Читать книгу Sangue Contaminado (Laços De Sangue Livro 7) - Amy Blankenship - Страница 3
Capítulo 2
ОглавлениеNo meio da desordem do Cemitério Hollywood, Michael olhou para o Spinnan morto aos seus pés e limpou as mãos empoeiradas ao casaco.
“Isto foi divertido”, murmurou. Olhou para cima, mesmo a tempo de ver Kane arrancar a cabeça a outro demónio e atirá-la por cima do ombro. Michael desviou-se da cabeça voadora e fitou furiosamente as costas de Kane.
“Importas-te?”, perguntou Michael com brusquidão. “Cheguei tão longe sem me sujar… gostava que as coisas se mantivessem assim.”
Kane sorriu-lhe por cima do ombro. “És suficientemente rápido para te desviares se alguma coisa voar na tua direção.”
Tabatha suspirou, tendo visto derramamento de sangue suficiente para a vida inteira. Agora, parecia apenas que os rapazes estavam a brincar. “Se não soubesse como são as coisas, Kane, ia jurar que te estás a divertir imenso a matar estas coisas.”
“Bem, nunca ouvi…” Parou e pensou por um momento, depois olhou em redor para os demónios mortos, e de volta para Tabatha. “Tens razão, estou a divertir-me”, disse, encolhendo os ombros insensivelmente.
“Lembras-te do que perguntaste acerca de usarmos uma câmara?”, perguntou Tabatha com uma timidez afetada.
Kane deixou cair no chão o demónio decapitado e deixou os seus olhos passearem sugestivamente pelo corpo da parceira. “Sim… lembro-me.”
“Nada de máquinas fotográficas”, rosnou Tabatha, e começou a afastar-se.
Michael começou a rir-se do olhar desalentado de Kane, e o vampiro de cabelo louro correu atrás da parceira.
“Espera”, chamou Kane. “Retiro o que disse… não estou a divertir-me nem um pouco.” Parou por tempo suficiente para trespassar com a mão um Skitter que corria ao seu lado. “Eles são irritantes… vês?”
Angelica arqueou uma sobrancelha, com vontade de rir. Reprimiu essa vontade e simplesmente fitou Syn com curiosidade. “Os teus filhos são… interessantes.”
“Eles ainda têm de passar a fase da adolescência.”, disse Syn com cara séria. “Não apenas isso…, mas também precisam da mãe.”
Michael lançou a Syn um olhar indignado ao ouvir o comentário. “Passei a fase da adolescência sem problemas, muito obrigado.” Dito isto, retirou-se enfurecidamente, como uma criança a fazer birra e resmungando para consigo. Pelo caminho, Michael deu um pontapé na cabeça que Kane lhe lançara como se fosse uma bola de futebol, e atirou-a pelo ar. Aterrou num grupo de árvores, a que se seguiu uma exclamação ruidosa.
“Quem diabo é que está a atirar cabeças de demónio?”, ouviram Jason berrar.
Michael imobilizou-se durante um instante e depois decidiu não ficar ali. “Vou ver o que é que o Kane anda a fazer”, explicou Michael, enquanto passava a correr por Syn e por Angelica, na direção oposta à de Jason.
“Não tenho mais nada a acrescentar”, disse Syn de forma conspirativa, fazendo Angelica desviar o olhar para esconder um sorriso divertido.
*****
“Viste aquilo?”, bradou a voz de Nick de trás de uma cripta. “Acabei de ver uma cabeça voadora a passar por aqui a toda a velocidade.”
Por aquela altura um Skitter surgiu aos tropeções, tentando escapar à morte. Havia algo de engraçado em ver um bicho-papão com um olhar assustado.
“Sim, Nick, vi”, respondeu Kriss, surgindo no seu campo de visão.
Nick fitou as pernas do Skitter com uma expressão que roçava o sádico. “Vamos lá. Vamos ver se sabes dançar.”
“Nick, para de brincar com essa maldita coisa”, rosnou Steven, revirando depois os olhos ao aperceber-se de que estava a auxiliar um monstro.
Jewel avançou até ao Skitter e rebentou-lhe a cabeça com a espingarda, sorrindo depois para Nick com doçura. “O teu parceiro de dança acabou de morrer.”
“Ei!”, choramingou Nick. “Devia ter sido eu a matá-lo.”
