Читать книгу A Cidade Sinistra - Scott Kaelen - Страница 3

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“Com isso eu posso me identificar.”

Maros enfiou a mão no bolso do seu colete e produziu um pergaminho, desdobrou-o e colocou-o sobre a mesa. “O contrato entre sua mãe e a Guilda dos Freeblades é pela descoberta e recuperação de uma joia funerária que pertence à família Chiddari.”

“Sim, sim. E há quinhentos dari de prata da minha mãe em seus cofres.”

Maros assentiu. “Reservados para os freeblades que assumiram o contrato.”

“O que nos leva ao problema.” Randallen reprimiu um suspiro quando Diela chegou à mesa.

“Aqui está, chefe.” Diela colocou uma caneca fumegante de café na frente de Maros. Ele tomou um gole da bebida quente e suspirou satisfeito, assentindo em agradecimento.

Quando a atendente foi cuidar das suas tarefas, Randallen ergueu uma sobrancelha. “O problema?”

“Como eu expliquei para você ontem à noite, um contrato não expira no caso da morte do cliente.” Maros fez uma pausa para tomar outro gole de café. “Realmente lamento ouvir sobre sua mãe. Ela parecia uma...”

“Já estive nesta taverna por tempo demais,” Randallen disse bruscamente. “Portanto, por favor, me poupe dos clichês e vamos concluir este negócio. Você tem em sua posse uma quantia de dinheiro que, por acaso, é a grande maioria das economias de vida da minha mãe. Você compreende o que isso significa?”

“Estou começando.”

“Significa que eu, como o filho e único herdeiro da minha querida Mãe, de repente me encontro sem nenhuma herança. Isso é completamente inaceitável. Tenho uma esposa e duas filhas. Cuidei da minha mãe o quanto pude. Quando eu morrer, minha esposa e minhas filhas receberão qualquer coisa que eu conseguir acumular na minha vida, enquanto que eu, subsequentemente, mereço as economias da minha mãe.”

Maros franziu os lábios, considerando o ponto. “Seguindo os termos dos contratos e políticas da guilda,” ele disse com cuidado, “pagamentos só podem ser devolvidos se um contrato não é cumprido. Neste caso, um total de noventa por cento seria devolvido ao beneficiário.”

“Oh.”

“De fato. Mas devo avisá-lo e temo que esta parte você pode não gostar…” Maros pegou o contrato da mesa e levou ao rosto, semicerrando os olhos para a sua própria escrita até que encontrou a seção que queria. Virando o papel, ele o colocou na frente de Randallen e tocou um dedo no parágrafo relevante. “Vê aqui? Você notará que sua mãe não nomeou nenhum beneficiário. Tecnicamente, isso significa que não sou obrigado a aceitá-lo como tal. Contudo...”

“O quê? Você sequer a encorajou a dar um nome?”

Maros deu um sorriso insensível. “Se um cliente deseja nomear um beneficiário, pode fazê-lo, mas não é uma parte essencial do acordo. Se sua mãe tivesse você em mente, ela teve todas as chances de mencioná-lo.”

“Ora, a ingrata…” As bochechas de Randallen brilhavam de raiva enquanto ele encarava o pergaminho.

“É um dilema,” Maros disse. “Com isso eu concordo. Conversamos sobre seu problema, mas você deve perceber que a moeda tem dois lados.” Ele inclinou-se para frente e abaixou a voz. “Tenho três pessoas boas arriscando suas vidas ao se aventurar em um lugar que ninguém esteve em séculos, um dos poucos em toda Himaera a carregar o símbolo da Caveira. Meus freeblades – minha família – viajaram para a Cidade Sinistra para encontrar a herança da sua mãe. Os perigos em potencial, tenho certeza que você concordará, são inimagináveis.” Ele cutucou um dedo no pergaminho. “Este contrato é um seguro contra meus freeblades perdendo suas vidas durante seu empreendimento. Você perdeu sua mãe. Isso é lamentável. Mas se meus freeblades não retornam das Terras Mortas...”

“Isso não é problema meu! Ninguém os obrigou a aceitar o contrato.”

“Mestre Chiddari.” Maros se levantou e pairou sobre a mesa. “Você tem a tendência de me interromper. Se você não tivesse feito isso, já teria me ouvido dizer que estou considerando aceitá-lo como beneficiário em vez da sua mãe. Por favor, note que eu disse considerando. Se você aceita ou não, depende de você. Da maneira que eu vejo isso, você tem uma opção. Se meu pessoal retornar com a herança – o que eles farão se ela existir ou morrerão tentando – eu o aconselharia a aceitá-la graciosamente deles. Se eles não retornarem...”

“Isso é inaceitável!” O rosto de Randallen tremeu com a raiva reprimida. “Exijo que você...”

Os nós dos dedos de Maros estalaram quando ele cerrou os punhos e apoiou-os na mesa. A madeira rangendo sob seu peso foi o único som na sala comunal. “Você não exige nada da Guilda dos Freeblades, homenzinho. Mais uma faísca de atitude repulsiva de você e não somente esquecerei sobre acrescentá-lo ao contrato, também irei arremessá-lo através das portas da taverna. Não me teste mais.”

Maros respirou fundo para se recompor, satisfeito em ver Randallen engolir o nó em sua garganta. A mensagem parecia ter sido levada adiante.

“Pense sobre isso,” Maros disse, abaixando a voz mais uma vez. “A joia será sua. Não posso dizer se vale mais ou menos do que as economias da sua mãe, mas apostaria que provavelmente chega perto. Se você quer tanto o dinheiro, faça um favor a si mesmo e venda a maldita coisa. Tenho certeza que você encontraria um comprador em Baía Brancosi. Eu poderia até mesmo colocá-lo em contato com alguns em potencial, por uma pequena taxa, é claro.”

Apesar da raiva diminuída de Randallen, a derrota estava em seus olhos quando ele os abaixou para a mesa. “Receio que vender a joia estará fora de questão.”

“Por quê?”

“Porque...” — Randallen respirou fundo — “Minha mãe foi enfática que a joia estivesse com ela quando ela morresse. Este era seu único objetivo ao querer a maldita coisa em primeiro lugar. Esperava que, com seu falecimento…”

“Então você está tentando recuperar o dinheiro porque acredita que o contrato está anulado, é isso?”

“Talvez.” O rosto de Randallen era uma máscara inflexível.

“Bem” — Maros deu de ombros — “Lamento dizer que este não é o caso. Sua mãe pode ter perdido este barco em particular, mas o contrato permanece. A joia será sua para fazer o que quiser.”

Randallen balançou a cabeça. “Não. Ela não queria simplesmente estar de posse da joia antes de morrer.”

“Você está dizendo que ela queria ser queimada com ela?” Maros deu uma risada. “Se você está disposto a jogar algo deste valor na pira funerária, então isso é problema seu.”

“Oh, é pior do que isso. Muito pior. Veja, meu querido, minha mãe quer a maldita joia jogada no chão. Para quê? Para ser desenterrada em uma centena de anos por algum garimpeiro afortunado? Ela não se beneficiará disso e eu certamente não irei!” Randallen respirou fundo. “É maldito desperdício sem sentido.”

Maros deu de ombros. “Não é um pedido insensato. As pessoas têm seus bens enterrados com suas cinzas o tempo todo.”

Randallen sugou o ar através dos dentes. “Eu disse alguma coisa sobre cremação?”

Maros franziu o cenho. “Bem, eu… Oh.”

“Sim.” Randallen sorriu friamente e enfiou a mão no sobretudo. Ele retirou o rolo de pergaminho da noite anterior e brandiu-o para Maros. “Está tudo aqui. Os últimos desejos de Mãe. Ela não vai ser cremada, ela vai ser enterrada.”

Renfrey balançou na banqueta em sua mesa habitual ao longo da parede lateral da sala comunal do Mascate Solitário. Ainda não era meio-dia e ele já tinha perdido a conta de quantas canecas de Redanchor havia consumido. Em seus dias de folga do moinho, ele bebia cedo para evitar as multidões. No momento em que os clientes noturnos chegassem, ele estaria em casa e dormindo para se recuperar até duas horas antes do amanhecer. Depois sairia para o trabalho, transportando e amarrando sacos de grãos, levantando os sacos nas carroças dos fazendeiros, liberando as engrenagens que giravam o moinho de torrões de farinha e sujeira e limpando a merda da represa e do lago. Pelos deuses, era um trabalho miserável, mas pagava pela cerveja.

Renfrey gostava da sua privacidade. Um homem poderia se sentar sozinho e gracejar à distância, se quisesse. Não que houvesse qualquer gracejo acontecendo entre a dúzia, mais ou menos, de clientes no Mascate. O mercador pretensioso e imbecil no canto tinha um par de guarda-costas corpulentos fazendo-lhe companhia. Os dois lenhadores comendo tranquilamente uma refeição no lado mais distante da sala comunal realmente não pareciam divertidos. E depois havia os freeblades.

Não mijaria neles se eles precisassem de um banho. Ele franziu o cenho para sua caneca de Redanchor, depois tomou um gole da cerveja forte e colocou a caneca de volta na mesa com um baque. Líquido formou um arco na borda antes de espirrar de volta para dentro. “Aye,” Renfrey disse com a fala arrastada, “chegar onde pertencemos, apodrecemos…”

Seu olhar percorreu a sala, os freeblades que estavam absortos em uma conversa discreta, o enorme garçom desajeitado e finalmente pousando na atendente limpando a mesa no centro da sala. Pernas bonitas naquela. Cremosas. Macias. Tetas bonitas também. Coisinhas atrevidas, elas eram, pressionadas para cima pela sua roupa, pequenas, mas ainda conseguiam derramar sobre o vestido. Mas o rosto não era grande coisa para olhar. Renfrey olhou lascivamente para a suavidade ao redor da cintura da garota.

A criada levantou o olhar do seu trabalho e pegou-o olhando para ela. Ele sorriu e ela sorriu de volta.

Oh, aye, eu entraria no cio com aquela como um porco, ele pensou, observando seu traseiro balançar enquanto ela se afastava. Ele lambeu os lábios e lambeu um espaço entre os dentes.

A conversa da mesa dos freeblades flutuou e Renfrey murmurou uma maldição. Freeblades poderiam apodrecer no Inferno no que lhe dizia respeito, até o último dos presunçosos arrogantes ladrões de mulheres. Eles eram um flagelo na cidade. Se houvesse outra taverna em Alder’s Folly, ele estaria bebendo lá em vez de no Mascate. Ele tomou um gole da cerveja e ouviu suas palavras.

“…aquela quantia de dari…”

“…não teria aceito, sozinho…”

“Maros diz…”

“E se há verdade nisso?”

“Malditos freeblades,” Renfrey disse com a fala arrastada. “Bons para porra nenhuma.”

Um deles, um sujeito barbado um pouco mais jovem do que Renfrey, olhou para trás rapidamente, mas continuou a conversar com seus companheiros.

“Aye, continue,” Renfrey disse, sua voz se elevando. “Falando nada além de besteiras é o que ocês estão fazendo!” Isso chamou a atenção deles.

“Peço desculpas, Ren,” aquele com a barba disse. “Estamos te ofendendo de alguma maneira?”

Renfrey não sabia o nome do bastardo. Mas não gostou que o idiota soubesse o dele. “Me ofendendo?” Ele bateu a caneca na mesa, cambaleou na banqueta e se firmou. “Aye, eu diria que estão.”

“Como estamos fazendo isso, Mestre Renfrey?” a jovem ao lado do rosto barbudo disse.

Mestre? Maldito Mestre agora, eu sou? Não tinha visto aquela putinha madura por aqui antes. “Bem, agora, garota, imagino que poderíamos começar com ocê não me chamando de Mestre.” Ele olhou para o barbudo ao lado dela. “Ou Ren, no que diz respeito a isso. Que tal isso?”

Enquanto os freeblades trocavam olhares, uma voz retumbante ecoou atrás do bar. “Você mantenha sua voz baixa agora, Renfrey. Você conhece as regras.”

Ele voltou sua atenção para o bruto feio que pairava como um carvalho atrás do balcão de serviço. “Não é da sua conta, garçom. Deixe que eu e este grupo discutamos sobre isso, por que não?”

“Ah.” O mestiço cruzou os braços. “Então seria garçom agora, não é? Me rebaixou, não é?”

“Você o quê?” Renfrey franziu o cenho enquanto o sorriso do idiota dividia amplamente seu rosto cheio de cicatrizes. Maros, ele pensou. Aye, este é o seu nome. Nunca me importei muito desde que ele continuasse servindo a cerveja.

“Vou te dizer o quê,” Maros disse e Renfrey percebeu que o balbucio de conversa na sala tinha silenciado, “Vou permitir que você me chame de mestre taverneiro, apenas uma vez. Que tal isso, grandão?”

Renfrey caiu na gargalhada, cuspe voando da sua boca. “Que tal eu continuar chamando ôce de garçom? Que tal isso, garçom? Ouvi dizer que outrora eles chamavam ôce de A Montanha. Não parece tão poderoso agora, não é? Acho que ôce caiu, é o que eu imagino.”

Maros semicerrou os olhos. Lenta e deliberadamente, ele se levantou completamente. “Sim, a Montanha caiu,” ele disse em uma voz controlada, “mas ainda não terminou de cair.”

Renfrey zombou. “Ouvi dizer que foi uma criatura que derrubou ôce, como o boi que estuprou sua mãe.” Ele estendeu a mão para a caneca, mas as juntas dos dedos pegaram a borda. O receptáculo de bronze inclinou, derramando seu conteúdo em uma poça espumosa na mesa. Ele observava enquanto a caneca rolava da beirada e caía no chão.

BOOM. Arranhar. BOOM. Arranhar…

Ele olhou para cima para encontrar a fonte da comoção. O garçom levantou a portinhola no final do balcão de serviço, mancou para a sala comunal e foi direto para Renfrey.

“Merda.”

“Você sabe o que acontece com pequenos manés moles e fracos que ficam no caminho de uma Montanha caída?” Arranhar. BOOM. Maros elevava-se acima de Renfrey. “Eles quebram.”

Duas mãos enormes o levantaram no ar. Ele enterrou os dedos nos antebraços semelhantes a troncos de árvores. Sua cabeça flutuou e o monstro debaixo dele se confundiu em dois. “Maldito ogro!” ele gritou. “Socorro!” O conteúdo do seu estômago ameaçou evacuar quando ele foi balançado em uma direção, depois na outra.

“Você está fora!” o ogro retumbou em seu ouvido.

Ele estava voando. Ele estava realmente voando. Luz brilhante explodiu em sua visão e ele percebeu vagamente que estava olhando para o sol.

“Doce Aveia sagrada!” ele gritou. Então ele bateu na terra, engoliu uma espuma de cerveja e caiu inconsciente.

Frustração brotava em Maros com cada minuto que passava. Os clientes restantes do Mascate tinham sido removidos e ele tinha puxado o trinco sobre as portas da taverna para impedir qualquer intrusão adicional. As únicas pessoas na sala comunal eram Henwyn e Leaf, que tinham sofrido os abusos de Renfrey, sentados com Luthan em uma das suas raras pausas da cozinha

Ele agarrou sua banqueta e atravessou mancando para se juntar a eles. “Termine esta frase,” ele disse a Leaf. “Quando um freeblade tem um palpite…”

Com um sorriso, Leaf olhou para os quatro homens. “Normalmente ele está certo.”

Henwyn riu. Para Maros, ele disse, “Você está falando sobre Jalis e os outros novamente.”

Maros assentiu.

“Olhe,” Henwyn disse, “Não tenho vagas abertas e ficarei sem Leaf enquanto ela estiver em Baía Brancosi. Se isso te deixar à vontade, posso ir encontrá-los. Vai te custar uma pequena parcela, é claro.”

Luthan apoiou os cotovelos na mesa. “Se você contratasse uma carroça, você os alcançaria em poucos dias.”

Maros refletiu sobre isso. Eu os coloquei nisso ao aceitar o contrato em primeiro lugar. Se tiver de trazê-los de volta nos ombros de alguém, será nos meus. Consegui ir a Balen e voltar, posso muito bem me aventurar nas Terras Mortas.” Ele pegou Henwyn trocando olhares com Luthan, enquanto Leaf virava-se casualmente para encarar o outro lado da sala. “Oh, eu sei o que vocês três estão pensando. Vocês estão pensando que não há uma chance no Inferno que eu pudesse alcançá-los.”

“Se você me permite ser franco,” Luthan disse, “Creio que será bom para você, ah, esticar suas pernas, por assim dizer. Prefiro isso do que observar você ficar sentado aqui e se estressar sobre nossos amigos até que você coloque um homem no chão.”

“O que isso quer dizer?”

“Vamos lá, chefe. Você sabe que poderia ter lidado com Renfrey com um pouco mais de decoro. O homem pode ser uma maré de diarreia verbal e um desperdício de cerveja boa, mas ele é um cliente regular e seus bolsos são fundos.”

“Hmph. Já estava mais do que na hora disso acontecer com aquele idiota.”

“Talvez sim, mas a probabilidade permanece ... você não descansará até saber que Jalis e os outros estão seguros e uma taverna não é o lugar para ficar de cabeça quente. Estou dizendo isso como um amigo. Quando você me pediu para me juntar a você como seu cozinheiro, vim até aqui desde Aster porque eu tinha fé em você como um mestre taverneiro, embora você não tivesse experiência anterior na tarefa. De qualquer maneira, eu tenho fé em você agora.”

Maros grunhiu. “Aprecio o voto de confiança.”

Henwyn levantou a mão. “Pelo menos deixe-me acompanhá-lo. Prefiro estar na estrada do que ficar aqui esperando que um trabalho apareça.”

“Ha! Hen, você é o mais antigo de todos nós. Ficaria feliz se você me acompanhasse. Além disso, reconheço que preciso de um arqueiro se eu tiver uma possibilidade remota de colocar carne no fogo. Mas o melhor que eu posso lhe oferecer é um décimo dos dez por cento da taxa de não recuperação.”

Henwyn deu de ombros. “Isso é mais do que uma oferta justa. Mas se fosse Fenn em vez de Jalis, eu insistiria em muito mais.”

Maros sorriu com força. “Se fosse Fenn, não estaríamos tendo esta discussão.”

“Se isso está resolvido,” Luthan disse, “então não quero você se preocupando com a taverna enquanto estiver ausente. Cuidarei dela em seu lugar – sim, inclusive além das minhas tarefas na cozinha.”

Henwyn bebeu o resto do seu vinho e se levantou. “Vou indagar na cidade sobre uma carroça. Se nenhum daqueles que tiverem uma estiverem dispostos a ajudar, escolherei aquela que eu menos gostar e farei isso acontecer. Leaf, aqui está seu formulário de solicitação para a sede. Ela vai partir em breve. Certo, garota?”

Leaf levantou-se para ficar ao lado dele. “Minha bolsa já está pronta. Apenas preciso pegá-la na casa da guilda.”

“Boa sorte,” Maros disse a ela. “E não demore.”

Leaf sorriu. “Nunca faço isso.” Com uma piscadela para Henwyn, ela atravessou a sala e deslizou pelas portas da taverna.

“Ela tem mais potencial do que a maioria dos novatos,” Maros disse. “E um ótimo professor em você, Henwyn. Não poderia pedir por um grupo melhor. Isso inclui você, Luthan.”

“Ei, agora.” O cozinheiro empurrou a cadeira para trás e endireitou seu avental. “Não vá ficando afável comigo, não quando tenho panelas para limpar.”

Jalis agachou-se, apontou e pressionou o gatilho da besta. Um instante depois, o balukha distante soltou um guincho de dor e deu alguns passos hesitantes para o lado, depois caiu.

Ela deu um sorriso satisfeito para os homens. “Consegui!”

“Bom tiro, moça,” Dagra disse.

Jalis sorriu. “Vivo para seus elogios, Barbudo.” Ela se levantou e fingiu uma reverência, completamente ciente de que o gesto estava fora de lugar com suas armas e traje surrado de viagem.

Enquanto ela corria para reivindicar o pássaro incapaz de voar, Oriken gritou para ela, “Isso nos abastecerá hoje à noite. Uma mudança de coelhos magrelos e bagas do pântano. Poderíamos muito bem fazer uma pausa aqui. O que você diz?”

O estômago de Jalis roncou em concordância. “Faça isso,” ela disse por cima do ombro enquanto alcançava o balukha moribundo. “Fiz a matança; vocês, homens, podem discutir sobre quem constrói a fogueira e quem prepara a carcaça.” Ela pegou a Silverspire da bainha na sua coxa e deslizou a lâmina fina no coração da criatura. Erguendo-a pelas pernas, ela voltou até os homens e largou-a no chão.

Caminhando até um monte de grama, ela sentou-se apoiada nele e colocou a Silverspire na grama ao seu lado. Ela vasculhou dentro da sua mochila procurando por um trapo e uma tira de couro, observando enquanto Oriken desembainhava sua faca de caça e ajoelhava-se diante da carcaça e Dagra se afastava para recolher lenha da margem de um matagal nas proximidades. Ainda havia muitas horas antes do anoitecer, mas agora era um bom momento para comer como outro qualquer.

Com um suspiro frustrado, ela gritou para os homens, “Não consigo encontrar minha tira. Algum de vocês a pegou emprestado?”

“A tira é sua.” Oriken fez uma pausa em seu trabalho para acariciar o sabre em seu quadril. “Você sabe que nunca lustro com esta coisa velha e esburacada.”

“A pedra de amolar está na mochila de Oriken,” Dagra disse enquanto se inclinava para recolher a madeira.

“Eu a pegaria para você,” Oriken disse, “mas estou até os pulsos em entranhas neste momento.”

“Esqueça. Vai aparecer.” Embolando o trapo, Jalis limpou a adaga e olhou distraidamente ao longo da Estrada do Reino a qual eles haviam se juntado novamente após atravessar o pântano. Os pântanos estavam bem atrás deles agora, mas pequenas áreas de pântano ainda pontuavam a paisagem inóspita. Por que alguém escolheria viver aqui era um mistério, a não ser que outrora a área tivesse sido um habitat mais gentil para fazendas e pastagens. Era óbvio que o pântano colossal nem sempre cobriu a estrada e Jalis se perguntava se alguém o criou, talvez escavando a terra a partir da costa, uma tentativa deliberada para dissuadir viajantes de continuarem para o sul. Neste caso, era um impedimento impressionante.

Ela terminou de limpar a Silverspire e embainhou a lâmina, em seguida descansou a cabeça na grama. Ela cochilou rapidamente, agitando-se algum tempo depois com o crepitar do fogo e o aroma da carne assando.

“Ah, a princesa acorda,” Oriken disse com uma piscadela enquanto Jalis se esticava no monte. “Bem na hora. Dag quase terminou com o pássaro.”

O fogo queimou até as brasas enquanto eles engoliam a carne branca e quente do balukha. Com os estômagos cheios, eles guardaram seus equipamentos novamente e retomaram sua viagem, seguindo o resto da estrada. As horas se alongaram, a esfera dourada de Banael percorrendo o céu azul.

Enquanto caminhavam, Jalis levantou o peso da mochila nas suas costas, depois beliscou sua blusa e afastou o material da sua pele pegajosa. “Deveria estar acostumada com este calor,” ela murmurou. “Estive em Himaera por muito tempo. Passei mais de vinte anos no Arkh, a maior parte deles em Sardaya. Comparado a isso, a temperatura aqui não é nada.”

“Bah.” À frente dela, Oriken trocou um olhar com Dagra e sorriu por cima do ombro. “Não há tal coisa como passar tempo demais em Himaera.”

Jalis zombou. “Isso vindo de um homem que nunca pôs os pés fora da sua terra natal? Perdoe-me se eu não aceitar sua palavra sobre isso.”

“Ei, todos nós pegamos a balsa para a Ilha de Carrados, lembra?”

“Como poderíamos esquecer?” Dagra disse. “Você vomitou no ajudante de convés.”

“Isso não foi culpa minha! Ninguém me avisou. Você não vai me colocar em um barco novamente, isso com certeza.”

Jalis balançou a cabeça. “Carrados não conta. Ainda é parte de Himaera. Mas boa tentativa, Garoto do Chapéu.”

Oriken agarrou a copa do seu chapéu e levantou-o para enxugar a testa. “A verdade é que apreciei nosso período com os monges naquela ilha. Se não fosse pelo oceano, não me importaria em deixar Himaera um dia para um pouco de recreação. Jalis faz Sardaya parecer meio sexy.”

“Sexy?” Jalis caiu na gargalhada. “Não iria tão longe. O cenário é lindo. Os homens e mulheres são atraentes, na maior parte. A cultura é rica. Mas também há a presença constante de marginais e tropas de Casacos das Cinzas passando de cidade em cidade coletando impostos. Além disso, embora a vida selvagem seja muito mais variada em Arkh, também são os monstros. E então há o... Ei!” Ela tropeçou em Dagra quando ele parou de repente. “Dag, cuidado! Não me diga que você já precisa de outra pausa?”

Dagra tocou seu ombro e apontou para frente. Com uma voz sombria, ele disse, “Creio que alcançamos nosso destino.”

Eles haviam superado uma pequena elevação na terra e diante deles um vale raso se abria a vista em todas as direções, sua borda subindo à distância. À direita, a quietude quase indiscernível do oceano flutuava na brisa quente do leste e à frente deles…

Oriken assobiou. “Agora aquilo é uma muralha.”

Uma linha escura dividia a charneca acima do vale, estendendo-se quase da costa ocidental para desaparecer atrás das colinas ondulantes no extremo leste. Os topos esbranquiçados pelo sol nas ameias, como dentes tortos projetando-se da mandíbula de um gigante impossível, lembravam Jalis de Cherak, o antigo deus de pedra. “Ok,” ela disse, a voz baixa em espanto, “Eu admito; aquela muralha é mais longa e mais feia do que qualquer uma na minha terra natal. Vocês, rapazes, me venceram neste quesito.”

Dagra apertou o pingente. “Esqueça a muralha,” ele disse com a voz rouca. “Olhe mais para trás. É a cidade.” Ele desviou um rosto pálido da vista para olhar para o caminho que eles tinham vindo.

Jalis protegeu os olhos do sol. Seu olhar flutuou além da muralha até a distância extrema, percorrendo a vista nebulosa. “Oh,” ela suspirou.

Acima e muito além das muralhas pontudas, os contrafortes sombrios do último vestígio da civilização dos Dias dos Reis se esparramavam, quase invisíveis, no horizonte nebuloso.

“A legendária cidade de Lachyla. Impressionante.” Oriken desviou os olhos da vista para olhar para Jalis. “Meio que coloca as coisas em perspectiva, não é?”

“O que você quer dizer?” Ela manteve os olhos nas torres e pináculos, os telhados arredondados que marcavam a paisagem como bolhas inchadas. A cidade de Lachyla era impressionante, mas saber que o lugar estava morto e vazio há séculos enviou um arrepio através dela.

“O que eu quero dizer,” Oriken disse, “é que nosso contrato para uma pequena bugiganga empalidece em comparação com …” Ele estendeu o braço para apontar para a cidade distante. “Com aquilo.”

Dagra virou-se para encará-los. “Estava convencido de que o lugar devia ser um mito,” ele disse. “Apenas uma fábula para os velhos assustarem as crianças.”

“E para os Tecelões de História assustarem todo mundo,” Oriken disse.

“Bem, funcionou. A lenda de Lachyla me assustava todas as vezes que Vovó a contava quando éramos crianças.” Dagra respirou fundo.

“Você está bem?” Oriken perguntou.

Jalis pegou o olhar de Dagra. “Ei,” ela disse baixinho.

“Eu sei. Irei mantê-lo sob controle.” Ele pigarreou. Sua expressão solidificou-se em uma máscara decidida. Ele olhou de Jalis para Oriken e deu um sorriso tenso. “Bem? Nós vamos recuperar aquela maldita herança ou não? Sim? Vamos então!”

Dagra se afastou ao longo da Estrada do Reino. Oriken compartilhou um olhar sério com Jalis antes de segui-lo. Ele sempre escondia suas emoções sob um comportamento casual superficial, mas Jalis sabia que Oriken estava lutando contra algo dentro de si quase tanto quanto Dagra e não era apenas que eles ficariam cara a cara com uma história de fantasmas. Das pequenas informações que ela colheu durante a viagem, a lenda de Lachyla era tão fantástica que nem Oriken nem Dagra poderiam ter certeza se o lugar realmente existia. A coisa sobre as pessoas era que elas tendiam a carecer de imaginação para conjurar uma lenda do nada. Toda lenda tinha uma fonte, não importa quão pequena ou, neste caso, quão grande. A extensa cidade diante dela não era nenhuma surpresa, mas o tempo tinha uma maneira de exagerar os detalhes mais sutis da história.

Jalis olhou novamente para o norte e, por um momento, uma corrente de solidão tomou conta dela. Estar tão longe da civilização e na presença de tal antiguidade, despertou um desejo inesperado de revisitar seu próprio passado. Mas este desejo foi atenuado pela atmosfera melancólica que emanava de Lachyla. Com um suspiro, ela seguiu seus amigos em direção à Cidade Sinistra.

A terra dura das estradas e caminhos já estava começando a secar depois da chuva recente, com o globo quente de Banael a meio caminho da sua viagem de descida. Maros estava no lado de fora do Mascate Solitário, as mãos sobre a cerca de madeira. Ele matutava enquanto olhava para a cena familiar de casas e lojas de pedra e madeira, todas posicionadas a esmo, sem nenhum pensamento em simetria. Assim era a maneira dos bandos e colonos.

Ele olhava entre os prédios para as colinas e bosques. Seus pensamentos se voltaram para Jalis, Oriken e Dagra, seus companheiros antes que ele fosse obrigado a pendurar suas espadas. A certeza de Maros que algo não estava certo tinha crescido consideravelmente após ouvir a história de Jerrick. E então havia a complicação adicional de Cela Chiddari batendo as botas…

“Chefe.”

“Gah!” Maros se virou para ver Henwyn parado ao lado dele. “Pelas bolas ardentes de Banael, homem! Você está tentando me enviar mais cedo para a vida após a morte?”

O freeblade veterano reprimiu um sorriso, mas inclinou a cabeça, desculpando-se. “Boas notícias,” ele disse. “Leaf está a caminho da sede e eu consegui uma carroça e condutor para nós. Não posso dizer como duas mulas nos levarão a qualquer lugar rápido, mas prefiro isso do que carregá-lo nas minhas costas se você ficar cansado. Sem ofensa, chefe, mas provavelmente você é um pouco pesado demais até mesmo para minha força lendária.”

“Ha!” Maros bateu uma mão no ombro de Henwyn, derrubando o homem um centímetro quando os joelhos de Henwyn cederam. “Pouquíssimas palavras mais verdadeiras já foram ditas, Hen. Quem você contratou?”

