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III
A INSTRUÇÃO
ОглавлениеÉ fundamental este assumpto, visto que a nossa civilisação se baseia não na força mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso.
Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos, que a mulher portuguêsa é ignorante e futil, que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos dos incultos, não merecendo do homem a consideração que se tem pelos iguais, mas a tolerancia que se dispensa ás crianças irresponsaveis.
Coisas de mulheres, dizem por vezes os homens, mostrando o seu despreso; notando-se que os que mais clamam esta superioridade são, quasi sempre, os mais inferiores...
Não é isso, porém, o que nos interessa; é certo que o homem português tem tantos ou mais defeitos do que a mulher, mas se ella se transformar, facilmente o corrijirá.
A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos bons para se modificar, sem se queixar do homem e esperar que lhe ensine o que elle mesmo não sabe nem é da sua competencia saber.
O homem tem culpa em não elevar a mulher, em não fazer della a sua companheira de trabalho e luctas, em temer a ilustração da mãe de seus proprios filhos; o homem faz mal, porque rebaixando a mulher não se lembra que se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos seus labios escutou as primeiras lições da vida. Mas a mulher póde reagir, póde educar-se a si mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de progredir, de se igualar ao homem pelo trabalho e pela inteligencia cultivada.
A mulher falha de educação é muito mais inferior do que o homem, porque são os seus proprios defeitos que se tornam qualidades, elevados pela cultura, encaminhados pela educação. O que na mulher educada é espirito, é na outra grossería; o que numa é presciencia, é na outra desconfiança; o que numa é desenvoltura e graça, é na outra descaramento; o que numa é observação, é na outra bisbilhotice...
Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se por uma rua onde ha desenas de homens, principalmente se forem do povo, não se ouve um dito desagradavel, não se ouve um riso que moleste; mas onde estiverem duas mulheres ás quaes a educação não depurou os defeitos, ou cujos espiritos não estejam perfeitamente humilhados pela dependencia, temos dois intoleraveis animaesinhos que riem, falam, troçam, olham miúdamente, com o proposito ferino de irritar e de ferir.
Por isso, tanto ou mais do que o homem, necessita a mulher ser educada e ilustrada, e é, a meu ver, por onde deve principiar a remodelação duma sociedade que seja progressiva.
Educar a mulher—eis o problema maximo a desenvolver e pôr em prática.
A isso é que chamâmos feminismo, que não em pôr gravatas e colarinhos de homem, que se podem usar como prova de simplicidade ou de extravagancia, mas nunca como afirmação de opiniões.
Educar a mulher dando-lhe meios de poder auferir com o seu trabalho o suficiente para a sua sustentação—quando é só—de auxiliar o homem, esgotado pelo trabalho de sobre-posse que lhe exige a concorrencia e a carestia da vida moderna,—quando casada,—parece-nos a maneira mais prática de a tornar um ser livre, apta a escolher por motu-proprio o caminho a seguir direitamente na vida.
Não temam os homens que a mulher instruida, por mais liberta, quebre mais facilmente os laços de conveniencias com que a sociedade a prendeu. Nem sempre foram os conventos, com todas as suas grades e portarias, o mais puro exemplo da castidade feminina; ainda hôje os harens, com todos os seus guardas e eunúcos, são para o ciume do macho bem fragil garantia...
A mulher entregue ao seu proprio discernimento fará o que a consciencia esclarecida e o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o mêdo lhe dictar.
Que mérito tem a criatura que não falta aos seus deveres porque está guardada á vista, como um doido furioso?
É certo que no nosso povo está tão enraísado o habito de fazer acompanhar as mulheres, como signal de grandêsa, que é mais uma nobilitação do que uma prova de desconfiança.
Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de provincia, uma vergonha para a mulher, mostrando que o marido a não présa bastante para a fazer acompanhar.
Lá diz a cantiga: