escrever no teclado. – Aconteceram muitas coisas desde essa altura, tudo mudou.
– A sério que achas que Alastair se vai importar com o que aconteceu? – inquiriu Jenny, num tom de desafio.
– Sim, é isso que penso – ainda a magoava lembrar-se que as cartas, semanais no início, tinham-se tornado em mensais e, depois do primeiro ano, tinham parado completamente.
Desde aquela altura, a única notícia que recebera dele fora uma breve mensagem para lhe dar as condolências pela morte do seu pai.
E se Alastair soubera que Neville Lloyd tinha falecido, também deveria saber as circunstâncias da sua morte.
– Às vezes, és insuportável – declarou Jenny, num tom acusador. – Pensei que irias ficar contente com a notícia. Vim a correr para te contar.
– Jen, não deves ter ilusões – Chessie, fez um esforço para utilizar um tom de voz suave. – Já passaram três anos e eu e Alastair já não somos os mesmos – Chessie endireitou os ombros. – E agora tenho que continuar a trabalhar. Não quero que o senhor Hunter te encontre aqui outra vez.
– Está bem – Jenny desceu da mesa. – Mas adoraria que Alastair te propusesse casamento, assim poderias mandar o ogro e o seu maldito trabalho à fava.
Chessie conteve um suspiro.
– Não é um trabalho maldito. É um bom emprego e o salário também é bom. Permite-nos sobreviver e continuar na nossa casa.
– Como empregadas! – exclamou Jenny, com profunda amargura. – Mas que sorte!
Jenny saiu da sala e bateu com a porta.
Chessie ficou imóvel durante uns instantes. Preocupava-a que Jenny, apesar do tempo que correra, não se tivesse adaptado às novas circunstâncias.
A sua irmã não conseguia compreender que Silvertrees já não lhes pertencia, nem que a única parte que podiam ocupar fosse o andar da antiga governanta.
– E é isso que eu sou agora, a governanta – declarou Chessie, em voz alta.
– Não quero, nem preciso de muito serviço – dissera Miles Hunter, naquela primeira entrevista. – Preciso de alguém que se encarregue da casa com eficiência e também preciso de trabalho de secretariado.
– Que trabalho de secretariado, exactamente? – perguntara-lhe, fitando o seu impassível e provável patrão, tentando avaliá-lo. Mas não era uma tarefa fácil. As roupas dele, informalmente elegantes, não encaixavam com as duras feições do seu rosto, ainda marcadas pela cicatriz que ia desde uma das maçãs do rosto até à comissura da boca, que nunca sorria.
– Estava a utilizar uma velha máquina de escrever, menina Lloyd. No entanto, agora os meus editores pediram-me para entregar os manuscritos em disquete. Poderá tratar disso?
Ela anuíra.
– Bom, quanto ao trabalho doméstico, a menina é quem decidirá que ajuda é que vai precisar. Suponho que irá precisar de alguém que venha diariamente limpar a casa, mas o primordial é que eu tenha paz e sossego enquanto escrevo. Também é fundamental que não seja incomodado por ninguém.
Miles Hunter fizera uma pausa antes de acrescentar:
– Sei que vai ser difícil para si, no fim de contas, morou em Silvertrees toda a sua vida e está habituada a fazer o que quer e receio que isso não vá ser possível.
– Não. Compreendo – replicara Chessie.
Fez-se outro breve silêncio.
– Talvez não queira aceitar este emprego, no entanto, o seu advogado é da opinião de que isto nos evitaria problemas aos dois.
Os olhos azuis do homem contrastavam com o profundo bronzeado do seu rosto magro.
– Então, o que é que acha, menina Lloyd? Está disposta a sacrificar o seu orgulho e aceitar a minha proposta?
Ela mostrou-se indiferente perante o ligeiro tom de troça do homem.
– Neste momento, e com uma irmã a meu cargo, o orgulho é um luxo que não me posso permitir, senhor Hunter. Agradeço e aceito a sua oferta na qual está incluída a casa para morar – fez uma pausa. – Vamos tentar não incomodar.
– Não se limite a tentar, menina Lloyd, faça-o – Miles Hunter agarrou nos papéis que estavam em cima da mesa, indicando com um gesto que a entrevista acabara.