“Na verdade, devia ter sido eu”, disse Kriss, com os braços cruzados. “De quem acham que estava a fugir?”
“Caçadores abundantes e presas escassas”, disse Dean, saindo das sombras de uma árvore próxima.
“Ao menos o Nick livrou-se daquele braço”, murmurou Steven, simulando depois um arrepio percorrendo-lhe o corpo enquanto acrescentava “Que nojo.”
Kriss fez má cara. “Não menciones o braço… NUNCA mais.”
“Porquê?”, perguntou Jewel, não percebendo o gracejo.
Nick sorriu. “Bem, eu…”
Kriss virou-se para ele e rosnou. “Diz mais uma palavra e eu mesmo te darei uma viagem de ida para o São Pedro.”
Dean sorriu. “Não o provoques, gatinho… ele parece ser suficientemente maluco para o fazer.”
Kriss perscrutou Dean, e ergueu as sobrancelhas ao ver o desejo latente nos olhos dele. Não conseguiu resistir… os seus olhos desceram pelo corpo de Dean e um leve rubor aflorou-lhe no rosto, fazendo-o desviar o olhar.
Jewel sorriu, ciente daquilo que os dois homens estavam a pensar. No entanto, Steven e Nick não faziam a mais pequena ideia.
Os olhos de Dean escureceram sedutoramente enquanto observava a reação que provocara em Kriss. Avançando atrás do outro Caído, Dean pôs-lhe o braço à volta da cintura e aproximou os lábios da sua orelha sensível. “Penso que vocês conseguem lidar com as coisas a partir daqui.” Sorriu quando Kriss estremeceu levemente, em reação ao toque do seu hálito quente.
Os três piscaram, enquanto os dois Caídos desapareciam sem deixar rasto.
“Como é que eles fazem aquilo?”, perguntou Steven suavemente.
“Não sei”, respondeu Nick, tentando apagar da mente o facto de que Dean enlaçara Kriss com tanta proximidade.
Sons de passos fizeram-nos olhar, enquanto Quinn e Kat surgiam de trás da cripta.
“Bem, está quase toda a gente aqui”, disse Nick. “Estou pronto para deixar o resto desta confusão para o PIT.”
“Tudo o que falta agora são a Envy e o Devon”, disse Steven.
Jewel olhou em volta. “Onde estarão?”
“Da última vez que os vi, estavam com o irmão da Envy e com o nosso ursinho de peluche portador de armas preferido. Tenho a certeza de que conseguem apanhar boleia dele”, afirmou Nick. “Então, se querem vir comigo, não percam o comboio.”
“Pronta?”, perguntou Quinn a Kat, agarrando-a pela cintura. “Há horas que estou pronta”, sorriu-lhe Kat. Fariam uma equipa magnífica nessa noite, mas toda aquela luta pô-la com disposição para outras coisas.
Steven deslizou o braço pelo ombro de Jewel e conduziu-a para a parte da frente do cemitério.
Nick revirou os olhos. Começava a sentir-se um estorvo.
Noutra área do cemitério, as quatro pessoas em questão faziam patrulha, capturando demónios, um por um. Trevor dava ordens pelo telemóvel às pessoas que colocara no recinto.
“Sim, vamos precisar de alguns sistemas de bloqueio de estradas para manter os humanos afastados do Cemitério Hollywood. Certifiquem-se de que todos os sistemas de bloqueio de estradas estão cobertos.” Trevor ficou em silêncio durante um minuto, enquanto o agente no outro lado da linha falava.
“Instalem tudo o mais cedo possível”, continuou Trevor. “Vamos em nove… precisamos de ter tudo instalado dentro de dez a quinze minutos. Já começam a aparecer espetadores, mas, por sorte, enviei pessoas para lá, para os bloquearem. A questão é que não são polícias, então isso está a causar um grande transtorno. Não podemos ter qualquer um a interferir com a cena do crime… se é que me entendes… vândalos e fogo posto… cerca de três dias… Não, se alguma coisa tentar sair, não creio que vá usar as estradas.”
Trevor massajou a têmpora. “Olha, se vires alguma coisa que nunca tenhas visto antes… dá-lhe um tiro.” Desligou o telemóvel e soltou um suspiro pesado. “Detesto ter que explicar tudo letra por letra.”
“Letra por letra? És capaz de soletrar?”, perguntou Chad, com os olhos arregalados de maneira cómica.
