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Citação

O país de Himaera aprendeu muito desde os Dias dos Reis, principalmente o preço da ganância e da ambição. Desafiar os deuses é convidar sua ira. A ira de Morta’Valsana foi exercida sobre o Rei Mallak Ammenfar de Lachyla, amaldiçoando o monarca abrangente e seus súditos leais.

Para sempre depois disso, o nome de Mallak foi sinônimo de avareza e excesso e a cidade de Lachyla tornou-se conhecida como a Cidade Sinistra. Era uma cicatriz na terra de Himaera, um remanescente eterno da ira da deusa e um lugar a ser evitado a todo custo…

Do Um Códex Das Eras, Vol. IV

“A morte cura todas as doenças transmitidas por coisas mortas.”

Provérbio Sosarran

Uma Nota Para o leitor

Obrigado por escolher A Cidade Sinistra. Espero que você aprecie lê-la tanto quanto eu apreciei escrevê-la. Se você gostou, por favor, considere deixar um comentário na Amazon, Goodreads ou em outro lugar. O melhor presente de um leitor para um autor não é apenas comprar e ler um livro (provavelmente nós nem saberemos que você fez isso), é o compartilhamento público da sua experiência de leitura. Com isso em mente, se sua experiência com A Cidade Sinistra for boa, por favor, reserve alguns minutos para deixar que todos saibam sobre isso. Essa é a força motriz que impulsiona os autores e dá a eles a determinação para publicar seu próximo livro.

Você pode deixar um comentário ao visitar a página da Amazon de A Cidade Sinistra – http://mybook.to/theblightedcity. Obrigado novamente.

Scott Kaelen

Ano 693 da Quarta Era, Estação de Vur

Segundo Dia da Terceira Semana de Banaeloch

Capítulo Um

o contrato Chiddari

A batalha está quase terminada. O pensamento encheu Maros com uma sensação vergonhosa de triunfo enquanto olhava para seu desafio final. Do outro lado da clareira, as janelas fechadas da cabana devolviam seu olhar com um desinteresse prodigioso.

“Apenas mais noventa metros. Vá em frente com isso,” ele se repreendeu. Ele afundou as muletas na terra e um choque de dor subiu pela sua perna. Cerrando os dentes, ele cambaleou para a clareira. Lentamente, a distância até a cabana diminuiu, com Maros resmungando e xingando por todo o caminho.

“Deveria ter enviado um corredor,” ele murmurou. Um ano atrás, eu poderia ter feito isso em um quarto do tempo e ainda estaria pronto para uma luta no fim. Agora? Ele deu uma risada irônica. Gotejando como um porco espetado.

Com um passo largo, ele alcançou seu alvo e sufocou um rugido de júbilo. Seu rosto era uma máscara de suor, gotas pingando na terra encharcada pelo sol para serem consumidas sob o sol do meio-dia. Acalmando-se à porta, ele lançou um olhar de soslaio para a extremidade mais distante da aldeia em formato de meia-lua onde uma mulher de meia idade estava ocupada estendendo a roupa de cama e olhando para ele por cima dos lençóis. Ele desviou o olhar para duas jovens no centro da clareira. Sentindo o escrutínio de Maros, elas pararam com seu jogo de saltar argolas e o encararam com um horror indisfarçado. Ele lançou a elas um sorriso amplo e elas saíram correndo para a floresta nos arredores.

Ele balançou a cabeça. As pessoas na aldeia de Balen raramente deixavam seu pequeno microcosmo exótico e não estavam acostumadas a ver nada fora do comum. A mulher, sem dúvida, o considerava como uma aberração da natureza ou, pior, uma criatura amaldiçoada pelos deuses para sentirem pena. A perna problemática não melhorava a situação. Se elas já tivessem ouvido o nome Maros, a Montanha, não o reconheceriam como o jotunn-humano exausto à porta da cabana como o homem destes contos sussurrados. Sua reputação pertencia ao passado. Nos dias de hoje, ele era pouco mais do que um enorme coçador de saco.

Ele enxugou um antebraço na testa e bateu os dedos na porta. Os sons abafados de pés se arrastando flutuaram de dentro e a porta se abriu para revelar uma mulher abatida e idosa. Seus olhos úmidos se ergueram para olhar para ele, uma máscara de austeridade espalhada sobre suas rugas. Ela olhou para ele de alto a baixo, franzindo o cenho para suas muletas e seu colete encharcado de suor.

“Presumo que a comoção que ouvi aqui fora foi você?” ela disse. “Alguém presumiria que um boi estava sendo abatido. O que em Verragos você estava fazendo?”

“Eu…” Reprimindo um suspiro, Maros acenou com um gesto fraco para a trilha da floresta atrás dele. Muito bem. Mostre à velhinha frágil como você estava atravessando uma área plana e aberta. Com certeza, isso vai impressioná-la.

“Hmph, não importa. Devo dizer, não vi um de vocês em décadas.”

Ele franziu o cenho. “Um de mim o quê? Um homem? Um aleijado?”

“Um mestiço.” Seus olhos remelentos semicerraram em fendas. “Bem, o que você quer? Não tenho o dia inteiro.”

“Eu, ah…” Ele pigarreou. “Um prazer conhecê-la. O nome é Maros, Oficial dos Freeblades de Alder’s Folly. Posso estar falando com Cela, ah…” Vasculhando o bolso do seu colete, ele retirou uma folha suada de papel e trouxe até o rosto. “Cela Chiddari?”

“Você poderia. Oficial, você diz? Mas não acostumado a memorizar títulos de família, não é? Hum. Bem, já que eles me enviaram o homem no topo, imagino que eu deveria me sentir honrada.”

O homem no topo enviou a si mesmo, sua velha maluca. Maros forçou um sorriso simpático. “Tenho certeza que o prazer é todo meu.”

“Então permita-me agradecer por responder à minha convocação. Como você pode ver, não estou em condições de estar perambulando até Folly.”

Convocação? Seu sorriso vacilou. “Não costumo fazer atendimentos domiciliares pessoalmente, mas quando li seu bilhete entregue pelo mensageiro, estava preparado para fazer uma exceção.”

“Não duvido disso.” Cela espiou ao redor da porta para seu vizinho no outro lado do semicírculo. “É melhor você entrar, meu jovem,” ela murmurou, arrastando os pés para dentro da cabana. “Nossa discussão não é para ouvidos indiscretos.”

Maros inclinou-se mais baixo sobre suas muletas e espremeu-se através do batente. Ele fechou a porta com o calcanhar e semicerrou os olhos já que a sala estava mergulhada na escuridão. Algumas lascas finas da luz do dia cortavam através das persianas fechadas e o fedor mofado de idade penetrou em suas narinas. Ele engoliu uma tosse e observou a velha abaixar sua ossatura esquelética em uma poltrona ao lado da lareira vazia. Enquanto ela se remexia para sentar-se ereta, ele a imaginou caindo no tapete em uma pilha de ossos empoeirados.

“Sente-se, freeblade.” Ela acenou com a mão ao redor da sala. “Onde for melhor para você.”

Maros examinou os grupos escuros de móveis por um poleiro robusto e adequado e mancou até um banco no lado oposto da lareira. Ele se abaixou, reprimindo um suspiro enquanto as dores na sua perna recuavam.

“Ouvi dizer que você está mantendo a taverna de Alderby sobrevivendo no lugar dele,” Cela disse coloquialmente.

“Sim.”

“Administrando uma guilda e uma taverna. Uma carga de trabalho considerável.”

“Nada que eu não possa lidar. A verdade é que foi uma bênção quando o velho Alderby faleceu logo após meu… acidente.” Maros apoiou a mão no joelho. “Triste, no entanto. O lugar nunca esteve sem um ou outro Alderby no comando.”

“Assim eu concluí. Bem, chega de conversa fiada.” Os olhos de Cela estavam brilhando nas sombras. Um sorriso forçado cortou suas feições encarquilhadas. “Aos negócios.”

“Aos negócios, de fato. A recompensa que você ofereceu é o suficiente para erguer até mesmo as sobrancelhas do Banco Brancosi, um pouco. Sem ofensa, senhora, mas estou olhando para esta cabana e pensando que não vejo o equivalente a quinhentas moedas em propriedade aqui.”

“Ouso dizer que você estaria certo se eu estivesse oferecendo a minha casa. Você vai receber moedas, freeblade, fique tranquilo. Minhas economias não vão me beneficiar agora a não ser que você adquira aquilo que pertence às mãos de Chiddari.”

“Sim,” Maros disse com cuidado. “Como é que você detém um título de família quando eles caíram em desuso séculos atrás?”

Cela soltou uma gargalhada aguda e apontou um dedo para ele. “Perguntas, perguntas, mestiço. Vamos nos ater ao assunto em questão?”

“Muito justo. Além do valor da recompensa, seu bilhete foi vago na melhor das hipóteses...”

“Por um bom motivo. Você aprecia a sensibilidade da informação, tenho certeza.”

“Então, por favor, me diga o que você precisa da guilda e verei se podemos atender.”

“A herança da minha família se perdeu para nós por muitas gerações.” Cela olhava para ele atentamente. “Perdida e, ainda assim, sei sua localização precisa. Reside em um cemitério que remonta a uma época em que os mortos ainda eram enterrados inteiros.”

“Estes lugares estão todos submersos sob o deserto. Não há quase nenhum vestígio dos antigos reinos.”

O sorriso tenso de Cela retornou. “Exceto, isto é, por um lugar.”

“Agora escute aqui. Se você está insinuando o que eu acredito que você está insinuando, então você está me pedindo para enviar freeblades para o território da Caveira.”

“Não estou pedindo. Estou lhe oferecendo um contrato por uma recompensa considerável. Se não quiser o trabalho, posso procurar por mercenários menos respeitáveis…” Ela remexeu-se na cadeira e olhou para ele de soslaio.

Provavelmente esta é a incumbência de um tolo, ele pensou. Mas por uma recompensa deste tamanho… “Deveria avisá-la que a guilda lida com problemas reais, não com lendas. Há somente um cemitério que não foi expurgado. Se é sobre ele que estamos falando, então vamos parar com a troca de palavras. Onde exatamente está este legado?”

Cela suspirou. “Em uma cripta dentro dos Jardins dos Mortos, em Lachyla, a Cidade Sinistra.”

A última pretensão de formalidade desapareceu de Maros enquanto ele soltava uma risada sincera. “Eu sabia! Deixe-me ver se entendi direito. Você quer que meus rapazes e moças atravessem uma vasta região que está desprovida de deuses e homens há séculos. Você espera que eles arrisquem suas vidas vasculhando o cemitério de uma cidade amaldiçoada à procura de alguma bugiganga que seus ancestrais deixaram para trás para enferrujar em uma cripta?” Ele bufou. “Senhora, ou você perdeu o juízo ou …”

Cela olhava para ele em um silêncio pétreo.

Ou você está falando sério. Ele balançou a cabeça e lançou um sorriso divertido para as tábuas do assoalho. “Tudo bem, com o que exatamente este legado se parece?”

“É uma pedra preciosa.”

“Você terá de me dar mais do que isso. Seja quem for que aceitar o trabalho precisa saber o que está procurando.”

“Eu nunca vi, não é? Tudo que sei é que está marcado com runas funerárias e é maior do que as suas pedras preciosas comuns. Eles irão encontrá-la no túmulo do meu ancestral mais antigo.”

“E quem poderia ser?”

“Não faço ideia,” Cela disse secamente. “Você conhece a sua linhagem, mestiço?”

“Tudo bem,” Maros suspirou. “Uma pedra de descrição desconhecida, em um túmulo de nome desconhecido. Você percebe quão grande aquele cemitério é conhecido por ser? Eles poderiam vascular o lugar por dias e mesmo assim não encontrar sua pedra. Você terá de me dar algo melhor ou não tem acordo.”

“Oh, eu irei.” Cela alcançou a mesa ao seu lado e pegou um quadrado dobrado de pergaminho. “É apenas uma cópia grosseira, mas é bastante precisa.”

“O que é isso?”

“Um mapa dos Jardins dos Mortos.”

Maros reprimiu uma risada. “Onde em Verragos você teria conseguido isso?”

“Mais perguntas irrelevantes, freeblade. Você tem toda a informação que posso dar. Tome sua decisão.”

Ele olhou para ela calmamente e considerou as ramificações. O que aconteceu em Lachyla foi o catalisador para os mortos serem queimados hoje em dia. A cidade, e seu cemitério, estavam mais mergulhados em mitos e superstições do que qualquer outro lugar em Himaera. Mas quem realmente sabe o que há lá nas lonjuras das Terras Mortas? Talvez a lenda seja verdade, talvez não. De qualquer maneira, garantir tal recompensa seria uma grande dádiva para alguém. Além disso, meu ganho modesto não seria nada mal. Sem mencionar a reputação que colocaria a guilda de volta no mapa. “Tudo bem,” ele disse. “Vamos acabar com isso. Mostre o dari.”

Cela enfiou a mão no decote da sua blusa e retirou uma corrente fina. Ela girou o pingente retangular na ponta várias vezes, em seguida passou-lhe a metade inferior; seu interior havia sido transformado em uma chave. Ela apontou para um cepo de pau-ferro no canto da sala, sobre o qual uma arca reforçada estava bem fixada. “Abra,” ela disse.

Maros levantou-se do banco. Ele destrancou a arca e soltou um assobio para as moedas de prata organizadamente empilhadas.

“Quinhentas no total, como prometido e nenhuma moeda de cobre entre elas.” A velha soltou um estertor. “Temo que possa haver muito pouco tempo a perder, então me diga agora ... você vai aceitar?”

Maros lambeu os lábios e olhou de soslaio para ela. “Lachyla, você disse. Bem. Imagino que seja somente uma lenda…”

Cela Chiddari sorriu. A luz turva aprofundou as cavidades em seu rosto e, por um momento, ela se assemelhou ao próprio símbolo da caveira. “Este é o espírito, freeblade,” ela disse baixinho. “Tal bravata. Parabéns, o trabalho é seu. Agora, encontre minha herança.”

Jalis levantou os olhos das cartas em sua mão com um suspiro distraído. As paredes de pedra da sala comunal zumbiam com a tagarelice e a algazarra dos clientes da taverna. Uma atendente passou apressada, carregando pratos vazios para a cozinha. Atrás do bar, Jecaiah estava ocupado em substituir um barril vazio, preparando-se para a explosão noturna de clientes.

Ela voltou sua atenção para as cartas. A carta alta era o Arkhus, mas era inútil ao lado das outras. O melhor que ela poderia conseguir era um flush menor do naipe Artisan. Ela olhou para seus dois companheiros. Dagra estava esperando pacientemente, limpando com um lenço sujo a espuma da cerveja da sua barba desgrenhada. Do outro lado da mesa, Oriken coçava preguiçosamente a bochecha com uma barba de vários dias, os olhos vidrados enquanto olhava para ela por baixo da aba do seu chapéu.

“Orik,” ela disse, chamando sua atenção. “Meu rosto está aqui em cima.”

“Huh? Oh.” Ele pigarreou. “Bem, vamos lá, então. É a sua vez. Você somente está atrasando Dag de vencer e você sabe como ele ama contar suas moedas de cobre.”

“Merda em você,” Dagra disse.

Jalis olhou para a ampulheta sobre a mesa e viu o resto dos grãos escoarem.

“O tempo acabou,” Oriken disse.

Ela jogou suas cartas na mesa. “Eu passo.”

“Por quê?” Dagra franziu o cenho para as cartas espalhadas. “Você tinha uma mão aí.”

“Não estou sentindo isso,” ela disse. “Ganhando ou perdendo, você precisa saber quando parar.”

Oriken reuniu as cartas na pilha. “Que tal uma rodada de Cinco Estações?”

“Agora não, Orik.”

“Ok, tudo bem.” Ele suspirou e olhou para as portas do saloon na entrada da sala comunal. “Posso sair lá fora para fumar um tobah.”

Jalis inclinou a cabeça e olhou para ele. “Você deveria estar tentando parar.”

“Hmph. Sim. O que deveríamos fazer, então?”

Ela deu de ombros. “Talvez devêssemos pegar um contrato.”

Dagra bufou. “Você viu o quadro de avisos da guilda? Os trabalhos quase não são adequados para um novato! Os decentes são pegos imediatamente e não há um desses há semanas. Acredite em mim, se um bom contrato surgisse, eu seria o primeiro a pegá-lo e dar o fora desta taverna.”

Jalis assentiu. “Posso pensar em uma centena de coisas que preferia estar fazendo neste momento. Já é muito ruim ter de viver aqui, mas pelo menos é melhor do que a casa da guilda.” Ela olhou para a frente da sala comunal. Uma cunha de luz do sol se infiltrava por cima das portas. O céu azul estava muito convidativo. “Não deveríamos estar desperdiçando nossos dias esperando que um bom trabalho apareça. Deveríamos estar lá fora.”

Oriken bufou. “Não posso argumentar contra isso, mas se formos perambular por aí lá fora, perdemos nossa oportunidade de pegar um contrato decente.”

Ela levou sua caneca aos lábios e tomou um gole de água. “Não me entenda mal,” ela disse. “Amo estar com vocês dois, mas somos freeblades – espadachins de aluguel – com ênfase nas espadas.”

“O problema é que,” Oriken disse, “somos bons demais no que fazemos.”

Dagra assentiu em concordância. “Entre nós e o resto das filiais, praticamente livramos Caerheath de todos os bandidos. Agora os problemas na cidade raramente são mais do que disputas insignificantes.”

Jalis suspirou. “Isso deveria ser uma coisa boa. Estamos mantendo a paz, mas não estamos fazendo nenhum favor para nós mesmos. Desde quando a guilda se tornou a principal legisladora em Himaera?”

“Principal?” O cenho de Dagra franziu. “Tente a única. Isto não é Vorinsia. Não temos um Arkhus sofisticado administrando a terra nem um militar nem mesmo um maldito xerife. Nada desde os Dias dos Reis. Freeblades são tudo que esta terra tem.”

“Vivo aqui há muito tempo,” Jalis disse, “mas ainda não consigo me acostumar com a falta de uma figura militar ou um governante. É um milagre como Himaera não foi consumida pelo Arkh séculos atrás.”

Dagra deu de ombros. “Eles tentaram nos invadir durante a Insurreição, mas mesmo uma Himaera enfraquecida conseguiu sangrar seus narizes e mandá-los embora com algumas lições aprendidas. O Arkh ficou mole desde esta época. Nada conquistável restou.” Ele deu a Jalis um olhar pesaroso. “Sem ofensa, garota.”

“Não estou ofendida.”

Oriken recostou-se na parede. “De qualquer maneira,” ele disse, “eu não me preocuparia. Alguma coisa boa vai cair no quadro de empregos em breve. Sempre cai.” Ele deu um sorriso animado para Jalis.

“Sempre o otimista irritante.” Dagra projetou a barba na direção da alcova do quadro de avisos da guilda no final do bar. “Você viu as recompensas para estas ofertas de emprego? A melhor é por oito moedas de cobre. É um insulto.”

“Talvez seja hora de tirarmos umas férias,” Oriken disse.

“Esta não é uma má ideia,” Jalis disse. “Já faz um tempo que não visito minha cidade natal.”

“Não é realmente o que eu tinha em mente.”

“Vou mijar,” Dagra anunciou, levantando-se.

Oriken observou-o se afastar. “Precisamos sair da cidade por um tempo. Talvez Middlemire precise de algumas mãos extras. Ou Baía Brancosi. Deveríamos pedir para Maros dar uma olhada para nós.”

Uma sombra atravessou a luz do sol nas tábuas do assoalho. Jalis olhou para o outro lado para ver a figura corpulenta de Maros claudicando pelas portas do bar. Ele notou seu olhar e mancou para se juntar a eles.

“O andarilho retorna,” Oriken disse. “Não consigo mantê-lo na sua própria taverna hoje em dia.”

Maros deu uma gargalhada cansada e reuniu suas muletas em uma mão. “Balen é o mais longe que eu já fui desde que assumi este lugar. Lembre-me de nunca voltar.”

Jalis inclinou a cabeça para encontrar seu olhar. “Você esteve em Balen? A tarde toda?”

“Dificilmente! A maior parte disso fui eu sofrendo para chegar lá e voltar.”

“Por que você não pediu para Ravlin levá-lo em sua carroça? Ele não teria se importado.”

“Eu tentei. O mercador está em Brancosi, reabastecendo seu estoque.”

“O que é tão importante em Balen que você não poderia enviar um novato?” Oriken perguntou.

“Em qualquer outro dia, absolutamente quase nada.” Maros olhou para Jalis. “Ouça, tenho um pequeno negócio para cuidar. Vou botar o papo em dia com você em breve.”

Jalis observou-o mancar até o quadro de avisos da guilda. Após um momento, ele saiu mancando do recesso e seguiu pelo corredor adjacente até seu escritório particular. “Ele está aprontando alguma coisa,” ela disse para si mesma.

Em uma mesa perto da parede oposta da sala comunal, vários freeblades estavam envolvidos em um jogo de cinco marias. Alari, uma blade veterana com mais alguns anos na guilda do que Jalis, olhou para o quadro de avisos da guilda e murmurou para seu companheiro mais próximo.

“Volto em um minuto.” Jalis levantou-se da sua cadeira e atravessou rapidamente até a alcova. Ela examinou o conteúdo do quadro de avisos da guilda até que localizou um novo pedaço de papel e o soltou da cortiça. Ao ver a oferta da recompensa, seus olhos arregalaram.

“Garota, você é tão rápida quanto lasca de pedra sobre pederneira,” Alari disse atrás dela.

Surrupiando o bilhete, Jalis virou-se para sua colega. “Você não estava muito atrás de mim.”

O sorriso de Alari repuxou a cicatriz pálida ao lado da sua boca. “O que o chefe colocou aí desta vez? Outra que não vale o papel em que está escrito?”

Jalis deu de ombros. “Parece um pouco melhor do que o habitual. Por que você não pega algumas das ofertas menores? Elas vão servir para o novato que você está cuidando. Todos nós tivemos de começar em algum lugar.”

A testa de Alari franziu em pensamento. “Você não está errada. Muito provavelmente Kirran poderia fazê-las sozinho. Vou dizer a ele para escolher uma.” Ela deu a Jalis uma piscadela amigável. “Você e os rapazes vão ganhar um pouco de casca-grossa, amor.”

Enquanto Alari voltava para sua mesa, outro freeblade passou por ela até o quadro de avisos da guilda. Jalis olhou para o homem friamente enquanto ele diminuía a distância.

“O que você tem?” Fenn disse enquanto entrava na alcova, posicionando-se atrás de Jalis para impedi-la de sair.

“Afaste-se, Fenn.”

“Vamos dar uma olhada.” Ele tentou agarrar o papel, mas Jalis puxou a mão para trás das costas.

“Primeiro a chegar, primeiro a ser servido,” ela disse. “Você conhece as regras. Você quer um trabalho, há muita coisa no quadro que vai te satisfazer.”

Os olhos redondos de Fenn olhavam zangados para ela. “Pelo menos, eu posso fazer meu trabalho sozinho. Todos nós sabemos que você e seus dois guarda-costas recebem tratamento preferencial por aqui.” Ele agarrou o ombro de Jalis.

Ela enfiou a mão entre suas pernas e apertou. “Aqueles são meus companheiros e meus amigos. Quer saber, que tal você tirar a mão de mim e eu vou fazer o mesmo. Então você volta para seu assento como um bom menino.”

O lábio de Fenn curvou em um rosnado silencioso. Jalis aumentou a pressão e, com relutância, ele afastou a mão. “Você tem um problema.”

“Se eu tenho algum problema, você não está entre eles.” Ela agarrou com mais força. “Só para que estejamos entendidos. Estamos entendidos, Fenn?”

“Tire a porra da mão de mim!”

“Oh, eu irei. Mas primeiro quero dar um aviso justo de que na próxima vez que você me tocar, não será minha mão, mas minha adaga na sua virilha. Por favor, me teste e irei fazer um favor ao mundo.” Com uma torção final, ela soltou a mão.

Quando Fenn cambaleou para trás, ele deu um soco no rosto de Jalis. Ela se abaixou e deu um soco nas suas costelas, em seguida arremessou um uppercut que quebrou seu nariz e o enviou adernando da alcova e esparramando-se no chão. Um aplauso disperso fluiu gradualmente dos clientes da taverna, interrompido quando Maros saiu mancando do corredor.

“Que diabos está acontecendo na minha taverna?” ele explodiu.

Fenn se levantou, sangue escorrendo do seu nariz. “Você quer manter uma correia nesta cadela. Todo mundo sabe que ela é sua favorita.” Ele lançou um olhar para a camisa transparente de Jalis. “Não é difícil ver por quê.”

“É mesmo?” Maros se aproximou mancando para intimidá-lo. “Você deveria demonstrar um pouco de respeito a um mestre espadachim – não, muito respeito – especialmente depois que ela te colocou no chão. Saia da linha mais uma vez, Fenn e a filial de Grenmoor pode recebê-lo de volta. Consiga uma guilda para si mesmo. Agora. Você teve sua cota para o dia.”

O rosto de Fenn brilhava com raiva, mas ele não disse nada. Após um momento, ele virou-se e caminhou até as portas.

“Oh, e Fenn,” Maros o chamou, “se algum dia você falar comigo assim de novo, você não sairá caminhando daqui. Você sairá voando.”

“O que eu perdi?” Dagra perguntou ao lado de Jalis.

Ela balançou a cabeça. “Nada.”

Maros mancou ao redor para olhar para ela. “Presumo que você foi a primeira no novo trabalho que eu afixei?”

“Fui. Seu tempo em Balen não foi desperdiçado.”

“Não tenho certeza se quero que você pegue este, Jalis.”

“Por quê? Seria uma tola se não fizesse isso.”

Maros grunhiu. “Só me prometa que você não vai fazer isso sozinha.” Ele acenou com a cabeça para Dagra. “Se os rapazes não concordarem, o trabalho vai voltar para o quadro. Eu preferiria que Fenn ficasse com este e bons ventos o levem.”

Jalis franziu o cenho. “O que está te deixando preocupado, velho amigo? Se houver outro grupo de bandidos assumindo o controle de algum lugar...”

“Não bandidos.” Maros olhou rapidamente ao redor da sala e disse em uma voz baixa, “Fale com Dagra e Oriken. Veja o que eles dizem. Se todos vocês concordarem, então é seu. Mas não vou ficar feliz sobre isso. Você e eu passamos muitos anos juntos, garota. Não subestime o que este trabalho exige.”

Ela estudou seu rosto. “Nunca ouvi você falando assim.”

“Nunca tivemos um contrato como este.”

Quando Jalis voltou para seu assento com Dagra a reboque, Oriken ergueu uma sobrancelha. “Bem, este foi o maior entretenimento que eu tive a semana toda. Você perdeu, Dag. Jalis abriu um cu novo no idiota local.”

“Não fiz isso.” Jalis ignorou o olhar inquisitivo de Dagra. Ela cruzou os braços sobre a mesa e acenou para seus amigos se aproximarem. “Consegui um contrato para nós e vocês não vão acreditar na recompensa.”

“Não tenho certeza se quero ouvir,” Dagra disse, “não depois da reação de Maros. Mas continue.”

A tagarelice da sala comunal tinha retornado, mas mesmo assim ela olhou ao redor para garantir que ninguém estivesse ouvindo. “Quinhentos dari de prata.”

Oriken deu um assobio baixo. “Estrelas do céu. Você está brincando.”

“Não estou.”

Os olhos de Dagra estavam sombreados com ceticismo. “Quais são os detalhes?”

“Não sei. Não tive exatamente tempo para verificar.”

“Você não teve tempo? Jalis, você não sai às cegas aceitando trabalhos. Você é mais esperta do que eu e Orik.”

“Eu sei! Mas quinhentas moedas de prata. Que trabalho você não aceitaria por isso?”

“Posso pensar em alguns que eu não faria,” Oriken disse com um sorriso malicioso. “Dagra, contudo, provavelmente não muitos.”

Dagra ignorou a zombaria. “Vamos lá, então,” ele disse para Jalis. “Vamos dar uma olhada.”

Ela desamassou o bilhete e abriu sobre a mesa, franzindo o cenho em confusão enquanto examinava os detalhes. “Er, onde fica Lachyla? O que é a Cidade Sinistra?”

“Oh, deuses sofredores.” Dagra passou a mão pelo rosto.

“O quê?”

Oriken riu. “Maros colocou isso no quadro? Ele está brincando conosco. Ele tem de estar.”

Jalis balançou a cabeça. “Ele não faria isso. Espere, isso não é um conto folclórico Himaeriano? A Cidade Sinistra foi uma das histórias do Tecelão de Histórias há alguns anos, não?”

“Mantenha a voz baixa,” Dagra disse. “Olhe, se isso é apenas uma caça ao dragão ou de verdade, esqueça. Não vamos até lá. Está marcada com a caveira por um bom motivo.”

Oriken zombou. “Vamos lá. Só porque você foi criado acreditando em toda história sob o sol não há nenhum motivo para pensar que isso será qualquer coisa além de um longo passeio no campo.”

“Você não pode acreditar nisso,” Dagra disse. “Desde quando você já entrou nas Terras Mortas? Nunca, é quando. Passeio no campo? Mais como uma caminhada para a forca.”

“Não sei muito sobre suas lendas,” Jalis disse, “mas só os dez por cento pela não-recuperação nos manteria bem por alguns meses. Se cumprimos o objetivo, será uma conquista mais lucrativa do que Maros e eu já conseguimos nos nossos anos dourados. Isto é grande. Se deixamos passar, Alari, Fenn, Henwyn ou qualquer um dos outros irão pegá-lo.”

“Não precisa me convencer,” Oriken disse. “Estou dentro.”

“Você está dentro para tudo.” Dagra olhou com cara feia para ele. “Sempre correndo para todos os buracos escuros que você encontra. Mesmo quando éramos meninos. Você nunca irá aprender?”

Oriken deu de ombros. “Você é o supersticioso. Mostre-me prova de que Lachyla é qualquer coisa exceto uma história assustadora contada pelos Tecelões de Histórias. Dê-me alguma evidência que não deveríamos pegar o trabalho.”

“Você sabe que não posso. Mas não deveríamos irritar a Díade ao vagar pelo domínio de uma deusa morta. Toda a região é solo profano.”

“A Díade são seus deuses,” Oriken disse. “Não meus. E nem de Jalis. Pelo amor das estrelas, Dag, somos freeblades.”

“Mesmo se encontrarmos o lugar, as chances de localizar… O que era?” Dagra olhou para o bilhete. “Uma cripta? Oh, não. De maneira nenhuma. Não vou entrar em uma cripta.” Ele olhou para Jalis. “Você sabe que eles costumavam enterrar seus mortos sem queimá-los? É bárbaro, eu te digo. Sacrilégio.”

Oriken deu a ele um sorriso divertido. “Sacrilégio? Você está falando sobre uma época antes que a Díade viesse para Himaera. Como você pode acusar os ancestrais de sacrilégio quando eles existiam antes dos seus deuses?”

Dagra empalideceu. “Você está indo longe demais, Oriken.”

“Aconteceu em toda parte,” Jalis disse, “não apenas aqui em Himaera. Foi a mesma coisa no Arkh.”

Dagra esvaziou o resto da sua cerveja. “Jecaiah!” Ele sinalizou para o garçom para outra bebida, depois olhou enfaticamente para Jalis. “Na melhor das hipóteses, vamos desperdiçar mais ou menos um mês vagando pelo deserto antes de voltar para casa de mãos vazias.”

Com um suspiro interior, ela decidiu tentar outra tática. “Você percebe que se concluirmos este contrato, provavelmente Maros vai apresentar vocês dois para seus testes de mestre espadachim.”

“Imagine isso, Dag. Freeblades de terceiro nível depois de apenas cinco anos.” Oriken ergueu uma sobrancelha. “Vamos ser o assunto da guilda.”

“Hmph.” Dagra empurrou sua cadeira para trás e marchou até o bar.

“Ele vai concordar,” Oriken disse.

Dagra olhou por cima do ombro. “Eu ouvi isso. Ainda estou esperando para ser convencido.”

“Você não parece tão convencido quanto estava,” Jalis disse quando ele voltou para seu assento. “Olhe, se você não quer vir junto, isso só vai significar mais para Oriken e eu. Seria uma pena não tê-lo conosco, mas se esta é a sua escolha…”

“Não tente isto comigo, garota. Você ouviu Maros. Ele disse que somos todos nós ou nenhum.”

