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CAPÍTULO 3
ОглавлениеAurora Della Rosa
Larìs não tinha medo de atravessar a ponte suspensa. Ela procurou os olhos azuis-esverdeados de Aurora, que lhe davam toda a força e energia de que precisava. A conhecia há pouco tempo, mas confiava nela e em seus poderes esotéricos.
Larìs Dracu era originária da Transilvânia, uma região da Romênia, que no final da década de 1980 ainda era governada por um ditador comunista. Aos dezoito anos, ela já havia ganhado a fama de bruxa anticomunista e, para não cair nas mãos da polícia secreta do General Ceausescu, com muitas dificuldades chegou à Itália. Ela foi até um pequeno vilarejo na Ligúria, onde sabia viver uma adepta da mesma seita que a sua, que a ajudaria e guiaria em sua jornada para o nível mais alto, aquele além do sétimo, o do conhecimento universal. Quando chegou à casa de Aurora no dia do equinócio da primavera, ao meio-dia, percebeu que sua anfitriã a esperava na soleira, com a porta aberta. Ela não ficou surpresa, pois conhecia os poderes videntes da feiticeira. Sentiu que ela a observava com satisfação. Larìs era uma belíssima garota, com cabelos pretos brilhantes, presos para trás em um rabo de cavalo curto, olhos escuros, quase pretos, e traços faciais delicados. As linhas curvilíneas do seu corpo sugeriam, sob as roupas justas, uma perfeição de seios, nádegas e pernas que era rara de se ver. Na feiticeira, ela viu uma mulher de sessenta anos em excelente forma, com cabelos loiros levemente grisalhos e olhos que mudavam de cor, do azul ao verde, dependendo da luminosidade do ambiente. Seu corpo ainda tinha o vigor dos quarenta anos e sua pele era lisa, firme e sem rugas evidentes. Seu olhar era magnético e, quando seus olhos encontraram os de Aurora, Larìs sentiu um forte desejo sexual pela feiticeira. Aurora pronunciou algumas palavras em um idioma incompreensível para os mortais comuns. Ela não se expressou na língua occitana, típica daquela área fronteiriça entre a Itália e a França, mas a jovem era capaz de compreendê-la, pois havia aprendido aquele idioma quando criança, quando sua mãe a iniciou em práticas mágicas e esotéricas. Semants era a antiga língua dos adeptos, cuja origem se perdeu nos ecos do tempo, um idioma conhecido desde os tempos dos faraós egípcios por mágicos e xamãs, mas que tinha origens ainda mais antigas. Larìs foi convidada por Aurora a entrar na casa e foi conduzida a um salão quadrado. Uma das paredes do salão era inteiramente ocupada por um espelho, o que dava a impressão de que o cômodo era muito maior do que realmente era, enquanto nas outras três paredes havia estantes, que abrigavam muitos livros e manuscritos e alguns vasos de porcelana, do tipo usado antigamente em farmácias e lojas de ervas.
Larìs ficou especialmente encantada pelo piso, em mármore altamente polido de diferentes cores, amarelo, turquesa e verde-esmeralda. Com os azulejos coloridos, como se fosse um mosaico, havia um desenho de um dos principais símbolos esotéricos, um pentáculo, uma estrela de cinco pontas inscrita em um círculo, por sua vez inscrito no perímetro quadrado da sala.
O símbolo do espírito, uma espécie de asterisco, desenhado no ladrilho pentagonal central, delimitado pelas linhas de cuja união se originava a estrela de cinco pontas, indicava o centro exato da sala. Em cada um dos outros setores em que o piso estava dividido pelas linhas e arcos do círculo, podiam ser reconhecidas algumas figuras, cada uma ligada à simbologia esotérica: a lua crescente e minguante, a lua cheia, a conjunção do sol com a lua no eclipse parcial e no eclipse total, e diversas outras. Larìs estava ao mesmo tempo fascinada e envergonhada.
‒ Na casa onde eu morava, na Transilvânia, havia um salão idêntico a este ‒ disse ela, dirigindo-se a Aurora na mesma língua em que a feiticeira havia falado pouco antes. ‒ O ladrilho central indica o local exato onde algo importante aconteceu no passado, algo infinitamente belo ou extremamente terrível. Minha mãe adotiva, Cornelia, costumava contar que, no local onde agora era nossa casa, há muitos séculos, um príncipe que desceu das montanhas dos Cárpatos, em uma noite de lua cheia, amou uma bela donzela e dessa união nasceu a criança que daria origem à nossa progênie. Mas, além dessa lenda, também estou ciente de que, ao pressionar para baixo a peça central, é acionado um mecanismo que revela uma sala secreta escondida atrás do espelho. Cornelia levava no pescoço uma corrente de ouro, na qual havia um anel com uma pedra em forma de pentáculo, que se encaixava perfeitamente em uma fechadura, escondida atrás de uma estante. Então, ela abaixava o ladrilho pentagonal, de modo que o espelho se movia, dando acesso à sala secreta. Ali estavam armazenados livros, manuscritos, pergaminhos, até mesmo muito antigos, que seus ancestrais lhe haviam transmitido e que eram o conhecimento ao qual ela concedia acesso àqueles que aspiravam a se tornar adeptos do sétimo nível.