“O dono do moinho. Wymar.”

Maros resmungou.

“Aye, eu sei. Tentei outros antes dele, mas ninguém queria correr o risco de ficar encalhado além da periferia de Scapa somente com as aldeias remotas por ali. Wymar foi o primeiro a não se opôr excessivamente. Com ganância como motivador, sem dúvida.”

“Como o povo por aqui esquece facilmente sobre o bom serviço os freeblades que fazem para eles só de existirem nesta cidade. Quando se trata de retribuir o favor um pouco...”

“Isso não é tudo, chefe.”

Maros emitiu um rosnado baixo. “O que mais?”

“Wymar está um pouco irritado que sua carga de trabalho foi diluída entre o resto da sua equipe pelo que, provavelmente, será algumas boas semanas.”

“Sobre o que em Verragos ele está falando?”

“Renfrey,” Henwyn disse, a título de explicação.

“Bah, aquela pequena cobra? Mal toquei nele. Qual é o problema?”

“Bem, parece que ele chegou em casa muito bem depois que eu derramei aquele balde de água suja sobre sua cabeça para acordá-lo. Mas quando se recuperou da cerveja, descobriu que o dedo estava quebrado.”

“O dedo?”

“Então, ele vai ficar fora do trabalho por um tempo.”

“Aye e Wymar está se aproveitando completamente disso. Vejo como vai ser. Qual é o dano?”

“Ele quer dez moedas de prata pela perda do trabalho.”

“Dez! Aquela merda bêbada do Renfrey não pode estar ganhando mais do que uma moeda de prata por semana!”

Henwyn deu de ombros. “Verdade, mas o dono do moinho alega que a redistribuição do trabalho está gerando custos adicionais, além de cobrir os danos pela perda de mão-de-obra qualificada, reduzindo os níveis de produção, por assim dizer.”

“Mão-de-obra qualificada. Vou lhe dar mão-de-obra qualificada. Tudo bem, dez moedas de prata para o ladrão bastardo. E a carroça?”

“Aye, bem, o próprio Wymar vai nos conduzir, além disso ele está falando sobre comida para as mulas, desgaste das rodas da carroça...”

“Pelo pau peludo de Cherak!” Maros agarrou a cerca. Os músculos em seu braço avolumaram-se enquanto ele apertava a madeira.

“Calma, chefe,” Henwyn avisou quando a cerca começou a lascar.

“Certo. Certo. Vai para o final, Hen. Vou ficar calmo.”

“Cinquenta moedas de prata.”

A madeira foi arrancada da cerca. Maros a jogou para o lado. Um sorriso sem graça atravessou seu rosto. “Violência me deixa mais calmo.” Ele ergueu as sobrancelhas para ênfase.

“Aye,” Henwyn suspirou. “Estou feliz que você tinha algo diferente de mim ao alcance de quebrar.”

“Cinquenta moedas de prata representam dez por cento deste trabalho. Isso é muito para ir para Wymar se não encontramos a joia ou é metade da minha parte se encontrarmos. Deuses, homem, teria sido mais barato comprar um par de mulas para você conduzir e uma carroça para mim viajar.”

“Tentei isso também.” Henwyn deu de ombros. “Você sabe como há poucas mulas na cidade. Ninguém estava disposto a vender. Inverta a situação e não posso dizer que eu os culpo. Nem posso culpar Wymar por querer ficar de olho em seus animais em vez de confiá-los em nossas mãos.”

Maros suspirou. “Ah, bem, qualquer coisa para os amigos, certo? Vá dizer àquele ladrão dono do moinho que pelo preço que ele está pedindo, vamos partir antes do pôr do sol hoje à noite. Ele tem quatro horas para juntar suas coisas e estamos na estrada. Não cheguei tão longe na vida por não confiar nas minhas entranhas e minhas entranhas estão dizendo que Jalis e os rapazes estão em perigo.”

Capítulo Sete

Paciência e Orações

O sol do início da noite se aproximava cada vez mais do horizonte distante enquanto Dagra e seus amigos desciam para o vale. Os pináculos e torres fantasmas da cidade distante afundavam de vista, seguidos pela própria muralha e sua ponte levadiça. Levaria mais uma hora para alcançar a muralha, mas a noite estaria em cima deles logo depois. Dagra olhou para o leste, semicerrando os olhos enquanto observava uma árvore gawek solitária aninhada na base da terra em ascensão. Seus troncos gêmeos estavam enroscados um no outro, os galhos altos lançando uma longa sombra para o lado do vale.

“Não vamos entrar naquele lugar negligenciado pelos deuses até de manhã,” ele disse. Ao ver a expressão de Oriken, ele acrescentou, “Não, isso não está em disputa. Não vou colocar o pé lá a não ser que tenhamos muitas horas de luz do dia à nossa frente. É ruim o suficiente que temos de entrar em uma cripta, mas não vou passar uma eternidade tentando encontrá-la dentro de um cemitério enorme e escuro quando não há necessidade.”

Oriken deu de ombros. “Está deserto, Dag. Não vejo o problema.”

“Dagra está certo,” Jalis disse. “Não sabemos o que há lá. Poderia haver um ninho de lyakyn até onde sabemos. Ou cravantes que se adaptaram a viver nas ruínas e não entre as árvores. Ou poderia haver armadilhas antigas espalhadas que não veríamos no escuro.”

“Isso,” Dagra disse com a voz rouca, “e os espíritos de todos os mortos pagãos que, provavelmente, estão assombrando o lugar. Esqueça. Exijo montarmos acampamento até amanhã. Chegamos até aqui; qual é a pressa?”

“Vamos escalar o vale e encontrar um lugar para acampar,” Jalis disse.

“Podemos muito bem nos abrigar debaixo daquela árvore.” Dagra acenou com a cabeça na direção da árvore gawek. “É um lugar tão bom quanto qualquer outro nesta região amaldiçoada.”

Oriken balançou a cabeça. “Estamos quase lá e você está perdendo a coragem.”

Dagra lançou um olhar semicerrado para ele.

“É uma exigência sensata,” Jalis disse, alterando a rota para árvore. Quando Dagra a seguiu, ela olhou para Oriken. “Vamos lá, vamos encerrar o dia e enfrentá-lo com energia renovada pela manhã.”

“Tudo bem, tudo bem.” Oriken torceu a aba do seu chapéu e se arrastou atrás deles. Quando se aproximaram da árvore gawek, ele disse, “Pelo menos me deixe fazer um reconhecimento da entrada antes do anoitecer. Prometo que não vou entrar sozinho.”

“Não. Nenhum de nós vai sair sozinho. Não desta vez. Além disso, a entrada está gradeada. Vamos ter de usar o gancho para escalar.” Ao ver a expressão decepcionada de Oriken, Jalis lançou um olhar severo para ele. “Há um ditado em Vorinsia: Ansiedade acabou com o Edel.”

“Não faço ideia o que isso significa.”

“É uma frase cunhada pelo Primeiro Descendente na época em que Vorinsia conquistou as terras ao sul do Arkh, primeiro Sardaya, depois Khalevali. Os nobres – ou Edel no idioma Vorinsiano – de Khalevali e minha terra natal estavam muito seguros dos pontos fortes dos seus países e organizaram uma revolta contra o controle avassalador das forças Vorinsianas. A alta nobreza foi esmagada, mas os Arkhus pediram indulgência, permitindo que os membros sobreviventes das suas famílias deixassem suas propriedades e fortunas com vida.” Alcançando a sombra dos galhos de longo alcance da árvore gawek, ela acrescentou, “Nenhum heroismo, Oriken.”

Ele deu de ombros. “Você é o chefe, chefe.”

“Menos disso.”

“Como você diz, chefe.

Jalis mostrou-lhe o dedo do meio. “Malan-gamir!”

Oriken sorriu. “Ficaria feliz em acomodá-la com isso, siosa, mas isso pode esperar até estarmos instalados para passar a noite?”

Jalis estendeu a mão e bateu o chapéu para fora da sua cabeça.

“Ei!”

Enquanto ele se inclinava para recuperá-lo, ela lançou um olhar de advertência para ele. “A vara divina, querido Orik, aponta para o tesouro e para a armadilha igualmente. Tenha cuidado para onde você aponta a sua. Agora, pegue uma tigela e veja se consegue encontrar para nós algumas frutas frescas.”

“Vou usar meu chapéu.” Pelo seu tom, ficou claro que ela magoou seus sentimentos.

“Não vamos comer desta coisa velha e surrada,” Dagra disse. “Bagas do pântano já tem um gosto ruim o suficiente sem acrescentar seu suor estagnado e cabelo na mistura.”

Oriken deu de ombros e pegou uma tigela da sua mochila.

“Me passe a besta, moça,” Dagra disse. “Vou com ele.”

Oriken olhou para ele enquanto amarrava sua mochila de novo. “Isso é um pouco excessivo.”

Dagra riu enquanto pegava a besta de Jalis. “Não se preocupe, não atiraria em você só por desobedecer a nossa chefe.”

“Não comece,” Jalis advertiu.

Dagra inclinou a cabeça e deu uma piscadela discreta para ela antes de se virar para seguir Oriken. Embora ele tenha se juntado a frivolidade, isso não fez nada para acalmar sua agitação interna.

Dagra apoiou-se nos troncos entrelaçados da árvore gawek e olhou para a paisagem noturna coberta com uma poeira prateada. Nuvens finas nublavam o orbe em ascensão de Haleth para um brilho pálido em um céu cheio de estrelas. Além das pedras da estrada, bolsões de pântano estavam sinalizados por pontos minúsculos de fogo-de-fada que brilhavam sobre a charneca. Tudo estava quieto, exceto pelo piar e cricilar suave dos gafanhotos do brejo, o coaxar distante de um sapo e os roncos suaves de Oriken.

Dagra apoiou os cotovelos nos joelhos e, pelo que pareceu a milésima vez desde que entrara nas Terras Mortas, ele determinou que seus pensamentos alcançassem os deuses. Abençoada Aveia e Svey’Drommelach. Profeta Avato. Sábio Ederron. Ouçam seu devoto em seu momento de necessidade. Protejam-no sob suas asas enquanto ele caminha em direção à escuridão e permitam que sua bondade divina extinga o mal entre as sombras. Dêem a ele a força para ir onde vocês não estão e de lá retornar ao seu domínio. Se for da sua vontade, guiem-no para casa para que ele ainda possa servi-los ou, se for da sua vontade, guiem sua alma para Kambesh para renascer.

Quando Dagra terminou sua oração, Oriken bufou em seu sono e bateu nos lábios. Dagra olhou na direção dele e congelou, seu coração saltando na garganta. Uma figura bípede pálida e atarracada estava debruçada sobre Oriken, a cabeça sem feições pressionada no cobertor sobre seu torso, a massa indefinida de braços sem mãos tocando a lã. Dagra olhava fixamente, paralisado pela esquisitice sem feições

Sacudindo-se do transe, ele sussurrou o nome de Oriken. Embora a criatura não demonstrasse nenhuma agressão óbvia, ele não queria impulsioná-la em ação ao gritar. Uma regra básica da vida selvagem era nunca subestimar uma fauna ou flora desconhecida. Oriken murmurou e começou a roncar baixinho.

Dagra pegou seu gládio e agachou-se. Ele se arrastou para frente, mas a criatura estava determinada a acariciar o rosto no cobertor. Aproximando-se o suficiente, ele arremessou a espada. A lâmina afundou profundamente na criatura, mas ela quase não estremeceu. Ele retirou a lâmina e olhou boquiaberto para a falta de sangue na sua pele branca, seu queixo caiu ainda mais enquanto observava a ferida se cicatrizar.

“Certo, seu bastardinho,” ele murmurou e lançou um golpe lateral em sua cabeça. O gládio afundou na carne macia com pouca resistência, mas quando a lâmina passou, o tecido se uniu imediatamente. A criatura ergueu a cabeça e ficou em pé. Afastou-se do cobertor, virou a cabeça sem rosto para Dagra, em seguida arrastou-se vagarosamente para longe.

“Orik! Acorde!” Dagra ficou em pé, os olhos na criatura enquanto ela desaparecia na noite.

Jalis agitou-se e sentou-se ereta. Uma adaga apareceu na sua mão enquanto ela examinava a escuridão.

Dagra agarrou os ombros de Oriken e sacudiu-o bruscamente. “Acorde, maldito!”

“Ugh…” Preguiçosamente, Oriken esfregou o rosto e abriu os olhos. “Alguém colocou mandrágora no meu chá?”

“Você não bebeu nenhum chá,” Jalis murmurou, retornando a adaga ao seu bolso.

Oriken levantou a cabeça do colchonete e olhou ao redor. “O que foi, Dag?” ele disse meio grogue. “Alguma coisa lá fora?”

“Sim! Não. Não sei. Havia uma…” Mas a criatura estranha desapareceu.

Jalis deu a ele um olhar esmorecido. “Você cochilou e teve um sonho?”

“Não! Eu juro que havia alguma coisa…”

“Ei!” Oriken empurrou-se para uma posição sentada e olhou para seu cobertor. “O que é esta coisa branca em cima de mim? Dag? Não estou brincando, é melhor você não ter...”

“Havia uma criatura!” Dagra protestou enquanto Oriken empurrava os cobertores. “Era uma… Ah, não sei!” Ele ofegou em exasperação.

“Nojento.” Oriken pinçou sua camisa. “Atravessou.”

“Deixe-me ver.” Jalis inclinou-se e levantou a camisa dele para expor seu torso. Três pingos da substância pegajosa emaranhavam-se no pelo em seu abdômen, com círculos vermelhos aparecendo através do limo.

“Que…” Oriken agarrou o cobertor e limpou o pus. “Parece anestesiado.”

Os olhos de Dagra foram atraídos para o cobertor. As partes da lã onde a cabeça e os braços da criatura tocaram estavam começando a desintegrar.

Jalis também havia percebido isso. Rapidamente ela pegou um odre e uma algibeira da sua mochila e derramou a água sobre a cintura de Oriken. Com a ponta do cobertor, ela limpou o máximo possível do resíduo pegajoso das feridas. Da algibeira, ela tirou uma folha úmida e colocou em cima da maior das três feridas. “Nepente é o melhor tratamento que temos agora. Com sorte, a criatura não era venenosa.”

Oriken assentiu com gratidão e olhou para Dagra. “Com o que isso se parecia?”

Dagra deu de ombros. Ele descreveu a criatura estranha da melhor maneira possível, mas nem Oriken nem Jalis faziam ideia do que poderia ter sido

“Vamos ter de ser extra vigilantes.” Enquanto Jalis pegava mais duas folhas da algibeira, ela disse para Dagra, “Bom trabalho por descobrir a tempo. Não há como dizer que dano isso poderia ter causado a Oriken enquanto ele dormia. Estou imaginando que seja o que for que isso secretava, contém um anestésico.”

Oriken empalideceu quando Jalis pressionou as folhas de nepente nas suas feridas. “Eu te devo uma, Dag. Olhe, sinto muito por gritar.”

Dagra grunhiu. “Esqueça. Volte a dormir. Farei uma vigília mais longa e te acordarei em duas horas. De qualquer maneira quero fazer uma caminhada rápida. Se avisto aquela coisa sem você no caminho, irei cortá-la em pedaços.”

“Obrigado,” Oriken disse. “Mas duvido que voltarei a dormir agora.”

“Então não faça isso,” Jalis disse. “Apenas descanse. Se você se sentir estranho, diga a Dag ou me acorde.” Ela olhou para seu braço. “Como está o ferimento do cravante?”

