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Capítulo 1

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Matteo Manaserro, com os dentes cerrados e o coração alterado, olhou para o caixão que enterravam no cemitério privado do castelo Miniato.

À volta, havia centenas de entes queridos de Pietro Pellegrini: Amigos, familiares, colegas e até alguns chefes de estado com os guarda-costas a certa distância. Todos queriam despedir-se de um homem respeitado por todos pelo seu trabalho filantrópico.

Vanessa Pellegrini, a mãe de Pietro, que enterrara Fabio, o marido, na sepultura do lado há apenas um ano, deu um passo, apoiada na sua filha Francesca. Ambas agarravam umas rosas vermelhas e Francesca virou-se para esticar uma mão a Natasha, a viúva de Pietro, que olhava para a caixa de madeira como se fosse uma estátua esvaída. A brisa cessara e nem uma madeixa do cabelo loiro como o mel se mexia, o que lhe dava mais ar de estátua.

Levantou o olhar, pestanejou para voltar à realidade e segurou a mão de Francesca para se aproximar das mulheres soluçantes. Uma vez juntas, as três mulheres Pellegrini atiraram as rosas para o caixão.

Matteo fez um esforço para expirar o ar que sustivera e olhou para a viúva.

Era um dia para despedidas, para chorar e honrar um homem que merecia que o chorassem e honrassem, não era um dia para olhar para a viúva e pensar em como era bonita, mesmo de luto… Ou para pensar como queria agarrá-la pelos ombros e…

Daniele, o irmão de Pietro, mexeu-se ao seu lado. Era a vez deles.

Despediu-se de Pietro, o primo e amigo, e agradeceu por tudo. Teria saudades.

Depois de a família mais próxima, Matteo entre eles, deixar as rosas no caixão, os outros assistentes fizeram o mesmo.

Tentou não se alterar e olhou para os pais quando se aproximaram para se despedirem do sobrinho. Não olharam para o filho, mas sabia que o pai sentia o olhar dele. Não falavam há cinco anos, desde que mudara legalmente o apelido poucas semanas depois de o irmão morrer.

Demasiada morte.

Demasiados enterros.

Demasiada tristeza.

Demasiada dor.

Quando o enterro acabou e o sacerdote levou os assistentes para o castelo para o velório, Matteo ficou para trás para visitar uma sepultura na fila de trás. A lápide de mármore tinha uma inscrição muito simples.

Roberto Pellegrini

Filho amado

Nenhuma menção a ser um irmão amado.

Gerações de Pellegrini, que remontavam há seis séculos, estavam enterradas ali. Roberto, com vinte e oito anos, era o mais jovem dos últimos cinquenta anos. Baixou-se e tocou na lápide.

– Olá, Roberto, desculpa-me por não te ter visitado ultimamente, mas estive muito ocupado.

Deixou escapar uma gargalhada. Desde a morte do irmão, há cinco anos, só visitara a sepultura um punhado de vezes, mas pensara nele todos os dias e sentira a perda a todas as horas.

– Já estou a justificar-me outra vez. Não suporto ver-te aqui. Amo-te e sinto a tua falta. Só queria que soubesses.

Pestanejou para conter as lágrimas e, com o coração apertado, arrastou-se até ao castelo para se encontrar com os outros.

Tinham instalado um bar enorme na sala para o velório. Matteo reservara um quarto num hotel de Pisa para os dois dias seguintes, mas pensou que podia beber um copo de bourbon. No quarto do hotel, havia um minibar muito bem sortido e podia esvaziá-lo quando voltasse. Só ficaria o suficiente para não ser indelicado.

Acabara de beber um gole quando Francesca apareceu ao seu lado. Abraçou-a com força.

– Como estás?

Matteo tinha treze anos quando o tio Fabio e a esposa, Vanessa, o tinham acolhido em sua casa. Francesca era um bebé e ele estivera lá quando dera os seus primeiros passos, quando fizera o seu primeiro recital de música na escola, tocara trompete, e sorrira com o orgulho de um irmão mais velho quando, há uns meses, se licenciara.

Ela encolheu os ombros e agarrou-o pelo braço.

– Anda, temos de falar.

Seguiu-a por um corredor gélido. O castelo precisava de uma modernização que custava milhões. Entraram no que fora o escritório de Fabio e que, a julgar pelo cheiro a fechado, não se usava desde que ficara doente e acabara por morrer.

Daniele e Natasha, atrás dele, apareceram em poucos segundos.

