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CAPÍTULO I

Emilie ouviu o som de passos no corredor, depois o barulho da bandeja com o café da manhã sendo colocada sobre a mesa; então, alguém pigarreou e bateu à porta do quarto.

Sem esperar resposta, Jeanne entrou e foi abrir as cortinas.

Olhando o corpo pesado dela, naquela luz suave, Emilie imaginou quantos anos teriam passado desde que acordou pela primeira vez com aqueles ruídos.

Nunca era o barulho da porta se abrindo que a acordava, mas sim os anteriores... os passos de Jeanne no corredor, a bandeja sendo colocada sobre a mesa e o pigarro.

Já fazia dezoito anos que Jeanne era sua empregada? Não, dezenove. E se conheciam desde crianças.

As cortinas abertas, deixavam ver um dia de inverno, os telhados de Paris úmidos e o céu cinzento onde o sol pálido tentava aparecer.

Emilie sentou na cama.

Estava acordada há muito tempo. Nem sabia se havia dormido mais do que uma hora, durante toda a noite. Olhou-se no espelho da penteadeira que ficava de frente para a cama e viu o que a insônia havia causado em seu rosto.

Parecia velha e feia, naquela manhã; entretanto, talvez parte dessa impressão fosse causada pela cor dos cabelos. Mas não tinha tempo para pensar em si mesma. Tinha que dar atenção a coisas mais importantes.

Vestiu um robe e recostou-se nos travesseiros, esperando que Jeanne servisse o café da manhã.

Pareceu que a empregada demorava uma eternidade, até arrumar a bandeja com cuidado, colocar o bule mais para a esquerda, a xícara mais para a direita e alinhar os talheres.

Emilie não ficou aborrecida. Sabia que Jeanne estava esperando que dissesse alguma coisa. Rispidamente, como sempre acontecia quando a empregada se intrometia em suas decisões, ela disse:

—Feche a porta.

—Sim, senhora. Eu já ia fazer isso.

—Então, vá depressa. Depois, sente. Precisa me ouvir com atenção. Temos muito a fazer.

Jeanne atravessou o quarto, rígida. Tinha ossos grandes e os movimentos de uma camponesa. Seus cabelos estavam grisalhos, mas o rosto não tinha rugas e os olhos eram brilhantes como os de uma criança. Aos sessenta anos, não tinha a menor dificuldade em fazer os bordados mais complicados.

Fechou a porta e voltou, sentou-se numa cadeira ao lado da cama. Suas mãos rudes se cruzaram no colo.

Emilie olhou-a por cima da borda da xícara de café e achou que lembrava uma colegial esperando que a professora falasse. Sentiu-se aborrecida com essa impressão.

Jeanne era uma amiga confidente; entretanto, às vezes assumia deliberadamente o ar humilde e o desinteresse servil dos criados comuns.

Geralmente, isso significava que estava magoada com alguma coisa. E, naquele momento, parecia estar acontecendo as duas coisas.

Ela já devia saber de tudo! Tinham tido tantos problemas na noite anterior, para não fazer barulho, mas foi inútil. Jeanne devia estar acordada e agora estava ressentida porque não a tinham chamado.

Emilie colocou a xícara de café sobre o pires, ruidosamente.

—Jeanne, algo aconteceu ontem à noite. Chegou uma visita.

—Sim, senhora.

A resposta veio sem surpresa. Emilie riu.

—Pare de fingir que está magoada. Você sabe tanto quanto eu que ontem alguém veio aqui inesperadamente. Inesperadamente, repito. Não tinha ideia de que ela viria; não nestas semanas, e pretendia dizer a você, muito antes que ela chegasse. A garota me disse que escreveu há quatro dias, mas o correio está terrível e a carta não chegou. Pense nisso, Jeanne: a pobrezinha chegando sozinha na estação, sem ninguém para esperá-la. Quase não tinha dinheiro para pegar uma carruagem.

—Então, foi a senhorita que chegou ontem.

Emilie ainda ria.

—Você sabe muito bem que foi a senhorita, pois já viu a bagagem na entrada, e aposto que foi olhar no quarto dela. Está dormindo ainda?

Jeanne esqueceu o orgulho ferido.