‒ Pelo modo como você fala e pelo que percebo com meus poderes, sei que você já teve acesso a esses documentos e possui, como eu, os poderes e a sabedoria do sétimo nível, portanto, não é necessário que eu abra a sala secreta para você. Juntas, porém, poderemos trilhar o caminho que nos levará ao nível mais alto, o do Conhecimento Universal.
Enquanto falava, Aurora tirou um pouco de tabaco de um precioso recipiente de porcelana e colocou em dois papéis de seda, a fim de enrolá-los habilmente em dois cigarros. Ofereceu um a Larìs, depois acendeu um fósforo, aproximando-o primeiro do cigarro da jovem e depois do seu.
Respirando fundo a fumaça, Larìs percebeu que ao tabaco haviam sido adicionadas substâncias entorpecentes e estimulantes, mas ela já estava acostumada a fumar esse tipo de mistura. Se não estivesse, ela teria sido vítima da vontade da feiticeira, como em uma hipnose provocada tanto pela droga quanto pelos poderes ocultos de Aurora. Em vez disso, a droga estimulou nela o desejo sexual, e ela se aproximou de Aurora, se deixando beijar e acariciar. Terminados os cigarros, elas se despiram e se deitaram juntas no chão nu, até Larìs atingir o orgasmo.
‒ Agora que unimos nossos corpos, uniremos nossas mentes e nossas almas ‒ disse Aurora à garota ainda ofegante de prazer. ‒ Hoje é um dia especial, único, e devemos usar nossos poderes, unidas, para invocar o espírito de Artemisia, minha ancestral queimada na fogueira há exatos quatro séculos.
Larìs acompanhava o discurso com curiosidade, enquanto observava que a luz que entrava pela janela estava diminuindo e a lua cheia já era evidente no céu ainda azul do final da tarde.
‒ No dia 21 de março de 1589, há exatamente quatrocentos anos, Artemisia foi amarrada à estaca, fincada no chão bem ali, onde agora se vê o ladrilho pentagonal marcado com o símbolo do espírito. Hoje é o equinócio da primavera, e a lua cheia, em poucas horas, será obscurecida pela sombra da Terra em um eclipse total. É uma conjunção astral muito rara de ocorrer. Noite ideal para um Sabbath, mas não é isso que nos interessa. Você chegou aqui nesse momento, porque eu sozinha não teria forças para fazer o que estamos prestes a fazer.
Pegou então uma tesoura muito afiada e cortou cuidadosamente seus louros pelos pubianos até deixar a área genital completamente glabra. Ela os recolheu dentro de um cálice dourado e, depois, realizou a mesma operação em Larìs, coletando pelos muito mais escuros do que os seus. Em seguida, pegou ervas secas de alguns recipientes, incluindo um pouco do tabaco que haviam fumado antes, e misturou tudo, acrescentando um pouco de óleo, e então colocou cuidadosamente o cálice sobre o ladrilho central. Preparou mais dois cigarros, que elas fumaram, ainda nuas, até atingirem um certo grau de entorpecimento, quase ao ponto do transe. Enquanto isso, já havia escurecido e o grande círculo da lua brilhava no céu, sendo lentamente obscurecido pela sombra da Terra, naquele raro momento mágico de alinhamento dos três corpos celestes. No momento em que a lua ficou completamente encoberta e sua posição no céu era evidente apenas como um halo avermelhado, as duas mulheres nuas, sentadas no chão, uniram as mãos e os pés para formar um círculo ao redor e acima do cálice. Aurora pronunciou uma fórmula mágica:
‒ Has Sagadà, Artemisia.
A janela se escancarou, um raio entrou no salão e, depois de ricochetear várias vezes nas paredes, incendiou o conteúdo do cálice. Uma fumaça acinzentada subiu, com o odor fétido de carne queimada, reminiscente do cheiro da bruxa morta na fogueira quatro séculos antes. A fumaça se moldou e tomou a forma de uma mulher que, girando e dançando, chegou até Aurora e se fundiu com seu corpo. Agora Aurora era Artemisia e Artemisia era Aurora. Larìs assistiu impotente a esse fenômeno. Quando o último fio de fumaça desapareceu, absorvido pelo corpo de Aurora, e o conteúdo do cálice sumiu completamente, as duas mulheres caíram em um sono profundo e tiveram uma visão do que havia acontecido quatrocentos anos antes. Aurora vivenciou a cena em primeira pessoa, como Artemisia, enquanto Larìs a observou como espectadora, misturada à multidão que testemunhava a tortura da bruxa.
