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A Poesia Científica

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Por Martins Junior78

Eis aí a nova fórmula, o novo credo, a nova lei, nos domínios da inspiração metrificada, na esfera das emoções sujeitas à sonoridade igual e ondulante do verso.

É convicção minha isso, e para cimentar essa convicção tenho argumentos de toda ordem, raciocínios de toda natureza.

E que os não tivesse... Bastava-me, para correr atrás dessa prometedora intuição poética, a necessidade moral de sentir e gozar uma chimásia esquisita, o desejo de provar um fruto ainda não mordido...

Da trajetória, cheia de cambiantes admiráveis, que Ela - a Poesia - tem descrito no tempo, isto é, na História; dos fenômenos artísticos que podem ser observados atualmente; dos recentes processos de exegética literária, dominados pela lei da filiação; enfim, do conjunto das idéias modernas, da orientação mental que têm tomado as civilizações mais avançadas; deduzo eu motivos para crer no evento da Poesia Científica

Vou precisar, ou antes: - vou justificar a asseveração que aí fica.

Em toda a longa desenvolução afetiva ou emocional da Humanidade, a partir do estádio iniciante do fetichismo, a Poesia tem representado um papel eminentemente útil, construtor, filosófico.

Foi preciso que a anarquia mental e moral, resultante do esfacelamento do regímen católico-feudal que jungia os povos do Ocidente, viesse, até o princípio deste século, anormalizar os espíritos, para que se pudesse negar essa verdade e ver simplesmente nas produções do gênio poético um artifício palavroso, destinado a sensibilizar o ouvido e a seqüestrar o homem das lutas intelectuais e práticas do seu tempo.

Raciocinemos:

No mais baixo degrau do primitivo estado da mentalidade humana, no período fetichista, as faculdades poetizantes, isto é, sensitivas e imaginativas, se deviam ter confundido com a potência propriamente intelectiva.

O homem fetichista, o tímido e supersticioso adorador da longínqua estrela faiscante, da grande árvore seivosa e da pedra bruta que avultava no chão, sincretizou, decerto, num só ato psíquico espontâneo, a sua compreensão intelectual dos fenômenos ambientes e as suas impressões propriamente sentimentais.

Portanto a sua poesia, se a teve, se a externou, se a compôs sob uma forma e por um modo qualquer, devia ter sido um reflexo vivo, uma quase cópia da concepção teológica do mundo na sua primeira fase.

A arte, aí, esteve, pois, estreitamente unida à ciência, à síntese filosófica que se impunha naquele tempo.

Esteve-o também, e então mais sensivelmente, no período das civilizações politéicas, que se seguiu ao primeiro.

O que são os poemas do divino Melesigenes, senão compêndios sonoros a lecionarem todo o antropomorfismo majestoso daquela filosofia e daquela religião da Grécia heróica?

Ali, a poesia, como a ciência, foi e não o podia ter deixado de ser, politeísta.

Durante toda a comprida dominação do monoteísmo católico, que substituiu as intuições greco-romanas, sempre o mesmo fato, a manifestação da mesma lei: a poesia a vulgarizar as idéias filosóficas reinantes.

Se Tomás de Aquino escrevia a Summa, encerrando inteiro em seu livro, e estereotipando nos traços de sua pena, o espírito da idade mediévica, Dante Alighieri forjava as brônzeas estrofes da Divina comédia, imortalizando as criações fantasmagóricas do inferno, do purgatório e do céu, e poetizando a teologia...

E assim por diante. Sob a Metafísica, através da Renascença, como dos pródromos da reação romântica que veio em seguida, a poesia refletiu sempre o status mental predominante.

E a diretriz que ela, com a positivação dos conhecimentos humanos, vai tomando agora, não é mais do que a acentuação dessa tendência.

De fato: o Conjunto da fenomenologia artística atual a que ainda há pouco me referi confirma, como disse, a tendência a que aludo.

Por toda a parte, na Europa inteira e nas zonas civilizadas da América, o espírito científico que se alarga vai dando lugar à eclosão de fórmulas afetivas adaptadas ao estado de positividade das inteligências. Aí estão nas manifestações literárias como na produção propriamente artística, o naturalismo, o impressionismo, etc. ...

(...)

"A Arte de hoje, creio, se quiser ser digna do seu tempo, digna do século que deu ao mundo a última das seis ciências fundamentais da classificação positiva, deve ir procurar as suas fontes de inspiração na Ciência; isto é, na generalização filosófica estabelecida por Auguste Comte sobre aqueles seis troncos principais de todo o conhecimento humano.

É para mim um princípio assentado que ao estado definitivo de positividade a que chegou a mentalidade do homem civilizado, corresponde presentemente, no domínio do sentimento, esta escola de poesia a científica.

Entendo que modernamente ela, a poesia, deve ser científica; mas científica debaixo deste ponto de vista, deste modo:

- Sentindo o influxo da concepção filosófica do universo que domina em seu tempo; enunciando as verdades gerais que decorrem para a vida social dessa concepção; mas vestindo sempre os seus ideais com as roupagens iriadas das faculdades imaginativas, e nunca deixando de obedecer à emoção poética que dá nascimento à obra de arte.