—Sim, senhora. Está dormindo como um anjo! Quando a vi, meu coração quase parou de bater. Um verdadeiro anjo, eu disse a mim mesma, caído do paraíso.

—A garota é linda. Sempre acreditei que seria, mas, neste último ano, ela mudou muito. Está com dezoito anos! Você acredita, Jeanne, que se passaram dezoito anos desde a morte de Alice?

De repente, a voz de Emilie estava cheia de sofrimento, seu rosto ficou mais tenso e os olhos pareceram se estreitar um pouco.

Depois, com um gesto impaciente, empurrou a bandeja do café para o lado e disse:

—Temos muito a fazer. Agora mesmo!

—Estou ouvindo, senhora.

A resposta foi calma e a velha continuou encarando a patroa. Viu a mudança de expressão e o brilho nos olhos escuros, a tensão nos lábios.

De vez em quando, Emilie Bleuet parecia muito bonita, mas naquela manhã, não. A luz suave que vinha da janela revelava cada ruga no rosto fino. Iluminava a pele descolorida do pescoço, o queixo duplo, a ruga profunda entre as sobrancelhas e as que desciam dos lados do nariz até os cantos da boca.

Entretanto, não havia nada de anormal naquilo. Jeanne estava acostumada com os dias piores e melhores de Emilie. Não havia nenhum segredo entre as duas, e eram quase da mesma idade. Jeanne tinha nascido em 7 de janeiro de 1814 e Emilie, no ano seguinte, no mesmo dia.

Portanto, Emilie estava com cinquenta e nove anos, uma idade em que o tempo pesa demais.

Mas sua expressão, naquela manhã, apesar de envelhecida, estava cheia de animação. Jeanne nunca a tinha visto tão impaciente, com uma espécie de energia interior que fazia seus olhos brilharem.

Só quando esquecia completamente de si mesma, Emilie voltava a falar com o sotaque de sua terra natal. Geralmente, seu francês era puramente parisiense, cuidado, formal e falado numa voz fria e impassível. Naquela manhã, sua voz parecia o eco da Jeanne; qualquer um que ouvisse saberia que as duas tinham vindo das praias da Bretanha.

Emilie respirou fundo e disse:

—Planejei lhe contar tudo isso daqui a alguns dias, Jeanne. Eu esperava que minha sobrinha só chegasse no fim do mês. Fiquei muito espantada quando ela surgiu ontem à noite. Ela me contou que a Madre Superiora do convento morreu e as freiras decidiram mandar as alunas para casa, três semanas antes das férias. Ela me escreveu, mas, como já disse, a carta não chegou.

Parou por um momento, tamborilando os dedos, enquanto olhava para Jeanne. Depois continuou, em voz baixa:

—Hoje, começamos uma nova vida. Você e eu. O passado terminou.

—Uma vida nova, senhora? O que quer dizer com isso?

—O que eu disse. Não é nenhum discurso misterioso, mas um fato. Anteontem, vendi o negócio.

—Senhora!

Jeanne agora estava atônita.

—Sim. Vendi e vendi muito bem. De hoje em diante, o número 5 da Rua do Rei não existe mais para nós. Na verdade, nunca existiu. Madame Bleuet está morta.

—Por isso, mudou os cabelos, madame?

—Exatamente! Meus cabelos estão tão grisalhos como Deus quis! Não há motivo para que eu pareça jovem nem atraente. Agora, tenho outros planos, planos diferentes. Vou ser uma Condessa: a senhora Condessa. Soa bem, não? É o que quero ser, de hoje em diante. Não esqueça.

—Meu Deus! Mas, como pode? Isto é...

—Jeanne, escute e não interrompa. Temos pouco tempo. Logo a senhorita vai acordar e já devemos estar com tudo esclarecido. Eu sou a senhora Condessa. Casei e fiquei viúva. Deve lembrar isso, Jeanne, pois a senhorita não conheceu o Sr. Bleuet. Nunca falei dele e, nas visitas que fiz a ela no internato, sempre me apresentei como Srta. Riquad. Era assim que me comunicava com as freiras. Naquela época, me pareceu mais seguro, e hoje agradeço a minha cautela.