Artemisia foi amarrada ao poste; sob seus pés foram colocados feixes obtidos da poda de oliveiras e, em seguida, toras maiores de madeira resinosa de pinheiro e abeto. A base também foi aspergida com óleo de lamparina. Nos outros quatro postes, dispostos em um semicírculo atrás de si, em relação aos espectadores, estavam amarradas suas quatro companheiras: Viola, Emanuela, Alessandra e Teresa. Esta última, também conhecida como “O Moleque”, por ter sido flagrada várias vezes se deitando com outras mulheres, chegou a ser taxada de hermafrodita, pessoa em que coexistem órgãos sexuais masculinos e femininos. Ela era uma mulher com um clitóris tão desenvolvido que simulava um pequeno pênis, capaz até de atingir a ereção. Essas quatro mulheres não seriam queimadas, embora alguns feixes tenham sido colocados aos seus pés. Elas confessaram seus pecados e indicaram Artemisia como sua “guia espiritual”, por isso foram amarradas às estacas, tanto como alerta à população local quanto para assistir de perto à tortura de sua inspiradora. Por que razão se ia realizar essa execução, uma vez que o Doge de Gênova havia vetado os inquisidores da Igreja, assegurando às mulheres que não permitiria, naqueles tempos modernos, uma sentença de morte tão atroz? O Doge se orgulhava do fato de um dos seus concidadãos ter descoberto, menos de um século antes, uma nova terra, a América, pondo fim ao período sombrio que havia sido a Idade Média. Ele nunca teria permitido, portanto, que a Igreja, por meio da Inquisição, mandasse queimar vivas essas mulheres, mesmo que tivessem sido consideradas culpadas de bruxaria, heresia, associação com o diabo, crimes contra Deus, contra a Igreja e contra os homens. Tudo começou um ano e meio antes, no outono de 1587, quando o Podestà, Stefano Carrega, e o parlamento local apontaram as bruxas que viviam em Ca Botina como as principais culpadas pela grave fome que assolava toda a região há algum tempo e pediram ao Bispo de Albenga que instituísse um julgamento para as supostas bruxas, para que seus delitos pudessem ser levados a termo com uma punição exemplar: a condenação à fogueira. Dois inquisidores chegaram à cidade, dois frades dominicanos vestidos de preto: um era o Vigário do Bispo e o outro era o Vigário do Inquisidor de Gênova. Os “corvos”, como os locais os chamavam, mandaram prender as cinco bruxas que viviam em Ca Botina, que, sob tortura, acusaram muitas outras mulheres da vila, não apenas de origem camponesa, mas também pertencentes às famílias mais nobres. A certa altura os inquisidores tinham detido cerca de duzentas supostas bruxas e o Conselho de Anciãos, considerando também que duas mulheres já tinham morrido, uma pelas torturas infligidas e a outra por ter caído de uma janela após uma tentativa de fuga, decidiu apelar ao Doge de Gênova para que pusesse fim ao julgamento e garantisse que apenas as verdadeiras bruxas fossem condenadas, as de Ca Botina, o grupo ligado a Artemisia, ao todo treze mulheres e uma menina de treze anos. O governo genovês, portanto, não totalmente convencido da regularidade do julgamento de Triora, decidiu se interessar mais de perto. Vários meses se passaram e, enquanto o Doge de Gênova e o Bispo de Albenga não chegavam a um acordo sobre a jurisdição para proceder, as mulheres permaneceram na prisão à mercê de carcereiros que não as pouparam de humilhações e de abusos, até mesmo sexuais. No mês de maio seguinte, o Inquisidor Chefe chegou a Triora para visitar as mulheres presas e averiguar a situação. Depois de submetê-las novamente à tortura pelo fogo, ele confirmou as acusações contra as treze mulheres e libertou a menina. As mulheres foram julgadas sob a acusação de crimes contra Deus, relações com o demônio e assassinato de mulheres e crianças. Em agosto, o julgamento chegou ao fim, com a sentença de morte para Artemisia e as outras quatro mulheres mais próximas a ela: Emanuela Giauni, conhecida como Emanuela, A Caprichosa, Viola e Alessandra Stella, e Teresa Borelli, conhecida como Teresa, O Moleque, por seu hábito de usar cabelos curtos, vestir roupas masculinas e deitar-se com outras mulheres. Quando parecia iminente a execução da sentença das cinco mulheres, por enforcamento e incineração dos restos mortais, o Padre Inquisidor de Gênova interveio, exigindo que seu cargo, até então excluído do julgamento, fosse respeitado. Cabia a ele, de fato, como representante da Inquisição de Roma, julgar os crimes das bruxas. Assim, as cinco condenadas foram transportadas para Imperia e, de lá, a bordo de um navio, para Gênova, onde foram trancafiadas nas prisões do governo, já que a Inquisição não tinha espaço suficiente, se juntando a outras alegadas bruxas de outras cidades da região. Tudo parecia estar indo bem, pois o Doge havia prometido que faria questão, agora que estavam sob sua proteção, de salvar suas vidas. Ele as manteria na prisão por algum tempo e, depois, quando a população se tivesse esquecido delas, as libertaria, com o acordo de não retornarem à sua cidade de origem. Mas o Maligno, sob os disfarces mortais do Podestà e do chefe do Conselho de Anciãos de Triora, colocou seu dedo nisso. Não foi difícil, para os capangas contratados pelas duas figuras ilustres, subornar os carcereiros com algumas moedas de prata, substituir as cinco bruxas por cadáveres de mulheres pobres, mortas por doenças ou pelas agruras da fome que ainda grassava nas montanhas do alto Vale Argentina, e trazer as cinco bruxas de volta a Triora para uma execução pública exemplar.