Ou antes: Quero a poesia contemporânea alimentando-se dos sentimentos filosóficos da nossa época, mas cantando-os, sem tratadizar (seja- me lícito empregar esse termo), no poema ou na ode, uma ciência particular ou uma ordem de conhecimentos especiais."

É um pedaço do prólogo das Visões de hoje, isso.

Por ele vê-se claramente, e em síntese, a compreensão que eu tenho da poesia hodierna.

Vou dar mais luz a esse meu modo de ver, que reputo justificável em extremo.

A emoção que dá origem à poesia pode manifestar-se ou no terreno dos sentimentos ou no das idéias; pode provir desta ou daquela estação do sistema nervoso. É dessa opinião o autor da Esthetique positive.

A poesia das idéias, que só o nosso século pode realizar completamente porque só nele se veio a fechar o círculo abstrato da especulação humana, é tão aceitável e legítima como a poesia dos sentimentos.

É intuitivo esse asserto.

Entretanto eu não quebro lanças simples e exclusivamente em favor da poesia das idéias, não.

Concedendo, para pôr-me de acordo com a opinião mais corrente, que o departamento da sensibilidade seja, no homem, o mais próprio para hospedar a arte e gerar as finas idealizações líricas, - tomo aqui a palavra líricas como sinônima de poéticas, penso - que, mesmo nessa circunscrição da alma, a poesia pode e deve ser científica.

A razão disto está em que existem sentimentos nascidos da difusão da ciência, correspondendo a idéias também nascidas desta. O sentimento da simpatia e amor social, por exemplo, é filho da idéia de solidariedade humana, sugerida pela meditação filosófica.

E tanto a idéia de solidariedade social, como o sentimento de amor pela coletividade, podem inspirar ou produzir poemas esplêndidos.

Mas a poesia das idéias leva com facilidade ao didaticismo, dirão...

É por isso que eu, sem a rejeitar, quero-a unida à poesia dos sentimentos científicos. Desse modo a arte nunca virá a ser a própria ciência, nem a ciência deixará alguma vez de influir sobre a arte.

Denomino a poesia, a fórmula poética do futuro, como eu a compreendo e como a quero, deste modo: - cientificismo filosófico, ou - poesia científico-filosófica.

Isto para obstar a que se faça de um livro de versos um compêndio de qualquer ciência particular abstrata ou concreta, e obstar ao mesmo tempo a que se pretenda, partindo de um ponto de vista subjetivo e especial, reduzir a poesia a um mero processus artístico de especulação lógica ou psicológica.

Somente quando estiver bem vulgarizada e aceita a compreensão verdadeira das expressões ciência e filosofia, que tendem, desde o princípio deste século, a sinonimizar-se, a se fundir, a se consubstanciar em uma só; se poderá, sem perigo, dar à poesia a qualificação única de - científica.

Mas apesar de ser isso verdade, ferido pela necessidade de matar o prejuízo que faz ver na ciência uma inimiga figadal da Poesia, eu às vezes digo apenas poesia científica, em lugar de falar na poesia científico-filosófica.O título deste livro é uma prova dessa minha imprudência.

Citando, algumas páginas atrás, Lucrécio, Ovídio, Horácio e Boileau, eu devia ter aposto a esses nomes um outro, diante do qual só o do autor da Natureza das cousas pode levantar-se orgulhoso.

Esse nome é o de João Wolfgan Goethe - o poeta e filósofo alemão, cuja radiosa cabeça encheu de faiscamentos geniais o fim do século passado e o começo do atual.

O autor do Die Leiden des Jungen Werther, com a produção do Fausto, lançou uma fúlgida ponte fecundíssima entre a concepção poética de Lucrécio e a poesia científica moderna.

É o segundo elo ou anel da formosa cadeira que se vai estendendo agora...

Dele cita Letourneau na Physiologie des passions, um magnífico trecho que mostra bem o como ele sabia ser poeta.

Para dar fim ao presente capítulo, esta síntese:

- A poesia científico-filosófica é, a meu ver, o dogma que a mentalidade atual impõe à Imaginação e Sentimento modernos.

A poesia científica, podendo romantizar, isto é, engrandecer e aformosear por meio da transformação criadora, já as idéias já os sentimentos de nossa época, alarga o círculo da atividade artística e tem a vantagem de fazer sempre do poeta um homem útil, um produtor sério.

Aí a tem, a nova intuição poética. Compreensiva, sensata e forte, ela se estende por toda a área da emocionalidade humana, abrangendo tudo.

Desde a lei astronômica da atração até o evolucionismo biológico e social, desde as generalizações da filosofia até os fatos particulares do amor, da dedicação, da coragem, do civismo, da paz, da família, da felicidade, da miséria, do crime, do patriotismo; desde a luta pela vida nos vegetais e nos animais até o conforto doce de um menage alegre e honesto; vai, ou antes, deve ir a poesia de hoje.

E essa poesia, grande, elástica, imperecível, correta, harmoniosa, sonora, não é, não pode deixar de ser outra senão a científica, a arte rítmica, moldada pela concepção positiva do mundo.

Mestres da Poesia - Augusto dos Anjos

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