Emilie continuou:

—Agora, quanto à sua parte, há alguns dias passei pela rua de Madeleine e vi uma frasqueira para vender. É uma loja de artigos usados. Havia muitas malas lá, Jeanne, algumas em couro e com brasões da nobreza. Esta manhã, você vai lá e compra para mim. Vai ajudar a apoiar a minha história.

—Malas, senhora? Então, pretende viajar?

—Sim, Jeanne. Vou partir, e você vem conosco: comigo e com a senhorita. Eu já lhe disse que o passado morreu. O futuro está começando.

—Mas para onde vamos, senhora? E por quê a farsa?

—Não devo lhe dizer todos os meus segredos, Jeanne. Prefiro trabalhar sozinha; assim, se as coisas não derem certo, a culpa será só minha. Só que, desta vez, nada pode dar errado, tudo vai dar certo! Durante dezoito anos, planejei e trabalhei para isso. Trabalhei duro. Sim, trabalhei muito duro! Tudo que fiz foi por causa disso.

A voz de Emilie agora não passava de um murmúrio. Seus olhos brilhavam intensamente no rosto pálido. Depois, mudando de expressão de repente, ela estendeu as mãos.

—Não fique tão, espantada, Jeanne. Tem que confiar em mim. Vá depressa comprar as malas. Vamos precisar delas. Depois, temos que ver as roupas. Muitas não servem mais.

—Não servem?

—Claro que não! Agora, sou uma aristocrata. Uma Lady! Abra a porta daquele guarda-roupa e diga que vestidos servem para mim, agora.

Como se estivesse hipnotizada, Jeanne caminhou para o armário de mogno que tomava toda a parede do outro lado do quarto e abriu as portas. Estava cheio de vestidos dos mais variados estilos. Pareciam as cores do arco-íris, com muitas fitas e veludos, rendas e pregas.

—Vou vender todos— Emilie disse, da cama—, sei que não vão render muito, mas a viúva Wyatt, no mercado, dará o melhor preço da cidade. Conte a ela quanto cada um custou e consiga o que puder.

Há um novo, de veludo verde, que só tenho há três meses, e o rosa de lã acetinada, que só foi entregue na semana antes do Natal...

—Mas, senhora, só usou o rosa três vezes!

Jeanne pegou o vestido com carinho. Havia vários laços e enfeites de fitas e o corpete era todo enfeitado de lantejoulas. Parecia um vestido caro, mas havia algo de vulgar nele, algo sugestivo demais.

—Leve-o, Jeanne. Agora sei o que devia parecer, vestida com ele.

Obediente, a empregada colocou o vestido no cabide e fechou a porta do guarda-roupa.

—Se vai vender as roupas, o que usará, senhora?

—Roupas novas: para o dia e para a noite. Devem ser feitas logo. A senhorita também vai precisar de roupas. Vá imediatamente chamar a Sra. Guibout. Peça que venha aqui. Diga que é importante, que vamos fazer uma encomenda grande.

—A Sra. Guibout? Mas ela é muito careira!

—Sei muito bem disso, Jeanne. Mas não vou economizar agora. Como já lhe disse, uma vida nova está começando.

Alguém bateu na porta. As duas se olharam durante um segundo, em silêncio. Depois, como que fazendo um esforço, Emilie disse:

—Entre!

A porta se abriu e Mistral entrou.

Ainda vestia a camisola longa de cambraia que as freiras exigiam como uniforme e tinha colocado um xale de caxemira nos ombros.

Entrou lentamente, com os olhos brilhando e um sorriso. Ao se aproximar da cama da tia, o sol tocou em seus cabelos, transformando-os numa espécie de halo que parecia iluminar todo o quarto. Os cabelos muito loiros emolduravam um rosto pequeno e caíam sobre os seios, em duas tranças pesadas que chegavam até abaixo dos joelhos.

Observando-a, Emilie pensou durante um momento por que achava que Mistral lembrava a mãe. Os olhos eram bem diferentes: os de Alice, azuis e os da moça, de um violeta profundo. Entretanto, havia uma certa semelhança: o jeito de virar a cabeça, o sorriso espontâneo e um ar de alegria não reprimida. De repente, percebeu que Mistral era muito mais bonita do que a mãe.