Amarrada ao poste, Artemisia percorreu em sua mente as principais etapas de sua vida, a partir de sua iniciação, quando, com pouco mais de treze anos, se viu no centro do círculo mágico, criado por sua mãe, sua avó e outras adeptas da seita, perto da Fonte das Nozes, uma fonte localizada sob uma grande nogueira. Já naquela época, ela havia percebido a forte presença do Maligno, uma força negativa fora do círculo, que queria assimilar os poderes de suas vítimas e se tornar incomparável em seu potencial malévolo. Os ensinamentos transmitidos pela mãe e pela avó, a aquisição dos poderes da clarividência e o uso do tato e da visão para perceber e curar os males do corpo e da alma, foram por ela sempre utilizados para o bem. Ela aprendeu os poderes curativos das ervas, tornando-se hábil em fazer poções que baixavam a febre, aliviavam as dores e ajudavam as mulheres em trabalho de parto. Aprendeu a usar, nas doses certas, esporos de cogumelos venenosos, para serem aplicados em feridas infectadas e fazer regredir as secreções purulentas. Ela aprendeu a fazer talismãs, a recitar fórmulas mágicas rituais, a realizar feitiços de invisibilidade e a formar círculos mágicos de proteção. Mas ela nunca usou seus poderes para propósitos malignos, nunca. No entanto, no final, ela foi exposta como bruxa e, junto com suas quatro companheiras mais fiéis, Emanuela, Viola, Alessandra e Teresa, foi presa e torturada com corda, com fogo e com água. No início do verão de 1588, o Podestà, Stefano Carrega, que foi quem iniciou a caça às bruxas, tinha chegado até sua cela e, naquele momento, Artemisia percebeu que era ele quem representava o mal, a grande ameaça que pairava sobre ela e suas amigas. Já enfraquecida pela tortura, ela foi despida e teve as mãos e os pés amarrados a dois postes de madeira dispostos formando uma cruz de Santo André, de modo que seus braços e pernas ficassem afastados. Os carcereiros rasparam os pelos de sua área genital, depois a deixaram sozinha com o Podestà, que se aproximou dela, levantando sua túnica e mostrando um grande membro já ereto. Não havia possibilidade de Artemisia, amarrada como estava, escapar da violência sexual, mas ela sabia que precisava ser forte naquela situação, que não podia sentir nenhum tipo de prazer, caso contrário, com o ato sexual, o homem tiraria todos os seus poderes e conhecimentos dela e os tomaria para si. Ela saiu vitoriosa. Ao sentir o calor da ejaculação penetrar em suas entranhas, ela preparou sua mente para estar o mais longe possível dali, vagando pela floresta que amava, e seu corpo para não sentir nem um tremor, nem mesmo um suspiro. O Podestà, não tendo conseguido atingir seus objetivos, ficou furioso.
‒ Pior para você, bruxa! Você morrerá na fogueira, você e suas companheiras, e a força das chamas transferirá seus poderes para mim.
Vencer aquela batalha deu-lhe um vislumbre de esperança e, quando, apesar da condenação dos inquisidores, ela e suas quatro companheiras foram transferidas para Gênova, ela pensou que o perigo havia diminuído. Bem, depois da relação com o Podestá, ela não teve mais o ciclo mensal. Era evidente que ela carregava no ventre um filho, ou melhor, como podia sentir, uma filha. Se recusava a admitir que fosse filha do Maligno. De qualquer forma, ela a iniciaria em práticas mágicas e esotéricas, assim como havia sido feito com ela por sua mãe e sua avó; de fato, ela sentia em seu coração que aquela filha teria poderes sobrenaturais realmente fortes, capazes de neutralizar qualquer poder maligno e dar continuidade à sua linhagem para o bem. Mas, após alguns meses, o Maligno voltou à ativa, aliou-se ao Conselho dos Anciãos e enviou homens encapuzados a Gênova para trazer a ela e suas quatro companheiras de volta a Triora, onde seriam executadas. Em março, Artemisia estava quase no fim da gestação. Quando chegou a Triora, o chefe do Conselho de Anciãos, Giulio Scribani, quis averiguar pessoalmente o seu estado, pois não podia permitir que, junto com a bruxa, fosse queimada na fogueira uma criatura inocente. Artemísia usou todos os seus poderes para penetrar na mente do ancião, na qual inculcou a ideia de que se sacrificaria na fogueira, desde que seu sacrifício servisse para salvar sua filha e suas companheiras. O Podestà havia montado as cinco piras e já estava ansioso pelo espetáculo daquela noite, quando, por uma rara conjunção astral, naquele dia do equinócio da primavera, um dia de lua cheia, ocorreria um eclipse total da lua. Mas Giulio impôs sua vontade.
‒ Não quero testemunhar um massacre bárbaro. Enviei uma parteira para Artemisia, ela conhece as maneiras de antecipar o parto. O bebê será confiado a uma ama. Somente Artemisia, que é a mais poderosa das bruxas, será queimada. As outras, amarradas em seus postes, assistirão à sua execução e serão marcadas de tal forma que qualquer um que as encontrar as reconhecerá como bruxas e as evitará. Cada uma delas já tem uma tatuagem estranha na perna direita, na parte interna da panturrilha. Três tomos são retratados, representando os livros que elas consultaram e estudaram para se tornarem adeptas de sua seita. Completaremos a tatuagem com chamas envolvendo os livros e a mesma tatuagem será feita em todas as primogênitas da linhagem dessas bruxas!