“Ele disse. Mas infelizmente isso não depende dele. Vi os detalhes. Se ele tentasse me parar, ele estaria fazendo isso como um amigo, não como o Oficial.”

“Pense em todo o bem que isso traria,” Oriken pressionou. “Você e eu conseguindo nossos títulos de mestres espadachins. O reconhecimento que isso traria para nós e a filial, sem mencionar para toda a guilda. Não é apenas sobre dinheiro. Estrelas, nem sem o que eu faria com a minha parte. Imagine, Dag. Quando circular o boato que desafiamos a doença, conquistamos uma lenda e retornamos vitoriosos…”

“Não pretendo correr o risco de irritar os deuses, não por qualquer quantia de dari.”

“Estrelas!” Oriken suspirou em exasperação. “Tudo que temos de fazer é entrar em uma cripta e encontrar alguma bugiganga enferrujada. Você não pode relaxar apenas desta vez? Você poderia até esperar no lado de fora enquanto eu e Jalis fazemos todas as coisas corajosas.”

Dagra olhou com cara feia para a oferta de contrato em um silêncio inflexível.

“Ok,” Jalis disse. “Duvido que a Díade ficaria feliz se você permitisse que Oriken e eu caminhássemos para o nosso destino sem você, mas se esta é a sua escolha, então irei respeitá-la.”

Dagra olhou para ela. “Isso foi um golpe baixo.”

Ela deu de ombros e se levantou. “Vou aceitar o contrato e Maros irá permitir. Dentro ou fora, isso depende de você.”

Ele suspirou. “Não estou feliz sobre isso. Realmente não estou feliz.”

Jalis sorriu. “Você está dentro então?”

Dagra curvou os ombros em derrota. “Eu me odiaria se algo acontecesse com vocês dois. Que escolha eu tenho?” Seus lábios pressionaram juntos e ele lançou um olhar semicerrado para Oriken. “Aye, você terá minha espada ao seu lado. Como sempre.”

Capítulo Dois

Nas Terras Mortas

Jalis estava deitada de bruços, apoiada nos cotovelos, junto à margem do rio enquanto Dagra e Oriken enchiam novamente os odres de água. Um mapa da região estava aberto diante dela. Enquanto estudava-o, ela balançava a cabeça. “Nenhum dos assentamentos que vimos nos últimos três dias estão marcados aqui, apenas a antiga fortaleza circular pela qual passamos um tempo atrás.”

“Não estou surpreso,” Oriken disse ao lado do rio. “Nem os chamaria de assentamentos, apenas aglomerados de cabanas velhas e decrépitas. Os olhares que recebemos quando passamos, você pensaria que éramos bandidos ou algo pior.”

“Eles são um povo simples por aqui,” Dagra disse enquanto deixava a margem do rio e sentava perto de Jalis. “Vivendo na periferia das Terras Mortas, eles têm o direito de suspeitar de estranhos quando provavelmente eles nunca veem nenhum. E as armas que estamos carregando não são plausíveis de estimular amizade.” Ele tocou o velho gládio no quadril. “Para eles que não sabem a diferença entre um freeblade – ou até mesmo um mercenário comum – e um bandido, um parece a mesma coisa que o outro.”

Oriken se aproximou para juntar-se a eles e arremessou para Jalis seu odre de água. “Ainda não precisamos saber onde estamos,” ele disse a ela. “No que diz respeito as histórias desta área, alcançaremos a cidade desde que sigamos a estrada.” Ele tirou o chapéu e deitou na grama, cruzando as mãos atrás da cabeça.

“Não há quase nada da estrada,” Dagra murmurou com uma olhada de relance para os restos cobertos de vegetação da Estrada do Reino a uma curta distância. “Imagine em que estado vamos encontrá-la amanhã ou no dia seguinte.”

“Estrada ou não,” Oriken disse, olhando para o céu da tarde, “de acordo com os Tecelões de Histórias, não podemos errar se formos para o sul e para o oeste. Vamos chegar lá. E então, provavelmente, vamos virar e voltar de mãos vazias. É quase tentador acampar por algumas semanas, depois voltar pelos dez por cento.”

Jalis ergueu os olhos do mapa. “E correr o risco de perder os outros noventa por cento? Você tem tão pouca fé em nós para encontrar a joia?”

Oriken deu de ombros. “Não tenho fé em nada. Honrarei o contrato, você sabe disso. Mas pelo que Maros disse sobre Cela, parece-me que os corvos beberam o que restava do seu cérebro. Usar um título de família! Quem faz isso agora?” Pegando o olhar de Jalis, ele disse, “Ok, talvez você faça e alguns outros que vieram para cá do continente, mas nossa cliente é Himaeriana.” Ele deu um suspiro de escárnio. “Alegar que ela é descendente de Lachyla. Ha!”

Jalis arqueou uma sobrancelha. “Quem vai dizer que não é?”

Oriken resmungou e fechou os olhos.

“Houve supostamente alguns sobreviventes da praga,” Dagra comentou.

“Se Cela é louca ou nós somos,” Jalis disse, “vamos atravessar a Colina Scapa e encontrar esta suposta Cidade Sinistra e dar o nosso melhor ao procurar a herança.” Ela olhou para Dagra. “Algo está te preocupando?”

Ele deu a ela um olhar semicerrado e esperou um momento antes de responder. “Aye, algo está me preocupando. Em primeiro lugar” — ele inclinou-se para frente e colocou um dedo no mapa onde o símbolo da Caveira cercava o centro da Colina Scapa — “isso me incomoda muito. Há um bom motivo por que ninguém vem aqui.”

“Sim, é porque todo o Himaera se tornou afável aos deuses,” Oriken disse lentamente. “Nós nos livramos do governo dos deuses, mas era apenas um lado da moeda.”

“Em segundo lugar,” Dagra continuou, lançando a ele um olhar contundente, “presumindo por um momento que toda esta região é o trecho mais inofensivo do deserto que já vimos, o que acontece se realmente encontramos Lachyla?”

Jalis guardou o mapa na sua mochila. “O que você quer dizer?”

“Dag está preocupado sobre o cemitério,” Oriken disse.

“Com certeza estou! Não é certo, deixar as pessoas para apodrecer assim. E espera-se que nós entremos em algum buraco no chão cheio de todos os tipos de cadáveres antigos e não santificados? Quero dizer, quem em seu juízo perfeito...”

“Vou te dizer quem.” Jalis sentou-se e olhou direto em seus olhos. “Três freeblades que mal conseguem juntar moedas suficientes de trabalhos escassos para pagar pelo nosso sustento. Dinheiro está curto e definitivamente não estaríamos em nosso juízo perfeito se tivéssemos rejeitado este. Temos sorte que Maros nos avisou sobre isso. Ele não precisava fazer isso.”

“Nossos quartos na taverna são cortesia de Maros,” Oriken comentou. “E a comida cortesia da própria guilda.”

“Meu ponto permanece. Trabalho tem sido desanimador ultimamente.” Jalis levantou-se agilmente. “Não vamos chegar a lugar nenhum sentados aqui discutindo sobre isso. Ainda faltam algumas horas antes do anoitecer, então vamos continuar.”

Dagra resmungou e levantou-se, pegou sua mochila e pendurou no ombro. Enquanto ele seguia para a estrada, Jalis caminhava ao seu lado e lançou um olhar para trás para ver Oriken se apoiar nos cotovelos.

“Justo quando eu estava ficando confortável,” ele disse.

Ela piscou e virou-se para Dagra. “Cinco anos e ele não mudou nem um pouco.”

Dagra bufou. “Cinco? Tente vinte e cinco. O homem é tão preguiçoso quanto o menino era, mas se eu tivesse de descer ao próprio Inferno, não escolheria ninguém além de Orik ao meu lado. E você, é claro.”

Jalis sorriu. “O mesmo para mim, meu amigo.” E então um pensamento indesejável veio a ela. Descer no Inferno. Espero que seja quem for que estiver ouvindo não estejamos indo fazer exatamente isso.

À medida que a noite se intensificava, eles avistaram uma coleção de quatro cabanas de pedra e madeira, uma dispersão de celeiros e um conjunto de latrinas afastadas da estrada, aninhadas na beirada de um grande bosque de árvores. As construções estavam intactas, mas cobertas com musgo, os telhados enfeitados com grama e plantas floridas. Sinais de desuso permeavam a área. Se o lugar ainda era a casa de alguém, eles não tinham cuidado dela há anos.

“Parece que teremos abrigo hoje à noite,” Oriken disse.

Jalis estava em dúvida. “Se as casas estão tão descuidadas dentro quanto no lado de fora, poderíamos estar dormindo sob as estrelas de novo.”

Dagra resmungou. “Logo descobriremos.” Ele acelerou seu ritmo, as pernas curtas caminhando para a mais próxima das pequenas cabanas. Com uma batida forte na porta, ele gritou, “Olá?”

Quando Oriken alcançou Dagra, ele riu e bateu uma mão no ombro do seu amigo. “Dag, se alguém estiver vivo ali, eles devem estar bem abastecidos com provisões. Esta porta não foi aberta em anos.” Ele apontou para os dentes-de-leão crescendo em touceiras densas nas bordas da porta e a hera intacta que seguia seu caminho ao longo da moldura e através da porta da frente. Ele pegou a maçaneta e empurrou; ela rangeu para dentro um centímetro e um fedor de mofo flutuou para fora. Dagra franziu o nariz em desgosto.

“Apenas precisa arejar,” Oriken disse. “Vai ficar tudo bem.” Ele bateu o ombro na porta. As videiras se romperam e a porta arranhou as tábuas do assoalho, suas dobradiças gemendo até tocar a parede adjacente. Um interior sombreado os cumprimentou, permeado por um fedor úmido e pungente que fez Oriken dar um passo para trás. “Ou talvez não,” ele acrescentou com um encolher de ombros.

Do lado direito da área de estar, escassa e empoeirada, uma porta aberta conduzia para uma segunda sala. Oriken atravessou a sala e deu uma espiada dentro. “Hm.”

Jalis parou no centro da primeira sala. “O que você vê?”

Oriken semicerrou os olhos para a escuridão. Uma expressão desconcertada surgiu em seu rosto. “Oh.”

“Que diabos isso significa?” Dagra rosnou enquanto ficava atrás de Jalis. “O que há aí?”

“Teias de aranha.” Oriken virou-se para um conjunto de persianas atrás dele e abriu a persiana da esquerda, permitindo que a luz da noite banhasse o quarto.

A maior parte do que Oriken podia ver estava bloqueado da visão de Jalis, mas seu olhar semicerrado para a sala antes de sair e balançar a cabeça disse a ela que eles não dormiriam ali hoje à noite.

“Deveríamos tentar outra casa,” Oriken sugeriu com um olhar severo para Dagra.

“Não seja tão covarde.” Dagra passou por ele.

“Ah, Dag, eu não iria...”

Quando Dagra entrou na sala e olhou para o lado, uma expressão de horror espalhou-se pelo seu rosto e ele recuou contra o batente da porta. “Deuses acima e abaixo!” Ele se afastou cambaleando e intrometeu-se entre Oriken e Jalis para desaparecer através da porta da frente. “Maldito!” ele gritou. “Você poderia ter me avisado!”

“Eu tentei”

“Avisado de quê?” Jalis perguntou.

Oriken deu de ombros. “Como eu disse, há teias por toda parte. Não poderia dizer até abrir a persiana. As malditas coisas estão em todos os lugares do cadáver, cobrindo-o como uma mortalha.”

“Oriken! Você sabe como Dagra fica sobre este tipo de coisa!”

“Esqueça-o! E eu? Há uma aranha enorme e gorda rastejando sobre o rosto do sujeito.” Com um estremecimento, ele se afastou. “Odeio aranhas!”

“E eu odeio surpresas!” Dagra gritou do lado de fora.

Sorrindo para si mesma, Jalis olhou para a sala adjacente. O sorriso vacilou quando ela viu uma folha de pergaminho no braço da cadeira onde o cadáver estava caído. Ela atravessou a sala e afastou os fios grudentos, pegou o papel e soprou a poeira dele. Após ler o bilhete desbotado, ela colocou-o ao lado do cadáver e olhou para suas feições enrugadas com um toque de simpatia.

“Vamos deixá-lo em paz,” ela disse baixinho. “Lamento incomodá-lo.” Ela deixou a construção e olhou para seus companheiros enquanto eles estavam discutindo. “Sabe,” ela refletiu, “às vezes parece que sou uma babá em um orfanato em vez de um mestre espadachim na Guilda Freeblades.” Enquanto os homens murmuravam seus protestos, ela apontou o polegar na direção da porta aberta. “O sujeito ali ficou para trás quando o último dos seus vizinhos fez as malas e foi embora. Ele se recusou a juntar-se a eles. Em vez disso, permaneceu aqui sozinho e morreu com o que ele considerava ser dignidade. É tão triste que alguém se importaria mais sobre uma pequena área de terra do que uma chance melhor de sobrevivência em outro lugar.”

Os homens olharam para ela inexpressivamente antes de retomarem sua discussão. Com um suspiro, Jalis passou por eles. “Vou dar uma olhada na próxima casa. Aranhas ou cadáveres, os meninos fiquem bem atrás de mim. Mamãe vai protegê-los.”

“Você é um grande idiota,” ela ouviu Dagra dizer a Oriken enquanto caminhava para a casa mais distante.

“Tentei avisá-lo,” veio a resposta de Oriken. “Mas você tinha de entrar ali todo valente. Achou que era apenas aranhas, não foi? Achou que me faria parecer um banana. Anãozinho idiota.”

“Anão? Posso derrubá-lo qualquer dia da semana, seu bastardo desengonçado.”

“Sim? Bem, que tal agora?”

“Crianças!” Jalis gritou quando alcançou a próxima casa. “Comecem a se comportar agora ou eu juro que vou colocar ambos sobre meu joelho.” Ela olhou para suas expressões chocadas, em seguida se virou para a porta da cabana e bateu o calcanhar abaixo da maçaneta. As dobradiças racharam quando a porta voou para dentro. Com as mãos perto das adagas, ela entrou na escuridão e esperou que seus olhos se ajustassem. Os contornos cinzentos da mobília escassa pontilhavam o único cômodo: havia uma lareira na parede oposta, um grande catre em um lado e uma despensa no outro. Uma verificação rápida confirmou que não havia coisas mortas ao redor – exceto pelo esqueleto de um rato na lareira – e pouquíssimas teias de aranha.

Dagra e Oriken entraram timidamente.

Ela lançou a eles um olhar monótono. “A área está limpa. Vocês estão seguros.”

Alguns minutos depois, com Oriken ocupado construindo uma fogueira na lareira, Jalis sentou-se em uma cadeira bamba e olhou para Dagra. O homem barbado estava no meio da sala, olhando para o chão coberto de sujeira. Estava claro para ela que ele ainda estava agitado.

Ele olhou para o outro lado e encontrou seu olhar. “Nada te incomoda?” ele perguntou. “Até mesmo as mulheres e os homens mais durões têm uma fraqueza, mas nós te conhecemos há cinco anos e ainda não vi a sua.”

“Há uma coisa que eu tenho medo,” ela admitiu. “Perder.”

“Perder o quê?”

Ela olhou calmamente para ele. “Pessoas que eu me importo.”

Ele bufou, mas sua barba abriu em um sorriso forçado, mas afetuoso. “Bem, provavelmente você não vai perder nenhum de nós tão cedo. Você não deveria, a não ser que uma grande aranha monstruosa desça pela chaminé e devore Orik.”

“Ou,” Oriken disse enquanto estalava uma lasca de pedra em uma pederneira, “talvez aquele cara morto na casa acolá se levantará no meio da noite e virá arranhar a porta atrás de Dag.”

Dagra virou-se para ele. “Você tinha de dizer isso, não é?”

“Estou falando sério,” Jalis disse. “Estamos indo para o desconhecido e não gosto de não saber. Quase perdemos Maros ano passado. A equipe invencível de quatro tornou-se três e temos sorte que ele sobreviveu.”

“Aye.” Dagra assentiu. “Isso nós temos.”

“É uma profissão perigosa.” Jalis levantou-se, soltou seu saco de dormir da mochila e enrolou-o no catre. “Verdade, onze anos na guilda e conheço somente um punhado de blades que morreu durante os contratos. A maioria destes eram artífices ou inferior.” Jogando um cobertor no saco de dormir, ela virou-se para erguer uma sobrancelha enfaticamente para os dois homens. “Estatisticamente, as chances de morrer como um freeblade são menores quanto mais alto você subir de patente; vocês dois deverão estar prontos para seus títulos de mestre espadachim nos próximos um ou dois anos, mas ainda não estão lá, portanto não fiquem convencidos. E, pelo amor das estrelas, tentem controlar suas reações. Dag, em um cenário diferente, você poderia ter entrado em pânico e fugido às cegas de uma coisa morta direto para as mandíbulas de uma criatura viva. Como você explicaria isso para a Díade na vida após a morte?”

Dagra estufou as bochechas e soprou. “Reconheço seu ponto.”

“E Oriken, há algumas aranhas em Himaera que podem machucá-lo. Você deverá ver algumas delas em Sardaya. Grandes corpos inchados com listras vermelhas e brancas. Uma mordida de uma destas e você ficará inchado como um cadáver maduro.” Oriken e Dagra gemeram em uníssono e na penumbra da noite tardia, Jalis imaginou que viu as expressões de ambos ficarem pálidas. “Veem quão fácil é?”

“Fácil e desnecessário.” Oriken olhou com cara feia para as ferramentas na sua mão e voltou a bater a pederneira no graveto.

“Sem mencionar os Dançarinos de Pedra que infestam as Planícies de Ghalendi,” Jalis continuou com um aceno de cabeça para Oriken. “Os adultos têm metade da sua altura. Eles poderiam estourar qualquer aranha com um toque das suas pernas semelhantes a espadas. Se você não estivesse protegido com uma armadura e brandindo algo pesado para esmagá-los, um destes aracnídeos acabaria com você muito rápido.”

Oriken virou de costas para ela. “Você está inventando isso.”

“Você vai acender este fogo ou não?”

Com um resmungo, ele bateu a pederneira mais rápido contra o aço. “Madeira danificada não é a mais seca. Então, você viu uma destas coisas, não foi?”

“Não, mas conheço pessoas que viram. Pode haver um pouco de embelezamento, mas não duvide que os Dançarinos de Pedra existem. Meu ponto é que seu medo não é natural; as pequenas aranhas aqui não podem machucá-lo.”

“Não é isso que me incomoda. É a maneira como elas... Pronto!” Uma pequena chama pegou no graveto. Oriken soprou suavemente e o fogo começou a se espalhar, soltando um brilho âmbar no tom cinzento da sala. “O que me incomoda sobre as aranhas é como elas parecem e se movem. Criaturas repugnantes.” Ele abraçou a si mesmo e esfregou os braços. “Podemos mudar de assunto?”

“Cale-se!” Dagra levantou uma mão pedindo silêncio.

“O quê?” Oriken disse após um momento. “Não ouço nada além de madeira crepitando.”

“Lá estava de novo.” Dagra mantinha a voz baixa. “Enquanto vocês estavam conversando.”

Jalis pegou o cinturão da espada na mesa ao seu lado. “Eu ouvi.” Tinha sido leve, mas o chamado da matilha foi inconfundível. “Cravantes. Dag, feche a porta. Orik, me ajude a empurrar aquele armário atrás dela.” Ela afivelou o cinturão ao redor dos quadris e aproximou-se da grande peça de mobília. Enquanto Oriken se posicionava ao lado dela, Dagra fechava a porta da cabana e fechava as persianas rapidamente. Jalis e Oriken se agacharam atrás do armário e apoiaram os ombros nele. Eles empurraram, mas o armário mal se moveu. Apoiando os pés com firmeza, Jalis colocou todo seu peso na tarefa e sentiu Oriken fazendo o mesmo. O armário arranhava e gemia pelas tábuas empoeiradas, seu conteúdo chocalhando com cada empurrão. Em pouco tempo, eles o colocaram com firmeza atrás da porta.

“Precisamos colocar algo atrás das persianas!” Dagra olhou para o conteúdo da sala.

Jalis balançou a cabeça. “Não há nada.”

Oriken torceu a aba do seu chapéu. “Cravantes normalmente deixam os seres humanos em paz, mas aqui, além dos últimos assentamentos…”

“Este é o domínio deles,” Dagra disse sombriamente. O chamado das criaturas estava se aproximando rapidamente enquanto ele sacava seu gládio. “Eles saíram dos bosques.”

“Eles nos ouviram e agora têm nosso cheiro.” Jalis enfiou a mão em uma mochila pela sua minibesta. “Se ficarmos em silêncio, eles poderiam se afastar após um tempo.”

Com as persianas impossibilitadas de serem barricadas, elas eram o ponto de defesa mais fraco da cabana. Jalis carregou e encaixou no arco da besta, em seguida ficou pronta atrás dos homens enquanto eles se posicionavam atrás das persianas. Eles esperaram em silêncio, ouvindo enquanto os cravantes saltavam pela clareira, seus chamados guturais lembravam apenas vagamente os macacos nativos do extremo sul do Arkh. Jalis conseguia imaginá-los lá fora, suas mandíbulas salientes com amontoados caóticos de presas e aquele segundo conjunto menor de olhos, como esferas de obsidiana nas laterais das suas cabeças. O semblante de um cravante era hediondo, mas apesar da sua aparência, Oriken estava certo ao dizer que o grupo de primatas caçadores tendia a ficar longe dos humanos, mantendo-se invisíveis e praticamente despercebidos nas profundezas das matas. Mas aqui, na borda da Colina Scapa, era possível que eles raramente tivessem colocado os olhos em humanos, com o último assentamento povoado ficando a meio dia de caminhada para o norte.

Algo se espatifou no lado de fora e Jalis visualizou as criaturas entrando correndo na primeira casa, seguindo o cheiro dela e dos homens, mas encontrando somente o cadáver há muito tempo morto. A pancada abafada de pés e punhos no chão se aproximou da cabana e, apesar de tudo, Jalis se encolheu quando punhos se chocaram contra a porta, com a madeira se estilhaçando enquanto era sacudida contra o armário. Os cravantes rugiram, sentindo a proximidade dos freeblades.

O armário deslocou-se um centímetro. Além do batente, a criatura atacando grunhiu em frustração e bateu com mais força contra a porta. Uma dobradiça saltou da sua fixação e uma fenda estreita apareceu. Através dela Jalis viu uma massa de cabelos pretos em um corpo atarracado. O cravante era da altura de Dagra, ligeiramente mais baixo do que Jalis. Um olho preto e arredondado espiou o interior e o cravante rugiu.

Jalis disparou a flecha. Sua mira foi no alvo. O projétil disparou através da fenda e entrou direto na boca da criatura que guinchou de dor e cambaleou para longe. Outra assumiu seu lugar enquanto Jalis recarregava a besta.

Um olhar de Oriken disse a ela para esperar enquanto ele atravessava a sala e empurrava seu sabre entre a porta e a moldura, enviando uma série de golpes rápidos no corpo do cravante. A criatura rugiu e bateu um punho de pelos grisalhos contra a moldura da porta. Seus dedos grossos e com garras abriram e alcançaram através da fenda. Oriken abaixou o sabre, cortando profundamente os dedos da criatura e arrancando um deles. O cravante enfurecido retirou a mão e soltou um rugido furioso. Oriken pulou para trás e Jalis soltou o ferrolho. O primata grunhiu e caiu para trás. Na clareira, do lado de fora, flashes escuros de movimento disseram a ela que o resto do bando estava convergindo para a cabana.

Punhos socaram as persianas. Poeira se agitou das fendas entre as tábuas. Dagra deu um passo para trás e ergueu seu gládio quando as persianas caíram para dentro. A forma escura de um cravante preencheu a fenda, seu peito musculoso ondulando enquanto levantava os braços e rugia.

Jalis agarrou outra flecha e deslizou na besta, observando a criatura erguer o braço forte para atacar Dagra. Encaixando a besta apressadamente, ela apertou o gatilho e a flecha perfurou um dos quatro olhos do cravante. Dagra desviou-se para o lado e cortou o braço que se aproximava. O cravante agarrou o rosto, arrancando a flecha do olho.

Havia pouco que Jalis pudesse fazer além de continuar carregando a besta, mas havia somente algumas flechas. Nem havia espaço suficiente nas persianas para os homens manterem sua posição sem correr o risco de se machucarem. Eles precisavam de uma nova tática.

“Fogo!” Jalis gritou. “Há uma tocha antiga na parede.”

Oriken saltou para a tarefa. Ele puxou a tocha para baixo e empurrou a extremidade na lareira agora crepitante. As chamas pegaram e ele correu para o lado de Dagra enquanto o cravante machucado se aproximava para o ataque. Com sua atenção em Dagra, Oriken enfiou a tocha ardente em seu rosto. A criatura soltou um grito estridente e jogou-se no chão em uma tentativa de apagar as chamas. Enquanto se levantava de novo, Jalis atirou uma flecha em seu rosto. O cravante uivou e cambaleou para longe, dando vários passos largos pela clareira, depois caiu no chão. Os uivos e os movimentos da criatura cessaram, permitindo que as chamas se espalhassem.

Os cravantes restantes recuaram com medo na escuridão da noite, seus olhos pretos brilhando à luz do fogo. Um se atreveu a se aproximar e Oriken balançou a tocha quando a criatura se aproximou. As chamas lamberam seu braço e o cravante empurrou a tocha para longe, derrubando a parte de cima e enviando a bola de breu voando para a sala para rolar para debaixo do catre cheio de feno.

Enquanto o fedor de cabelo chamuscado e carne assando flutuava através da abertura, Dagra apunhalou seu gládio no ombro da criatura. Ela cambaleou para trás sobre seu companheiro caído; as chamas que consumiram o primeiro pegaram o segundo e, com um grito agonizante, a criatura ficou em pé e saltou na direção do resto do grupo, fazendo com que eles se dispersassem de novo na direção das árvores. O cravante em chamas andava a passos largos ao redor da lateral da casa e os gritos do grupo se dissipavam à medida que eles desapareciam no bosque.

O catre estava em chamas, fumaça se avolumando na sala. Oriken salvou sua mochila e roupa de cama a tempo e estava ocupado guardando seus pertences.

“Através das persianas,” Dagra gritou, olhando com cara feia de Jalis para Oriken. “Agora!”

Eles agarraram seus pertences e Jalis atravessou as persianas atrás de Dagra. Não havia sinal do grupo de caçadores, a não ser por aquele no chão que já não se movia mais, pequenas poças de chamas pontilhando suas costas queimadas. Oriken se içou através das persianas abertas, ofegando de dor enquanto pendurava seu sabre de volta na bainha.

“Você está sangrando,” Jalis disse.

Ele olhou por um instante para a camisa rasgada sobre seu antebraço. Agarrando a manga, ele rasgou-a a partir do ombro e passou o pano ao redor da ferida. “Posso lidar com isso depois. Distância primeiro.”

Enquanto os três corriam em direção à Estrada do Reino, Jalis pensou sombriamente, Um passeio no campo, de fato. Acima deles, o céu estava pintado em faixas de estrelas, enquanto atrás deles, ficando cada vez mais distante à medida que eles fugiam pela charneca aberta, o inferno da cabana rugia para a noite.

Capítulo Três

Meu, Todo Meu

“Isso mesmo,” Wayland disse enquanto se agachava ao lado de Demelza. “Mantenha sua respiração estável. Acompanhe o coelho com a flecha. Segure, puxe e mire. Quando tiver certeza, solte.”

De uma curta distância, ao lado do Guardião e da garota, Eriqwyn cruzou os braços e observou Demelza e o coelho. Ela vai errar, ela pensou irritada. Seu corpo está tenso e seu foco não está completamente na tarefa. Reprimindo um suspiro, ela balançou a cabeça. Sou a Primeira Guardiã, não deveria estar perdendo tempo com ela; fazer com que aquela cabeça dura dela compreenda requer muita paciência.

A quarenta e cinco metros de distância, o coelho meio escuro saiu detrás de um arbusto para a clareira. Ele parou, franziu o nariz e virou-se para olhar diretamente para Demelza e Wayland. A garota soltou a flecha que brilhou no sol da manhã e bateu na grama a vários metros do seu alvo. O coelho se pôs em movimento rapidamente. A careta petulante de Demelza acompanhou-o enquanto ele disparava pela charneca. Pegando seu arco do chão, Eriqwyn começou a ir na direção do par.

Os olhos de Wayland arregalaram e ele ficou em pé. “Ha! Você olharia para aquilo? Você errou com a flecha, mas em vez disso parece que você assustou o pobre animal até a morte!”

Eriqwyn virou-se. O coelho havia aberto uma boa distância em segundos, mas agora estava imóvel, a barriga branca aninhada entre a grama curta. Ela se aproximou da criatura caída e cutucou-a com a bota. Ajoelhando-se, ela colocou uma mão em seu peito. Seu coração tinha parado e seu olho castanho a encarava sem ver. Wayland estava certo; parecia que a criatura morreu de medo.

Ela pegou a criatura pela cauda e caminhou até Demelza. “A caça é sua,” ela disse à garota, entregando-lhe o coelho. “Contudo, não será registrado na sua contagem. Você precisa melhorar seu foco. Onde estava sua atenção? Na caça ou em algum outro lugar? Pareceu-me que metade da sua mente não estava na tarefa.” Ela olhou para Wayland. “Demelza precisa de mais treino com alvos parados até que ela possa aprender a dar sua atenção total.”

Wayland deu um breve encolher de ombros e um aceno de cabeça. “Como você diz.”

“Bem, garota?” Eriqwyn inclinou a cabeça para Demelza. “Você não vai recuperar a flecha que Wayland foi generoso o suficiente para deixar você usar?”

Os olhos de Demelza pareciam tão tristes quanto os do coelho em vida e quase tão vazios quanto estavam na morte enquanto ela assentia. Entregando o arco comprido para Wayland, ela saiu correndo para recuperar a flecha.

Enquanto Eriqwyn suspirava, Wayland disse baixinho, “Ah, Qwynie. Você é muito dura com a garota. É verdade que ela não é o peixe-lua mais brilhante no espelho d’água, mas ela não é sem habilidade.”

“Uma habilidade que está abaixo da Primeira Guardiã de Minnow’s Beck para perder tempo em encontrar.”

“E quanto a mim? Linisa e eu estamos somente em segundo lugar em relação a você como protetores da aldeia. Está abaixo de uma Guardiã ajudar uma jovem a se tornar uma caçadora? É claro que não. É assim que o ciclo continua e a aldeia permanece forte.”

Eriqwyn sugou o ar através dos dentes. “Não há necessidade de me dar um sermão, velho amigo. Sei tudo isso. Mas esta garota…” Ela olhou com cara feia para Demelza que retornava. “Amaldiçoada no dia em que nasceu. Há algo sobre ela que eu não gosto nem confio. E com que frequência coelhos simplesmente caem mortos de medo?”

“Acontece.”

“Mas duas vezes em duas semanas? Com a mesma garota?” Ela virou-se e olhou atentamente para Wayland, mas suavizou quando encontrou seu olhar tranquilo. “Continue com seu treinamento, mas, por favor, seja econômico com seus relatórios de progresso. Não tenho nenhum desejo em saber quão mal ela está indo nem para quantas criaturas ela conseguiu fazer cara feia até a morte.”

Wayland sorriu e virou-se para a garota quando ela parou na frente deles, a flecha na mão. “O que você aprendeu até agora hoje?” ele perguntou a ela.

Os olhos arregalados de Demelza olharam de Wayland para Eriqwyn e de volta novamente. Sua boca trabalhou silenciosamente antes de responder. “Aprendi…”

Eriqwyn franziu o cenho. “Sim, garota?”

“Aprendi que…”

Oh, pelo amor da deusa, Eriqwyn pensou.

“Considere a pergunta,” Wayland disse, sua voz cheia de paciência.

Demelza olhou para o coelho na mão de Wayland e após um longo instante, ela balançou a cabeça e disse, “Aprendi que o coelho não é tão esperto quanto a Melza.” Eriqwyn reprimiu um suspiro e girou nos calcanhares. Enquanto se afastava, ela ouviu Demelza acrescentar, “Contudo, ainda está morto.”

“Um pântano,” Oriken resmungou enquanto puxava a bota do pântano com um barulho molhado. Ele olhou para a vista à frente, para a planície aberta, as árvores tortas e escassas, os tufos de bambus e feno salgado que pontilhavam toda a paisagem. “É exatamente o que precisávamos.”

Nuvens haviam se reunido e o ar estava se tornando nublado com a chuva fina. O pântano estava intransitável a não ser que eles quisessem correr o risco de atravessá-lo, o que, para a mente de Oriken, não iria acontecer. Nosso sexto dia na estrada e não estamos nem na metade do caminho para o nosso destino, ele pensou, franzindo o cenho para a bota coberta de lama. Mesmo assim, primeiro obstáculo até agora, se você não incluir aqueles malditos primatas. Sob a atadura em seu antebraço, o arranhão da garra do cravante estava começando a coçar.

“Vamos ter de fazer um desvio,” Jalis disse, abaixando-se para os remanescentes cobertos de vegetação da antiga estrada e tirando seus sapatos. “Você disse sul e oeste, certo?”

“Uhuh.” Oriken esfregou um dedo no queixo barbudo para evitar coçar o braço cicatrizando. “A costa é muito mais perto do oeste do que do leste. A partir daqui, calculo trinta e dois quilômetros, mais ou menos.”

Dagra bufou. “E que bem isso nos faz?”

Oriken deu de ombros, agarrou a copa do seu chapéu e tirou-o. “Se formos para o leste poderíamos acabar acrescentando dias ou uma semana inteira a nossa viagem. Além disso, prefiro atravessar a costa rochosa ou praias do que atravessar um pântano.”

“Então é o oeste,” Jalis disse, tirando suas botas da mochila e calçando-as. “Não faz sentido adivinhar a distância que o pântano cobre. Vamos seguir sua borda o mais próximo que pudermos.” Ela estendeu uma mão para Oriken e ele ajudou-a a ficar em pé.

“E se isso levar diretamente para o oceano?” Dagra perguntou. “Nada de útil é o que fará por nós.”

Oriken passou uma mão pelo cabelo e recolocou seu chapéu, girando de leve a aba. “Neste caso, voltamos e vamos para o leste. Por que você tem de presumir o negativo, Dag? Nenhum de nós está feliz com isso. Você precisa relaxar um pouco.”

Dagra murmurou baixinho e encarou a charneca cheia de pântano.

“O que foi que você disse?”

“Nada. Esqueça.” O rosto de Dagra era uma máscara taciturna enquanto ele saía enfurecido para o oeste ao lado do pântano.

Enquanto seguiam atrás, Oriken olhou para Jalis. “Ele está muito tenso. Se houvesse algum maldito santuário para a Díade por aqui, nós o teríamos de bom humor em pouco tempo.”

Jalis concordou. “Estou começando a ver o quanto pedimos a ele para se juntar a nós. Não apreciei sua preocupação na taverna.”

“Ele vai mudar de ideia. Sua fé é mais forte do que qualquer um que eu conheço, para meu aborrecimento ao longo da vida. Fará com que ele sobreviva.”

“Espero que você esteja certo,” Jalis disse, “embora me pareça que você está colocando fé na fé de Dagra.”

Oriken deu uma risada baixinha. “Você me pegou aí.”

A tarde se prolongou. A chuva continuava leve, mas implacável. Jalis e Dagra usavam suas capas curtas com os capuzes puxados para cima e Oriken tinha vestido sua capa de couro de nargute. Ele estava quente, mas seco. Dagra juntou-se a eles e caminhou para o outro lado de Jalis enquanto os três caminhavam ao longo da beirada do pântano. A conversa era escassa e Oriken se viu imaginando o que havia realmente à frente deles. Eles estavam apenas alguns dias além da civilização, mas apesar da paisagem familiar de Himaera, a Colina Scapa tinha uma atmosfera própria. A vastidão da região fazia com que ele se sentisse não confinado, mas também desconfortável como se a própria região estivesse ciente da presença deles e os considerasse intrusos. O que, claro, era bobagem.

Talvez o humor de Dag esteja me contagiando, ele pensou, em seguida balançou a cabeça. Nenhum deles era estranho a viajar e ver somente deserto de um dia para o outro, mas saber que eles se dirigiam cada vez mais profundo em uma região vasta e despovoada – uma região evitada pelos vivos e abandonada ao passado – ele não conseguia afastar a apreensão que estava começando a se infiltrar. Havia realmente uma cidade no outro lado das Terras Mortas? Se sim, então certamente era uma casca de lugar, desmoronando ao chão e consumido pela vegetação.

Enquanto ele se arrastava, a chuva aumentou e começou a tamborilar na aba do seu chapéu. Com Jalis e Dagra caminhando ao seu lado em seus próprios pensamentos silenciosos, Oriken analisou a lenda de Lachyla. A cidade estava envolta em uma história vaga e estórias embelezadas, mas há quatro anos Oriken ouviu a melhor contada por um Tecelão de Histórias que passava por Alder’s Folly. O homem tinha parado para passar a noite no Mascate Solitário na época quando Oriken e Dagra eram novatos na guilda e novos moradores em Alder’s Folly, vivendo na casa da guilda com Maros, Jalis e o resto dos freeblades enquanto o Mascate ainda era de propriedade de Alderby.

Na virada da meia-noite, a sala comunal da taverna estava carregada com os cheiros de madeira queimada, cerveja e trabalho árduo. Os freeblades estavam reunidos em suas mesas perto da única porta de entrada. Maros sempre tinha de se abaixar e se espremer através daquela porta, mesmo antes que o ataque do lyakyn tivesse aleijado sua perna, Oriken se lembrou com uma pitada de pena pelo seu mentor mestiço e amigo. O balbucio da conversa silenciou-se na sala comunal quando um estranho entrou e olhou ao redor. O homem de meia idade era tão alto quanto Oriken. Ele caminhou até o bar, sacudiu para o lado a cauda do seu sobretudo azul e bege e saltou habilmente para se empoleirar no balcão de serviço.

O enigmático Tecelão de Histórias sorriu com sua barba bem aparada e grisalha. Seu olhar percorreu os rostos extasiados dos clientes silenciosos. Seus olhos eram vitais. Seu queixo se projetava apenas ligeiramente em uma confiança silenciosa. Enquanto a lareira crepitava, ele alisou as dobras do seu sobretudo e começou a tecer sua história…

No auge dos Dias dos Reis, Lachyla era uma cidade fortaleza vibrante e movimentada, com mais poder e influência do que qualquer outra em Himaera. Seu povo celebrava a morte com cerimônias elaboradas nos luxuosos jardins funerários. As muralhas imponentes do cemitério eram a primeira linha de defesa da cidade, como foi demonstrado décadas antes quando um exército invasor havia violado os portões – ou assim eles acreditavam – só para se verem cercados por todos os lados por arqueiros. Os dias de guerra estavam em declínio, mas a mortalidade fugaz dos homens pode transformar o grande jogo dos reinos em uma única geração, à medida que um novo soberano se ergue enquanto o sangue dos velhos leigos se espalha sobre o tabuleiro. A idade de ouro dos monarcas estava destinada a um fim calamitoso graças, em grande parte, as ações de um homem.

O último rei de Lachyla foi Mallak Ammenfar. Desafiando os soberanos tirânicos da época, Mallak era um governante imparcial e justo e rapidamente teve sucesso em formar alianças com seus vizinhos do norte. Nos primeiros dias do seu reinado, uma paz desconfortável prevaleceu em Himaera, mas à medida que seu mandato avançava, sua diplomacia dava lugar a uma paranoia crescente. Com a intenção de tornar Lachyla uma cidade-estado autossuficiente, ele começou a fechar as rotas de comércio com os reinos mais setentrionais e restringiu a viagem dos seus cidadãos. Mallak negligenciou os assentamentos mais distantes do Reino de Lachylan e concentrou-se somente na cidade extensa e fortificada.

Após a morte da sua mãe, ele tornou-se recluso e passava a maior parte do seu tempo no santuário inferior do castelo. Ninguém sabia o que ele fazia ali, nem mesmo a rainha.

Sem o comércio de metais, pedras preciosas e outros recursos valiosos de Lachyla, os reinos do norte caíram em declínio e as tensões cresceram por toda a terra.

Finalmente, mercadores esperançosos e enviados de seus vizinhos aliados tentando visitar Lachyla voltaram para casa com relatos que os portões da cidade estavam fechados e desguarnecidos. Além destes portões, eles disseram, os jardins funerários de Lachyla e o grande Caminho dos Defuntos – outrora um balbucio constante de atividade silenciosa – estendiam-se vazios até a cidade propriamente dita, sem um pranteador nem um caseiro à vista. A entrada estava barrada para todos os forasteiros, até mesmo àqueles súditos de Lachylan dos assentamentos e fortalezas remotas. O povo da cidade, nenhum estava autorizado a sair.

Os reis de Himaera deixaram Lachyla a sua própria sorte, decidindo contra a guerra enquanto atendiam aos conselhos dos seus embaixadores que retornavam. Uma falta de naturalidade estabeleceu-se na cidade. Até mesmo as aves alteraram seu curso para evitar voar além das muralhas, talvez percebendo o erro no cemitério – os arbustos e grama secos, o solo perturbado das sepulturas…

As atividades secretas do rei sob o castelo não eram testemunhadas por nenhum mortal, mas a antiga divindade de Himaera, Valsana, não tinha tais restrições. A deusa da vida e morte reinava separada e suprema acima de todos os deuses do Vinculado e Desvinculado, muito antes dos dias iluminados da Díade.

Valsana via as ações do rei como um desejo por governar além da sua posição e ela o considerou culpado por alcançar a divindade. Sua vingança caiu sobre os ombros não somente de Mallak, mas de todos que moravam dentro das muralhas da cidade.

Ela convocou os habitantes dos jardins funerários dos seus lugares de descanso. Os ancestrais invadiram a cidade e destruíram seus descendentes, que estavam muito aterrorizados para revidar. Logo, cada homem, mulher e criança dentro da cidade se juntaram as suas fileiras medonhas.

Quando o rei viu sua cidade cair no caos, ele ordenou ao último dos seus guardiões para barrar por dentro as portas do castelo. Naquela primeira noite, os gemidos dos mortos cercavam o castelo, o coração de uma criada idosa cedeu ao horror. Ela passou silenciosamente para a morte e levantou-se da mesma maneira silenciosa. Um por um, cada um dos criados do rei sucumbiu ao inevitável, seguido por sua família e finalmente seus guardiões até que permaneceu somente Mallak. Para os vivos, o castelo era seu santuário final. Para os mortos inquietos, era uma sepultura eterna.

Mallak trancou-se na sala do trono e sentou-se no assento adornado com joias, ouvindo seus súditos e familiares mortos enquanto eles arranhavam as portas. Após um tempo, eles foram embora e ele foi deixado sozinho. Havia uma mesa com um banquete modesto na sala do trono, mas a comida estava estragada e o vinho transformou-se em vinagre e o rei conheceu o desespero ao perceber as profundezas da maldição da deusa.

Dias se passaram e, sem comida comestível nem água para sustentá-lo, Mallak ficou fraco. Ele começou a comer a fruta podre e beber o vinho estragado, mas seu estômago não aguentou nenhum dos dois e ele vomitou.

O tempo perdeu significado na sala do trono sem janelas, marcado apenas pelo sono agitado no chão frio de pedra. Sedento e morrendo de fome, Mallak difamava o nome da deusa pelo que ela havia causado a ele.

Cedendo cada vez mais ao delírio, o rei compreendeu o erro dos seus modos. Tudo que ele queria era proteger sua cidade e seu povo do veneno dos outros reinos, mas esta proteção sufocou todos. Os Reinos Himaeranianos não estavam repletos de inimigos de Lachyla. As criaturas vagando pelas ruas e pelos corredores do castelo não eram os verdadeiros monstros. O verdadeiro monstro, ele sabia, havia se trancado na sala do trono.

“Valsana tenha misericórdia,” Mallak sussurrou, sua voz pouco mais do que um coaxar seco. Mas nenhuma misericórdia veio. Ele meditava no trono, drenado até mesmo do desespero. Enquanto os murmúrios dos mortos o atormentavam, Rei Mallak Ammenfar partiu desta vida para a próxima.

A deusa concedeu aquilo que o rei tanto desejava. Seu presente para ele foi o domínio completo de Lachyla, nem mesmo a finalidade da morte poderia usurpá-lo – porque o único governante verdadeiro da eternidade… é a própria morte.

“Precisamos de abrigo,” Jalis disse por baixo do capuz, trazendo Oriken de volta ao presente. “As nuvens estão escurecendo e a chuva está piorando.”

“Se meus olhos não me enganam,” Dagra disse, “este abrigo pode estar no horizonte.” Ele apontou para a paisagem nublada.

Oriken podia ver apenas as formas de várias estruturas pequenas no meio do manto de chuva. “Bem, vou ser amaldiçoado.”

“Aye,” Dagra bufou. “Provavelmente.”

Enquanto eles aceleravam o ritmo, Jalis disse, “Pelo menos, sem bosques por perto, não haverá cravantes desta vez.”

Dagra grunhiu sua concordância. “Mas não vamos ser complacentes. Não há como dizer que outras surpresas as Terras Mortas poderiam ter reservado para nós.”

O estômago de Oriken roncou. Um teto e um descanso por um tempo seriam agradáveis neste momento, mas iria preferir um coelho assado. Não tinha visto um almoço em potencial o dia inteiro. Quando eles se aproximaram dos prédios, suas esperanças se dissolveram. As três cabanas de madeira estavam em estados avançados de desmoronamento e várias estruturas menores eram pouco mais do que pilhas de madeira apodrecida. Telhados tinham caído parcialmente, as portas estavam faltando ou estavam semiafundadas no chão e os interiores estavam cobertos de vegetação e água.

Oriken desembainhou seu sabre e caminhou até a cabana mais distante, deixando Dagra e Jalis para inspecionar os prédios mais próximos. Uma breve busca confirmou que realmente não era nenhum abrigo nem havia algo que valesse a pena salvar dos restos da mobília devorada pelos vermes. Ele deu um passo para o lado desmoronado da cabana, serpenteando entre os escombros cobertos de musgo. Atrás do prédio, várias árvores baixas e espinhosas se aninhavam ao abrigo de um outeiro; atrás delas, as tábuas deformadas de uma abertura feito pelo homem estavam apoiadas obliquamente no lado da colina.

“Há uma mina aqui atrás!” ele gritou por cima do ombro.

Jalis apareceu um instante depois. “Tenha cuidado.”

Oriken correu para a entrada da mina e deu uma olhada no interior. Com um encolher de ombros, ele atravessou a soleira. O primeiro conjunto de vigas de sustentação estava visível a uma curta distância; além disso, o resto do túnel se estendia na escuridão. Ele deu mais alguns passos e parou para passar os dedos na terra. Satisfeito que estava seca, ele jogou a mochila no chão e colocou o cinturão do sabre sobre ela, depois sentou-se apoiado na parede do túnel.

Jalis correu para a entrada e empurrou o capuz para trás com um suspiro. Um instante depois Dagra entrou atrás dela, sacudindo a água da sua capa. Na charneca, o vento soprava e a chuva caía com um novo fervor.

Uma vez livre do seu equipamento, Jalis sentou-se com as pernas cruzadas ao lado de Oriken. “Assim que aliviar, vamos sair de novo.”

“Onde quer que haja uma mina, normalmente há um assentamento nas proximidades,” Oriken disse.

Dagra emitiu um grunhido evasivo. “Qualquer assentamento estará em condições tão ruins quanto aquelas cabanas de trabalhadores lá fora. As casas da periferia não estavam vazias por mais do que algumas décadas, mas esta mina foi abandonada há, pelo menos, uma centena de anos.”

“Ele está certo,” Jalis disse. “Não faz sentindo em ficar animado. Além disso, o bosque por aqui é muito mais esparso; se permanecer assim, não vamos esbarrar com mais nenhum cravante.”

“Aye, bem,” Dagra murmurou enquanto passava. “Sem mais surpresas. Isto está bem para mim.” Ele largou seu equipamento contra a parede e agachou-se ao lado dele, colocando seu gládio sobre o colo.