Oriken abriu e fechou o punho. “Muito melhor.” Ele vasculhou o fundo da sua mochila e tirou a jaqueta de couro de nargute, revestida de lã e vestiu. Quando ele prendeu a fileira de presilhas na frente da jaqueta, ele olhou de Dagra para Jalis. “Ei, não vou correr nenhum risco.” Ele deitou e colocou o chapéu em cima da cintura.

Jalis voltou para seu cobertor e em questão de um minuto voltou a dormir. Oriken entrelaçou as mãos atrás da cabeça e deu um breve aceno de cabeça para Dagra. Embainhando seu gládio e verificando a besta carregada, Dagra saiu para começar a patrulha.

Cadáveres, cravantes, loucos e estranhas manchas brancas, ele pensou. E, quando a manhã chegar, muito provavelmente os espíritos dos antigos mortos. Ele enviou outra oração rápida para os deuses e seus profetas para que amanhã não fosse outro teste. Agora era um jogo de espera para ver se – e como – eles responderiam.


Capítulo Oito

Observadores Na Fronteira do Mundo

Oriken mastigava sem entusiasmo um pedaço duro de carne seca enquanto passava um dedo pelos ferimentos doloridos em sua barriga. O nepente tinha feito seu trabalho; a pele estava em carne viva, mas cicatrizando aos primórdios de crostas e o entorpecimento tinha desaparecido quando sua vigília acabou. Ele pegou um dos três ovos de codorna cozidos da caneca ao lado do fogo e abriu-o. Ele olhou taciturnamente para o ovo minúsculo. Eles eram tudo que ele conseguiu encontrar na noite anterior apesar de seguir o chamado da codorna esquiva. Junto com o resto das suas rações salgadas, um ovo minúsculo para cada um e uma tigela de bagas do pântano era todo o café da manhã deles. Ele colocou o ovo na boca e engoliu-o em segundos.

“Estou dizendo,” ele disse, “se encontrarmos algum cravante na cidade, vou comer um.”

Dagra franziu o rosto.

“Ei, não há como dizer quando vamos ter outra refeição decente. Estou apenas pensando para frente.”

“Não faria isso se fosse você,” Jalis disse.

“O que, pensar para frente?”

Ela lançou um olhar fulminante para ele. “Carne de cravante é mais dura do que couro a não ser que você a deixe ferver por um dia inteiro.”

Dagra limpou as mãos na calça e se levantou. “Não nos diga que isso é algo que você aprendeu em primeira mão.”

“Na verdade, é.” Por um momento, a expressão de Jalis tornou-se distante. “É uma iguaria rara em Sardaya, ou pelo menos era quando eu era criança. Os cravantes alados poderiam ser uma irritação se eles desciam das montanhas. Com frequência meu pai participava de uma caçada mensal e às vezes ele traria para casa um pedaço de carne de cravante para as criadas cozinharem.” Ela olhou para Oriken. “Mas não vamos encontrar nenhum na cidade porque não vamos até lá. Não há necessidade. Durante meu turno, eu verifiquei o mapa que Cela deu a Maros. O Jardim dos Mortos fica diretamente dentro dos portões, portanto não precisamos entrar em Lachyla.”

“Hm.” Oriken pegou o cinto da sua espada do chão e levantou-se. “É uma verdadeira pena. Estava ansioso para dar um passeio por lá.”

Dagra suspirou. “É claro que você estava.”

“Vamos discutir sobre isso mais tarde.” Jalis se levantou e pressionou as mãos juntas. “Primeiro, meninos, acredito que temos uma joia para encontrar.”

A muralha do perímetro se elevava acima, tão solida quanto as eras, exceto pelos merlões arruinados ocasionais e pedaços quebrados de laje decorativa no chão abaixo. Oriken se sentiu pequeno e insignificante em comparação com as pedras antigas e implacáveis.

“Se houvesse arqueiros naquelas ameias,” ele disse, “não haveria como entrar, nem mesmo um exército, que dirá um trio de freeblades.”

“Ainda bem que temos o gancho para escalar,” Jalis disse.

“E ainda bem que temos o lugar para nós,” Oriken respondeu. “Eh, Dag?”

“Vai esperando,” Dagra disse baixinho.

Oriken olhou ao longo da parede para os restos apodrecidos de uma corda que pendia da muralha com ameias. “Algo aqui parece fora de lugar para algum de vocês?”

Jalis franziu o cenho para a corda puída.

“Está ali há muito tempo,” Dagra disse.

Oriken assentiu. “Mas eu não creio que seja tão antiga quanto a praga. E se isso é um fato, isso significa que não somos os primeiros a nos aventurarmos aqui desde que a caveira foi estampada nos mapas.”

Ele voltou sua atenção para a ponte levadiça abaixada, seus espetos mordendo a terra entre as lajes arruinadas. As barras de ferro enferrujadas eram tão grossas quanto seu pulso. Ele se aproximou para espiar entre elas e ficou olhando boquiaberto para a visão além.

“A palavra morto parece um pouco superficial agora,” ele murmurou.

Jalis estava ao seu lado. “Uau,” ela sussurrou, depois deu um passo para trás. “Bem, Orik. Você se importa de fazer as honras?”

Com um sorriso, ele tirou a mochila do ombro. Ele enfiou a mão na mochila e produziu um longo rolo de corda fina amarrado em uma extremidade a um gancho pesado para escalar.

“Afastem-se.” Ele enrolou a corda ao redor do braço e aproximou-se da parede. Pisando na extremidade solta da corda, ele avaliou as ameias e começou a balançar o gancho. Ele o soltou e o gancho subiu, bateu de leve na beirada da parede e continuou antes de arquear para baixo e enganchar na passarela acima. Ele puxou a corda para garantir que o gancho estava firmemente preso, em seguida, colocou a mochila de volta nos ombros.

“As senhoras primeiro?” ele disse a Jalis.

“Ora, obrigada, sios. Tão gentil da sua parte oferecer.” Ela pegou a corda, saltou agilmente nela, depois subiu pela parede.

Oriken observou sua subida até que ela engatinhou sobre o topo. Ele virou-se para Dagra. “Depois de você.”

Dagra não respondeu. Seu rosto estava impassível enquanto encarava a parede. Ele pegou seu pingente Avato e pressionou nos lábios antes de agarrar a corda. Ele começou a se içar, as pontas das botas encontrando apoio nos sulcos entre as pedras. Oriken podia ouvi-lo resmungando com o esforço quando Dagra se içou para as ameias.

A parede tinha o menor dos declives à medida que afunilava em direção ao topo, mas dificilmente isso tornava a subida mais fácil. Com os membros compridos de Oriken e o peso da mochila nas suas costas, os músculos dos seus ombros estavam implorando por misericórdia no momento em que ele alcançou o topo. Suor escorria pelo seu rosto quando ele se içou através das ameias. Sem parar para descansar, ele puxou a corda e começou a enrolá-la.

Dagra agachou-se ao lado dele, uma expressão preocupada em seu rosto.

“Ei,” Oriken disse, “vamos fazer o trabalho. Somos freeblades. Isso é o que nós fazemos.”

Com a corda e o gancho guardados na mochila, Oriken se levantou e deu sua primeira olhada nítida para os Jardins dos Mortos e a cidade de Lachyla muito além e ele compreendeu a preocupação de Dagra. Ele esfregou uma mão sobre a barba enquanto olhava para as inúmeras fileiras de lápides dentro da vasta extensão do cemitério. Vasos de barro rachados estavam em pé ou perto das suas lápides. Estátuas de pedra parcialmente colapsadas pontilhavam a vista sombria, os braços e cabeças de algumas reunidas nas bases dos seus plintos. Mais raras eram as estátuas de bronze maiores, como sentinelas ao lado das entradas decoradas das criptas. Cascas de árvores sem folhas que deveriam estar em plena floração nesta época do ano lançavam sombras como se estendessem dedos pelo chão. A mancha dos séculos cobria tudo.

“Sem palavras?” Jalis perguntou.

“Pela primeira vez,” ele admitiu.

A subida e descida do terreno repleto de túmulos conduziam até as muralhas muito distantes encerando os mortos em um retângulo alto de pedra. As ameias distantes eram minúsculas a partir daqui, mas o Caminho dos Defuntos, largo e central, dividindo o cemitério estendia-se até uma segunda ponte levadiça no centro da parede distante.

O Portão dos Defuntos. Oriken lembrou da sua menção nas histórias.

Tão sombrio quanto os Jardins dos Mortos, a cidade além era algo completamente diferente. Muralhas excessivamente fortificadas cercavam a paisagem urbana. Os prédios mais próximos estavam escondidos da vista por trás da muralha do perímetro do cemitério, mas à medida que o chão subia suavemente além da ponte levadiça, uma passagem principal serpenteava entre fileiras de estruturas abobadadas, inclinadas e com ameias em direção a uma fortaleza sombria. A maior parte do castelo dominava a paisagem da urbana, agachado em cima de uma colina baixa como uma sentinela colossal e implacável, pronta para entrar em ação ao primeiro sinal de invasores.

“E aqui estamos nós,” Oriken murmurou. “Olá, Castelo Lachyla.”

“Não é uma das vistas mais acolhedoras, não é?” Jalis disse.

“Difícil acreditar que não esteja entre os principais pontos de recriação de Himaera.” Oriken olhou para Dagra. “E você pensou que Caer Valekha foi ruim.”

“Foi.” O rosto de Dagra era uma máscara estoica.

A base da colina sobre a qual o castelo se aninhava estava pontilhada com uma miríade de prédios, menores do que o castelo, mas ainda formidáveis, reunidos como adoradores bem-nascidos ao redor de um santuário. À medida que o fluxo de prédios se espalhava para mais longe do centro da cidade, eles se tornavam mais baixos e com uma aparência menos majestosa. Os pináculos e telhados abobadados poderiam outrora parecer bonito em uma cidade que fervilhava de vida, mas agora eram fantasmas da grandeza esquecida; marcas da praga, inchando da própria terra. Oriken tinha de admitir, Lachyla poderia ser o lugar mais sombrio que ele já tinha visto.

Do seu ponto de vista, camadas enevoadas do oceano tingido de dourado a leste e oeste mostravam que Lachyla ficava em uma península afunilada. Ele podia imaginar penhascos escarpados caindo além das muralhas defensivas nas profundezas espumosas do Oceano Echilan inexplorado.

A fronteira do mundo, ele pensou, mais uma vez se lembrando de como ele e Dagra haviam se agarrado aos lados íngremes do Monte Sentinela e olhado para o mesmo oceano.

Ele virou-se com o ranger de passos para ver Jalis e Dagra seguindo pelas ameias em direção a uma torre de guincho. Reunindo seu equipamento, ele correu para alcançá-los. O telhado de carvalho inclinado da torre havia empenado com a idade e a erosão, mas na maior estava parte intacto. Embaixo havia um mecanismo de guincho com uma manivela comprida de ferro em um lado. A extremidade da corrente enrolada desaparecia através de uma abertura no chão de pedra acima do lado da ponte levadiça.

“Não parece muito enferrujado,” Jalis observou. “Vamos tentar sair, nos poupar de escalar novamente e ter de deixar o grampo para trás se ele ficar preso.

Oriken agarrou a manivela com ambas as mãos, ficou tenso e ofegou. A manivela deslocou-se, girando a corrente ao redor do carretel com um chink-chink-chink monótono enquanto a corrente arranhava contra si mesma e um gemido rangente da ponte levadiça enquanto protestava ao ser acordada do seu longo sono.

“Creio que vamos conseguir abri-la,” ele disse, espanando as mãos na calça.

Da torre de guincho, um conjunto de degraus de pedra conduzia para o cemitério. Oriken seguiu Jalis até o terreno árido, com Dagra arrastando os calcanhares atrás deles. Eles atravessaram o Caminho dos Defuntos arruinado e pararam diante da ponte levadiça. Oriken lançou um olhar de soslaio através das barras de ferro para a charneca além e, por um momento, sentiu como se ele fosse um prisioneiro, preso dentro das palavras do Tecelão de Histórias, transportado para uma época que talvez devesse ter ficado presa dentro das palavras das histórias antigas. Empurrando a sensação para o lado, ele observou Jalis enquanto ela produzia um pergaminho amarelado do bolso da perneira e começava a estudá-lo.

“Olhe aqui,” ela disse. Os homens se aproximaram. Ela tocou o mapa com uma unha e traçou uma linha para o norte, até um ponto a três quartos do caminho. “Deve ser bastante simples. Seguimos o caminho principal até este ponto.” Ela arrastou o dedo para a direita e bateu no X marcado pela cliente deles. “Depois um breve passeio para o lado e estamos lá.”

“Se não tivéssemos este mapa,” Dagra disse, uma expressão inflexível em seu rosto, “teríamos de investigar todo o cemitério.”

“Você pode agradecer Cela por isso quando voltarmos.” Jalis fez um gesto à frente. “Por enquanto, nosso prêmio chama.”

Oriken apertou seu ombro gentilmente, depois partiu ao longo do caminho central. Jalis e Dagra alinharam-se de cada lado. À medida que eles caminhavam, uma percepção se apoderou lentamente dele e ele abriu seus sentidos para os arredores.

Estou certo, ele pensou. Uma semente de preocupação aninhou-se na boca do seu estômago. Não somente estavam as árvores mortas e escurecidas, elas estavam cobertas com pústulas fúngicas. Também não havia nenhum arbusto à vista além da salsola quebradiça ocasional.

Não consigo ouvir nenhuma criatura se movendo por aí. Deveríamos ser capazes de ouvi-las mesmo que não possamos vê-las. Seja o que for que este lugar foi outrora, deveria ter sido há muito tempo reivindicado pelos animais e gramíneas. Nenhum gafanhoto, nenhuma mosca, nenhum pássaro. Árvores mortas e nenhuma gramínea qualquer. Que porra é essa?

“Não há nenhum sinal de vida em todo o lugar amaldiçoado, Dagra disse. “Exceto nós três.”

Oriken franziu o cenho. “Sim, eu estava prestes a....”

“Há um cheiro no ar,” Jalis disse, seu olhar passando pelas fileiras de lápides inclinadas.

Oriken também podia sentir o cheiro agora. Não era apenas o cheiro mofado de anos longos e desolados nem somente o cheiro salgado do oceano próximo; era outra coisa, algo quase imperceptível, mas estava lá. Ele fungou e semicerrou os olhos.

Doce, como um perfume que permanece muito depois que a garota que o usava deixou a sala.

“Isso parece errado,” Dagra disse. “Nada está vivo aqui. Apenas mofo cobrindo tudo e até isso está tudo seco.”

“Você conhece a lenda,” Oriken disse. “Talvez haja uma semente de verdade sobre a Cidade Sinistra no final das contas.”

Dagra bufou. “Um nome adequado para um lugar, se já houve um.”

Oriken deu uma gargalhada. “Sim e estes supostos Jardins dos Mortos, eles são um…” Ele esfregou um polegar na barba e olhou para Jalis. “Qual é aquela palavra que você usa? None-secateur? Sim, é isso. Todo este lugar não poderia estar mais morto. Eles acertaram. Mas Jardins? Nome idiota para um lugar que não tem nenhuma folha de grama.”

Jalis deu um olhar confuso para ele. “É ótimo que mais uma vez você tenha prestado atenção à minha língua materna, mas creio que você está procurando por non sequitur. Secateurs são tesouras de poda. Contudo, de certo modo, você está certo. Definitivamente este Jardins não precisam de seus arbustos podados.”