O Podestà lançou lampejos de ódio contra o ancião, mas não podia contradizê-lo. Pelo menos ele poderia assumir a parte dos poderes de Artemisia. Mas esta, amarrada ao poste, esperando que as chamas fossem acesas em sua pilha, manteve-se concentrada e formou uma barreira protetora sobre suas amigas, que estavam em contato telepático com ela. A posição semicircular das outras estacas atrás da sua favorecia a proteção. Assim, quando da multidão de espectadores surgiram gritos: “Não as poupem, queimem todas!” e um homem, com uma tocha acesa na mão, conseguiu passar pela barreira dos guardas e aproximar a chama da estaca de Teresa, dois soldados o pegaram pelo braço e o mandaram de volta para a plateia com um chute certeiro no traseiro. O homem rolou para o chão e parou bem aos pés de Larìs, que lhe lançou um olhar de desaprovação.
Poucos momentos depois, o carrasco tirou uma tocha de um braseiro, primeiro ergueu-a bem alto para mostrar a todos as chamas e depois a aproximou da pilha de lenha aos pés de Artemisia, que se incendiou.
Artemisia, antes que as chamas começassem a envolver seu corpo, voltou seu olhar para a lua, que naquele momento estava encoberta pelo fenômeno do eclipse e era perceptível apenas como uma esfera avermelhada cercada por um halo, e deixou seu espírito ir. Ela tinha que evitar que seus poderes e sabedoria fossem transferidos para Carrega, direcionando-os, em vez disso, com a ajuda telepática de suas companheiras, cujas vidas seu sacrifício havia salvado, para a menina que ela havia dado à luz algumas horas antes, que se chamaria Aurora, a primeira luz da manhã. Em pouco tempo, as chamas tomaram conta do corpo de Artemisia e o envolveram, a mulher se transformou em uma tocha humana, seus cabelos queimaram, suas roupas foram incineradas, deixando exposta sua carne, que primeiro ficou vermelha, depois enegrecida. A silhueta de Artemisia, ainda se contorcendo, agora mal era visível em meio à parede de fogo, que ardia ruidosamente. Por fim, Artemisia, com um último e prolongado grito de dor, expirou, enquanto as chamas continuavam a realizar o seu trabalho cruel. No final, restou no chão apenas uma pequena pilha de cinzas.
Quando Aurora e Larìs voltaram à realidade, ainda estavam nuas, deitadas no frio chão de mármore, com os corpos cobertos de suor devido à tensão da experiência que tinham acabado de vivenciar. Aurora, ainda atordoada, pegou um quimono de seda, vestiu-o e ofereceu um semelhante à garota, que estava tremendo e ficou feliz em vesti-lo. Em seguida, Aurora foi à cozinha preparar um chá de ervas relaxante, voltando poucos minutos depois com duas xícaras fumegantes, que espalharam um aroma de menta pelo salão.
‒ Por que tivemos essa visão? Qual é o significado? ‒ perguntou Larìs, começando a se recuperar.
‒ Acredito ter entendido que o Maligno, que permaneceu adormecido durante quatro séculos, está recuperando as forças e quer sacrificar vítimas para aumentar seu vigor e poder. Precisamos ter cuidado, pois essas vítimas podem ser eu, você ou nossas outras irmãs, descendentes daquelas que há quatrocentos anos escaparam da morte nas chamas.
‒ Como podemos nos preparar para enfrentá-lo? Temos força suficiente para fazer isso?
‒ Minha querida Larìs, você e eu teremos que enfrentar uma longa e perigosa jornada até o templo onde vive o Grande Patriarca, que nos oferecerá acesso ao conhecimento universal, do qual ele é o guardião. Ele nos dará a força e a sabedoria necessárias.
Passo a passo, agarradas às cordas laterais, elas chegaram a meio caminho da ponte, que balançava a cada movimento que faziam, quando uma rajada de vento mais forte fez o coração de Larìs gelar, e ela novamente buscou os olhos de Aurora para se tranquilizar. Cautelosamente, as duas tiraram as mochilas dos ombros, vestiram os casacos e continuaram até chegarem à clareira gramada além da ponte. A partir daí, começavam pelo menos cinco caminhos, seguindo em direções diferentes. Qual poderia ser o certo a seguir? Aurora viu dois galhos cruzados com terra solta em volta, procurou um galho comprido e, tomando cuidado para não pisar na terra mexida, destruiu a cruz e então, com o mesmo galho, desenhou um círculo no chão, recitando palavras que Larìs reconheceu como as de um contrafeitiço. Alguém havia lançado um feitiço para dificultar o caminho a seguir. Mas Aurora era muito experiente. Uma vez completado o círculo e voltando as palavras para o céu, ficou evidente que apenas um caminho começava na clareira, que era o único a ser seguido. Depois de atravessar a ponta de uma geleira, o caminho descia a colina, até que os prados das terras altas deram lugar a uma floresta, cada vez mais densa à medida que se descia. Em cada encruzilhada, em cada bifurcação do caminho, as duas, instintivamente, sempre sabiam qual direção tomar.
A floresta oferecia frutas e bagas comestíveis e, de vez em quando, era possível encontrar uma fonte de água fresca, de modo que, mesmo que os suprimentos começassem a se tornar escassos, não havia como passar fome ou sede. As temperaturas também ficaram mais agradáveis e não havia mais necessidade de usar os casacos. No quinto dia de caminhada, saindo da densa floresta, elas se encontraram em um vale agradável, no fim do qual viram seu destino.