Oriken olhou além de Jalis para admirar os prédios quebrados. Ele se perguntava como eram os mineiros naquela época e se eles eram parecidos com seu pai. Estufando as bochechas, ele olhou na direção oposta da escuridão intensa do túnel. “Ei, espere,” ele murmurou. “Aquilo é… Dag, cuidado!”

Um vulto correu direto para Dagra. Ele estava em pé em um piscar de olhos para encontrar o agressor de cabeça erguida, balançando sua espada no vulto escuro. Com um grunhido, o agressor passou as mãos ao redor do pescoço de Dagra e ele empurrou o gládio de lâmina larga através da barriga do agressor, empurrando-o mais alto no peito. As mãos ao redor do pescoço de Dagra afrouxaram e seu agressor caiu em cima dele. Ele arrancou a espada do corpo e o agressor caiu ao chão. Tudo tinha acontecido em segundos, mas Oriken e Jalis tinham suas armas sacadas e prontas para atacar a partir do túnel. O momento se prolongou, mas nada veio. Oriken olhou para Dagra, cujos olhos estavam fixos no corpo aos seus pés.

Oriken olhou para baixo. “Merda,” ele disse enquanto olhava para a pele suja, coberta de machucados, o cabelo comprido e emaranhado e a barba desgrenhada de um homem nu.

Dagra gemeu, caminhou até a entrada e ficou olhando para a chuva.

“Um eremita?” Jalis ponderou. “Ou há mais no interior da mina?”

“Um idiota, de qualquer maneira,” Oriken disse. “O que ele estava pensando?”

“Invadimos sua casa.” Dagra mantinha suas costas para eles. “Ele estava somente se protegendo.”

Jalis balançou a cabeça. “Não representávamos nenhuma ameaça para ele,” ela disse a Dagra.

“Deveríamos queimá-lo.”

Oriken jogou as mãos para cima. “Ótima ideia. Vou sair e pegar um pouco de madeira seca para uma fogueira. Há tantas árvores por aqui e realmente não está chovendo pesado.”

“Ok, tudo bem!” Dagra virou-se para encará-los. “Vamos pelo menos arrastá-lo mais para dentro, se vamos ficar por um tempo.”

“Isso eu posso fazer,” Oriken disse, tentando sem sucesso evitar a dureza na sua voz.

Dagra olhou para ele e após um momento deu um breve aceno de cabeça.

Oriken agarrou os pulsos do eremita e arrastou o corpo para o túnel, mantendo seus sentidos em alerta para mais perigo. A escuridão era completa, mas ele conhecia bem as entradas de minas. Quinze metros adiante, o túnel se dobrava e ele largou o cadáver no canto. Por um minuto inteiro, ele ficou parado e olhou para a escuridão enquanto pensamentos sem forma empurravam o limite das suas emoções.

“Orik!” A voz de Jalis soou no túnel. “Você está bem?”

“É claro,” ele disse. Ele deu à escuridão um olhar sombrio, em seguida virou-se para se juntar aos seus amigos.

“Você não precisava ir tão longe,” Dagra disse quando Oriken se aproximou da entrada.

“Não fui longe. Estava apenas pensando.”

“Você realmente escolhe seus lugares para introspecção,” Jalis disse. “Em uma mina abandonada, no escuro, perto de um cadáver.”

“Um pouco de respeito, por favor, garota,” Dagra disse. “Aquela era uma pessoa viva há poucos minutos.”

“Ele nos atacou,” Jalis disse, “não o contrário. Você se defendeu. Você não tem nada para se sentir mal sobre isso.”

“Não precisava matá-lo.”

“Não, mas você não tinha como saber quão perigoso ele era nem que ele era um homem até que fosse tarde demais. Não se critique por causa disso. Ainda temos um longo caminho a percorrer e precisamos nos manter tão afiados quanto nossas espadas.”

Dagra resmungou um reconhecimento sem palavras. “Gostaria que esta maldita chuva diminuísse para que pudéssemos seguir em frente.”

Jalis sorriu. “Este é o espírito.”

Oriken deixou-se cair para sentar-se encostado na parede.

Jalis sentou-se de pernas cruzadas ao lado dele. “Algo aconteceu?”

“Não.”

Ela estudou seu rosto. “Lembre-se que é comigo com quem você está falando. Consigo ver sua alma.”

Ele bufou. “Não tenho uma destas.”

Dagra veio se juntar a eles. “Você não precisa seguir a Díade para ter uma alma,” ele disse. “Todo mundo tem uma. Até mesmo você.”

“Sim, certo.” Oriken voltou seus olhos para a escuridão.

“Sim, certo,” Dagra insistiu.

“Não acredito em nenhum dos seus deuses, Dag. Você sabe disso. Nem na Díade. Nem no Vinculado. Nenhum deles.”

“Bem, talvez eles acreditem em você.”

“Pelo amor de Deus!” Oriken levantou-se e olhou com cara feia para seu amigo. “Você não pode deixar isso em paz, só para variar?”

Jalis levantou-se e ficou entre eles. “Não sei como vocês conseguiram permanecer amigos por todos estes anos,” ela disse, passando um olhar severo de um para o outro.

Dagra acenou uma mão com desdém. “Nem eu.”

“Eu sei,” Oriken disse. “Eu devo...” Ele reprimiu o resto das palavras e pressionou os lábios com firmeza.

Dagra virou a cabeça lentamente. Seus olhos se levantaram para prender Oriken com um olhar sinistro. “Não pare aí,” ele disse com calma. “Você ainda acredita que me deve? O que eu fiz por você, eu fiz tarde demais. Eu tive uma chance mais cedo e não aproveitei. Você não me deve nada.”

Idiota! Oriken repreendeu a si mesmo. Você não podia manter a boca fechada. “Dag, olhe, sinto muito. Não pretendia...”

“Você não pretendia,” Dagra sorriu com desdém. “Você não pensou. Este é o seu problema, Oriken. Você nunca pensa.” Com um suspiro, ele sentou-se de novo.

Oriken olhou para ele, mas Dagra não disse mais nada e manteve os olhos na parede oposta, os dedos sobre o pingente ao redor do seu pescoço. Quando Oriken virou-se para Jalis, ela estava olhando para ele serenamente. Contendo o desejo de acender um rolo de tobah, ele balançou a cabeça e vagou para a escuridão. As coisas não tinham sido tão ruins entre ele e Dagra por muito tempo. O lugar estava afetando ambos.

Capítulo Quatro

Pedras Dos Tempos Passados

“O que vocês, meninas, vão fazer hoje?”

Eriqwyn abafou um suspiro e colocou o resto do seu caldo na boca para evitar dar uma resposta irreverente para sua mãe.

No outro lado da mesa, sua irmã trocou um olhar com Eriqwyn. “Espero que seja um dia como qualquer outro,” Adri disse. “Estamos felizes em ter você se juntando a nós para o café da manhã, Mãe. Você dormiu bem?”

A mãe delas deu a Adri o mais breve dos acenos de cabeça, em seguida seus olhos ficaram vidrados e ela olhou para sua comida.

“De volta ao seu próprio mundo,” Eriqwyn murmurou.

Adri pigarreou. Como os jovens caçadores estão se saindo com o treinamento?”

“A maioria está demonstrando ser promissor, mas eles ainda têm um longo caminho a percorrer e não serão caçadores até que eu os aceite como tal.”

Adri lançou um olhar inexpressivo para ela. “Isso, irmã, é um entendimento que não plana acima de mim como líder desta comunidade.”

Eriqwyn inclinou a cabeça em deferência. “É claro. Mas me diga uma coisa, Adri. Como Primeira Guardiã, aceitar os aprendizes é minha responsabilidade, mas por que, na charneca verde da deusa, você insistiu em apresentar Demelza?”

“Ah, sim. Demelza.” Adri deu um sorriso tenso. “Sua antipatia pela garota é bastante evidente e sei que do contrário você não a teria aceitado. Admito que há algo sobre ela que também me preocupa, mas ela é inofensiva e acredito que ela tem potencial.”

“Você e Wayland veem algo nela que eu não,” Eriqwyn disse. “Seu progresso é lento e sua atenção é quase inexistente.”

Adri colocou a colher na tigela vazia. “Isso não significa que ela não possa aprender. Ela mora sozinha, Eri. Ela provou ser autossuficiente desde que a velha Ina morreu. Eu a vi retornar para a vila com coelhos, faisões, cestas de caranguejos. Uma vez eu a vi arrastando um nargute adulto até seu barracão.”

“Bem, não sei como ela conseguiu pegá-los sem redes ou armadilhas ou uma flecha bem direcionada. Do que ela parece ser capaz não combina com suas habilidades observadas. Não acredito que ela tenha o que é preciso.” Eriqwyn deu de ombro. “Não importa. Wayland está responsável pela garota. Se alguém pode transformá-la em uma caçadora, é ele. Ele gosta de Demelza e sua paciência é ímpar.”

“Wayland é um Guardião forte. Assim como Linisa.” Adri levantou-se da sua cadeira e esticou o braço sobre a mesa para pegar a tigela de Eriqwyn. “Vocês três podem ser a equipe mais capaz de Guardiões que esta vila já conheceu. Minnow’s Beck está realmente bem protegida.”

“É bom você dizer isso, irmã.” Mas protegida contra o quê? Quando Adri deixou a sala, Eriqwyn se levantou do seu assento e olhou para a mãe delas. “Vou sair para colher flores agora, Mamãe,” ela disse, odiando-se um pouco por saber que suas palavras foram ditas com menos gentileza e mais com zombaria.

Sua mãe olhou para cima e encontrou seu olhar. Apesar do passar dos anos trancada dentro das suas lembranças, só por um momento seus olhos mostraram o fantasma da mulher que ela tinha sido outrora. “Tudo bem, querida,” ela disse, com um leve sorriso. “Divirta-se.”

Diversão. Eriqwyn ponderou a palavra enquanto saía da sala. Como se vida ainda fosse sobre pular corda e colher flores. Eu cresci, Mãe. Assim como Adri. Mal nos lembramos mais do que é diversão.

Um murmúrio de vozes flutuou das portas abertas enquanto Eriqwyn caminhava pela Fileira dos Santuários Caídos, seu arco sem corda na mão. Calor e o cheiro de aço enchiam o ar quando ela passou pela frente aberta do ferreiro. Tan, o mais novo dos dois ferreiros, desviou o olhar do seu trabalho e levantou uma mão em saudação. Sem interromper o passo, Eriqwyn reconheceu o gesto com um breve aceno de cabeça e continuou seguindo pela rua.

Quando alcançou a extremidade sul da vila, uma figura saiu de trás da última casa. Eriqwyn cerrou os dentes quando reconheceu Shade. O cabelo escuro e brilhante da mulher caía sobre seus ombros e o material transparente da saia comprida e faixas que cruzavam sobre seus seios se agarravam a sua figura na brisa quente.

Shade parou ao lado de uma viga de madeira e levantou a mão para acariciar a madeira lisa. “Olá, Eri,” ela ronronou. Seus olhos castanhos brilhavam ao sol da manhã.

Eriqwyn fez um movimento para passar por ela, mas parou quando Shade tocou seu ombro. “O que você quer?” Eriqwyn disse bruscamente.

Shade sorriu. “Tanta hostilidade. Você sabe que eu gosto disso em uma mulher. Faz um tempo que eu não te vejo, Eri. Você tem se escondido de mim?”

“Não preciso me esconder de você,” Eriqwyn disse acidamente. “E não me chame de Eri. Você e eu não somos próximas.”

“É uma grande pena.” A voz de Shade exalava sensualidade tanto quanto sua aparência. “Então como você quer que eu te chame? Primeira Guardiã?”

“Isso seria aceitável.”

“Tantas formalidades,” Shade repreendeu. “Pensei que estávamos muito além disso. Com os lugares que você e eu estivemos, eu diria que estamos mais … intimamente ligadas do que a maioria em Minnow’s Beck.” Seus olhos percorreram o corpo de Eriqwyn.

Eriqwyn olhou ao logo da rua para garantir que não houvesse bisbilhoteiros. “Não há nenhuma intimidade entre você e eu,” ela disse enfaticamente. “Se algum dia houve, foi há muito tempo. Eu te conheço pelo que você é, Shade. Você é uma pedra preciosa... bonita, mas fria.”

Shade aproximou-se mais um passo, parecendo deslizar pela curta distância entre elas. Seus dedos percorreram o ombro nu de Eriqwyn até o braço. “Eu pareço fria?” Ela se aproximou ainda mais. “Ou eu pareço quente? Você se lembra daquele calor, Eri? Em algum momento, você deveria vir me visitar, eu lembraria a você quão agradável eu sou aos olhos e ao toque.”

Com um suspiro de frustração, Eriqwyn franziu o cenho e afastou a mão de Shade do seu braço. “Você vai se dirigir a mim com o respeito da minha posição.”

“Oh,” Shade ronronou com um sorriso irresistível, “mas eu respeito sua posição.” A ponta da sua língua serpenteou entre os dentes. “Cada uma delas.”

Eriqwyn abriu caminho e se afastou.

“Te vejo em breve!” Shade gritou atrás dela.

Dagra agarrou seu pingente Avato e sussurrou uma oração para a Díade e seus profetas enquanto se arrastava pela grama baixa, ainda úmida do aguaceiro do dia anterior. Para o oeste, uma cadeia de colinas varria ao longo do horizonte, a mais leve visão do oceano pairando sobre seus picos. Para o leste, bambus e capim se projetavam do pântano carregado de neblina como campanários de templos minúsculos, enquanto globos fantasmagóricos de fogo-de-fada flutuavam serenamente acima da mortalha branca.

Eles haviam seguido o pântano durante o resto do dia anterior e quando o pântano finalmente deu lugar a terras mais firmes ao sul, Jalis mandou parar para a noite e eles dormiram sob as estrelas. Desde o amanhecer eles mantiveram um ritmo constante, esperando que o vasto pântano finalmente acabasse para que eles pudessem se dirigir para o interior e voltar para a Estrada do Reino. À medida que a primeira hora da manhã se estendia para a segunda e terceira, Dagra sentia cada vez mais como se uma presença esmagadora preenchesse a charneca.

Não era o espaço aberto que o enervava nem o potencial de qualquer perigo físico; ele era um freeblade, afinal de contas e se as coisas ficassem muito difíceis, eles sempre poderiam voltar. O que o perturbava era a atmosfera ímpia que começou quando eles entraram nas Terras Mortas e que somente tinha piorado desde então. Ele mal podia sentir a presença da Díade tão no coração da Colina Scapa. Sua única esperança era que Aveia ainda ouvisse suas orações e que sua contraparte Svey’Drommelach também ouvisse do Reino dos Espíritos; era desconcertante e – Dagra admitiu de má vontade – irônico que suas esperanças quase superassem suas orações neste lugar onde a Díade nunca reinou, este lugar que era o domínio de uma deusa primitiva e há muito desmoralizada.

“Antes da Insurreição,” Dagra disse, mais para si mesmo do que para os outros, “eles não queimavam seus mortos. Apenas os enterravam e os deixavam no chão para supurar e apodrecer.” Ele estremeceu. “Prática ímpia.”

“Era a mesma coisa no Arkh antes do surgimento da Díade,” Jalis disse. “Alguns lugares enterram seus mortos sem cremação ... nas áreas remotas onde eles ainda veneram o Vinculado e o Desvinculado em vez da Díade.”

“De qualquer maneira nunca me importei muito,” Oriken comentou. “O que importa o que acontece com você quando você morre?”

“Os mortos deveriam ser queimados e suas cinzas espalhadas ao vento,” Dagra insistiu. “Deixar os ossos para afundarem na lama, mas deixar o espírito voar livre.” Balbuciando uma adição silenciosa à sua oração, ele soltou seu pendente e olhou além de Jalis para as terras altas ao oeste. Naquele momento, o canto superior de uma estrutura de pedra quadrada tornou-se visível entre as colinas distantes.

Jalis também havia percebido isso. Ela parou e tirou sua mochila. “Aquilo é um castelo?”

“Duvido,” Oriken disse. “Muito pequeno.”

“É maior do que aquela fortaleza circular nos arredores.” Dagra franziu o cenho para o bloco cinza feio que era tão alto quanto largo. “Sem janelas no andar inferior. Quem iria querer viver em um lugar assim?”