“Bem, praga ou não, isso foi há muito tempo.” Oriken olhou para os telhados da vasta cidade. “Agora que estamos tão perto, ainda é um pouco tentador dar uma olhada por aí.”

Dagra bufou. “Até você pode sentir o erro aqui, Orik. Não tente o destino mais do que já fizemos. Não sou nenhum covarde e você sabe disso, mas eu me lembro do medo que sentia quando criança em relação a este lugar e não preciso entrar na cidade para que este medo volte nitidamente. Estar cercado por estas criptas, lápides e estátuas pagãs já é o suficiente.”

“Estou apenas dizendo, só isso. Ei, Dag, você não precisa segurar este pingente com tanta força. Você não precisa da Díade quando você nos tem.” Oriken piscou para Jalis. Os lábios dela se contraíram em um sorriso rápido.

“Aceitarei a Díade e vocês dois,” Dagra disse. “Solidez em números.”

“Sim... Uau.” Oriken parou quando seus olhos pousaram em algo que se projetava da terra a poucos metros do Caminho dos Defuntos. Ele se aproximou e inclinou-se para dar uma olhada mais de perto. Uma coleção de ossos pequenos estava semi-encapsulada na terra, inconfundivelmente uma mão humana. “Imagino que eles não os enterravam muito profundo por aqui.”

“O que é isso?” A voz de Dagra tinha uma borda dura.

“Lembra daquela casa em que esbarramos com aqueles cravantes?”

“Sim.”

“Bem, quando eu disser, vamos apenas continuar caminhando, faça um favor a si mesmo e ouça desta vez. Você já está no limite, não precisamos que você entre em um ataque de pânico completo.”

Dagra fez uma careta e virou-se. “Anotado.”

Eles seguiram pelo Caminho dos Defuntos até que a muralha dividindo o cemitério da cidade apareceu ao longe, sua ponte levadiça abaixada como o portão na entrada. Oriken olhou por cima do ombro para as torres e ameias da muralha da charneca, quase invisíveis por trás das entradas elevadas das criptas, estátuas exuberantes e árvores esqueléticas.

“Devemos estar nos aproximando da cripta Chiddari,” ele disse.

Jalis dobrou o mapa e colocou no bolso. “Há muitas criptas por aqui. Sugiro nos dividir e verificá-las separadamente.”

Dagra balançou a cabeça com veemência. “Esqueça. De maneira nenhuma vou entrar sozinho em um daqueles lugares.”

Jalis reprimiu um suspiro. “Não estava falando para entramos nelas, Dagra. Estou dizendo que deveríamos verificar os nomes acima das entradas e nas estátuas daquelas que as tiverem.”

“Oh.” Dagra pigarreou. “Tudo bem. Ótimo.”

Oriken observou seu amigo barbudo. A verdade era que a fanfarrice de Dagra tinha diminuído cada vez mais, quanto mais eles entravam na Colina Scapa e agora, aqui no cemitério, tinha praticamente desaparecido. Isso é inaceitável. Realmente inaceitável. Ele estalou os dedos na frente do rosto de Dagra e fixou-o com um olhar severo. “Ei. Vamos lá. Sai dessa. Entendo que você esteja tendo problema com os deuses neste momento, mas faça um favor para os seus amigos e tente guardá-los. Vamos verificar aquelas placas de identificação como Jalis disse.”

“Vai se foder,” Dagra murmurou. Ele ergueu os olhos para encontrar o olhar de Oriken e deu um aceno brusco de cabeça, em seguida girou nos calcanhares e foi para a cripta mais próxima.

Oriken compartilhou um olhar com Jalis antes de se afastar para verificar a dúzia, mais ou menos, de entradas de criptas na área imediata. Ao alcançar a primeira, ele esticou-se para inspecionar os entalhes na pedra acima da entrada. Uma rachadura corria verticalmente através da pedra, bem através do centro do nome Hauverydh. A estátua que acompanhava a cripta estava no chão perto da entrada, seu rosto de pedra esburacado e gasto, as mãos pressionadas no peito; seja o que for que estivesse segurando havia deteriorado ou caído há muito tempo.

Oriken passou entre as lápides enquanto caminhava para a segunda cripta. Algumas das lápides haviam caído, algumas estavam submersas ou apoiadas em ângulos, enquanto outras permaneciam completamente em pé. As gravações em várias continham o nome Chiddari ou o que parecia ser uma variação disso.

“Chegando perto por aqui!” ele gritou.

Ao alcançar a cripta, ele parou diante da sua estátua e verificou o nome desbotado no plinto. Cunaxa Tjiddarei. As feições desgastadas pelo tempo eram aquelas de uma mulher orgulhosa, apertando o que parecia ser um pequeno martelo e um cinzel ao seio. A estátua de bronze estava em pé de lado, inclinada para frente como se prestes a fazer uma reverência, congratulando Oriken por descobrir seu lugar de descanso.

“Sim,” ele disse. “É isso!”

“Bom trabalho,” Jalis disse atrás dele, fazendo com que ele quase pulasse para fora da sua pele.

“Estrelas e malditas luas, Jalis!” Oriken sibilou. “Não faça isso!”

Ela sorriu. “Sinto muito.”

Quando Dagra se aproximou, Jalis pegou a lamparina a óleo e a tinderbox – uma caixa contendo pederneira, pavio e aço para fazer fogo – e começou a trabalhar acendendo faíscas em uma amostra de tecido carbonizado. Quando o material pegou fogo, ela tocou um bastão de enxofre na chama e usou para acender a lamparina.

Quando a lamparina estava acesa, Dagra disse, “Dê isso aqui.” Sua expressão estava extenuada, mas ele parecia mais determinado.

Jalis olhou para ele. “Você tem certeza?”

“Não. Mas vou fazer isso mesmo assim.” Ele pegou a lamparina e liderou o caminho até a entrada escura da cripta Chiddari.

Capítulo Nove

Nada Sem Medo

“Vamos terminar este negócio.” Dagra ergueu a lamparina e espiou a escada. As chamas lançavam um brilho tremeluzente nas paredes rústicas e degraus de pedra. Além do alcance da luz, o buraco da cripta mortuária abria-se em um convite sinistro.

Preparando seus nervos, ele pressionou seu pingente Avato nos lábios e entrou na escuridão, dando um passo lento e deliberado. Um passo, dois … Suas botas esmagavam suavemente a terra sobre a pedra gasta. A respiração silenciosa e ruído dos passos dos seus amigos o seguiram para as profundezas.

“Não se preocupe, Jalis,” Oriken disse. “Se algo passar por Dag, eu a manterei segura.”

Jalis riu. “Você é um oficial corajoso dizendo isso a um mestre espadachim quando ela está atrás de você em um espaço apertado.”

“Como é o ditado? Mantenha sua espada afiada, mas sua sagacidade mais afiada.” A diversão era rica na voz de Oriken, mas Dagra sabia que ele estava disfarçando sua própria ansiedade.

Quando ele alcançou a próxima curva na escada, Dagra congelou. “Deuses sofredores.” A lamparina iluminou as paredes de ângulo reto, fazendo com que sombras dançassem pela pedra. Com a mão livre, ele agarrou o cabo do seu gládio.

“O que é isso?” Oriken disse.

“Nada. Eu apenas… Está tudo bem.”

“Você deveria tirar a lenda da sua cabeça,” Jalis disse.

“Não é isso que me incomoda.” Não, ele pensou. É a escuridão. Isso e o peso esmagador da terra acima. E o fato que estamos descendo para um lugar que é mais desprovido dos deuses do que toda as Terras Mortas.

Ele espiou ansiosamente ao redor do canto para a escuridão. Até onde ele poderia dizer, a escada estava vazia.

“Estou agindo como uma menininha imaginando fantasmas,” ele murmurou, obrigando-se a continuar a descida. Mas se algum lugar tem fantasmas, é esta cripta pagã.

Além da próxima curva, os degraus tocavam o chão plano que se estendia em um corredor estreito e de teto baixo. Vigas de madeira percorriam a extensão das paredes entre quadrados de pedra lavrada. Grupos de teias de aranha empoeiradas pendiam dos cantos das vigas. A escuridão úmida e penetrante juntamente com o odor de mofo que flutuava da garganta escura do corredor enviou um arrepio pela coluna de Dagra.

“Amaldiçoe a Díade,” Oriken disse quando foi obrigado a se inclinar no espaço apertado.

Dagra franziu o cenho. “Por favor, não amaldiçoe enquanto eu estiver rezando.”

Oriken inclinou mais a cabeça, mergulhando suas feições na sombra, exceto pelo seu sorriso.

“Sério, tenho ouvido de você a mesma coisa ridícula desde que éramos crianças e o debate nunca vale a pena. Agora, em particular, não é o momento de me fazer defender as forças atrás, abaixo e acima de Verragos que eu sei que são reais, o que você nega mais e ....”

“Tudo que eu disse foi ‘amaldiçoe a Díade.’”

“Bah.” Dagra olhou para cima. “Espero que você não esteja muito ocupado amaldiçoando para ficar de olho nas teias de aranha.”

Oriken parou, em seguida gemeu. “Estrelas. Tinha de haver aranhas aqui em baixo, não? Poderia ter feito uma aposta sobre isso.”

Dagra avançou, com Oriken seguindo de perto. Em pouco tempo, um arco apareceu, um portal para quaisquer horrores pagãos que jaziam além. Com todos seus sentidos fixos no arco preto, ele quase pulou para fora da sua pele e quase deixou a lamparina cair quando o grito de Oriken ecoou através do corredor. O coração de Dagra batia forte quando ele se virou para Oriken saltitando e agitando os braços descontroladamente, batendo a aba do chapéu e se arrastando para trás até uma Jalis perplexa.

Ela o agarrou pela cintura, sem dúvida para impedir que ele batesse nela em vez de segurar firme o idiota desastrado. Apesar da sua estrutura pequena, com facilidade ela fez o amigo magricela deles parar de repente.

Os movimentos de Oriken haviam levantado uma camada de poeira e uma névoa fina pairava em todo o corredor, diminuindo muito mais a visibilidade. Seu cabelo suado e desgrenhado quando ele tirou o chapéu, Oriken olhou horrorizado para as teias de aranha que se agarravam a aba e a copa chanfrada. Com um sobressalto, ele começou a afastá-las.

Jalis colocou as mãos nos quadris, inclinou a cabeça e fixou-o com um olhar desapontado.

Notando seu escrutínio, Oriken deu de ombros com arrependimento e recolocou o chapéu na cabeça. “Elas fazem minha pele arrepiar!”

Dagra suspirou. “Nós sabemos!”

Jalis não conseguiu evitar o sorriso quando disse, “Você deixou escapar algumas.” Ela levantou a mão e puxou um fio de teia de aranha da sua barba, em seguida, limpou-a na parede. “Pronto. Acabou.” Ela franziu os lábios, depois acrescentou, “Você tentará ser um freeblade corajoso agora?”

“Eu disse que deveríamos ter trazido algumas tochas em vez daquela lamparina idiota,” Oriken murmurou. “Poderíamos ter acendido todo o maldito teto enquanto seguíamos.”

Dagra balançou a cabeça e virou-se para encarar o arco preto. Ele avançou lentamente, agitação pesando em cada passo. Seu foco estava mais uma vez em seus próprios medos.

Não estou com pressa para descobrir o que há além, ele pensou. Ninguém esteve em uma cripta funerária em séculos. Não é natural! Mas chegamos até aqui e imagino que estaremos levando uma boa história para casa, se mais nada. Recomponha-se. Estamos quase lá.

Ele alcançou o arco e preparou-se. “É tudo, ou nada,” ele resmungou. Respirando fundo, ele atravessou o portal para a escuridão de um corredor de teto alto, consideravelmente mais largo do que o corredor apertado. Tudo estava em silêncio e parado. Muito quieto. Muito parado. Ele espiou a escuridão por um longo momento. Os cabelos se arrepiaram em seu couro cabeludo enquanto ele dava um passo para o lado para os outros entrarem.

Oriken se abaixou sob o arco com um sorriso e esticou-se em toda sua altura. “Ah, isso é muito melhor!”

“Fico feliz que você pense assim,” Dagra disse, “mas você acha que poderia expressar seu prazer com um pouco menos de barulho?”

“Ah, vamos lá, Dag. Aquele incidente na caverna foi há muitos anos.”

“Sim, foi! Sete, para ser preciso. E não preciso de você me lembrando sobre isso mais uma vez, muito obrigado.”

Oriken zombou. “Não se preocupe com tetos desabados e entradas bloqueadas, você continua gritando e acordará os mortos.”

Dagra estremeceu, cerrou os dentes e lançou um olhar muito zangado para Oriken.

“Tudo bem, crianças,” Jalis disse asperamente. “Guardem os jogos até voltarmos para a charneca. Vocês podem brincar por todo o caminho para casa, se quiserem, mas vamos apenas fingir um pouco de decoro enquanto estamos aqui, como freeblades profissionais.” Ela olhou para Dagra. “Lidere.”

Ele estabeleceu um passo cauteloso para o corredor. A lamparina gotejava à medida que ele a balançava de lado para o outro para espiar os recessos dentro das paredes em intervalos regulares. Sombras tremulavam por toda parte como espectros se encolhendo do alcance da luz. Pedaços diversos de pedras preciosas atraíam a luz da lamparina para dentro das alcovas e nos pódios ao longo do centro da passagem; ele reconheceu obsidiana, pedra estrelada, lápis-lazúli, olho de gato, nuvens de raios e vários outros pedregulhos bonitos, mas não tão preciosos. Uma pedra do sol rajada de carmesim chamou sua atenção no fundo de uma das alcovas. Ele se aventurou para dentro para olhar de perto. A gema estava posicionada na altura da cintura no centro da laje de granito que alcançava dos joelhos até o peito de Dagra, duas vezes mais larga do que era alta, com os lados calçados firmemente nos cantos dos pilares. Ele segurou a pedra do sol para soltá-la, mas estava firmemente embutida no granito.

Palavras e datas circulavam a gema. Dagra se aproximou mais, mas as letras esculpidas estavam em Himaeriano Antigo e quase ilegíveis. Com um aceno de cabeça, ele retornou para o caminho.

Quando ele passava por um pódio central, a luz da lamparina caiu sobre marcas de arranhão na poeira vários passos à frente. Ele aproximou-se e agachou-se para espiar as marcas no chão cheio de poeira. Oriken e Jalis se agacharam em cada lado. “Parece que não somos os primeiros aqui,” ele disse.

“Provavelmente apenas ratos,” Oriken disse, recebendo uma sobrancelha erguida de Jalis. “Ratos realmente grandes?” Dagra lançou um olhar fulminante para ele. “Tudo bem!” Ele deu de ombros. “Um nargute então. Provavelmente tem uma toca aqui embaixo em algum lugar.”

“Não ratos.” Havia uma nota de preocupação na voz de Jalis. “E não um nargute, Orik, mas obrigada pelas sugestões. Seja o que for, precisa ter duas pernas. Talvez um cravante. Mas creio que todos concordamos que é improvável já que o cemitério está fechado.”

“Menos provável do que um nargute?”

Jalis fechou os olhos. “Esqueça seu nargute. Irei pegar um para você mais tarde, se você quiser. Você pode amarrar uma corda ao redor do seu pescoço e mantê-lo como um animal de estimação para a viagem de volta para casa.” Franzindo os lábios, ela acrescentou, “Provavelmente vale a pena mencionar que estas pegadas estão longe de serem frescas.”

“Quantos anos você acredita?” Oriken perguntou.

“Considerando que esta cripta provavelmente não foi limpa desde a sua Grande Insurreição… Quando foi isso? Os primeiros quatrocentos?”