O templo era uma construção antiquíssima que permaneceu intacta ao longo dos séculos e milênios, construído sobre uma rocha sólida em um local inacessível a meros mortais. O que despertou o espanto das duas mulheres foi a usina hidrelétrica que podia ser vislumbrada na parte de trás do templo. Uma cachoeira, com a força de uma queda de várias centenas de metros, alimentava as turbinas que forneciam eletricidade ao antigo edifício. Ao lado das turbinas, uma série de painéis solares garantiam o fornecimento de água quente e também ajudavam a gerar eletricidade. Um sistema fotovoltaico precursor, ainda não em operação, completava a usina de energia, tornando aquele oásis totalmente autossuficiente do ponto de vista energético.
Ao chegarem à entrada do templo, foram recebidas por dois homens de aparência física escultural.
‒ Bem-vindas ao Templo do Conhecimento e Regeneração. O Grande Patriarca está esperando por vocês e as receberá assim que possível. Enquanto isso, seremos seus guias, as levaremos às suas acomodações e faremos questão de tornar agradável a sua visita a este lugar encantador. Seja qual for a sua necessidade, basta solicitar e tentaremos atendê-las. Eu sou Ero e meu parceiro é Dusai.
Os dois homens, vestidos apenas com curtas túnicas coloridas, eram altos e poderosos, seus músculos evidentes pareciam esculpidos, lembrando antigas estátuas gregas. Ero tinha cabelos loiros, encaracolados e bastante longos, pele clara, embora ligeiramente bronzeada, e olhos azuis da cor do céu, enquanto Dusai era moreno, com cabelos pretos curtos, olhos escuros e pele cor de ébano. Enquanto Dusai cuidava de Aurora, Ero se curvou diante de Larìs e pegou sua bagagem. Os quatro atravessaram um pátio quadrado, entraram no edifício e caminharam por corredores ornamentados. Os afrescos alternavam cenas de caça com cenas de guerra e de acasalamento entre animais. Finalmente chegaram a um claustro, no centro do qual havia uma piscina. Sob os pórticos, se abriam as portas dos quartos de hóspedes. Ali, as decorações retratavam uniões entre homens e mulheres, em todas as posições possíveis e imagináveis, extraídas dos mais impensáveis manuais do Kama Sutra. As duas mulheres foram convidadas por seus cicerones a entrar cada uma em uma sala, onde foram ajudadas a se despir e relaxar com uma longa e completa massagem revigorante. Depois de algumas horas, as duas mulheres e os dois homens se encontraram juntos dentro da piscina para desfrutar dos prazeres de um bom banho na água morna e do sexo oferecido de forma espontânea e sensual por Ero e Dusai. Exaustas pelos dias de caminhada, mas regeneradas em espírito, Aurora e Larìs estavam revigoradas. A mesa posta oferecia carneiro assado com acompanhamentos de saborosos legumes e uma incrível variedade de frutas suculentas. No final do banquete, retiraram-se para os seus quartos e mergulharam em um merecido sono reparador.
Na manhã seguinte, bem cedo, os cicerones trouxeram para cada uma das duas mulheres uma xícara de chá muito perfumado, acompanhado de doces feitos de uvas sultanas e mostos, dizendo-lhes que se preparassem para serem recebidas pelo Grande Patriarca. Seus companheiros do dia anterior as conduziram até o pé de uma escada que levava aos andares superiores. A partir de então, elas seriam acompanhadas por um guia muito mais velho e muito menos atraente, já que Ero e Dusai não tinham permissão para subir na presença do Patriarca. Hiamalè, como se chamava o novo guia, era uma pessoa que aparentava ter pelo menos oitenta anos, mas dizia-se que era muito mais velho. Uma longa barba cinza adornava seu rosto e seus longos cabelos prateados estavam presos atrás da nuca em uma comprida trança. Ele cumprimentou as mulheres no idioma antigo e as convidou para subir. Apesar da idade, o ancião subiu a escada agilmente, piso por piso, até chegar ao quinto nível. Aurora e Larìs perceberam que estavam em uma espécie de torre com vista para o templo e que, das janelas, se podia admirar a construção em toda a sua magnificência. O idoso Hiamalè se ajoelhou diante de uma porta de madeira, decorada com belas incrustações, e convidou as duas mulheres a fazerem o mesmo. Como se alguém tivesse sentido a sua presença, mesmo sem serem anunciados, a porta se abriu e as duas mulheres se encontraram na presença do Grande Patriarca.