“Não creio que foi construído para conforto,” Oriken disse. “Muito provavelmente é um forte antigo.”

“Hm.” Jalis tinha o mapa na sua mão e cutucou um dedo sobre ele. “Está aqui. Caer Valekha.” Ela olhou ao redor do mapa. “Isso significa que estamos um aquém do meio do caminho até Lachyla.”

“Quase além do ponto sem retorno,” Dagra murmurou. “Quando o destino está mais próximo, a rota sensata é para frente.”

Oriken arqueou uma sobrancelha. “Ouço um surto de entusiasmo?”

Dagra bufou. “Mais como determinação.”

“Esperem.” Jalis olhou para a fortaleza enquanto guardava o mapa e pendurava a mochila sobre o ombro. “Creio que vi movimento.”

“Você viu,” Dagra disse enquanto caminhava a passos largos ao longo do pântano. “É o rastro de poeira atrás de mim enquanto eu me apresso para deixar este lugar.”

“Dag está certo,” Oriken disse enquanto eles corriam para alcançá-lo. “Não há como dizer o que há lá, mas não é nosso objetivo e não estou curioso o suficiente depois dos cravantes e do eremita.”

Jalis assentiu. “Concordo.”

Após colocar uma distância entre eles e a fortaleza, Dagra lançou um olhar cauteloso por cima do ombro para o prédio. Caer Valekha. Por que os lugares precisavam ter nomes tão sombrios naquela época? Enquanto seguiam em frente, a fortaleza encolhia atrás das colinas, além do qual uma faixa brilhante coroava o horizonte – o sol da manhã cintilando da costa. “Faz muito tempo desde a última vez que eu vi o Oceano Echilan,” ele disse melancolicamente.

“Sim.” Oriken suspirou, depois deu uma gargalhada. “Lembra quando fomos até o Monte Sentinela?”

Dagra assentiu. “Escalando suas colinas para ver até onde poderíamos atravessar a água.”

“Não poderíamos escalar mais alto.”

“E havia de tudo lá fora, menos ondas espumantes.”

Oriken riu. “Verdade. Foi um final muito decepcionante para uma aventura divertida. Seus avós ficaram doentes de preocupação.”

“Eles não me deixaram sair da sua vista por semanas. Sim, eu me lembro.”

“Cavalheiros, odeio interromper a nostalgia, mas parece que estamos ficando sem terra seca novamente.”

Dagra olhou para frente e viu que ela estava certa. Sua determinação vacilou. Embora a neblina do pântano estivesse limpando, os sinais reveladores de um terreno infestado de pântanos espalhavam-se não somente à esquerda deles, mas agora também à frente deles, bloqueando o caminho. A meio quilômetro de distância, uma faixa verde escura de coníferas marcava o retorno de terra firme. “Se continuarmos em direção ao oeste, os pântanos poderiam diminuir mais perto da costa.”

“Este é o espírito.” Oriken bateu uma mão no ombro de Dagra. “Vamos encontrar uma maneira de atravessar. Sempre encontramos. Certo?”

“Aye,” Dagra resmungou. “Sempre encontramos.”

A pausa deles chegou muito antes de alcançar a costa. Quinhentos metros ao longo da margem do pântano, uma travessia grosseira de troncos de árvores parcialmente submersos havia sido arremessada no pântano em fileiras de três.

“Bem, aí está.” Oriken sorriu. “Isso foi útil da parte de alguém.”

“Graças aos deuses,” Dagra disse. “Mas não vou ficar para conhecer seja quem for que construiu isso.” Ele colocou um pé no primeiro tronco meio submerso, testando seu peso sobre ele. “Parece firme o suficiente.” Ele pisou na madeira, encontrou seu equilíbrio e atravessou para o próximo tronco.

Jalis saltou de leve na madeira. “Esta passarela parece ter décadas, talvez um século e provavelmente foi colocada em cima dos remanescentes de uma travessia anterior. Seja quem for que construiu isso deve estar morto há muito tempo.”

“Uma centena de anos ou dia, os deuses veem o futuro e colocam as peças no lugar,” Dagra disse. “Eles enviam coisas para nos testar, mas eles também enviam coisas para nos ajudar.”

“Ei, Dag,” Oriken chamou atrás dele. “Não me importa se são deuses ou pastores de cabra. Qualquer coisa que te levar para o outro lado.”

Dagra balançou a cabeça. “Os deuses têm estado usando você para me testar durante anos, Orik. Zombe o quanto você quiser, meu amigo. Um dia destes irei convencê-lo que estou certo.” Sorrindo para si mesmo, ele acrescentou, Mesmo que demore até a vida após a morte.

Eriqwyn perambulava ao longo do litoral suavemente elevado a vários metros da costa rochosa. O movimento silencioso da maré era o único som além dos gritos distantes das gaivotas atrás dela. À frente, não havia nenhum pássaro à medida que a grama verde amarelava e rareava na terra sem vida. A inclinação constante da costa subia até um penhasco que se projetava para o oceano e contornava o promontório distante de terra. Com apenas um arbusto ou uma árvore de aparência doentia à vista, a terra árida se inclinava na direção de uma muralha ameaçadora e irregular que se estendia até a charneca. Outra muralha encimava o afloramento meridional e além das suas ameias, os cumes nebulosos das torres e pináculos desapareciam no céu azul.

Seu arco estava encordoado, mas Eriqwyn não esperava ter de usá-lo. Quanto mais perto ela caminhava na direção do perímetro do Lugar Proibido, as chances de ver vida selvagem de qualquer tipo se tornavam cada vez mais improváveis; como no caso das gramíneas, as criaturas fugiam da muralha alta e antiga. Aqui, existia somente um motivo pelo qual ela poderia precisar de uma arma e ela rezava para a deusa que tal evento nunca viesse à luz.

Não havia necessidade de ir até a muralha, ela podia ver detalhes suficientes à distância para ter certeza que nada espreitava perto da sua base nem entre as ameias acima. Virando para o interior, ela pegou um caminho paralelo a longa muralha, seguindo uma rota percorrida pelos Guardiões ou caçadores da aldeia todos os dias por gerações. Mais ao leste, as linhas angulares dos prédios mais ao sul de Minnow’s Beck espiavam por trás da base coberta de árvores da Escarpa do Dragão Sonhador, o esconderijo natural da aldeia do norte e do oeste. Aumentando seu ritmo, ela manteve os olhos alertas e lançava olhares contínuos por todos os lados, especialmente na direção da barreira implacável do Lugar Proibido.

Meia hora depois, Eriqwyn alcançou o canto nordeste da muralha e a vasta charneca se abriu diante dela em faixas de verde e dourado, o sol alto fluindo sobre a paisagem ondulante. Olhando ao longo da muralha setentrional, ela rastreou sua extensão até que se afunilou no horizonte. Não era a sua vez de verificar a entrada hoje; este trabalho recaiu sobre Linisa, que estaria levando um caçador-em-treinamento para olhar através das barras de ferro da entrada do Lugar Proibido pela primeira vez, exatamente como um dos Guardiões anteriores tinha feito com Eriqwyn quando ela era uma menina e exatamente como Wayland em breve estaria fazendo com Demelza.

Satisfeita que a costa estava limpa, ela virou para o terceiro e último trecho do seu circuito, seguindo a trilha que levava de volta à aldeia. Após alguns minutos, ela viu uma figura solitária à frente.

Demelza, ela pensou. Sozinha novamente. Para dar uma espiada através das barras, não é?

Assim que avistou a garota, Demelza saiu correndo da trilha e desapareceu na linha das árvores. Franzindo o cenho, os instintos de caçadora de Eriqwyn entraram em ação e ela entrou no bosque, pisando de leve na vegetação rasteira entre as árvores. Pegando um vislumbre de movimento quando Demelza moveu-se rapidamente pela base da Escarpa do Dragão Sonhador, Eriqwyn abaixou-se para uma posição semi-agachada e começou a perseguição. Na crista plana da colina havia a clareira natural do Olho de Dragão. Eriqwyn se escondeu entre as árvores e arbustos e observou a garota entrar na clareira. Demelza atravessou para um bloco de pedra coberto de hera no centro da clareira – a pedra de oferenda que deu nome à clareira, sua única serva a hera já que ninguém tinha venerado os deuses primitivos desde muito antes de Valsana mudar o mundo.

Eriqwyn esperou enquanto um minuto se estendia no seguinte e Demelza permanecia escondida atrás do altar. No outro lado da clareira, a vegetação rasteira farfalhou. Os sentidos de Eriqwyn aguçaram. Seus olhos encontraram rapidamente a área de alvoroço. Entre os arbustos, um par de grandes olhos amarelos brilhava à luz do sol perto do chão. A criatura enfiou a cabeça na lareira e Eriqwyn imediatamente pegou uma flecha. Sarbek, ela pensou, encaixando a haste da flecha enquanto a criatura parecida com um lobo rastejava da vegetação rasteira, a crista de ossos semelhante a uma espada arqueando sobre suas costas, pálida contra o pelo escuro.

Lobos eram incomuns tão perto de Minnow’s Beck, mas Sarbeks eram muito mais raros. Tais criaturas tendiam a permanecer no bosque montanhoso ao nordeste, mas caso um se deparasse com um humano sozinho e desarmado…

A atenção do sarbek estava no altar de pedra, atrás do qual Demelza ainda estava se escondendo. A criatura deu vários passos tímidos para frente, em seguida se agachou, pronta para saltar.

Eriqwyn puxou e soltou a flecha e perfurou o flanco do sarbek. Com um gemido estridente, a criatura caiu e Demelza saiu do seu esconderijo em um instante e correu para o seu lado. Agachando-se, ela colocou uma mão em seu flanco e com a outra acariciou gentilmente a cabeça do sarbek. Eriqwyn saiu das árvores e a menina olhou para ela, seus olhos brilhando com umidade.

Por que em nome de Valsana ela está chorando?

“Por que você tinha de fazer isso?” Demelza soluçou.

Eriqwyn foi pega de surpresa. Esta não era a reação que ela esperava da menina. “Você não deveria estar aqui sozinha.”

Demelza piscou e as lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela voltou sua atenção para o sarbek e após um instante, a criatura piscou e fechou os olhos, deu um último suspiro, em seguida morreu. Ainda ajoelhada, ela virou-se para Eriqwyn. “O que ela fez para você?” ela gritou.

“Eu…” Eriqwyn hesitou, em seguida se conteve. “Você estava em perigo, menina! Nitidamente você não pode se defender. Você deveria estar me agradecendo, sua criança ingrata! Se eu não estivesse aqui, no momento você estaria sendo destroçada até a morte nas mandíbulas daquela criatura.”

Demelza abaixou a cabeça, as lágrimas derramando no pelo do sarbek morto. “Eu não estava em perigo. Ela era minha amiga. Você não consegue ver isso?” Ela se levantou e se aproximou de Eriqwyn. “Não tenho amigos na aldeia, não é?” ela disse acusadoramente. “Não há ninguém lá que gosta de mim.”

Eriqwyn respirou fundo. “Isso não é verdade, Demelza.”

“Sim, é verdade. E você sabe disso, porque você é uma daqueles que não gosta de mim. Eu vejo isso, sabe? Não sou burra.”

Não havia mais nada para Eriqwyn dizer. Era verdade, ela realmente não gostava da menina, não que ela pudesse dizer exatamente o porquê. E isso era a verdade para muitos dos aldeões. Mas este era um lado diferente de Demelza que ela não tinha testemunhado antes. A morte da sarbek animou a menina mais do que Eriqwyn já tinha visto.

“Você não pode fazer amizade com os predadores da natureza,” ela disse. Mas, de alguma maneira, apesar dos seus anos de treinamento, a declaração pareceu fraca. A sarbek estava realmente prestes a atacar? Eriqwyn já não tinha mais tanta certeza.

“Talvez você não possa,” Demelza soluçou. “Só mato para comer, não porque eu acredito que tudo quer me matar ou porque eu goste disso.”

Eriqwyn reprimiu um suspiro. “Eu não gosto...”

Demelza lançou um olhar venenoso para ela, em seguida saiu correndo para o bosque.

Apoiando seu arco no altar de pedra, Eriqwyn soltou um longo suspiro. Ela virou-se para a sarbek, agarrou a flecha que se projetava do seu flanco e a soltou. Pegando um trapo de uma algibeira em sua cintura, ela limpou a ponta da flecha e a recolocou na aljava, em seguida parou para olhar para a criatura morta. Não importa o motivo, a sarbek estava morta e, nos bosques da Colina Scapa, nada de útil deveria ser desperdiçado. Com um encolher de ombros, ela desembainhou o punhal de caça, ajoelhou-se e começou a trabalhar.

Capítulo Cinco

Complicações contratuais

Maros fez uma careta de dor enquanto se inclinava sobre o barril de hidromel Saltcoast Tan, transferindo seu peso para a perna boa enquanto dava um descanso para a arruinada. Ele agarrou a beirada de ferro do barril de cerveja, tensionou seus músculos e levantou. Com uma pegada tão forte quanto o metal nas suas mãos, ele trouxe o barril até seu peito e travou os cotovelos, segurando-o firme. Transferindo um pouco do peso para sua perna ruim, ele deu um passo para frente. Agonia disparou pela lateral da perna e ele proferiu uma maldição enquanto uma brisa soprava através do quintal da taverna, esfriando o brilho de suor na sua testa.

“Maldita perna,” ele resmungou. Houve uma época, eu poderia ter carregado este barril pelo caminho sem esforço. Agora estou me esforçando e suando como um porco fodido, sem mencionar ter de usar esta maldita carroça.

Ele sentiu um desejo repentino de chutar a roda da carroça de barris, mas se conteve; seria tolice perder a paciência enquanto levantava vinte galões da sua cerveja mais popular. Outro passo precário para frente o levou até a traseira da carroça. Ele abaixou seu fardo nas tábuas ao lado de um barril menor de Carradosi Pale e um tonel ainda menor de Redanchor Vorinsiano.

Esfregando a barriga arredondada, ele suspirou e balançou a cabeça. “É Maros, a Montanha mais do que nunca nos dias de hoje,” ele murmurou. “Amaldiçoe aquela criatura idiota conseguindo seus malditos dentes pontiagudos no meu joelho.” Ele mancou até a frente da carroça e parou para massagear o lado da perna latejando.

Se eu pudesse matar aquele lyakyn novamente, eu faria isso aqui e agora; esmagaria seus dentes e arrancaria suas mandíbulas da cara. E seria tão gratificante quanto a primeira vez. Ele suspirou e balançou a cabeça. Sim, mas nenhuma quantidade de devaneios me fará caminhar da maneira certa novamente.

Suspendendo o cabeçalho comprido da carroça, ele mancou e resmungou pelo pátio escuro até a porta dos fundos da taverna. Uma vez lá, ele começou a tarefa de arrastar os barris da carroça para o Mascate Solitário.

A taverna estava quieta. Além de um punhado de freeblades em uma das suas mesas regulares no canto da frente, apenas alguns moradores da cidade estavam espalhados por toda a sala comunal. Maros tinha permitido que o jovem garçom, Jecaiah, saísse cedo e fosse para casa, para sua esposa e ele também tinha mandado para casa algumas das atendentes. Com os barris fechados protegidos debaixo do bar ao lado daqueles atualmente em uso, Maros colocou o tonel de Redanchor em cima do balcão dos fundos, pronto para amanhã ou para o dia seguinte, para os clientes com gostos mais caros.

Ele pegou sua banqueta do bar, saiu mancando de trás do balcão até os freeblades e sentou-se com as costas contra a parede.

“O que eles estavam pensando?” Alari estava dizendo. “Os dez por cento divididos entre os três” — ela acenou com a cabeça para indicar Maros — “e as fatias do chefe e da sede; é bom, mas não vai levá-los longe.”

Ao lado de Alari, o novato sob sua responsabilidade bufou. “Em vez disso, eles poderiam ter conseguido um punhado de trabalhos servis, no mês ou mais, em que estarão ausentes, como você me disse para fazer.”

Maros franziu o cenho para o jovem. “Kirran, esta é a atitude certa para um novato, mas não se você quer permanecer um pelo resto dos seus dias como freeblade.”

“Uh, sinto muito, chefe.”

“Não se desculpe. Estes trabalhos servis precisam ser feitos por alguém e agora esta pessoa é você.”

Kirran pressionou os lábios juntos e não disse mais nada.

Na frente dele, Henwyn deu uma risada sincera. “O chefe te pegou aí, rapaz.” Ele tomou um gole do seu vinho. “Mas sério, chefe, você acredita que este contrato valerá a pena?”

Maros grunhiu. “Seu palpite é tão bom quanto o meu, Hen. A verdade é que tenho pensado sobre a intenção da mulher Chiddari. Este é um dinheiro sério que ela entregou, mas algo não está parecendo certo para mim. Você já conheceu alguém que se importa tanto com uma bugiganga que nunca viu? Na idade dela?”

Henwyn deu de ombros e olhou para Alari. “Eu, eu teria aceitado o contrato só pelos dez por cento. Ainda é uma quantia considerável. Verdade seja dita, estou um pouco chateado por não estar aqui quando você postou no quadro. Eu o teria arrebatado. Um mês sozinho no deserto? Sim, eu faria isso.”

“Sozinho?” A garota ao lado de Henwyn fixou-o com um olhar desanimado. “O que aconteceu sobre você me ensinar o trabalho?”

“Bah.” Henwyn sorriu através da sua barba curta. “Não me interprete mal, garota, mas você ainda não diferencia alhos de bugalhos lá fora. Você ainda não está pronta para ser uma com a terra por este período de tempo.”

A garota olhou para ele friamente. “Conheço o deserto,” ela disse, em seguida virou a cara.

Alari pigarreou. “Você tem fé na lenda?” ela perguntou. “Quero dizer, só espero que nossos amigos estejam completamente preparados, só isso.”

“Não sei,” Maros admitiu, deslocando seu peso na banqueta. “Sei que alguns discordam, mas acredito que histórias são tudo que elas são. Se eu fosse capaz, estaria lá fora com eles em vez de confinado no Folly. Nunca estive inclinado a me aventurar nas Terras Mortas e não estou muito curioso sobre a Cidade Sinistra, mas...” Uma tosse catarrenta foi emitida da mesa ao lado deles. Maros olhou para Jerrick, um cliente do Mascate, sentado sozinho como de costume e balbuciando na sua caneca. “Esta tosse está piorando, meu velho,” Maros disse. “Você deveria conseguir uma infusão para isso.”

“Heh.” Jerrick olhou para cima, seus olhos remelentos disparando para Maros. “Não ajuda quando ouço sobre o que vocês, jovens, estão falando.”

“Isso é assunto dos freeblades,” Maros repreendeu. “Não é para você estar ouvindo.”

“Aye, bem, quando um homem ouve o que ele ouve, ele tem de falar, não é? Eu tive um amigo nos blades uma vez, sabe? Difícil de entender que um coroa velho como eu pudesse ter tido amigos, não é? Bem, eu tinha. Todos mortos agora e Eli foi o primeiro a ir. Ele era um bom homem.” Jerrick suspirou e franziu o cenho pensando. “Deixe-me ver agora… Deve ter se passado cinquenta anos quando Eli e eu estávamos sentados nesta taverna e ele disse que estava saindo em uma missão. Aye, eles chamavam de missão naquela época.”

Maros olhou para Alari e deu um discreto encolher de ombros.

Jerrick tossiu, depois gargalhou na mão antes de limpá-la na calça e erguer uma sobrancelha grossa e branca. “Disse que se ausentaria por um tempo, que estava indo para o sul para encontrar uma pedra para uma garota. Você sabe, a busca absurda habitual que vocês, freeblades, fazem. Pergunto a ele para onde e ele diz para a Cidade Sinistra, de todos os lugares. Bem, ele foi. Nunca mais voltou. Consenso era que ele se perdeu, atacado por monstros ou algo assim, caiu em um pântano, algo assim. Eu, eu não tenho tanta certeza. Lias era velhaco.”

Alari moveu sua banqueta e esperou enquanto Jerrick pigarreava ruidosamente na mão retorcida. Quando ele terminou, ela se aproximou e disse, “Quem era a garota?”

“Amaldiçoado se eu sei.”

Maros balançou a cabeça. “Isso é novidade para mim.”

“Nenhum motivo para você ter ouvido,” Henwyn comentou. “Um contrato entre milhares, de meio século atrás?”

“Verifique os registros,” Alari sugeriu.

“Não encontrará nada lá,” Maros disse. “Os arquivos aqui remontam a somente dez anos atrás. A sede em Brancosi tem todos os registros dos contratos mais antigos e dos membros.”

Jerrick balbuciou outra crise de tosse, em seguida pegou um cachimbo de madeira e uma algibeira do que Maros sabia ser de tobah com nepente do seu casaco. Apesar das juntas retorcidas, ele enfiou habilmente as folhas úmidas no cachimbo, em seguida tomou um gole de cerveja. “Viva pela espada, morra pela espada, vocês jovens dizem, não é? Aye, bem, reconheço que estas são minhas espadas.” Ele brandiu seu cachimbo e caneca, tomou o resto da sua cerveja, em seguida se levantou da sua cadeira. “Foi muito bom conversar com vocês, rapazes.” Ele acenou com a cabeça para Alari. “E você, moça.”

“Ei, Jerrick,” Maros chamou.

Uma expressão intrigada atravessou o rosto do velho. “Ah, sobre o que estávamos falando?”

Maros sorriu com tristeza. “Vida e morte, eu acredito.”

“Ah, sim.” O velho deu um sorriso cheio de dentes. “Dois tópicos sobre os quais eu sei o suficiente. Bem, então.” Ele levantou uma mão com manchas hepáticas como se inclinando um chapéu, em seguida atravessou lentamente a sala comunal e saiu para a noite.

Quando as portas da taverna se fecharam, Maros ficou sentado pensativo. A revelação de Jerrick o incomodou. Isso o incomodou muito.

Henwyn estava olhando para ele. “Quando o mensageiro chegar, mande-o de volta com um pedido pelos arquivos de cinquenta anos atrás.”

“O mensageiro não retornará por uma quinzena,” Maros disse. “Depois, ele terá rodadas para terminar antes de voltar para a Baía. E provavelmente serão mais algumas semanas até que ele retorne novamente. Isso é tempo demais.”

“Tempo demais para que, chefe?” a garota ao lado de Henwyn perguntou.

Maros franziu o cenho para ela. “Sinto muito, moça, esqueci seu nome.”

“Leaf,” ela disse.

“Hm. Bem, então, Leaf. O que você acharia de um pequeno contrato de mensageiro? Mostrar a Henwyn do que você é capaz.”

Os olhos de Leaf arregalaram. “Um trabalho meu? É claro.”

“Certo, então. Encontre-me aqui ao meio-dia amanhã. Terei o formulário de solicitação redigido então.”

“Para onde vou?”

“Sede da guilda em Baía Brancosi.”

Leaf ficou de queixo caído. “Nunca estive na capital antes.”

“Bem, agora é a sua chance. Mas não demore, porque quero aqueles documentos o mais rápido possível.”

“Qual é a pressa?” Kirran perguntou, mantendo o tom de voz cuidadoso.

Maros olhou para o novato. “A pressa, menino, é que eu tenderia a concordar com Jerrick, que seu amigo não morreu simplesmente na estrada. Se um freeblade é enviado em missão” — ele balançou a cabeça ao se pegar usando a palavra antiquada de Jerrick — “então a probabilidade é que ele ou ela seja um veterano – um oficial, pelo menos, se não um mestre espadachim.”

“O que você está dizendo?” Henwyn perguntou.

“O que estou dizendo, Hen, é que eu creio que este Eli encontrou a Cidade Sinistra. Mais precisamente, acredito que Jalis e os rapazes também irão encontrá-la e serei amaldiçoado se vou permitir que eles encontrem o mesmo destino.”

Os últimos clientes da noite desapareceram pela porta da taverna na escuridão, deixando Maros sozinho enquanto duas atendentes esfregavam as tábuas e limpavam as mesas. A algazarra de panelas e frigideiras flutuava da cozinha onde Luthan, o cozinheiro, estava ocupado realizando suas próprias tarefas de fim de turno.

Após alguns minutos, Maros ouviu um farfalhar e olhou para a passarela atrás do bar. Luthan tinha saído da cozinha e estava indo na direção de Maros. Seu avental esbranquiçado e bandana estavam tão imaculados como sempre quando ele entrou na área pública, mesmo se o lugar estivesse sem clientes. Mais do que apenas um cozinheiro, a famosa refeição whitesand de Luthan lhe dera uma espécie de nome nestas partes e ele tinha uma imagem a manter, algo que ele conseguia com um decoro tranquilo, no entanto, confiante.

“Você gostaria de comer alguma coisa?” O cozinheiro disse. “Estou preparando algo para mim antes de ir para casa. Por que você não se junta a mim? Chefe?”

“Hm?” Maros pegou o olhar de Luthan e estufou as bochechas. “Não, não para mim. É tarde demais.”

O cozinheiro sem barba nenhuma puxou uma banqueta e apoiou-se nela. Seus olhos azuis estudaram o rosto de Maros. “Algo está preocupando você.” Não era uma pergunta; com Luthan, nunca era.

“Estou preocupado sobre Jalis e os rapazes. Estava começando a pensar que eu os enviei para caçar dragões, mas agora reconheço que pode ser pior.”

“Isso é sempre uma chance para um freeblade,” Luthan disse.

“Verdade.” Maros cerrou o punho e esfregou os nós dos dedos com a outra mão. “Mas algo está começando a parecer inesperado sobre isso.”

Na parte mais distante da sala comunal, as portas da taverna se abriram. Um homem entrou, parando na porta para alisar seu sobretudo e remover seu boné xadrez. Ele olhou para através da distância enquanto se dirigia propositalmente para o bar.

Luthan pigarreou e desceu da banqueta para voltar rapidamente para a cozinha.

“Estamos fechados durante a noite,” Maros disse ao recém-chegado. “A não ser que seja um quarto que você esteja procurando?”

O homem suspirou quando alcançou o bar e colocou seu boné no balcão de carvalho. “Não estou aqui como um cliente, bom mestre taverneiro.”

Maros o avaliou. O rosto flácido do estranho não tinha barba, seu traje amarrotado, mas bem cortado e com certeza ele não era o tipo que gostava de sujar as mãos. Maros imaginou que ele estivesse na casa dos quarenta e tantos. “Não posso dizer que já o vi por estas bandas, amigo. Você está aqui para oferecer um contrato?”

“Não é bem assim.” O homem parecia cansado. “Estou aqui sobre um contrato, mas que infelizmente já foi acordado.”

“Compreendo.” Um fiozinho de irritação surgiu aos poucos enquanto Maros desejava que o homem fosse direto ao ponto. “Então, por favor, diga o que você quer.”

“Deixei a aldeia de Balen há cinco horas,” o homem disse, enfiando a mão na sua capa e retirando um rolo de pergaminho amarrado que ele colocou em cima do balcão polido ao lado do seu boné. “Estou cansado demais para formalidades prolongadas e posso simplesmente aceitar aquela oferta de um quarto. Tem sido um dia longo e decididamente incomum.”

“Onze moedas de cobre por um quarto,” Maros resmungou. “Quinze, se você quiser um café da manhã quente na parte da manhã.”

O homem pressionou os lábios juntos e sustentou o olhar de Maros. “Bom mestre taverneiro, prefiro pensar que depois de ler e digerir completamente o conteúdo deste documento” — ele tocou o rolo de pergaminho diante dele —“você pode considerar me oferecer o uso de um quarto como um gesto de boa vontade.”

Maros cerrou os dentes, olhou para o pergaminho, depois fixou uma careta no recém-chegado, sua paciência diminuindo. Para dar o devido ao homem, ele não parecia ciente da reputação de Maros nem parecia nem um pouco intimidado pelo seu tamanho meio-jotunn; Maros poderia ter estendido o braço sobre o bar e esmagado o rosto do homem em um punho peludo se quisesse. Mesmo encurvado na baqueta alta, ele ainda se elevava acima do homem por mais de trinta centímetros.

“Aceitarei o café da manhã como uma cortesia também,” o homem acrescentou.

A careta de Maros aprofundou um pouco mais enquanto ele se levantava da banqueta, plantava as mãos grandes no balcão e ficava em pé ameaçadoramente. “E por que,” ele resmungou, “eu ofereceria a você todas estas generosidades, amigo?”

O estranho respirou fundo antes de responder. “Parece que, no meu cansaço, negligenciei me apresentar. Meu nome,” ele disse, parecendo completamente imperturbável enquanto levantava os olhos para encontrar os de Maros, “é Randallen Chiddari.”

“Ah.” Maros olhou para ele. “Então estou feliz que você esteja aqui. Alguns anos atrás – muitos anos atrás – parece que um dos nossos blades foi contratado para se dirigir ao mesmo território que três dos meus estão agora, executando o contrato da sua mãe. Aquele homem nunca retornou e é forte a minha suspeita de que ele foi contratado pela sua mãe ou talvez, um dos seus pais. Preciso falar com ela.”

Randallen bufou. “Nunca conheci os pais dela. A mãe dela está morta há cinquenta anos, enterrada no terreno da família em Eihazwood. Quanto a minha querida mãe, temo que ela não possa responder a nenhuma das suas perguntas.”

“Oh?” Maros franziu os lábios. “E por que seria isso?”

“Porque, bom mestre taverneiro, nas primeiras horas desta manhã ela perdeu todo o interesse em seu pequeno acordo. Ela está, para ser honesto, morta.”

Capítulo Seis

Duas Extremidades da Estrada

Maros deixou seus aposentos acima da sala comunal da taverna e desceu a escada, segurando o robusto corrimão enquanto mancava pelos degraus, um de cada vez.

Por que diabos eu ainda tenho a ala privada no andar de cima? Ele fez uma anotação mental para trocar a ala dos freeblades, que incluía os seus próprios aposentos e aqueles dos seus três amigos ausentes, com uma das alas de hóspedes do andar debaixo.

A meia dúzia de passos do final, ele parou e abafou um bocejo atrás da mão enquanto estudava a área pública. Somente três clientes estavam na sala comunal a esta hora da manhã. Todos eram hóspedes de pernoite, tomando um café da manhã solitário em mesas separadas.

A bota de Maros arranhava a pedra enquanto ele arrastava a perna arruinada pelos degraus restantes. Seus olhos se fixaram em um hóspede em particular, que desviou o olhar do seu café da manhã e acenou com a cabeça em uma saudação sombria. Randallen Chiddari segurava um dos famosos whitesands de Luthan sobre um prato, um fio de molho escorrendo de uma fatia grossa de carne que se projetava entre as fatias crocantes de pão. Maros sussurrou um xingamento cansado enquanto se aproximava.

A porta da cozinha se abriu quando ele passou e foi cumprimentado com um sorriso desdentado da atendente que surgia. “Dia, Diela,” ele disse, retribuindo o sorriso.

“Dia, chefe. Café?”

Ele assentiu.

“Irei trazê-lo imediatamente.”

Maros alcançou a mesa de Randallen e olhou para seu hóspede. “Mestre Chiddari, posso sentar?”

Randallen abandonou seu whitesand no prato e olhou para cima. “Por favor, faça isso,” ele disse categoricamente.

Maros podia sentir o mal humor do homem. Deuses, ele pensou, como eu odeio a diplomacia que acompanha ser o Oficial da Guilda. “Meus agradecimentos,” ele disse. Ele se abaixou em uma baqueta no lado oposto, reprimindo um estremecimento enquanto deslocava o pé para uma posição mais confortável. Deveria colocar um assento do tamanho de Maros em cada mesa para evitar momentos como este. Contorcendo-se no assento baixo, ele pigarreou. “Mestre Chiddari...”

Randallen revirou os olhos. “Não tenho paciência para esta bobagem. Sou um aldeão. Em Balen, todos me chamam de Ral, até mesmo aqueles com quem tenho uma antipatia mútua. Pediria a você para fazer o mesmo.”

Então, ele quer falar de maneira simples esta manhã. Posso viver com isso. “Muito bem, Ral.” Maros apontou para a comida parcialmente consumida no prato do homem. “O que você achou do seu café da manhã?”

Randallen lançou um olhar inexpressivo para ele. “Você teve tempo de considerar nosso problema?”

“Não fiz mais nada a noite toda,” Maros disse. “Incluindo dormir.”

A Cidade Sinistra

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