Uns olhos azuis esbugalhados observaram-no e, depois, olharam para outro lado enquanto Francesca fechava a porta e lhes pedia para se sentarem ao redor da mesa ovalada.

Matteo respirou fundo e praguejou. Era o que lhe faltava, estar fechado e ao lado dela, da mulher que brincara com ele como se fosse a sua marioneta, a mulher que o fizera acreditar que sentia alguma coisa por ele e que havia um futuro para os dois quando estivera a fazer o mesmo com o primo.

Parecera-lhe que estivera durante todo o dia com ele, ainda que estivesse longe, mas, nesse momento, estava sentada à frente, tão perto que conseguiria tocar no seu rosto falacioso.

Não devia vestir-se de preto, mas de vermelho.

Infelizmente, continuava a ser a mulher mais bonita que alguma vez vira e, além disso, melhorara com os anos. Olhou com atenção para os olhos azuis intensos que o evitavam e para o seu rosto ovalado com uma cútis branca que costumava ter um tom dourado, mas que, naquele momento, estava pálido. Para encontrar algum defeito, o nariz era um pouco comprido e os lábios um pouco largos, mas, em vez de defeitos, davam personalidade à cara com que tanto sonhara.

Naquele momento, desprezava o ar que respirava.

– Para resumir, vou tratar da parte legal, o Daniele vai construí-lo e o Matteo vai tratar da parte médica. E tu, Natasha, queres tratar da publicidade?

Natasha ouviu as palavras de Francesca, mas o seu cérebro demorou uns segundos a decifrá-las.

Tentara prestar atenção durante a reunião que Francesca convocara, mas só conseguira concentrar-se nos arrebatamentos entre Daniele e a irmã.

– Poderia, sim… – sussurrou Natasha, enquanto continha a histeria.

Tinha de esquecer Matteo e ouvi-los, pensou, com desespero. Além disso, não sabia nada de publicidade.

Sabia que Francesca estava a fazer o que achava que tinha de fazer ao convidá-la para aquela reunião dos irmãos Pellegrini. Consideravam o primo Matteo como mais um irmão e presumiam que ela também quereria participar. Qualquer viúva íntegra e amante quereria participar na criação de um monumento ao marido amado e, efetivamente, queria participar.

Apesar dos seus defeitos como marido, Pietro fora sincera e desinteressadamente humanitário. Constituíra uma fundação há dez anos para construir edifícios em zonas danificadas por desastres naturais: Escolas, casas, hospitais, o que fosse preciso. Na semana antes de morrer, a ilha caribenha de Caballeros sofrera o pior furacão que se recordava e arrasara a maioria das instalações médicas da ilha. Pietro soubera imediatamente que construiria um hospital lá, mas morrera num acidente de helicóptero antes de acabar os planos.

Merecia que o recordassem e os habitantes devastados de Caballeros mereciam o hospital que Francesca queria construir.

Por isso, Natasha esforçara-se para prestar atenção. Não quisera defraudar os irmãos Pellegrini, que tinham feito parte da sua vida desde que ela recordava porque o pai e Fabio tinham sido amigos de escola. Não tivera irmãos e essa proximidade aumentara desde que comunicara que se casaria com alguém da família, mesmo durante os seis longos anos de noivado.

Ainda que, se Matteo não estivesse ali, conseguisse concentrar-se melhor.

Não houvera nenhuma vez, durante os últimos sete anos, em que não tivesse sentido o seu rancor quando estavam juntos. Era suficientemente cortês e simpático para que ninguém conseguisse perceber como a odiava, mas percebia quando se olhavam nos olhos.

Sentia-o naquele momento. Como era possível que Francesca e Daniele não percebessem? Como era possível que não flutuasse no ambiente?

Em parte, entendia porque a desprezava assim e tentara desculpar-se, mas tinham passado sete anos. Mudara e ele também. Deixara a cirurgia reconstrutiva, em que tanto lhe custara especializar-se, e começara o caminho da cirurgia… estética. Tinha vinte e oito centros por todo o mundo e a patente de uma gama de produtos para o cuidado da pele, desde a redução das cicatrizes à redução dos sinais do envelhecimento. Assim, já não era um cirurgião vocacional e transformara-se num empresário que só operava se tivesse tempo. Ele próprio criara esses produtos e juntara uma fortuna comparável com toda a fortuna dos Pellegrini e de Pietro juntas.