Quando ela se levantou, Miles Hunter acrescentara:
– Vou falar com os meus advogados para que façam a redacção do contrato de trabalho.
– Isso é necessário? Não podemos ter um acordo… de palavra?
– Não sou um homem de palavra, menina Lloyd – comentara ele. – E tendo em conta as circunstâncias em que se encontra, também não tenho a certeza de que a menina o seja. Será melhor ter tudo por escrito, não lhe parece?
E assim fora. A sua irmã e ela ocupavam o andar da antiga governanta, pagando um aluguer mínimo, enquanto trabalhava para Miles Hunter.
Naquela altura, desesperada como estava, com pena e com a culpa que sentia pela morte do seu pai, parecera-lhe a melhor solução.
Agora, no entanto, perguntava-se se não deveria ter rejeitado a oferta e ter-se afastado dali.
No entanto, aquilo significara uma escola nova para Jenny, justamente antes dos exames importantes, e ela não tinha querido criar mais problemas na vida da sua irmã.
No início, parecera-lhe que tinha valido a pena: Jenny estava a ir bem na escola e ela tinha a esperança de que mais tarde pudesse ir à universidade. Tinham-lhe dado uma bolsa de estudo, mas, no entanto, isso significava gastos extras.
Por esse motivo, Chessie via-se obrigada a passar os romances policiais de Miles Hunter a computador durante mais uns anos e tomar conta da casa dele.
Não era uma tarefa fácil. Tal como suspeitara no início, não era fácil trabalhar para aquele homem. No entanto, fora da sua jornada laboral, ela mantivera-se escrupulosamente no seu território, mas Jenny não fizera o mesmo.
A sua irmã deixara bem claro que considerava o novo dono da casa como um intruso e que a casa continuava a pertencer-lhe, o que ocasionara algumas vezes sérios problemas.
Chessie levantou-se da cadeira e aproximou-se da janela. De repente, sentia-se inquieta.
Jenny, às vezes, mostrava-se muito intolerante. A queda em desgraça do seu pai e o seu falecimento tinham-na traumatizado, mas isso já não era uma desculpa válida. A sua irmã mais nova não queria aceitar a perda da sua cómoda vida anterior.
Jenny queria que tudo voltasse a ser como antes… mas isso era impossível.
«Eu aceitei», pensou Chessie, com tristeza. «Porque é que ela não o pode fazer?».
Agora, para piorar a situação, parecia que Alastair iria voltar para casa e Jenny tomara isso como a solução para o seu problema e o meio para voltar à sua antiga vida.
Chessie suspirou. O que é que ela daria para ser tão nova e optimista como a sua irmã!
Como fora no passado, quando ela e Alastair namoravam e achavam que o mundo era deles.
Alastair fora o seu primeiro amor, um amor idílico, com passeios no Verão: nadar e jogar ténis e ir ver Alastair a jogar cricket. Um amor cheio de beijos, murmúrios e promessas.
Alastair desejara-a, mas nem sequer agora sabia qual era o verdadeiro motivo pelo qual se contivera.
– Qualquer homem seria capaz de dizer fosse o que fosse para te levar para a cama, querida – dissera Linnet, com a sua voz profunda e rouca. – Não o tornes fácil para ele.
Naquela altura, ela sentira desprezo ao ouvir aquelas palavras, no entanto, não as esquecera, como não esquecera muitas das coisas que Linnet dissera ou fizera.
E, se realmente voltassem a abrir a casa, Linnet também voltaria.
De certa maneira, tinha sido Linnet quem no início os juntara, a ela e a Alastair.
Sir Robert Markham, tal como o pai dela, era viúvo há alguns anos. E todos pensavam que se alguma vez voltasse a casar seria com Gail Travis, a directora do canil local e a sua acompanhante durante os últimos anos.
Mas uma noite, numa festa de caridade, conhecera Linnet Arthur, uma actriz que ganhava a vida a trabalhar como modelo e que também participava em concursos de televisão. Linnet, com o seu cabelo louro, dentes perfeitos e longas pernas, era muito chamativa. E, desde aquela altura, a senhora Travis passara à história.
Depois de um breve noivado, Sir Robert casara com Linnet e levara-a a morar consigo.
