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Livro do dia: Eu, por Augusto dos Anjos
ОглавлениеPor Nazareth Menezes6
A poesia científica propriamente dita, que tem em Martins Junior o seu fundador, entre nós, e Carlos D. Fernandes, o seu mais característico representando, não chegou a fazer escola em nossa literatura.
Não vem a propósito repetir aqui a discussão muito filosófica e pouco literária que a escola despertou no seio da crítica indígena. Basta acentuar apenas que a poesia científica não predominou jamais nas nossas letras.
A escola passou, como passou o "gongorismo", o "nefelibatismo" e outras classes diversas de poetas irrequietos.
A expressão verdadeira da nossa poesia é, sem dúvida, a lírica, poderosa, palpitante, verdadeira, natural e espontânea. Fora daí aparecem ensaios reveladores de talento, muitos deles, porém, falhos, despidos de beleza, sem arte e sem vibração.
Temos no livro "Eu", do Sr. Augusto dos Anjos, um desses ensaios. O volume revela, sem dúvida, a existência de um robusto talento, de um poeta correto, cultivador da forma e que sabe fazer o verso sonoro e cativante.
A prova disso, encontra-se neste admirável soneto, a melhor produção de todo o livro:
O MORCEGO
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Infelizmente as demais poesias do poeta não imitam essa sonoridade, envolvendo a pureza filosófica de uma ideia tão perfeita, tão justamente elevada e frisante.
Nota-se em todas as páginas deste volume a preocupação constante de tecnologia. Os versos do Sr. Augusto dos Anjos perdem, por isso, grande parte do encanto que a fórmula lhes empresta.
Citaremos, ao acaso, alguns. Vejamos essa quadra:
É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério!
Ora, isso, positivamente, é um amontoado de palavras difíceis e nada mais. Há ainda estas coisas:
Eu voltarei, cansado da árdua liça,
À substância inorgânica primeva
De onde, por epigênesis, veio Eva
E a estirpe radiolar chamada Actissa.
Não vale citar mais. Em todas as páginas do livro se encontram essas extravagâncias, muitas vezes atentatórias às regras da ciência.
Em compensações é, outro tanto, infeliz o autor de "Eu". Vejamos estas:
E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!
Outra:
Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios!
Estando em Recife, num clima brasileiro, o Sr. Augusto dos Anjos afirma isto:
Da roupa pelas brechas,
O vento bravo me atirava flechas
E aplicações hiemais de gelo russo.
Não citamos mais. Todo o livro está cheio dessas ideias e dessas comparações.
O poeta é moço ainda e tem o talento bastante para abandonar essa poesia técnica, muito imprópria e muito postiça e atirar-se a outros gêneros em que possa mais belamente florir o seu verso.
Quem escreve versos como o soneto citado acima e os intitulados "Sonetos", a seu Pai, certamente tem emoção e pode vencer.