Até mudara de apelido e tornara-se famoso. Era alto, bonito, com o queixo firme e com um cabelo moreno e encaracolado. A imprensa sensacionalista chamava-lhe o doutor Bombom. Parecia-lhe que não podia passar à frente de um quiosque ou abrir uma página de Internet sem encontrar o seu rosto sedutor a sorrir, normalmente, de braço dado com uma modelo de lingerie.

Naquele dia, no entanto, não tinha a arrogância habitual. O seu desprezo abrasador afetava-a, mas conseguia perceber o seu desassossego. Pietro fora mais do que um primo e um irmão suplente, fora o melhor amigo de Matteo.

Gostaria de chorar por ele e por todos eles.

Matteo estacionou junto da calçada. A casa imponente estava às escuras. Fechou os olhos e deixou-se cair por cima do volante.

Podia saber-se o que estava a fazer ali?

Devia estar no quarto do hotel a beber o minibar inteiro. Organizara-o presumindo que Natasha ficaria no castelo com o resto da família. Não dormia na mesma casa do que ela desde que aceitara o pedido de Pietro.

No entanto, não ficara. Algumas horas depois da reunião para falar sobre o hospital de Pietro, despedira-se de todos com um abraço, menos dele. Segundo um acordo tácito, tácito porque não trocara mais de quatro palavras com ela em sete anos, ele manteria uma certa distância física, mas não a suficiente para que os outros pensassem que não se tinham despedido.

Levantou a cabeça outra vez, respirou fundo e desejou que o coração se apaziguasse.

Podia saber-se o que se passava? Porque não conseguia tirá-la da cabeça? Porque é que, quando estava a chorar a morte do primo e melhor amigo, as lembranças tinham voltado?

Conseguia vê-lo como se fosse naquele momento. Saíra do quarto no castelo para se encontrar com o resto da família na tenda onde ia celebrar-se a festa do trigésimo aniversário do casamento dos tios. Natasha saíra do quarto que partilhava com Francesca e que era no mesmo corredor do que o dele. O coração acelerara quando vira que usava o colar que lhe dera quando fizera dezoito anos. Odiara não poder ir à festa que dera em Inglaterra, mas era médico residente num hospital da Florida, que era muito perto da faculdade de Medicina, e houvera uma urgência no fim do turno. Houvera um acidente de viação múltiplo com muitos feridos graves que precisara da contribuição de todos. Quando acabara de atender o último ferido, já perdera o avião.

Avançara com calma e esperara que ela fizesse dezoito anos para dar o primeiro passo… físico. Então, naquele corredor gélido do castelo, quando Natasha, com um vestido azul elétrico, era o melhor exemplo de uma mulher elegante e refinada, compreendeu que já não tinha de se reprimir mais.

Todas as cartas e chamadas noturnas que tinham trocado durante meses, todos os sonhos e todas as esperanças que tinham partilhado, tudo os levara até àquele momento. O futuro de ambos começava nesse momento e tocou no colar antes de a beijar pela primeira vez.

Fora o beijo mais doce e embriagador que dera durante os seus vinte e oito anos e só Francesca o interrompera quando saíra do quarto e se dirigira para eles. Se tivesse saído três segundos antes, tê-los-ia encontrado juntos. Questionou-se o que teria feito se os tivesse surpreendido a beijar-se porque, apenas duas horas depois, à frente de trezentos convidados, Pietro levantara-se e pedira Natasha em casamento. E ela aceitara.

Matteo esfregou os olhos para apagar as lembranças. Não devia estar a pensar nisso naquele momento. Porque estava ali, na casa onde Pietro e ela tinham vivido?

Acendeu-se uma luz nas escadas.

Natasha acordara ou estivera às escuras? Francesca tinha razão ao estar preocupada com ela?

Francesca falara com ele quando tentava fugir do velório e pedira-lhe para tomar conta de Natasha enquanto ela estava em Caballeros. Estava preocupada com ela, parecia-lhe que se transformara num espetro.

Embora Natasha e Pietro só estivessem casados há um ano, tinham estado sete juntos. Talvez fosse apenas uma caçadora de fortunas, mas devia ter sentido alguma coisa por ele.

Esperava que sentisse algo sincero, pelo bem do primo. No entanto, como poderia ser quando estivera com os dois ao mesmo tempo?

Afastara-a completamente da sua vida, menos em algumas ocasiões familiares e ineludíveis. Bloqueara o seu número de telefone, apagara todas as mensagens e queimara as cartas antiquadas escritas à mão. Para quando tinha de estar com ela, aperfeiçoara a arte de a ignorar sem que ninguém percebesse, menos ela.