Dera uma festa no jardim da mansão para a apresentar e Chessie encontrara Alastair sentado sob uma árvore, ao lado do rio.
– Lamento muito, Alastair.
Ele olhara para ela, com os seus olhos castanhos.
Alastair, de cabelo castanho, extraordinariamente bem parecido e com mais de um metro e oitenta de estatura, tinha sido sempre o seu Deus.
– Como é que ele se atreveu a fazer isto! – exclamara ele. – Como se atreveu a colocar esta boneca no lugar da minha mãe?
Desde aquela altura, os dois tinham começado a chamar Linnet de: «A Bruxa da Madrasta» e tinham passado horas a criticá-la.
– Graças a Deus que vou para a universidade – declarara Alastair, um dia, com resignação trocista. – E, se o puder evitar, não voltarei nas férias.
Não voltaram a ver-se senão passados três anos, mas depois do reencontro tinham-se tornado inseparáveis. Ela tinha acabado o bacharelato e ia começar a trabalhar com o seu pai no fim do Verão, como a sua secretária particular.
Supusera que Alastair faria o mesmo na empresa electrónica do seu pai.
Naquele Verão, Chessie passava muito tempo na casa dele, onde Linnet convencera o seu marido a construir uma piscina.
– Olá – declarara Linnet, um dia, quando se tinham encontrado na piscina. – Então, tu é que és a namorada de Ally deste Verão, não é verdade?
Chessie mordera os lábios.
– Bom dia, Lady Markham – replicara ela, educadamente.
– Por favor, trata-me por Linnet – declarara a mulher, a sorrir. Afinal, somos quase da mesma idade.
Chessie tivera que suportar o venenoso bombardear de perguntas e conselhos a que Linnet a submetera.
Mas nada do que Linnet dissera ou fizera conseguira acabar com a sua felicidade nem com os seus sonhos sobre o futuro.
Isso acontecera inesperadamente, quando Sir Robert anunciara que iria enviar o seu filho para os Estados Unidos para estudar Economia. No início, Alastair opusera-se, mas, no fim, acabara por aceitar os desígnios do seu pai.
– Não podes convencê-lo? – implorara ela.
– Não serve de nada, querida – replicara Alastair, com uma expressão dura. – Quando o meu pai mete uma na cabeça, é inútil tentar fazê-lo mudar de ideias. Mas não te preocupes, Chessie, que eu vou voltar. Isto não é o fim da nossa relação, não o vou permitir.
E ela acreditara nele.
Para a surpresa de toda a gente, umas semanas depois de Alastair ter ido para os Estados Unidos, Sir Robert anunciara a sua retirada dos negócios e a venda da sua empresa a outra empresa europeia. Imediatamente a seguir, fechara a sua mansão e o casal Markham mudara-se para Espanha.
Agora, segundo parecia, iam voltar, embora isso não queria dizer necessariamente que Alastair também voltasse. Talvez fossem os sonhos infantis da sua irmã Jenny.
Chessie não tinha querido fazer perguntas sobre o que ela ouvira nos correios por dois motivos: em primeiro lugar, Jenny não devia ouvir as conversas das outras pessoas. E, em segundo lugar, não queria dar a impressão de estar interessada no regresso daquelas pessoas.
Estivera apaixonada por Alastair e desta vez ia ter mais cuidado.
Quase que não se parecia nada com a rapariga de há alguns anos atrás, uma rapariga de cabelo dourado, pele bronzeada e olhos castanhos que sorriam de felicidade.
«Agora o meu tom é acinzentado», pensou, fitando a blusa. E não era só a sua roupa que era cinzenta, o seu reflexo no vidro da janela mostrava uma mulher cansada e vencida. Uma mulher que tinha sido derrotada durante as semanas entre a prisão do seu pai por fraude e o seu enfarte.
Sobrevivera aos artigos dos jornalistas, às visitas à esquadra da polícia e à crescente histeria de Jenny… E fizera-o deliberadamente, reprimindo a sua identidade, ocultando-se no anonimato. E, desde aquela altura, tinha sido assim.
Tinha esperado ser marginalizada, no entanto, salvo algumas excepções, as pessoas da povoação tinham-na tratado com tacto e delicadeza, facilitando-lhe a adopção da sua nova identidade, da sua nova versão da vida.