“Perto o suficiente,” Dagra disse, mantendo um olho na escuridão ao redor deles.

Jalis levantou-se e Dagra e Oriken seguiram seu exemplo. “Neste caso,” ela disse, “estamos olhando para dois ou três séculos de poeira aqui.”

“Huh,” Oriken disse. “A poeira não teria coberto as pegadas após tanto tempo?”

“Não necessariamente. A camada nesta cripta não é particularmente grossa como você encontraria em uma casa não limpa após tantos anos. As pegadas poderiam ter décadas.” Os cantos dos seus lábios curvaram em um sorriso triste. “Dagra, certamente comece a rezar que aquela suposta joia funerária ainda esteja aqui. Orik, você pode desejar para as estrelas e as luas, se isso lhe agradar. Da minha parte, depois da nossa longa viagem até esta extremidade do fim do mundo, estou ansiosa para garantir uma recompensa para nós. Mas se alguém nos derrotou…”

“Não vamos tirar conclusões precipitadas,” Dagra disse. E eu estava começando a me acostumar com a ideia de que, talvez, nós encontrássemos a joia no final das contas.

As moedas de prata do contrato iriam garantir refeições quentes e canecas cheias por um ano inteiro, para todos os três. Até mesmo a parte de Maros como Oficial da Guilda lhe renderia um bom lucro. Era um trabalho que nenhum deles poderia se dar ao luxo de deixar passar.

Eles retomaram o avanço mais profundo no corredor. Mais uma vez Dagra assumiu a liderança com a lamparina, seguindo as trilhas de poeiras desbotadas, verificando as alcovas à medida que eles passavam. Ele fazia uma busca rápida por sinais da joia funerária, mas elas não continham nada além de lajes semelhantes de granito e pedras preciosas de pouco valor.

“Sabe,” Oriken disse, dando uma coçada preguiçosa na barba, “Notei uma coisa sobre esta cripta mortuária. Desde aquele corredor lá atrás, mal vi sinal de teia de aranha. A não ser que o teto lá em cima esteja cheio delas; felizmente mal podemos vê-lo para descobrir.”

Dagra olhou para Jalis. “O homem tem um ponto.”

“É quase como se…” O rosto de Oriken fixou-se com uma concentração interna.

Dagra deslocou seu peso. “Sim?”

Oriken levantou as mãos em derrota. “Não sei o que é, quase como se. De qualquer maneira, alguma coisa.”

“Obrigada por este discernimento,” Jalis disse. “Quem precisa de um oráculo quando temos um Oriken?”

“Esqueça isso.” Ele puxou a aba do chapéu uma fração, ficando em silêncio enquanto eles continuavam a entrar na cripta.

Para Dagra, a escuridão opressiva tornava-se cada vez mais asfixiante quanto mais eles avançavam. Ele passou a parte de trás da manga pelo suor que brilhava em sua testa e deu um puxão no colarinho já afrouxado. O teto era quase invisível aqui; apenas algumas linhas cinzas e manchas que sugeriam pedras de corte grosseiro e vigas mestras bem acima, mas o espaço aberto esmagava-o mais do que o corredor apertado. A última coisa que ele queria era ficar preso no lado errado de um desmoronamento de rochas, sem nenhum lugar para fugir enquanto os fantasmas dos falecidos há muito tempo se infiltravam das paredes, suas luzes fantasmagóricas se aproximando cada vez mais…

“Lugar profano,” ele resmungou, reprimindo um tremor.

Mesmo assim, ele estava feliz por ser ele segurando a lamparina. Ele imaginou Jalis se posicionando na retaguarda e em silêncio, admirou sua coragem. Confiando nele para ser seus olhos, isso era algo estranho, com certeza.

Você tem mais coragem do que eu, moça. Irei lhe conceder isso.

Seus olhos estavam nas lajotas cobertas de poeira quando algo se moveu no limite da sua visão. Ele congelou, um suspiro alojando-se na sua garganta. O alcance da luz da lamparina caiu em um punhado de formas sombrias se contraindo que se arrastavam para o caminho a partir de uma alcova à esquerda. Ele se atrapalhou com sua espada, os dedos esquecendo seus anos de treinamento, mas o gládio estava meio fora da sua bainha antes que ele reconhecesse as formas pelo que elas realmente eram e ele soltou um suspiro ruidoso de alívio.

Deuses, eu não precisava disso. Era somente escombros, uma placa quebrada de granito caída do seu nicho, nem agachada nem à espreita. Apenas um truque de luz e sombras. E imaginação, ele acrescentou em reprovação. As formas não estavam se movendo nem um pouco.

Ao se aproximar dos escombros, ele notou com preocupação que as marcas de arranhões que eles haviam seguido levavam diretamente para a pedra esmagada e se reuniam em um aglomerado. Ele olhou para Jalis. Ela assentiu em aquiescência à pergunta não formulada. Apoiado pela sua coragem silenciosa, Dagra entrou na alcova, os fragmentos estilhaçados de granito esmagando sob suas botas. Seus olhos examinaram a pequena área, atraídos para o nicho no fundo, de onde a placa havia caído. Na sua ausência havia uma parede grossa de teias de aranha. Aranhas poderiam ter se esgueirado mais profundamente, mas era impossível de dizer; os fios densamente agrupados pareciam absorver o brilho da lamparina, sugando-o, sem revelar segredos.

Sua atenção foi atraída para o canto superior direito da cavidade oblonga. Uma área escura de fungos de aparência frágil se agarrava à pedra, exatamente como a coisa que cobria as árvores no cemitério. Um aglomerado de cistos pálidos com veias finas e carmesins aninhadas em cima da mancha mofada Dagra se aproximou mais para inspecionar os crescimentos curiosos. Levantando um dedo para o cisto maior, ele tocou-o gentilmente. Com um pop suave, a membrana seca explodiu em uma nuvem de poeira. Ele recuou quando um cheiro pungente encheu suas narinas, mas a nuvem já tinha quase desaparecido. Ele espirrou e levantou-se rapidamente. Recuando, ele fez uma careta para a parede de teias de aranha, os crescimentos fúngicos, os escombros espalhados e a poeira agitada.

Isso não é maneira de passar a vida depois da morte, ele pensou, nauseado com a perspectiva de ser deixado em um buraco para apodrecer em vez de ser queimado até os ossos. Eles eram selvagens durante os Dias dos Reis, eles realmente eram. Corpos deveriam ser queimados, tinham de ser queimados para libertar os espíritos para sua jornada para Kambesh.

Espíritos …

Um odor leve e de movo flutuou da cavidade cheia de teias de aranha. Ele estremeceu e reuniu-se com seus companheiros.

“Algo interessante?” Oriken perguntou.

Dagra lançou um olhar significativo para ele. “Nada sobre o que você queira saber.”

“Aranhas.” Oriken fez uma careta. “Se for aranhas, apenas diga aranhas. Prefiro saber do que não.”

“Não vi nenhuma aranha.”

Oriken parecia reservado. “Muito justo.”

“Mas…”

“Mas o quê?”

“Você sabe por que não há nenhuma teia de aranha aqui?”

Oriken semicerrou os olhos em antecipação as próximas palavras de Dagra.

“Creio que eu as encontrei.” Dagra empurrou um polegar por cima do ombro. “Elas estão todas reunidas naquele buraco. Assim parece, de qualquer maneira.” Oriken gemeu e Dagra deu de ombros inocentemente. “Ei, você perguntou.”

“Sim, mas há informação e há informação demais. Você não conseguiu resistir a acrescentar o mas, não é?” Oriken empurrou um dedo para ele. “Minha vez na próxima vez.”

Dagra forçou um sorriso tenso. O gracejo ajudou um pouco a combater seu atual estado de espírito.

Um pedregulho de pedra de sangue chamou sua atenção nos escombros espalhados. Ele se inclinou, pegou-o e esfregou-o na calça. Um ovalado verde escuro suave, coberto de manchas escarlates brilhantes.

Sem valor, mas uma peça bonita. Não é mais parte de um túmulo, Dagra argumentou, justificando a moralidade de pegá-lo. Talvez eu pudesse conseguir com que o ferreiro o colocasse no cabo do velho gládio. Algo para lembrar a viagem, ele pensou amargamente, enfiando a pedra de sangue no bolso da calça.

“Estas bugigangas são quase inúteis,” ele disse baixinho, “mas que tipo de ladrões comuns deixariam tantas para trás? Algum de vocês viu sinais de manipulação além desta placa?”

Oriken franziu o cenho. “Agora que você mencionou isso, não. Mas se alguém esteve aqui embaixo, eles poderiam estar atrás da mesma coisa que nós. Poderiam até ter sido freeblades. Nunca se sabe.”

Jalis balançou a cabeça. “Só que ninguém atravessou as Terras Mortas em séculos.”

“Supostamente,” Dagra disse.

Oriken deu de ombros. “Talvez nossa cliente contratou mais alguém antes de nós e este túmulo é onde eles encontraram a joia.”

Jalis chutou um pedaço de entulho. “A placa abrigava uma pedra preciosa do mesmo tamanho que as outras por aqui.” Ela lançou um olhar rápido e astuto para Dagra. “Nenhuma que vimos até agora é grande o suficiente para ser a joia que estamos procurando.”

Oriken assentiu de soslaio para a alcova. “Talvez estivesse enterrada com o corpo em vez de estar fixada ao granito.”

Jalis parecia em dúvida. “Estas pessoas se empenharam para cobrir este lugar com pedras preciosas. Qual seria o objetivo de selar a joia onde ninguém pode vê-la?”

Dagra balançou a cabeça e disse a Oriken. “Mesmo se a joia estivesse ali, você não deu uma olhada naquela teia de aranha. Está intacta. E grossa. Seja quem for que removeu a placa não se deu ao trabalho de ir mais longe. Ou, se fizeram isso, tudo aconteceu há muito tempo, como Jalis disse.”

Os olhos de Oriken eram profundezas de sombra sob a aba do seu chapéu enquanto ele arriscava um olhar para o recesso. “Dificilmente posso culpá-los por não entrar ali. Aquela teia de aranha seria algo que colocaria tudo a perder para mim também. Apenas tente me fazer arrastar para um buraco cheio de teias de aranha. Não vai acontecer. Nem mesmo por um saco cheio de dari de ouro.” Ele enfiou um polegar atrás do cinturão da espada. “Nem por todo dari em Himaera. Sem chance.”

“Deuses!” Dagra empalideceu. “Espero que a joia não esteja guardada na parte de trás de um destes buracos, com algum pobre imbecil cujo cadáver foi deixado para apodrecer e cuja alma está presa no limbo e nós temos de entrar e vasculhar…”

Jalis estalou os dedos no rosto de Dagra. “Cai na real. Continue com esta bobagem e irei ajudá-lo a agilizar uma cura para sua fobia.”

“Huh?” Dagra franziu o cenho em confusão, em seguida acompanhou o olhar dela para o buraco cheio de teias de aranhas. Ele olhou de soslaio para ela e ela assentiu enquanto ele se afastava mais do recesso. “Você não faria isso.”

Ela segurou um dedo nos lábios. “Então cale-se, Dag. Vocês dois.” Olhando de Dagra para Oriken, ela baixou o olhar para as marcas de arrastar na poeira. “Odeio mencionar, mas estou percebendo mais alguma coisa sobre estas pegadas.”

Dagra suspirou, “Há uma chance de que isso possa ser uma boa notícia para variar?”

Jalis lançou o esperado olhar sarcástico para ele.

“Vá em frente então, desembucha.”

“Você estava em alguma coisa quando disse que não vimos sinais de pilhagem. Isso me fez pensar. Se alguém esteve aqui, deveria haver pelo menos dois conjuntos de pegadas. Um conduzindo para dentro, um saindo de volta. Mas além das nossas, eu só vi um conjunto de pegadas.”

Oriken parecia cético. “Você acredita que seja quem for que esteve aqui embaixo não saiu? Que eles… o que, morreram aqui? Oh! Você quer dizer que deve haver outra saída!”

“Este foi o meu primeiro palpite. Mas se houvesse outra entrada para este lugar, não está indicado no mapa. Mas isso está além do ponto. Veja.” Ela apontou ao longo do lado mais distante dos escombros e Dagra balançou a lamparina para iluminar a área. “As trilhas param aqui,” Jalis disse sombriamente.

Era verdade, Dagra viu. A poeira além permanecia intacta. Ele esfregou um polegar na barba enquanto uma sugestão sombria começava a se instalar em sua mente. Ele olhou para Jalis com um olhar cauteloso e um aceno de cabeça. “Não diga isso.”

“Isso não era alguém descendo até aqui,” ela disse. “Foi alguém indo embora.”

“Você tinha de dizer isso, não é?”

Oriken cruzou os braços. “Isso apenas fica cada vez melhor.”

Jalis apenas deu de ombros desconsolada.

“Pelo amor dos deuses,” Dagra rosnou. “Nós estaremos nos assustando tolamente antes de sequer encontrarmos a maldita joia. Vamos apenas continuar procurando.” Ele pressionou os lábios juntos e olhou para seus companheiros enquanto sacava o gládio da sua bainha.

Oriken inclinou a cabeça e desembainhou seu sabre.

Jalis verificou as adagas em sua coxa e quadril, mas ela as deixou em suas bainhas. “Concordo,” ela disse. “Mas saber o que podemos estar enfrentando somente pode nos dar uma vantagem.”

Dagra grunhiu. “Você não vai dizer isso quando a vantagem for eu cagando na minha calça.”

Eles continuaram mais fundo na câmera funerária, fazendo uma verificação superficial em cada alcova que passavam até que eles finalmente chegaram ao final da cripta. Diante deles, um retângulo alto de granito foi colocado no centro da parede, estendendo-se do chão até mais alto do que a copa do chapéu de Oriken. Uma linha de pedestais na altura da cintura percorria ambos os lados ao longo da parede; em cada um descansava uma coleção de pedras preciosas empoeiradas.

Seu queixo caiu quando ele viu a característica central. Situado dentro do granito ao nível dos olhos de Dagra havia uma joia de corte primoroso, duas vezes o tamanho do seu pulso. Pela Díade, a velha Cela não estava nos enganando. E ela também não estava exagerando.

Uma faixa de prata envolvendo a circunferência da joia, mantendo-a bem presa dentro do seu estojo de pedra. Rosas e verdes suaves volteavam pela superfície multifacetada da joia; reflexos da lâmpada a óleo cintilando.

“Doce Khariali,” ele sussurrou, invocando o nome da deusa primitiva das pedras preciosas e metais.

“Doce Khariali, de fato,” Oriken repetiu. “Lá está o nosso bebê!”

“É linda,” Jalis sussurrou.

Dagra colocou a lamparina no pedestal mais próximo, empurrando para o lado as pedras preciosas que ele continha, em seguida recuou. Poderia ter sido sua imaginação ou poderia ter sido a maneira como a luz brilhava das miríadas das faces da joia, mas parecia emanar um calor que não era físico, mas uma calma que tocava não a pele, mas a alma. Pode ter sido usada como uma pedra funerária, mas não pertencia a esta cripta mais do que o próprio Dagra pertencia aqui. Ele ficaria feliz em levá-la com ele.

“Estava esperando algo como um diamante,” Jalis disse com reverência. Ela deu um passo à frente para traçar a ponta do dedo pela superfície angular. “Mas isso não é um mero diamante ou eu sou uma mocreia.”

Ela tem direito a isso, Dagra pensou. A joia fez os poucos diamantes pequenos que tinha visto parecerem tão simples quanto vidro.

Em letras pesadas e ornamentadas acima da joia, as palavras Lajdie Cunaxa Tjiddarei foram esculpidas juntamente com as datas 152 e 225. Símbolos antigos estavam misturados com um texto Himaeriano Antigo e Sosarran Médio ao redor da joia em círculos concêntricos. Dagra imaginou que as palavras poderiam ser uma prece ou provavelmente uma declamação das realizações da senhora.

“Ela morreu há muito tempo antes da praga,” Oriken comentou.

“Provavelmente a primeira da sua linhagem,” Jalis disse. “Ou a primeira a alcançar a proeminência, de qualquer maneira. Sua posição no ponto mais distante da cripta sugere que ela foi a primeira a ser enterrada aqui.”

“Como os construtores sabiam quantos Chiddaris haveriam?” Oriken perguntou. “Todos os nichos parecem ter túmulos neles. Esta é uma suposição muito boa.”

“Acredito que somente os indivíduos importantes tinham uma vaga na cripta mortuária da família. Provavelmente o resto era enterrado na superfície. Além disso, se examinarmos os primeiros nichos, imagino que vamos descobrir que eles não foram usados como tal, mas apenas reservados.”

Dagra resmungou. “É uma pena que a velha Cunaxa aqui não foi a última a ser enterrada. Poderia ter nos poupado de caminhar pela extensão deste corredor amaldiçoado.”

“Imagino que se ela estivesse mais próxima da entrada,” Oriken disse, “então não seria ela procurando pela joia da família, não é?”

Dagra lançou um olhar frio para ele antes de voltar sua atenção para o prêmio deles. Ele apontou para um grupo de símbolos esculpidos no texto ao redor da joia. “Aqui estão algumas daquelas runas sobre as quais você fica empolgada, Jalis. Como aquelas na minha espada.” Ele segurou a lâmina larga do gládio na luz, indicando as inscrições escuras que percorriam sua extensão. “Attic algo-ou-outro, certo?”

“Antik rukhir.” O sotaque Sardayan de Jalis emprestou às palavras antigas um diferencial místico, enfatizando o k no final de antik com um ruído agudo da língua e rolando o r no final de rukhir. Ela se aproximou mais para inspecionar as runas. “A linguagem da Era Umbral nunca para de me surpreender. Tantas variações regionais que parecem ter evoluído completamente separadas umas das outras e, no entanto, mantiveram elementos comuns reconhecíveis. Estamos falando sobre milhares de anos atrás, antes que os primeiros escaleres atravessassem o Canal Ardente e, no entanto, antik rukhir era tão prevalente em Himaera quanto no continente Sosarran. E é anterior a todas as tribos antigas.”

Oriken deu de ombros. “Quem se importa? Eu disse isso quando você viu as runas pela primeira vez na espada de Dagra. Claro, é uma arma interessante, mas por que ficar toda empolgada sobre uma linguagem morta?”

“Não sei qual é o maior tesouro,” Jalis suspirou, com um sorriso irônico. “A joia ou sua compreensão incomum.”

“Tudo que estou dizendo é que temos a joia e vale muito mais do que Cela Chiddari está nos dando. Até eu consigo ver isso.”

“Todos nós concordamos que encontramos uma pequena fortuna,” Dagra disse, “mas quem tem o dinheiro para nos pagar o que realmente vale? Certamente ninguém que eu conheço. Quinhentas moedas de prata não devem ser ridicularizadas.”

Jalis assentiu em concordância e olhou para Oriken. “Além disso, estamos comprometidos pelo código. Até Orik não ignoraria as regras da guilda.”

Oriken deu um leve giro em seu chapéu. “Claro que não. Nem pense nisso. Mas estas regras cobrem como remover uma joia valiosa que está incrustrada em um pedaço sólido de granito? Eu preferiria entregar a coisa em uma única peça, se possível.” Dagra deu de ombros e olhou para Jalis, que balançou a cabeça. “Quero dizer,” Oriken continuou, “não é como se tivéssemos um martelo e um cinzel, é?”

Jalis murmurou uma maldição. “Em retrospecto, algo de um descuido.”

“Então como vamos tirá-la?”

“Nós usamos nossas espadas.” Dagra apontou para as armas na cintura de Jalis. “As suas seriam melhores para a tarefa, garota.”

Jalis riu. “Você está fazendo uma piada, sim? Não arruinaria minhas espadas, não importa seu valor.” Ela deu um tapinha na adaga longa de lâmina preta em seu quadril e a adaga fina de prata em sua coxa. “Dusklight e Silverspire são mais do que apenas armas ou ferramentas. Elas são obras de arte e insubstituíveis.”

Dagra suspirou e embainhou seu gládio. “Tudo bem. Deixe isso comigo.” Ele fez um gesto para Oriken se virar. Oriken o fez e Dagra desamarrou a algibeira lateral da sua mochila e vasculhou o interior, tirando a faca de caça de lâmina curta.

“Esta não é nenhuma faca sofisticada com um nome,” Dagra disse a Jalis, arqueando uma sobrancelha. “Um bom e velho pedaço sólido de aço que Orik tinha desde que éramos crianças.”

“Na verdade, eu dei um nome para ela,” Oriken disse, um brilho em seus olhos. “Chamei-a de Akantu em homenagem ao patrono das criaturas inferiores.”

“Não,” Dagra disse. “Você não fez isso. E você não deveria zombar dos deuses, muito menos nesta cripta.”

Oriken zombou. “Patronos não são deuses. Eles são homens e mulheres, não são diferentes de… bem, não são diferentes de mim e Jalis.” Ele deu um grande sorriso a Dagra.

“Vá se foder,” Dagra sugeriu.

Ele colocou a ponta curvada da lâmina na fresta entre o granito e a prata e começou a alavancá-la para frente e para trás, trabalhando com cuidado ao redor da circunferência da joia.

“Não escorregue,” Oriken disse.

“Duvido que sua faca possa danificar a joia,” Jalis disse. “É por isso que não vou manchar minhas lâminas nela. Parece mais forte do que um diamante.”

O coração de Dagra acelerou quando a faca de caça escorregou sobre a faixa de prata. Sua ponta afiada oscilou pela joia, emitindo um grito estridente.

“Pelas pedras de Cherak, Dag!” Oriken disse. “Você está tentando perder nossa recompensa?”

Dagra estufou as bochechas e soprou enquanto seu nervosismo começava a acalmar. Ele pensou que havia arruinado o prêmio deles, mas não havia o menor risco em nenhuma das superfícies angulares da joia.

Jalis suspirou. “Obrigada por testar minha suposição, Dagra,” ela disse categoricamente. “Creio que podemos considerar o ponto comprovado.”

Havia um leve tremor na mão de Dagra quando ele inseriu a ponta da faca de volta na ranhura. Ele girou a lâmina e o arranhar do aço na pedra sussurrou pelo corredor escuro.

“Você acredita que é mágica?” ele perguntou.

Oriken deu uma gargalhada. “Não seja ridículo.”

“Talvez tenha encantamentos entremeados nela. Lembra daquela garota em onde foi?” Dagra franziu o cenho enquanto mencionava a lembrança nebulosa. “Aquela que Maros resgatou?”

“Dificilmente diria que ele veio em seu socorro,” Oriken disse. “Ela foi perseguida por abelhas após perturbar um ninho.”

“Dag tem um ponto,” Jalis disse. “Aquela garota usou magia para fazer um carvalho voltar a ser uma muda.”

“Assim nos disseram.”

Dagra arrepiou. “Bem, eles a levaram para o Arkh depois disso, portanto deve haver uma verdade nisso.” A joia estava começando a se soltar.

Oriken zombou. “Se eu visse com meus próprios olhos, eu acreditaria. Não considero tudo que ouço como verdade.”

“Eu sei.” Dagra suspirou.

“Ela era uma fada-de-nascença, Orik,” Jalis disse baixinho. Dagra podia sentir seu hálito quente em seu pescoço enquanto o observava trabalhar. “Diga o que quiser sobre algumas outras coisas, mas posso lhe assegurar que fadas-de-nascença realmente existem.”

Oriken não respondeu e a conversa cessou. Enquanto Dagra trabalhava, sua imaginação também. Em sua mente, ele viu novamente a cova do enterro exposto cheio de teias de aranha. Em algum lugar atrás da parede sedosa jazia um parente retorcido e murcho da sua cliente. E por trás da placa em que ele agora trabalhava, jaziam os ossos da ancestral mais antiga de Cela, Cunaxa.

Um esqueleto agora, ele garantiu para si mesmo. Apenas ossos. Nada a temer. Ele alavancou a lâmina para frente e para trás e com uma torção final a joia funerária deslizou da pedra…

As órbitas dos olhos preenchidas com teias de aranha olhavam para ele. Em mudo horror, ele encarou de volta. O abrigo da joia agora emoldurava as feições afundadas de Lady Cunaxa Chiddari, cobertas com fios de seda e espiando através da fresta. A pele se esticava sobre o crânio como couro fervido, com tufos de cabelo fundidos na carne mumificada. A testa e as maçãs do rosto estavam enfeitadas com crescimentos escabrosos e o ricto terrível e sem lábios sorria para ele como se deleitado por ter companhia após longos séculos de solidão. Seus dentes enegrecidos se deslocaram e quebraram. Horrorizado, Dagra observava enquanto as teias se rasgavam e a boca se esticava mais e a mandíbula escorregou atrás da placa e caiu no chão com um ruído surdo.

“Gah!” Dagra saltou para trás, proferindo os nomes da Díade na esperança de que eles o tirassem do corredor pagão e o levassem de volta para a charneca. Bile subiu em sua garganta enquanto ele desviava o olhar do crânio encarquilhado.

“É apenas um cadáver, Dag,” Jalis disse baixinho.

“Ele se moveu!”

“Você perturbou sua posição, só isso.”

Saliva nadava em sua boca. Ele a engoliu. “Sim. Apenas um cadáver. É claro. Um cadáver, é claro!” Ele emitiu uma risadinha breve, mas maníaca. Captando os olhares divertidos dos seus amigos, ele pigarreou e se recompôs.

A joia estava nas mãos de Oriken. Ele a segurou no alto e olhou para ela, sem sentir medo do cadáver medonho que os observava. Jalis pegou a lamparina do pódio e a segurou perto do ombro de Oriken. A luz brilhou da superfície multifacetada da joia. Sua frente era circular, a faixa de prata apertada ao redor da circunferência, aparentemente forjada no lugar. De lado, a joia era mais plana, mas avolumava-se no centro ao redor de um núcleo sombreado que se quebrou em prismas na luz da lamparina. O ponto escuro fez Dagra se lembrar de ovos de gema preta do balukha do anoitecer ou um borrão de tinta dentro de uma escultura sólida de vidro. Ele estava começando a corrigir sua avalição sobre o valor estético da joia.

Oriken passou a mão pela parte de trás da joia. Seu rosto franziu em desgosto. “Vamos ter de dar uma esfregada nela mais tarde. Tem um pouco do rosto dela preso na joia.”

O estômago de Dagra revirou-se e seus joelhos cederam. Ele agarrou-se ao pódio ao lado dele em busca de apoio.

Jalis abriu sua mochila e passou um cobertor para Oriken. Ela segurou a mochila aberta enquanto ele embrulhava a joia e a enfiava dentro da mochila. Ela puxou o cordão firme e deu um nó, prendeu as alças da mochila e a pendurou no ombro.

“É melhor que seja sua roupa de cama e não a minha,” Dagra disse a ela. Quando soltou o pódio, seu olhar pousou na cabeça sem olhos, nariz e agora sem mandíbula de Cunaxa. Enquanto ele encarava zangado a matrona Chiddari, a cabeça deslocou-se novamente.

“Doce mãe dos profetas! Não me diga que aquilo não aconteceu!” A cabeça estava inclinada de viés, como uma criança atenta e curiosa para saber do que se tratava a comoção.

“Você pode soltar meu braço agora, Dag,” Jalis disse.

Ele murmurou um pedido de desculpas e cambaleou para a parede, apoiou-se nas pedras e vomitou. Quando acabou, ele passou a manga na barba e virou-se para ver Jalis e Oriken olhando para ele sombriamente, seus rostos inundados pelo brilho da lamparina.

Dagra forçou uma risada. “Não sei de onde isso veio.” Ele recusou o lenço oferecido por Jalis. “Não. Estou bem, sério. Apenas um…” Ele podia sentir o cadáver olhando para ele, mas manteve sua atenção firmemente em Jalis. “Temos o que viemos procurar. Vamos dar o fora daqui. Não faz sentido demorar, certo?”

Jalis assentiu e virou-se para ir embora, mas Oriken colocou uma mão em seu ombro. “Por que não nos mimamos com alguns extras na saída?” Ele apontou para as pedras preciosas em cima dos pedestais e nos recessos onde as pedras preciosas piscavam das sombras. Enquanto Jalis considerava suas palavras, ele pressionou o ponto. “Deveríamos, pelo menos, levar as que estão nestes pedestais para nossa cliente já que elas obviamente vêm como um pacote com a joia. Certo? Se ela não as quiser…” Ele deu de ombros.

Jalis não pareceu convencida.

“Caminhe e fale,” Dagra disse. Ele pegou a lamparina de Jalis e seguiu pelo corredor, seus amigos acompanhando para seguir a única fonte de luz.

“O contrato não menciona nada além a joia,” Jalis disse. “Se levamos mais, nossas ações poderiam ser consideradas um sacrilégio.”

Dagra cuspiu um palavrão. “Este lugar inteiro é irreverente.”

Oriken zombou. “Como pode estar bem roubar o maior tesouro, mas errado levar os menores?”

“Ei,” Jalis disse, “Não faço as regras.”

Oriken suspirou. “Não é como se Dag não tivesse embolsado uma pedra.”

“Oh, sua criança!” Dagra virou-se. “Sério? É uma ninharia sem valor! Um pedregulho bonito de um túmulo saqueado!”

Jalis resmungou baixinho. “É isso o que você pensa, Dag ou é o que você espera?”

“Não comece com isso novamente. Agora não. Vamos apenas voltar para casa, voltar para a riqueza e um banho quente.”

“Você não conseguirá nenhum argumento de mim aí,” ela disse. “Orik, os túmulos nesta cripta pertencem aos ancestrais da nossa cliente. Se perturbamos qualquer um deles ao remover suas pedras preciosas – a maioria das quais parece ser relativamente inútil de qualquer maneira, como Dagra diz – estaremos efetivamente roubando da própria Cela, independentemente das nossas intenções, por mais ostensivas que elas possam ser.” Ela olhou para Oriken intensamente. “Dagra encontrou sua pedra preciosa no entulho quebrado; ele pode mantê-la, mas deixamos o resto.”

“Você é o chefe,” Oriken disse com um suspiro. “Mas e a cidade?”

Jalis sugou o ar através dos dentes e olhou para ele de soslaio. “Vamos conversar sobre isso depois que deixarmos o cemitério. Já desperdiçamos mais de metade do dia.”

Oriken olhou para ela por um momento, mas não disse mais nada e a conversa caiu em silêncio enquanto eles refaziam seus passos através do longo corredor.

Dagra não poderia ter se importado menos sobre a pedra de sangue que ele pegou. Seus pensamentos estavam na joia funerária, determinado a trazer-lhes uma herança inesperada lucrativa de fato. Mas, ainda mais, seus pensamentos estavam na matrona da cripta, seu olhar sem olhos atento a partida deles do seu lugar de descanso.

Logo, a cova de sepultamento profanada tornou-se visível novamente. As marcas de arranhões, agora cobertas pelas pegadas de Dagra e seus companheiros, conduziam da laje quebrada até a escada…

Para distrair sua imaginação errante, Dagra disse, “Mas Orik tem um ponto. É uma ética questionável que podemos profanar um túmulo se é parte do nosso contrato, mas, caso contrário, é desaprovado.” Ele deu uma gargalhada abrupta e procurou no bolso a pedra de sangue. “Quer saber? Nem quero este pedaço de lixo. Pensei que poderia ficar bem no gládio, mas com o dinheiro que vamos ganhar eu poderia comprar uma das tetas brilhantes de Khariali se eu quiser.”

“Melhor as tetas de Khariali do que as pedras de Cherak,” Oriken gracejou.

Com um movimento do pulso, Dagra deslizou a pedra de sangue nas sombras e ouviu seu ruído ecoar pelo corredor.

“Dag.” Ao seu lado, os olhos de Jalis lançaram um sorriso. “Não disse que as outras criptas no cemitério não eram alvos viáveis, apenas a cripta de Chiddari. Todo este lugar já foi arruinado por uma deusa e abandonado por séculos. Alguns poucos mortais não podem consagrá-lo muito mais do que já foi feito.”

Dagra retribuiu o sorriso com um fraco. “Verdade. Mas não tenho certeza se estou interessado. Não é como se tivéssemos trazido uma mula conosco; qualquer coisa que encontrássemos, teríamos de arrastar por toda Colina Scapa e parte de Caerheath. Obrigado, moça, mas não. Apenas quero dar o fora deste maldito lugar morto e empoeirado e respirar um pouco de ar fresco, arruinado ou não.”

Oriken resmungou baixinho enquanto se arrastava atrás dele, mas se em concordância ou não, Dagra não poderia dizer e não se importava muito. Ele forçou seus pensamentos para a viagem de volta para casa e para passar o resto do ano em Alder’s Folly sem contratos longos e árduos, sem lugares subterrâneos escuros e sombrios e sem mais cadáveres.

Deuses, ele pensou. Por favor, sem mais cadáveres.

Capítulo Dez

Intrusos

Dagra soprou o sulco da lamparina para extinguir a chama, depois entregou para Jalis. Com um suspiro de alívio, ele saiu da cripta Chiddari para a vista melancólica do cemitério. A esfera vermelha de Banael estava dispersa através de uma cobertura de nuvens, sua parte inferior mergulhando mais perto do horizonte do que Dagra estava confortável. Ele lançou um olhar semicerrado para a estátua de Cunaxa.

Bem, senhora, ele pensou. Poderia dizer que outrora você foi uma grande beldade, só que acabei de ver sua mandíbula cair.

Riachos leves de névoa estavam escorrendo através das rachaduras do solo árido. Cachos de coisas lambiam e acariciavam as bases mofadas das lápides e rastejavam nos caminhos arruinados. Mesmo enquanto ele observava, a névoa estava se espalhando.

“Por quanto tempo ficamos lá?” Oriken perguntou, seus olhos na sombra suave sob seu chapéu enquanto olhava para o sol baixo.

“Horas,” Jalis disse.

“Não pareceu tanto tempo.”

“Talvez não para você,” Dagra disse.

Oriken voltou sua atenção para a cidade, estufou as bochechas e soltou um assobio baixo. “Deve haver um monte de tesouro lá. Só o castelo deve conter uma fortuna. Poderíamos nos abrigar em um dos prédios durante a noite. O lugar esteve abandonado por séculos; duvido que alguns dos proprietários se importaria.”

“Vamos lá, Orik,” Jalis disse. “Você é um homem ou catador? Não se esqueça que temos uma longa viagem de volta até o bolsão cheio de pântano mais próximo de civilização, além de mais alguns dias de viagem até voltarmos para Alder’s Folly. Não gosto de arrastar tesouros através de centenas de quilômetros e mais de campos infestados de pântanos, monstros e muito provavelmente mais do que não encontramos em nosso caminho até aqui.”

“Não estou falando sobre encher nossos bolsos e mochilas, apenas um punhado de lembranças. Não machucaria.”

Por um momento, Dagra se viu considerando o assunto. Ele quis dizer o que disse a Jalis sobre não estar interessado em saquear pedras preciosas de segunda categoria, mas quando olhava para a expansão da cidade era difícil não imaginar uma riqueza maior do que meros pedaços de pedras bonitas. Moedas provavelmente entulhavam o lugar. E joias com diamantes preciosos e safiras, esmeraldas e rubis. Ou armas, como seu próprio gládio antigo; as espadas curtas, de lâmina larga, raramente eram forjadas desde o fim da Grande Insurreição e Lachyla seria o melhor lugar para encontrar outro.

Gostaria de um segundo gládio, ele pensou, mas não tanto assim. Por mais angustiante que tem sido, não foi tão ruim quanto eu imaginei. Talvez amanhã, durante a luz do dia…

Ele balançou a cabeça para purgar a tentação e franziu o cenho para a névoa que se formava. “Deveríamos começar a nos mover antes que esta coisa se torne um problema.”

“Mas, ouça...”

Jalis lançou a Oriken um olhar de cautela. “Eu disse que discutiríamos isso mais tarde e nós iremos. Por enquanto, Dagra está certo. De volta à ponte levadiça.” Pegando o olhar de Oriken para o distante Portão dos Defuntos que separava o cemitério da cidade, ela apontou um dedo para o norte, para a charneca. “Aquela ponte levadiça.”

Eles desceram o caminho estreito que ligava a cripta Chiddari ao Caminho dos Defuntos central. Enquanto caminhavam, Oriken mantinha um monólogo sobre os tipos de tesouro que eles poderiam descobrir no castelo. Ele estava no meio do fluxo quando Jalis parou abruptamente e levantou uma mão para sinalizar uma parada.

“O que é?” Oriken perguntou.

“Diga-me uma coisa,” ela disse. “Quão confiante devemos estar que a cidade está deserta? Podemos presumir que todos os cidadãos de Lachylan morreram durante a praga?”

“Huh? É claro. Mesmos aqueles que escaparam estão mortos há muito tempo. Por que você pergunta?”

Jalis olhou por cima do ombro de Dagra para o cemitério nebuloso. “Então, você está dizendo que nós, três freeblades destemidos, somos as únicas pessoas aqui?”

Dagra franziu o cenho. “Conheço este tom e nunca é um bom sinal. Se você tem algo a dizer, apenas diga. Se não...”

O olhar distante de Jalis tornou-se pétreo. “Estava apenas me perguntando por que de repente parece ser a hora do luto em Gardine dessa Mortas.”

“Não faço ideia do que você...” Silenciado pela expressão de Jalis, Dagra acompanhou seu dedo que apontava. Oh, deuses, ele pensou. Não…

Figuras de aparência frágil estavam surgindo da névoa e moviam-se com indiferença entre os túmulos. Mais estavam se materializando na distância entre a névoa do solo, difícil de discernir das árvores enegrecidas e das lápides mais ornamentadas. Uma estava mais perto do que as outras – Dagra já havia olhado diretamente para ela e confundido com uma árvore baixa e retorcida. Balançava na brisa, seus membros esqueléticos estendidos diante dela como galhos e ramos que se esticavam.

“Por favor, me diga,” Oriken sussurrou enquanto olhava para as figuras cambaleantes, “que alguém solicitou uma visita guiada ao cemitério e esqueceu de mencionar.”

Aço assobiou quando Jalis sacou suas adagas. “Temo que não.”

“O que são elas?” Oriken perguntou.

Enquanto Dagra olhava para as formas parecidas com assombrações, a observação de Jalis na cripta Chiddari voltou para ele, que as pegadas somente se dirigiam em uma direção. Ele tinha presumido que outra pessoa esteve na cripta, mas se…

“Nós vamos,” ele disse. “Agora.”

Ele começou a correr ao longo do centro do Caminho dos Defuntos, com Jalis e Oriken seguindo logo atrás. A névoa estava rapidamente engrossando em uma neblina crescente e pesada, as nuvens acima se agrupando em mimetismo, escurecendo o começo da noite em um crepúsculo falso. Mais figuras estavam se aproximando das bordas mais distantes do cemitério, dirigindo-se lentamente, mas sem dúvida, para o Caminhos dos Defuntos.

Mais à frente do caminho, uma mão ressequida agarrou a borda de trás de uma cripta e uma figura grotesca apareceu à vista. O que restava da sua roupa havia se tornado um com seu corpo afligido pela praga, a carne escurecida pela idade agitando-se ao longo do tecido. O rosto afundado virou-se para Dagra. Seus lábios murchos e gengivas enegrecidas com lascas quebradas de dentes estavam abertos em um grito silencioso.

Ele desacelerou quando a criatura deu passos hesitantes na direção dele. Os raios de Banael atravessaram as nuvens por apenas um momento, caindo sobre o rosto apodrecido e aprofundando suas cavidades sombreadas. O cadáver levantou uma mão para proteger o rosto. Ele cambaleou na luz do sol, mas continuou seu avanço lento.

“Querida, doce Aveia,” Dagra suspirou. “Está morto. Eles estão todos mortos. Deuses misericordiosos, Cunaxa Chiddari realmente se moveu! Eu sabia! Ela se moveu e nós apenas ficamos ali conversando!”

Quando Oriken se aproximou, ele agarrou o braço de Dagra e apertou com grosseria. “Sai disso, Dag! Não encare boquiaberto. E use sua energia para correr em vez de ficar balbuciando.” Ele continuou correndo, suas pernas compridas levando-o rapidamente ao longo do amplo Caminho dos Defuntos.

A perspectiva de ficar para trás foi o suficiente para tirar Dagra do seu pânico crescente e incitá-lo a seguir em frente. Ele desviou os olhos do cadáver com olhar malicioso e bombeou suas pernas curtas mais rápido. Jalis alcançou e acompanhou o ritmo ao seu lado.

“Os mortos de Lachyla,” ele ofegou entre as respirações, “devem permanecer em Lachyla.”

“Os mortos em todos os lugares devem permanecer mortos,” Jalis disse. “Mas se você está certo, descobriremos em breve.”

Em todas as direções, o lugar estava se enchendo com as criaturas. Um gemido gutural começou da mais próxima; um sussurro úmido e crepitante como líquido espesso derramando sobre folhas crocantes. O barulho se intensificava à medida que mais mortos emprestavam suas vozes ao coro medonho. Em instantes, o cemitério soava com o murmúrio sibilantes dos seus habitantes.

A corrida saltitante de Oriken o levou rapidamente ao longo do caminho caindo aos pedaços, diretamente em direção a uma multidão de cadáveres. Quando ele saltou sobre uma lajota levantada, seu chapéu voou da cabeça. Ele o pegou no ar, caiu no chão correndo e fixou-o com firmeza novamente no lugar em que pertencia sem a menor pausa.

Apesar do horror nas imediações, Dagra deu uma gargalhada com Oriken se importando sobre seu chapéu enquanto o próprio Inferno irrompia ao redor deles.

Quando Oriken alcançou a horda, ele varreu seu sabre em um golpe alto e amplo para trás na linha de frente dos cadáveres, a lâmina curva mordendo seus rostos e pescoços. Desequilibrados pela força do golpe, eles cambalearam para trás e alguns caíram. Uma cabeça desperdiçada caiu de um pescoço fino como pergaminho e bateu nas pedras. Oriken bateu o guarda-mão do sabre no rosto do cadáver mais próximo, em seguida bateu a bota no peito de outro. Em instantes, o caminho estava limpo para Dagra e Jalis passarem. A palma de Dagra suava enquanto ele apertava o punho de couro do gládio. Ele trocou um olhar sombrio com Jalis e eles seguiram em frente.

O caminho e o solo estéril em ambos os lados se perderam sob o manto crescente da neblina, obrigando Dagra a desacelerar seu ritmo enquanto tropeçava sobre escombros soltos e pedras submersas. A neblina havia consumido as lápides mais baixas e as partes superiores das entradas das criptas que se projetavam como os arcos de navios que afundavam, suas estátuas de pedra ou metal servindo como figuras de proa sombrias. Os horrores esqueléticos e abominações apodrecidas se agitavam entre tudo isso como passageiros que se afogavam.

Oriken era um borrão de movimento na neblina que engrossava à medida que mais criaturas vagavam na direção do Caminho dos Defuntos. Ele picava e retalhava, socava e chutava em seu caminho até eles. Ele gritou por cima do ombro, mas as palavras ficaram perdidas para Dagra em meio ao clamor dos mortos. Esquivando-se da mão de um cadáver, Oriken o golpeou com um soco de viés de esquerda, quase derrubando-o, mas o cadáver deu um passo hesitante na direção de Dagra e parou. Curvou-se, suas feições arruinadas pareciam farejar o ar, sentindo-o.

Então Dagra estava em cima dele, varrendo o gládio em um brutal arco para cima. A lâmina cantou através da neblina e mordeu profundamente o antebraço levantado do cadáver, estilhaçando o osso. O apêndice quase cortado balançava inutilmente, os dedos se contorcendo em nos cachos de neblina quando a criatura teve a intenção de segui-lo, mas Dagra seguiu em frente, seu terror silenciado pela adrenalina furiosa. A visibilidade tinha praticamente desaparecido agora. A neblina o obrigou a desacelerar para pouco mais que uma corrida leve enquanto ele navegava os obstáculos escondidos das pedras de calçamento irregulares e outros detritos. Seus olhos disparavam de um lado para o outro enquanto ele tropeçava através da escuridão. Os mortos continuavam se movendo desajeitadamente, gemendo seu lamento profano.

“Lá!” Oriken gritou de algum lugar à frente. “O portão!”

Graças aos deuses! Dagra pensou. Quase lá.

Um cadáver apareceu diante dele. Ele soltou um grito, mas engoliu seu medo e bateu um ombro nele. O cadáver agitou-se para trás, mas endireitou-se. Permaneceu firme, bloqueando seu caminho.

O peito de Dagra ofegava enquanto ele olhava em repulsa. O outrora elegante vestido e forma vagamente feminina marcava o cadáver como uma mulher. Seus olhos eram uma bagunça de crostas de sangue sobre bochechas encovadas. Pústulas inchadas cobriam a cavidade da mandíbula perdida. Um cisto surgiu quando gorgolejou através do buraco da garganta. Dagra vomitou e o cadáver se pôs em movimento.

Ele arremeteu e empurrou o gládio em seu peito. Enquanto puxava a lâmina, a cabeça deu uma guinada para frente e explodiu, borrifando-o com seu ichor fétido. Ele jogou os braços para cima para proteger o rosto e cambaleou para trás.

Oh, deuses abençoados, tenho sua cabeça em cima de mim. Aveia, como eu merecia isso?

O cadáver sem corpo foi arremessado na névoa, substituído pelo perfil inconfundível de Oriken.

“Ha! Direto através do rosto!” Oriken sorriu e levantou o punho do seu sabre até o ombro em uma saudação fingida, a lâmina gotejando com sangue. Com uma piscadela para Dagra, ele apertou a aba do chapéu com um dedo e polegar manchados com sujeira.

Muito horrorizado para falar, Dagra assentiu com gratidão.

Outro cadáver surgiu da neblina atrás de Oriken. Dagra começou a emitir uma advertência, mas Oriken já havia captado a expressão em seu rosto; ele girou e atacou. O sabre cortou profundamente em sua garganta. Ele bateu a bota entre suas coxas com um triturar doentio. O cadáver colapsou, engolido pela neblina.

A Cidade Sinistra

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