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A poesia e a poética de Augusto dos Anjos
ОглавлениеPor Pereira da Silva4
Correspondendo a gentileza do Sr. Augusto dos Anjos, que se lembrou de meu humilde nome, oferecendo-me um exemplar do seu livro ―Eu‖, não poderia em consolência deixar um silêncio as ideias e os sentimentos que me advieram dessa leitura. Não me move a pretensão de fazer um estudo crítico, ideia nobre aliás, mas muito acima de minhas faculdades; pretendo apenas exprimir as impressões pessoais ou subjetivas que me deixaram a sua poesia e a sua poética.
A sua poética! É ela sem dúvida, muito pessoal. Chega a ser mesmo extravagante, esquisita, esdrúxula. É nessas qualidades excessivas, classificadas por outros defeitos, que se encontra, no entanto, a profunda sinceridade do poeta complexo que é o Sr. Augusto dos Anjos. É impossível acompanhá-lo nas suas cogitações, nas suas dúvidas, em todo o desespero incontido de suas estrofes, por vezes antes de filósofo que de poeta, sem sentir para logo o muito que há, nesse poeta, de intensa angústia inédita e incontida, - resultante lógica de uma concepção filosófica um tanto pessimista.
Tanto vale dizer que em Augusto dos Anjos a Poesia e a Filosofia se confundem quase sempre, dando à sua expressão emocionante alguma coisa de característico, muito sua: a espontaneidade da primeira com a técnica, não raro rebarbativa, da segunda. O que há a louvar é que, felizmente para as musas, a Ideia, em Augusto dos Anjos, não predomina sobre a sua enorme sensibilidade quase doentia de tão aciculada. É ele um poeta que pensa as suas estrofes, mas se deixa dominar por elas logo que surgem irresistivelmente como uma necessidade morfologicamente nova desse pensamento.
Daí a espontaneidade que o caracteriza poeta, mas prejudica a profundeza do conceito no arrevesado da forma. Dir-se-ia que sua poesia se faz por um estranho precipitado da imaginação e do raciocínio, que criam, assim, uma entidade emocional nova, quase sui generis.
É o caso psicológico do ―Morcego, para não citar outras composições suas. Demais a mais, a poesia do Sr. Augusto dos Anjos pode ser resumida, como a de Antero de Quental, num psiquismo dominante, que lhe faz ver o mundo sempre sob a mesma projeção sombria do próprio espírito.
Mas que diferença de forma entre um e outro poeta! É que Antero era um místico, que tinha, todavia, o raciocínio de um cético; A. dos Anjos é um poeta de viva imaginação, corroído, infelizmente, por uma impenitente filosofia naturalística. A um e outro a concepção restrita da filosofia preme, como um guante de ferro, os movimentos espontâneos do verdadeiro espírito livre. Não se encontra uma estrofe de Augusto dos Anjos, nas suas poesias de caráter abstrato, sem a influência de Heckel, com sua poderosa fascinação de construtor imaginário da Natureza e do homem. A própria técnica do sábio naturalista aí está, obstando sempre, a visão pura do poeta. É já uma necessidade de sua emoção pessoal a fórmula científica consagrada. Houve quem o censurasse por isso. E com razão: um poeta, como A. dos Anjos, não precisa de intermediários para ser o instrumento maravilhoso, como dizia Bergson, dessa natureza, que ele vê tão escura, através dos óculos do naturalista decadente de Yena.
A poesia foi sempre, por sua natureza, criadora. Não há razão para que não continue a ser tal, malgrado o desenvolvimento assombroso do espírito científico e filosófico.
O próprio Sr. Augusto dos Anjos é a melhor prova deste acerto. É um poeta, mas um poeta atual, apesar de ter a obstar-lhe os instintos criadores, uma filosofia tão restrita. Não queremos dizer com isto que um poeta do século XIX deve ignorar o dramático e o trágico das ideias, hoje mais que nunca, em crise. Ao contrário: ele e só ele poderá e deverá ficar à margem da história contemplando os variados aspectos da vida, não como filósofo, crítico ou historiador, o que seria detestável, mas como um instrumento vivo e vibrátil da Humanidade, através da sua evolução indefinida.
Toda a cultura ou toda a civilização do seu tempo deve entrar na sua psicologia, mas como um meio necessário a fazer dela um tipo representativo, cada vez mais perfeito e mais harmonioso. Só assim não perderá o poeta a sua entidade, e acompanhará a evolução das ideias. Sem perda de sua emocionalidade.
O Sr. Augusto dos Anjos, se não fosse fundamentalmente poeta, não teria conseguido com sua técnica científica os efeitos emocionantes que dão a seu livro uma originalidade extravagante, mas incontestavelmente estética. E a sua estética é efetiva, é real – é a expressão viva de um estado d‘alma que não é só seu, mas de todos os espíritos voluptuosamente fascinados pela ciência positiva, que talvez não engane, mas é certo que não satisfaz.5