Devon roncou de riso e Envy sorriu abertamente.
“Não”, respondeu Envy rapidamente, sentindo-se um pouco pateta. “Mas consegue pronunciar palavras.”
“Deixa-me adivinhar”, interrompeu Chad. “Ele pronuncia ‘da’ como soa?”
Envy anuiu. “Sim, d…a...h.”
Chad quase caiu de riso, enquanto Trevor amuava.
“Importam-se de parar com isso?”, rugiu Trevor.
“Parar com o quê?”, disseram em simultâneo Envy e Chad, o que provocou um coro de risadinhas entre os irmãos.
Envy sorriu para o irmão, recordando todas as vezes em que, enquanto cresciam, se tinham metido em sarilhos por não conseguirem parar de rir e não ficarem sossegados. Agora que pensava nisso, isso acontecia normalmente quando iam dormir. Olhou com atenção para Chad. Sim, os olhos dele estavam vítreos.
Devon já não estava a prestar muita atenção à provocação. Localizara Warren à distância, desmembrando um demónio, e resistiu ao impulso de se transformar para poder correr ao lado dele.
Envy detetou a expressão de Devon e vislumbrou o anseio na forma como os seus olhos mudaram de cor. Seguiu-lhe o olhar, viu o jaguar e, pela primeira vez, percebeu que transformar-se estava na natureza dele. Era provável que Devon se mantivesse na forma humana por sua causa, e isso não era justo para ele.
“Por que não vais ajudar?”, disse Envy, pousando a mão no seu braço. “Eu fico bem.”
Devon olhou para ela. “Como é que vais para casa?”
“Eu levo-a para minha casa”, ofereceu Chad, agradado com a ideia. O apartamento não era a mesma coisa desde que ela se fora embora. “Seja como for, estou pronto para me ir embora daqui. Podes passar por lá para a ires buscar quando terminares aqui.” E acrescentou rapidamente: “E leva o tempo que precisares, porque provavelmente vamos estar a dormir.”
Devon estava a preparar-se para contestar, mas olhou para os dois irmãos, constatando pela primeira vez que estavam tão cansados que quase deliravam. Sentiu uma pontada de culpa por não ter percebido mais cedo. Os humanos precisam do dobro da quantidade de sono em relação a um metamorfo… se não fosse mais ainda.
“Está bem”, cedeu Devon, e deu a Envy um beijo demorado. “Eu apareço para te ir buscar… vai dormir um pouco.”
Envy anuiu e ficou a observar enquanto Devon se despia e mudava para a forma de um jaguar. Correu pelo cemitério atrás de Warren, e Envy maravilhou-se com a graça que ele possuía em todas as formas.
“Podemos ir agora?” A voz de Trevor estava sombria, desagradado com a forma como Envy seguia Devon com o olhar.
Envy e Chad anuíram em concordância.
“Boa ideia”, disse Chad. “Ia detestar tornar-me num alvo fácil para algum Skitter sortudo, só porque decidi deitar-me no cemitério e fazer uma sesta. Não dormi nada nos últimos dois dias.”
Os três partiram em direção à entrada do cemitério, matando mais alguns Skitters pelo caminho. Quando por fim chegaram ao carro de Trevor, Chad teve de parar e ficar a olhar por um momento, incapaz de controlar o sorriso sádico que lhe surgiu no rosto.
“Onde está o teu carro antigo?”, perguntou Envy, enquanto Trevor se aproximava da beldade negra nova. “Não que este não seja espetacular, porque é.”
Trevor imobilizou-se repentinamente, lembrando-se da funcionalidade extra que Ren pusera no carro. Merda! Sentiu uma vontade súbita de se virar e desatar a fugir dali para fora.
“Trevor,” disse Evey animadamente na voz que roubara a Envy. “Estou tão feliz por estares bem. Examinei toda a gente que ia e vinha da entrada e já arquivei a maior parte do teu relatório no sistema do PIT.”
A cor desapareceu do rosto de Trevor, enquanto examinava Envy e via a sua expressão de incredulidade.
“Trevor.” Envy imitou a preocupação que ouvira na voz do carro… a sua voz. “Há mais alguma coisa que queiras partilhar?’
“Oh, quem é esta?”, perguntou Evey. “Nunca a vi antes e não consta da base de dados do PIT. Devo adicioná-la?”
Se Trevor não soubesse, ia jurar que a voz de Evey estava demasiado doce para ser sincera.
“Evey, esta é a minha irmã Envy”, apresentou Chad. “Ela é humana e não faz parte do PIT. Será que podias levar-nos para casa?”
As portas do carro abriram-se e eles entraram, com Trevor e Chad à frente, e com Envy no banco de trás.
“Quando é que aprendeste a falar?”, perguntou Envy, lançando um olhar furioso a Trevor através do espelho retrovisor. Se os olhares pudessem matar, era um homem morto quem estaria a conduzir o carro.
“Recentemente”, disse Evey numa resposta rápida e curta… acrescentando depois de repente: “Não te atrevas a pensar que podes afastar o Trevor de mim.”
Chad ergueu as sobrancelhas e desatou a rir tanto que começou a sentir dores.
“Oh, não te preocupes com isso”, disse Envy com um sorriso afetado quase maldoso, dirigindo-se a Trevor através do espelho. “Não tenho intenções de o afastar de ti. Penso que vocês são o casal perfeito.”
Evey arquejou com entusiasmo e as portas do carro fecharam-se. “Onde é que tu e o Chad vivem?” Desta vez a voz soava feliz.
“Eu conduzo”, disse Trevor, desejando que um buraco se abrisse no chão e que terminasse com aquilo. “Aproveita e familiariza-te com a Envy.”
“Sim”, disse Envy, enquanto Trevor ligava o carro. “Conta-me tudo sobre as coisas divertidas que tu e o Trevor têm andado a tramar.”
Chad quase tinha caído para o chão do carro com tanto riso, e não parou de rir quase até chegarem ao seu apartamento. Assim que Evey foi estacionada, Chad saiu rapidamente do carro e precipitou-se para o apartamento, sabendo que Envy ia demorar mais alguns minutos. Raios, o rosto doía-lhe. O mais engraçado era que, desta vez, isso não tinha sido culpa de Trevor.
“Evey”, perguntou Envy meigamente, “será que te importavas se o Trevor me levasse até à porta? Esta noite vi demasiados monstros para me sentir segura sozinha… e parece que o meu irmão mais velho me deixou para trás.”
Trevor encolheu-se, sabendo que estava em sarilhos, e Evey não estava a ajudar. Definitivamente, esta não era a sua noite.
“Boa ideia. Trevor, certifica-te de que nada de mal acontece à minha amiga nova. Vou terminar de atualizar o teu relatório PIT por ti.” O painel do carro acendeu-se, transformando-se num ecrã de computador quando Evey iniciou o seu projeto, enquanto cantarolava baixinho para si mesma. Decidira que, dado que Envy era irmã de Chad, e obviamente combatia contra monstros, merecia ter o seu próprio ficheiro adicionado à base de dados do PIT. Secretamente, tirou uma fotografia à rapariga com a sua máquina fotográfica oculta.
Trevor suspirou, cedendo a um momento de autocomiseração, e saiu lentamente do carro. Bem, ele desejara ter um momento sozinho com Envy e agora parecia que ia consegui-lo. Estava mesmo a esforçar-se para ver o lado positivo das coisas, mas o lado positivo começava a parecer muito sombrio.
Chegaram por fim à porta e Trevor olhou de volta para Evey, reparando que uma árvore enorme no jardim da frente estava entre eles. Envy escolheu esse momento para atacá-lo e encarou-o ferozmente, tendo passado a viagem toda a pensar nisso. Espetou o dedo no peito dele com tanta força que Trevor teve a certeza de que ia ficar com um buraco quando terminassem.
“Era suposto aquilo ser uma piada? Porque, se era, não teve muita graça”, silvou Envy numa voz abafada, desconhecendo quão sensível o microfone do maldito carro era.
“Oh, é mesmo uma piada”, rosnou Trevor. “Mas era suposto atormentar-me a mim… não a ti. Sinceramente, tinha-me esquecido completamente daquilo até regressarmos ao carro”, explicou Trevor, passando a mão pelo cabelo. “Lamento que tenhas tido de ver aquilo.”
Ver a sinceridade nos olhos dele e ouvi-la na sua voz fez desvanecer o ataque de fúria de Envy. Ele estava a dizer a verdade… esperava ela. “Por que razão alguém te faria uma coisa dessas?”
Os olhos de cor prata azulada de Trevor escureceram ligeiramente enquanto fitava a sua alma gémea. “Porque toda a gente no mundo sabe que te amo e tu me odeias. Eles acham engraçado. Por que é que achas que o Chad estava a rir que nem um maluco durante a viagem toda?”
“Trevor.” Envy sentia o peito dolorosamente contraído com as palavras dele. “Isso não é verdade”, corrigiu suavemente. “Jamais conseguiria odiar-te.”
“Eu sei.” Trevor esboçou um ligeiro sorriso, que rapidamente se transformou numa expressão de desagrado. “Estou bem ciente de que estás apaixonada por nós os dois. O Devon também sabe disso.”
Envy arregalou os olhos e deu um passo para trás. Abanando vagamente a cabeça, sussurrou: “Por que pensas isso?”
“Nós somos metamorfos, Envy… conseguimos cheirá-lo”, insistiu Trevor, dando um passo em frente e aproximando-se. “Não digas que não me queres, quando sei que isso não é verdade. Amas-me tanto quanto o amas a ele porque tens duas almas gémeas.” Engoliu em seco, agora que tinha verbalizado tudo.
Envy permaneceu em silêncio, olhando para ele com olhos inocentes e sentindo que fora apanhada pelo seu radar. Não sabia como responder àquilo, porque a verdade era que… Trevor ainda conseguia dar-lhe a volta num piscar de olhos. Tinha estado até a forçar-se a ignorar a atração que sentia por ele, pelo facto de ter escolhido Devon.
“Diz-me que não me amas”, sussurrou Trevor, inclinando-se e ficando tão perto que os seus lábios quase se tocavam.
Desta vez foi Envy quem engoliu em seco. Obrigara-se a negar as palavras dele porque havia sentimentos enterrados que não o permitiriam. Ela detestava que lhe mentissem… então era quase incapaz de o fazer. Ainda o amava…, mas não estava certo estar apaixonada por dois homens ao mesmo tempo.
“Amo o Devon”, soprou ela nos lábios dele, ao mesmo tempo que se condenava por voltar a magoá-lo.
“Uma jogada inteligente… evasão”, disse Trevor passado um momento, e inclinou-se ligeiramente para trás para perfurar o olhar dela com o seu. “Porque, se me mentires… vou conseguir cheirar a mentira em ti.”
Envy recuou um passo enquanto Trevor pairava acima dela, bloqueando todo o resto, embora se tenha afastado. Esticando o braço atrás de si, a mão dela moveu-se atrapalhadamente, tentando encontrar a maçaneta da porta. Não queria pensar naquilo… estava a deixar-lhe o coração destroçado.
Por fim, os seus dedos roçaram na maçaneta e ela rodou-a, abrindo a porta. Deslizou para dentro e ia fechar a porta, quando a mão de Trevor disparou e a impediu de o fazer.
“Sabes que tenho razão”, sussurrou Trevor. “Também o sentes.”
Envy sentiu borboletas na barriga e fechou a porta rapidamente na cara de Trevor. Rodando a fechadura, voltou-se e pressionou as costas contra a porta, à espera de ouvir Trevor ligar o carro e partir. Por alguma razão, era como se ele ainda permanecesse atrás de si, à espera de transpor a porta e de envolvê-la nos braços.
Trevor pousou as palmas das mãos na ombreira da porta, sentindo a presença dela… encostada ao outro lado da madeira que os separava. Conseguia ouvir o coração acelerado dela através da madeira espessa e respirou profundamente para se acalmar. O seu instinto gritava-lhe que irrompesse porta adentro e tomasse o que lhe pertencia…, mas estaria condenado antes de lhe dar uma razão para deixar de amá-lo.
Franziu a testa momentos depois, não a ouvindo afastar-se da porta. Inclinando-se para mais perto da barreira que os separava, pousou a testa na madeira fria e suspirou.
“Envy”, murmurou. “Amo-te.”
Foi então que a ouviu correr para o quarto.
*****
Jason sentou-se num banco de pedra que tinha sido colocado em frente de uma das criptas maiores para fazer uma pausa. Nos últimos três minutos não se tinha deparado com nada nem ninguém, o que era um recorde.
Batendo de leve no anel, desejou que aquela coisa voltasse a ligar-se de alguma forma. Sentia um nó no estômago por não saber onde Tiara estava, nem se estava bem. Baixando um pouco a cabeça, criticou-se mentalmente por não ter sido capaz de a retirar do mausoléu. Que grande protetor tinha sido. Ela teve até de pedir ajuda a um demónio.