‒ Não há necessidade de se prostrarem diante de mim ‒ disse ele, dispensando o ancião e convidando as duas mulheres a entrarem em sua sala. ‒ Sejam bem-vindas. Eu estava esperando por vocês há muito tempo, a percepção de sua chegada era forte dentro de mim. Apresento-me a vocês, fiéis seguidoras, que aspiram ao conhecimento universal. Desde que cheguei a este lugar, embora este não seja meu verdadeiro nome, sou chamado de Roboão, em homenagem ao filho do rei Salomão, que tinha esse nome. A tradição diz que esse mesmo templo foi construído pelo sábio Rei nestes lugares inacessíveis, entre estas que são as montanhas mais altas da Terra, para servir como um baú de tesouro e proteção para o mais antigo e preciso livro de magia, escrito por seu próprio punho, “A Chave de Salomão”. Reza a lenda que esse livro foi encontrado, alguns séculos após a morte do famoso Rei, dentro de sua tumba, preservado em um recipiente de marfim junto com um anel com seu selo. Muitos tentaram traduzir esses escritos, primeiro para o latim, depois para o francês, mas ninguém conseguiu plenamente, pois era apenas uma falsificação e o Rei Salomão havia se certificado de torná-lo incompreensível. “A Chave de Salomão” original, no entanto, é mantida no Sancta Sanctorum desse templo e apenas algumas pessoas sábias, ao longo dos milênios, tiveram acesso a ela. Talvez você, Aurora, possa fazer parte desses poucos escolhidos, mas não vamos nos precipitar. Vocês estão aqui para acessar o conhecimento preservado neste local, assim como, antes de vocês, vieram pessoas ávidas por consultar textos importantes, aqui recolhidos desde tempos imemoriais. Vieram sacerdotes de todo tipo de religião, mas também importantes homens da ciência, graças aos quais esta construção foi dotada de confortos modernos. Vocês mesmas viram a usina de energia elétrica. Não é simples fazer chegar aqui as matérias-primas necessárias para esta obra. O último cientista a nos visitar foi um italiano, cuja ideia era transformar a energia dos raios solares, mas também a energia inerente à própria luz, em energia elétrica, por meio de micro células, que ele chamou de células fotovoltaicas, em homenagem ao seu compatriota Alessandro Volta. Mas, embora eu veja auras positivas em vocês, ao redor dele pairava uma aura escura, quase negra, indicativa de maldade e perfídia de espírito.
‒ Como ele se chamava? ‒ perguntou Aurora, intrigada e temerosa. ‒ Ele teve acesso ao conhecimento, mesmo que você tenha duvidado dele?
‒ Minha cara Aurora, você tem uma aura de um azul intenso, como o céu claro, porque tem um coração puro, mas é muito sensível a influências externas, porque confia em todos. E é por isso que você está acompanhada de Larìs, que tem uma aura vermelha como o fogo e que revela seu caráter impulsivo e determinado, pronto a sacrificar até mesmo sua própria vida para ajudar quem lhe é próximo. Não posso revelar o nome dessa pessoa. Qualquer pessoa que chegue aqui tem acesso aos textos e manuscritos armazenados. Cabe então a ela decidir como utilizar o conhecimento adquirido, seja para o bem ou para o mal. Veja, toda religião tende a identificar o bem com Deus e o mal com uma divindade oposta. Se Deus é então chamado de Javé, Vishnu, Odin ou Alá e o demônio de Satanás, Lúcifer, Seth ou Sehuet é irrelevante. O bem e o mal estão dentro de cada um de nós e a eterna luta entre eles se consuma em nossas almas. Em alguns prevalece o bem, em outros o mal.
‒ Grande Patriarca, revele-nos o caminho para acessar o Conhecimento Universal ‒ continuou Aurora ‒ e nós lhe seremos gratas e o honraremos pelo resto de nossas vidas mortais.
‒ Veja, há duas maneiras de alcançar o objetivo, uma mais rápida e outra mais lenta. Larìs, que é jovem, seguirá esse segundo caminho, terá tempo de sobra para consultar os textos, assimilar o que está contido neles e aprender a usar, com a ajuda dos Mestres, seu Terceiro Olho, o da sabedoria, aquele com o qual ela poderá perceber a aura das pessoas ao seu redor e penetrar em seus pensamentos, entrando em contato com suas mentes. É uma longa jornada que eu mesmo empreendi em meu tempo e que exige perseverança, concentração e aplicação. Para você, Aurora, que, por outro lado, está ansiosa para assimilar tudo rapidamente e retornar à sua terra natal para combater as forças do mal, tenho reservado um caminho mais curto.
Batendo palmas, ele chamou Hiamalè, que conduziu Larìs para fora da sala, enquanto por outra porta entraram duas jovens criadas com um fumegante chá de ervas para o idoso patriarca. Roboão bebeu cuidadosamente e, então, de uma bandeja trazida a ele por uma das duas servas, pegou um estojo e tirou uma seringa.
‒ Papaverina. Injetada no pênis, permite uma ereção duradoura para relações sexuais satisfatórias, mesmo em uma pessoa idosa como eu. Transmitirei a você todo o meu conhecimento e a minha ciência através de uma conjunção carnal, após a qual você terá acesso ao Sancta Sanctorum.