Devia ter mentido a Francesca e ter-lhe dito que tinha de voltar a Miami antes do previsto, mas assentira e prometera que passaria por lá se tivesse tempo… Então, porque fora lá quando saíra do castelo disposto a voltar ao hotel?

Natasha abriu a porta do escritório de Pietro e engoliu em seco antes de entrar. Acendeu a luz um instante depois. Depois de passear pela casa completamente às escuras, os seus olhos demoraram um pouco a habituar-se à luz. Não sabia o que procurava, não sabia nada. Sentia-se perdida e sozinha.

Ficara no velório para não parecer ingrata, mas o consolo dos outros chegara a ser cansativo, tal como ter de ver Matteo. O pior fora quando a própria mãe se afastara com ela para lhe perguntar se havia alguma possibilidade de estar grávida.

Tivera de se ir embora antes de perder a cabeça.

O resto dos Pellegrini ficaria no castelo e, com um ar compreensivo e preocupado, aceitara a sua explicação de que queria estar sozinha.

Face à sua insistência, todos os empregados da sua casa ficaram no velório.

Era a primeira vez que estava completamente sozinha na casa desde que lhe tinham dado a notícia terrível.

Como uma intrusa na sala que fora a guarida do marido, olhou para as paredes cheias dos livros que ele lera. Na mesa, estavam umas pastas que trouxera do seu escritório de advogados ou da fundação que tanto o orgulhava. Ao lado, via-se o livro grosso com capa de couro sobre Livingstone e Stanley que lhe oferecera no seu aniversário recente. Um marcador assinalava que já lera um terço.

Com um nó na garganta, pegou no livro, levou-o ao peito, deixou-se cair com um gemido que não soube de onde brotou e chorou pelo homem que lhe mentira, e a todos, durante anos, mas que fizera tantas coisas boas pela humanidade.

Pietro nunca acabaria aquele livro e também não veria o hospital que os irmãos iam construir em honra dele. Nunca entraria no carro que contratara no dia antes de morrer. Nunca teria a oportunidade de dizer à família quem realmente fora.

– Pietro… – sussurrou ela, entre lágrimas. – Estejas onde estiveres, espero que tenhas finalmente encontrado paz.

Ouviu a campainha da porta. Enrolou-se e tapou as orelhas. Fosse quem fosse, continuou a tocar até não conseguir ignorá-lo mais. Limpou as lágrimas, levantou-se do chão do escritório e desceu as escadas, segurando-se ao corrimão, enquanto se preparava para o que teria de dizer ao visitante inesperado para se livrar dele.

Rezou para que não fossem os pais.

Virou a chave e entreabriu a porta para olhar para fora. Convencida de que estava a alucinar, abriu-a por completo.

O coração parou.

Ali estava Matteo. Tirara a gravata preta e a camisa branca abria-se no pescoço. Tinha a respiração entrecortada e os dentes cerrados e a desolação refletia-se nos olhos.

Entreolharam-se, mas nenhum dos dois falou.

Natasha sentiu uma pressão no peito e o tempo parou.

Ficaram assim durante uma eternidade, falando-se apenas com os olhos. Viu uma centena de coisas nos dele: Diferentes formas de dor, desdita, raiva e algo mais, algo que não voltara a ver desde antes de a abraçar e de lhe dar o único beijo que tinham trocado, há sete anos.

Era a primeira vez que o via a sós desde aquele beijo.

Nunca esqueceria a expressão nos seus olhos quando, duas horas depois, aceitara o pedido de Pietro e os seus olhares se encontraram através da tenda. Ficaria gravada no coração até ao dia da sua morte e sempre se arrependeria de tudo o que perdera.

Mexeu-se como se tivesse vontade própria, deu um passo e pôs-lhe uma mão na face quente.

Ele não se alterou.

Matteo viu uns olhos inchados de tanto chorar, mas que o observavam com um brilho quase suplicante, e esqueceu tudo o que tencionava dizer. Nem sequer se lembrava de como saíra do carro.

Sentia a mão delicada e trémula na face, o calor penetrava a pele e só pôde observar a cara com que sonhara.

Uma força irresistível apoderou-se dele. De repente, não pôde recordar porque a odiava, todos os pensamentos desapareceram e só conseguia ver Natasha. Há quase oito anos, quando a vira pela primeira vez, soubera que a sua vida não voltaria a ser igual.

Poder e desejo

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