“É melhor olhares para trás de ti”, disse de repente uma voz, de entre o silêncio circundante.
Os olhos de Jason dispararam para cima e viram um homem de longo cabelo negro parado a uma distância curta. Piscou quando assimilou por fim as palavras do homem.
Os cabelos da sua nuca ficaram em pé e saltou alguns passos para a frente, girando cento e oitenta graus para ver o que estava atrás de si. Quatro Skitters fitavam-no a apenas alguns centímetros de distância, com as suas bocas desprovidas de lábios arreganhadas e mostrando cada um dos seus dentes afiados.
“Oh, vá lá!”, gritou Jason, sentindo um pequeno rasgo de ira. Estava farto de batalhar contra aquelas coisas. “Vocês ainda não perceberam, seus idiotas? Se vivem num cemitério, é suposto estarem mortos.”
Angelica sorriu após ter alcançado Syn, mesmo a tempo de ouvir a irritação de Jason. “Ei, Jason, queres ver uma coisa fixe?”, perguntou ela, pondo-se ao seu lado e erguendo as mãos. Abriu a boca e começou a murmurar um feitiço que servia para os fazer implodir. Para seu desânimo, os Skitters recuaram subitamente, virando-se depois e fugindo para o interior da escuridão.
“Impecável”, disse Jason, pensando que aquilo tinha sido o feitiço.
“Raios partam, se parasses de os assustar, talvez tivesse conseguido fazer uma boa matança esta noite!”, explodiu Angelica enquanto se virava, encontrando Syn mesmo atrás de si. “Pareces um repelente de demónios.”
Jason sorriu assim que percebeu aquilo de que ela se estava a queixar. “Bandeira Negra para demónios”, murmurou, mas calou-se rapidamente quando Angelica o fitou com um olhar enfurecido. “Quero dizer… sim. Tens toda a razão.” Quando em dúvida, deve-se concordar sempre com as mulheres.
Syn riu brandamente. “Tudo o que fiz foi caminhar até ti, minha querida. Não posso fazer nada se os Spinnan me temem. Talvez sejam apenas cobardes. Queres ir em busca de monstros mais corajosos?” Foi recompensado quando Angelica revirou os olhos e sorriu. Ela estava a começar a gostar dele.
Os ombros de Jason descaíram quando se apercebeu de que este era o homem sobre quem tinha sido avisado, na altura em que começara a fazer perguntas acerca da bela Angelica. Concluindo que aquele era um caminho sem saída, soltou um suspiro e voltou a sua atenção para o anel.
“Esta porcaria é inútil… o maldito GPS está avariado ou assim.” Rosnou e tentou tirar o anel. Puxou durante um instante, mas decidiu parar quando sentiu a articulação do dedo estalar. Fitou de novo o anel durante algum tempo e inclinou a cabeça. Talvez fosse bom o anel não sair, porque se saísse… era provável que o atirasse aos malditos Skitters.
“Como posso proteger a Tiara se não faço a menor ideia de onde raio possa estar?”, protestou para o anel. “Esta não é uma boa altura para dormir uma sesta, por amor de Deus.”
“Posso ver isso?”, pediu Angelica, estendendo a mão de forma a que Jason pudesse pousar a sua mão na dela. Reconheceu o anel das memórias que Zachary partilhara com ela e estava curiosa quanto ao poder que continha.
Jason não conseguia evitar observar Angelica com os olhos esbugalhados. Ela embalava a sua mão suavemente e examinava o anel com um olhar minucioso. A suavidade da pele dela na sua era muito reconfortante… embora se tenha encolhido quando Syn decidiu que aquele era um momento propício para se rir.
Olhou para cima e viu Syn pelo canto do olho. Aquele riso tinha soado demasiado sinistro. A escaramuça com Kane na noite anterior tinha-o assustado, mas este tipo… provavelmente era ele quem o Diabo procurava debaixo da cama ou no roupeiro, antes de ir dormir.
Syn observou pacientemente enquanto Angelica mantinha a palma da outra mão sobre o anel. Vê-la morder o lábio era a sua perdição. Alcançando-a, pousou a mão sobre a dela e entrelaçaram os dedos lentamente. Aproximando a sua cabeça da de Angelica, roçou o rosto no cabelo suave dela, ao mesmo tempo que a rodeava com a outra mão e a abraçava delicadamente.