As criadas ajudaram Aurora a se despir e a se deitar sobre as almofadas colocadas no chão para esse fim, depois cuidaram do velho, o libertaram das vestes, aplicaram-lhe a injeção, fizeram-lhe uma boa massagem e, quando perceberam que ele estava pronto para consumar a relação com a recém-chegada, retiraram-se para um canto da sala. O relacionamento com o ancião deu a Aurora um imenso prazer. Ela fechou os olhos e abandonou-se aos movimentos de Roboão. No auge da excitação, tendo alcançado um prazer intenso, ela percebeu que, com o fluxo do líquido, estava penetrando nela um calor que a percorria da ponta dos pés até o último fio de cabelo. Ela estava assimilando de uma só vez todo o conhecimento que o idoso havia acumulado ao longo de décadas de permanência naquele lugar inacessível. A certa altura, Aurora percebeu que Roboão estava deitado imóvel sobre ela. Seu membro ainda estava túrgido, devido ao efeito da papaverina, mas ele não respirava mais, havia expirado. Com um movimento suave, ela moveu o corpo de Roboão para o lado e, com dificuldade, se desvencilhou dele. Enquanto as servas cuidavam do falecido, Aurora se vestiu e foi assaltada pelo temor: como ela poderia chegar ao Sancta Sanctorum sem a orientação de Roboão? Mas então, ao se concentrar, percebeu que, além do conhecimento, havia assimilado tudo o que estava conservado em sua memória e, portanto, já sabia o caminho a seguir para alcançar seu objetivo. Mas havia mais: a relação que acabara de consumar a havia transformado, sua pele estava mais lisa, seus seios mais firmes, suas pernas mais esguias, seus cabelos mais sedosos; enfim, se sentia rejuvenescida. Ela se olhou em um espelho, que lhe devolveu a imagem de uma jovem de vinte anos, a imagem de si mesma, mas com quarenta anos a menos. Com as mãos, ela tocou o rosto, como se quisesse ter certeza de que o que estava vendo era real e não uma visão. Suas rugas haviam desaparecido, seus olhos verdes brilhavam, não havia sombra de opacidade no cristalino e seu cabelo havia voltado à cor natural de castanho claro. Mas não era hora de ficar pensando em coisas fúteis. Ela tinha que encontrar “A Chave de Salomão”.
Tentando seguir as lembranças impressas na mente de Roboão, ela desceu as escadas até o andar térreo. Em um salão com paredes ornamentadas, procurou uma estátua dourada de um gato. No pescoço deste, notou um medalhão em forma de pentáculo. Ela o girou e viu se abrir uma passagem na parede dos fundos, a única em que não havia janelas. Entrou em um corredor longo e semiescuro, iluminado eventualmente pela luz fraca de antigas lamparinas a óleo. No final do corredor, uma escada em espiral descia para o porão, até outro salão ricamente decorado. Caminhou em direção a uma enorme porta dourada, adornada com baixos-relevos em ouro puro, retratando episódios da vida do Rei Salomão. Não havia fechadura para abrir essa porta, nem qualquer outro dispositivo. O acesso ao Sancta Sanctorum exigia um comando de voz, que variava de acordo com os dias da semana e as horas do dia. Aurora, calculando que naquele momento ela deveria invocar a lua, pronunciou em voz alta:
‒ Levanah!
A enorme porta dourada começou a deslizar para dentro da parede dupla, dando livre acesso ao mais secreto dos cômodos do templo. No centro dela, sobre uma coluna de cerca de um metro e vinte de altura, uma caixa de marfim deveria abrigar o livro e o anel com o selo de Salomão, o talismã mais poderoso de todos os tempos. Não sem emoção, ela abriu o baú. O livro estava em seu lugar, mas o anel não. Quem chegou lá antes dela conseguiu roubá-lo, garantindo para si um poder considerável que seria difícil de combater se usado para fins malignos. Mas agora a feiticeira não tinha tempo para pensar, ela tinha a noite inteira para assimilar o que Salomão havia escrito tantos séculos antes, algo que ela não recebeu da memória de Roboão, já que ele, embora tivesse acesso ao Sancta Sanctorum, nunca teve coragem de encarar o texto sagrado. Quando teve certeza de que havia memorizado todas as fórmulas e invocações, ela colocou o livro de volta na caixa e saiu, refazendo o caminho que havia seguido para chegar até ali. Saindo para o salão, notou que as primeiras luzes do amanhecer já começavam a entrar pelas janelas. Ela girou o medalhão na estátua do gato, retornando-o à sua posição original, e a passagem pela qual ela acabara de sair se fechou novamente.
Era hora de voltar para casa, para a Ligúria, e dessa vez a viagem seria curta. Ela usaria o teletransporte, que era uma das novas magias que acabara de aprender. Mas primeiro devia se despedir de Larìs. Ela voltou para o claustro, onde ficavam os quartos de hóspedes, e notou que Ero e Dusai já estavam de pé, conversando à beira da piscina. De ambos escapou uma apreciação sobre a nova aparência de Aurora.
‒ Uau! Se estivesse assim no outro dia! ‒ comentou Dusai.
A feiticeira evitou responder e bateu à porta de Larìs, que ainda estava imersa no mundo dos sonhos. Ela a viu abrir a porta, sonolenta, olhando para ela com ar de interrogação. Quando Larìs percebeu que a pessoa à sua frente era a sua companheira de viagem, esfregou os olhos, pensando que talvez ainda estivesse sonhando.
‒ Sim, sou eu! ‒ afirmou Aurora. ‒ Estou indo embora, mas permaneceremos em comunicação telepática. Quando eu precisar de você, você saberá, e terá uma forma de me contatar o mais rapidamente possível.
Então ela aproximou os seus lábios dos de Larìs e a beijou.
‒ Até logo!
Aurora saiu do templo e chegou a uma clareira isolada, onde se sentou no chão, tomando cuidado para não cruzar as pernas, concentrou-se no local para onde tinha de ir e pronunciou a fórmula mágica. Como se fosse capturada por um vórtice, uma espécie de redemoinho, seu corpo desapareceu para reaparecer em Triora, dentro de sua morada.
‒ Aqui estou, em casa!