Trabalhar para Miles Hunter também a ajudara. E, durante os últimos meses, conseguira inclusive um certo estado de satisfação emocional.
Mas agora, graças à notícia de Jenny, voltava a sentir inquietação.
Ia virar-se para voltar para a mesa, quando ouviu o motor de um carro. Esticou o pescoço e viu o veículo de Miles Hunter a virar a prolongada curva do caminho antes de parar diante da porta principal.
Passado um momento, ele saiu do carro, ficou imóvel durante uns segundos, depois agarrou na sua bengala e, lentamente, coxeou até aos degraus que davam para a porta.
Enquanto o observava, Chessie mordeu os lábios. Os seus problemas não eram nada comparados com os dele e sentiu uma súbita compaixão que nunca se atrevera a mostrar diante dele.
– Tinha o mundo aos seus pés – dissera o senhor Jamieson, o advogado da família, quando ela lhe mencionara a oferta de emprego e a possibilidade de permanecer em Silvertrees. – Era jogador de rugby e um jornalista famoso, tanto dos jornais como da televisão. Teve má sorte quando o carro onde ia passou por cima de uma mina, durante a reportagem de uma guerra.
O advogado abanara a cabeça e acrescentara:
– Sofreu muitas feridas, pensavam que não voltaria a caminhar. No entanto, surpreendeu toda a gente quando, durante a sua estadia no hospital, escreveu o seu primeiro romance. Um mau dia.
– E, desde essa altura, não olhou para trás – replicou ela, com ironia.
O senhor Jamieson fitara-a solenemente por cima da armação das suas lentes.
– Não, não, querida – declarara, com gentileza. – Acho que pensa muito no passado.
E Francesca sentira-se censurada.
Estava novamente sentada à sua mesa, a trabalhar, quando Miles Hunter entrou.
– Acabo de ver a tua irmã – declarou ele, sem preâmbulos. – Ia de bicicleta e estive quase para a atropelar. A sua bicicleta não tem travões?
– Sim, claro que tem – replicou Chessie, rapidamente e a resmungar para si mesma. – Mas anda sempre demasiado depressa. Vou falar com ela.
Miles lançou-lhe um olhar trocista.
– E isso vai servir para alguma coisa?
– Pelo menos, vou tentar.
– Mmmm – Miles fitou-a pensativamente. – Pareceu-me que estava bastante excitada e tu também pareces estar inquieta. Voltou a fazer qualquer coisa que te tenha aborrecido?
– Jenny não me aborrece – Chessie levantou o queixo ao responder.
– Não, claro que não – replicou ele, afavelmente, depois suspirou com impaciência. – A quem é que estás a tentar enganar, Francesca? És sempre demasiado condescendente com ela para não ferir os seus sentimentos. Oxalá ela fizesse o mesmo em relação a ti.
Chessie sentiu-se surpreendida e indignada por Miles estar a tratá-la por tu. Antes, sempre a chamara «menina Lloyd».
– Foi um dia muito difícil para ela… – começou a dizer Chessie, defensivamente.
– Mais do que para ti?
– Sim, de certa maneira sim. Verá, Jenny… – subitamente, Chessie percebeu que estivera para dizer que Jenny era a favorita do seu pai. Aquilo era algo que nunca antes admitira para si mesma. – Jenny era muito nova quando aquilo aconteceu.
– E não achas que estava na altura de ela assumir as suas responsabilidades? – inquiriu aquele rosto moreno, com uma expressão interrogativa.
– O senhor é o meu patrão, só isso – replicou Chessie – e não tem o direito de julgar a minha situação. Jenny e eu temos uma relação muito boa.
– Mas eu e ela não temos uma relação assim tão boa – replicou ele. – Ao dizer-lhe que tivesse cuidado e que visse por onde ia, a tua irmã respondeu-me que não me preocupasse, que brevemente vocês as duas deixarão de me incomodar. O que é que quis dizer com isso?
Chessie teve vontade de torcer o pescoço de Jenny naquele momento.
– Deve ter percebido mal. O que Jenny quis dizer é que no Outono vai para a universidade e…
– Se tiver boas notas nos exames.
– Isso não é um problema – replicou Chessie, secamente. – É uma rapariga inteligente, não duvido que vá ser bem sucedida nos exames.
– Esperemos que o teu optimismo seja recompensado. Não posso dizer que tem sido um prazer tê-la aqui em casa.
Chessie mordeu os lábios.
– Lamento muito.
– Tu não tens que te desculpar. Não tens nem a idade nem a experiência necessária para controlar uma adolescente temperamental – Miles fez uma pausa. – Bem, deixemos isso. Vim para te perguntar se queres jantar comigo esta noite.
Chessie não pôde evitar ficar de boca aberta.
– Não… não percebo.
– É muito simples. Pode ser que não o pareça, mas tive um dia maravilhoso hoje. O meu agente vendeu o romance Maelstorm a uma produtora de cinema, a Evening Star Films, e também querem que escreva o guião, o que quer dizer que poderei salvar algo do argumento do meu romance.
Chessie via-o sorrir com tão pouca frequência que se esquecera do irresistível que poderia ser o seu sorriso. Com perplexidade, reconheceu que aquele homem era atraente.
– Gostaria de o celebrar – continuou Miles. – E como Maelstorm é o primeiro romance que escreveste para disquete, gostaria que o celebrássemos juntos.
Ela continuou a olhar para ele.
– Comes todos os dias, não é? – inquiriu ele, finalmente.
– Sim, mas…
– Mas o quê?
– É muito amável da sua parte convidar-me, mas não me parece apropriado. No fundo, isto é uma aldeia.
– Pedi-te para ires jantar fora comigo, não te pedi que fosses para a cama comigo – replicou ele, com paciência. – Se quiseres, ponho um panfleto na porta da igreja a explicar o motivo do jantar.
Chessie ruborizou-se
– Pode achar provinciano, mas consegui deixar bem claro à povoação que a nossa relação é estritamente profissional, algo muito importante, dado que moramos sob o mesmo tecto. Se nos vissem a jantar juntos, as pessoas pensariam que a relação tinha mudado e isso tornaria a situação incómoda para os dois.
«E eu já tive que suportar todo o tipo de boatos ao viver um escândalo na minha família», pensou ela. «E não quero que isso volte a acontecer».
– Eu não me envergonho com facilidade – declarou ele, sem lhe dar importância. – Mas se quiseres posso chamar um pedreiro para fechar a porta de comunicação do teu andar com o resto da casa. Isso acabaria com os boatos.
– Estou a falar a sério – protestou ela.
– E eu, para variar, estou a tentar ser frívolo, mas sem o conseguir. Não podes considerar o convite como uma expressão de gratidão? E, para além disso, estás muito magra, não te faria mal comer bem de vez em quando.
– Obrigada – respondeu Chessie. – Mas não penso que…
– É isso mesmo, não penses – interrompeu-a Miles. – Actua impulsivamente, embora só seja por uma vez. Por amor de Deus, é só um jantar. Ou desagrada-te tanto assim a minha aparência física? Porque te asseguro que as piores cicatrizes não estão à vista.
– Não! – o rubor de Chessie intensificou-se. – Não tem o direito de insinuar uma coisa dessas.
– Acontece muitas vezes – comentou ele. – Vivia com uma mulher quando sofri o acidente. Tínhamos falado em casar, no entanto, quando saí do hospital e ela me viu nu, decidiu que não queria saber mais nada de mim. Só estou a afirmar um facto, não estou a implorar compaixão.
– Eu sei. Deixou-me muito claro que a última coisa que quer é que sinta compaixão por si – Chessie hesitou. – Está bem, vou jantar consigo… se é isso que quer.
– Obrigado – replicou ele, em voz baixa. – Serias capaz de quebrar outra regra e tratar-me por tu? O meu nome é Miles.
Chessie, de repente, sentiu-se confusa. Aquilo não era apropriado e devia pôr um ponto final na situação.
No entanto, ouviu-se a si mesma responder:
– Está bem, Miles.
Ele anuiu, seriamente.
– Bom, vejo-te lá em baixo, no carro, às oito.
Miles dirigiu-se a coxear para a porta que dava para o seu estúdio e fechou-a atrás de si.
Chessie, com olhar perdido, fitou o monitor.
«Aceitei jantar com Miles Hunter? – inquiriu-se, com incredulidade.