Angelica piscou subitamente ao sentir aquilo de que estivera à procura. “Isso é batota”, sussurrou, mas procurou rapidamente a aura do anel enquanto tinha acesso. Sentiu dois caminhos surgindo da direita… um deles era iluminado, o outro, sombrio. Por curiosidade mórbida, começou a seguir o caminho sombrio para ver onde ia dar.
“Basta”, disse Syn suavemente, e afastou-lhe a mão do poder do anel. “O anel não só está ligado à mente da rapariga, como também à mente do demónio. Temos de ter cuidado para não o invocar acidentalmente.”
Angelica engoliu e assentiu, sabendo que ele estava certo. Sentira-o, o poder do demónio dentro do anel. Deixou o cabelo cair para a frente para esconder os olhos, enquanto contemplava as suas mãos ainda unidas. Era íntimo e, ao mesmo tempo, sexual, um gesto de tal simplicidade que lhe deixou a mente num redemoinho.
“Ele ainda está vivo?”, Jason cerrou os dentes e manteve a mão afastada de si, imaginando um demónio a irromper de dentro da mão numa explosão. Se aquilo que Nile dissera sobre Deth era verdade, aquele era um demónio que ele não queria mesmo que saísse do anel como se fosse um Génio. “Como se precisasse de outra razão para querer livrar-me já desta coisa.”
“A rapariga está inconsciente”, informou-o Syn, mas estreitou os olhos, desagradado com a aura do anel. Sentira o demónio virar-se para olhar para si, mas quebrou a ligação antes de a imagem estabilizar. Se aquela criatura regressasse ao mundo, era impossível prever que trevas traria consigo.
“Inconsciente? Essa é mais uma razão para a encontrar”, disse Jason, esquecendo o medo que sentia do anel. “Quem sabe em que sarilhos pode estar metida? Com ela desaparecida e com Zachary derrotado…”
“Derrotado? Do que é que estás a falar?”, indagou Angelica bruscamente, ficando acirrada e soltando a mão da de Syn.
“Pensava que sabias.” Jason franziu a testa. “Pensava que todos na equipa já sabiam disso por esta altura.”
“Sabia do quê?” perguntou Angelica com frustração.
“O Zachary ficou doido quando aquele demónio fugiu com a Tiara e explodiu o ninho predominante de onde estas coisas todas estavam a vir. O demónio que estava a criá-las foi consumido pelas chamas, juntamente com o ninho. O Zachary desmaiou no meio do fogo logo após a explosão.”
Vendo o choque no rosto de Angelica, Jason continuou rapidamente: “Está tudo bem, o Ren tirou-o de lá e desapareceu… não o vimos desde então. O Storm provavelmente sabe para onde foram porque estava lá quando as coisas aconteceram.”
“E a Tiara foi raptada por um demónio?” Angelica sentiu o coração acelerar. Não era de admirar que Zachary tivesse ficado doido.
“Não exatamente”, esquivou-se Jason. “É difícil de explicar. A questão é que ela perdeu os sentidos quando estava a retirar-se com o outro demónio e, até que esta coisa comece a funcionar outra vez, não sei sequer se está bem, e muito menos por onde começar a procurar.” Bateu no anel com a outra mão, frustrado, tentando novamente pô-lo a funcionar.
Sem dizer mais nada, Angelica encaminhou-se para a entrada do cemitério, ao mesmo tempo que se repreendia pelo seu egoísmo. Estivera tão ocupada com Syn e com os monstros, que não estivera lá para dar cobertura a Zachary… a única vez que ele precisara dela.
A sua visão ficou turva pelas lágrimas e limpou-as com raiva, apenas para se deparar com uma parede chamada Syn. Os braços dele envolveram-na para a amparar, mas antes que pudesse conter-se, começou a debater-se contra ele. Bateu-lhe no peito com os punhos pequenos, sabendo que de nada serviria, mas o seu primeiro instinto era livrar-se do que quer que a impedisse de encontrar o seu melhor amigo.
“Larga-me”, sibilou Angelica, mais zangada consigo própria do que com Syn. Era por isto que não se queria aproximar de ninguém. Escolhera a amizade de Zachary porque ele era forte e não lhe daria razões para chorar. Se Zachary tinha perdido os sentidos no seu próprio fogo… então algo de muito errado se passava com ele.
Syn agarrou-lhe o pulso e puxou-a diretamente para si com um rosnado. “Vou mostrar-te outra coisa que podemos fazer juntos.” Colou os lábios aos dela, numa tentativa de aliviar a fome ciumenta que sentira crescer dentro de si.
Angelica estacou e arregalou os olhos no momento em que os lábios dele pousaram nos seus. Sentiu os joelhos a fraquejar quando Syn lhe chupou lentamente o lábio inferior. O movimento era tão lento e sexual que quase sentiu as coxas em chamas. A ânsia de retribuir o beijo dominou-a.
Antes que pudesse prosseguir com a urgência crescente, Syn terminou o beijo e Angelica viu-se novamente fitando os seus olhos escuros de ametista. No seu estado meio aturdido, demorou algum tempo até se aperceber de que existia agora uma parede atrás dele e que a brisa que antes soprava já não lhe acariciava a pele.
Syn esperou que a sua parceira saísse do estado de êxtase que acabara de lhe provocar, antes de lhe soltar o pulso. Não precisava de a beijar para conseguir realizar o teleporte, mas se ela pensasse que precisava… não ia corrigir o engano.
Angelica movimentou-se em volta, surpresa por se encontrar no escritório de Storm. Os seus olhos perscrutaram a divisão rapidamente, antes de se fixarem em Zachary. Zachary estava dentro de uma barreira transparente… deitado numa cama formada pelas próprias chamas, tal como Jason tinha descrito. Soltou um soluço fraco ao vê-lo naquele estado.
Aproximou-se da barreira com passos lentos. Nunca tinha visto chamas tão negras vindas dele e sabia que isso não podia ser um bom presságio.
“O que se passa?”, sussurrou, perguntando-se se Zachary conseguia ouvi-la.
Colocando as mãos na barreira, viu um rio do que parecia água resplandecente correndo entre os seus dedos e desaparecendo antes de chegar ao chão. O revestimento ficou de um tom azul elétrico à volta das mãos e ela empurrou-o… testando a sua robustez.
“Zachary, abre os olhos. Por favor… deixa-me apenas saber que estás bem.” Angelica sentia a esperança desmoronar a cada segundo que passava e ele não respondia.
O cabelo louro de Zachary adejava à volta do seu rosto e o corpo quase imóvel oscilava suavemente nas chamas, o que mostrava que eram as chamas que estavam a mantê-lo suspenso acima do chão. O que a assustava mais era a sua completa imobilidade… não conseguia sequer perceber se respirava.
“É um feitiço, Zachary? Foi alguém que te fez isto? Estou a ir… aguenta.” Fechou os olhos e começou a tentar abrir mentalmente as fechaduras à volta da barreira. Ela era capaz de o fazer… ela ia fazê-lo… por Zachary.
Syn tinha permanecido em silêncio, dando-lhe privacidade para estar com o amigo, mas não era capaz de suportar o seu sofrimento por mais tempo. Colocando-se atrás de Angelica, pousou as palmas das mãos no escudo, acima das mãos dela… fortalecendo-o, em vez de ajudar a derrubá-lo.
“Porquê? Por que me estás a travar?”, perguntou Angelica, sem compreender.
“Porque não acredito que o teu amigo Zachary ficasse muito satisfeito se acordasse e descobrisse que te tinha magoado com o seu fogo de fénix. Ele não está a morrer… está a restabelecer-se. E, pela aparência disto, quando acordar vai trazer consigo todo o seu poder.”
Angelica voltou as costas para a barreira, não querendo ver a imagem sinistra de Zachary a arder. Com necessidade de sentir-se protegida, envolveu com os braços a cintura de Syn e escondeu o rosto no seu peito quente.
Syn dobrou os braços à volta dela, dando-lhe o conforto que ela procurava silenciosamente. Fitou Zachary e interrogou-se em silêncio sobre o que teria acontecido a Angelica nesta vida, se não a tivesse encontrado. Será que a amizade entre ela e Zachary teria evoluído para algo mais íntimo?
Apertou os braços à volta dela, enterrando o rosto no seu cabelo escuro, e decidiu não ficar a remoer sobre isso. Ela amava a fénix ternamente, e por isso ele sentia-se no mínimo agradecido…, mas estava na altura de a sua parceira se relembrar daquilo que o amor verdadeiro realmente significava.