Aquela combinação estranha de cabelos loiros e olhos escuros era fascinante. Tinha os lábios perfeitos e muito vermelhos, contrastando com a pele clara.

Apesar disso, havia algo não inglês nela, embora fosse obviamente uma dama, como a mãe.

Dos pés à cabeça, era uma aristocrata.

Qualquer coisa em seus movimentos, nos dedos longos e no nariz, reto, revelava seu sangue azul.

Emilie deu um suspiro e Mistral se aproximou.

—Bom-dia, titia. Perdoe ter dormido tanto, mas estava cansada e não lembrei nada quando acordei. Não sabia nem onde estava.

O francês de Mistral era perfeito.

—Podia ter dormido mais, querida. Agora, Jeanne vai trazer seu café. Lembra de Jeanne?

Mistral atravessou o quarto correndo e estendeu as duas mãos para a empregada.

—Claro que sim. Lembro os bombons que fazia e me dava, enquanto escovava meus cabelos. Logo que fui para o internato, senti falta das duas coisas. Tinha que escovar meus próprios cabelos e odiava, quando embaraçavam. Costumava cortar as partes embaraçadas.

—Senhorita, isso é um crime! Pensar que se lembra de mim, depois de doze anos! Claro, você foi a garota mais meiga da Bretanha.

—Senti falta da Bretanha também. Por que nunca deixou que eu a visitasse antes, tia Emilie?

—É uma longa história, e temos coisas muito mais importantes para conversar. Jeanne vai buscar o café. Conversaremos enquanto come.

—Oh, será ótimo! Há tantas coisas que quero saber! Não estou reclamando. Gostava do internato, mas algumas vezes me sentia sozinha. Todas as outras garotas tinham família, e eu só tinha você. Sempre foi boa comigo, mas eu a via pouco e como não havia para onde ir, nas férias, sentia-me diferente.

—Entendo. Mas havia motivo para que não viesse aqui. Agora, não precisamos mais discutir isso, porque as coisas mudaram e vamos ficar juntas.

—Isso é maravilhoso. Se soubesse como estou feliz. Tinha medo de que nunca pudéssemos ficar juntas e eu tivesse que continuar para sempre no internato. Virar uma freira.

—Gostaria disso?

—Não tenho vocação. Adoro as freiras. Ninguém pode deixar de gostar delas: são umas santas, sempre rezando e fazendo o bem. Mas, dentro de mim, algo dizia que não devia ficar lá. Queria conhecer o mundo, viver uma vida diferente. Oh, talvez esteja sendo boba e vá rir de mim, mas às vezes sentia vontade de viver mais intensamente, vontade de me divertir.

Emilie ficou olhando, prestando atenção no que ela dizia e em muitas outras coisas. A moça tinha um tom de voz muito atraente e seus lábios eram sedutores; os olhos brilhantes pareciam transmitir uma enorme variedade de emoções.

—Estava certa em pensar assim. Você é jovem, Mistral, e seria uma pena alguém tão bonita ficar escondida atrás dos muros de um convento.

—Bonita? Acha mesmo que sou bonita? Oh, tia Emilie, quero tanto ser bonita, mas não tenho certeza. Sou diferente das outras garotas.

—Elas não diziam que é bonita?

Mistral sorriu, e duas covinhas surgiram no rosto.

—Algumas vezes, diziam. Outras faziam pouco-caso de mim, porque meus cabelos são muito claros. Eu era a única inglesa no internato. A única que não era morena.

—A única inglesa! Sim, Mistral, você é inglesa, porque sua mãe era inglesa.

—E meu pai?

Mistral fez a pergunta depressa, como se as palavras escapassem dos lábios, e notou o rosto de Emilie ficar sombrio.

Mistral nunca tinha visto alguém com ódio, mas reconheceu imediatamente aquela expressão: os lábios fechados com firmeza, os olhos semicerrados... Emilie parecia um bicho.

Deu um suspiro, e, naquele momento, a expressão da tia mudou.

—Bem, não vamos falar de seu pai, agora. Um dia, eu lhe contarei tudo sobre ele, mas no momento temos coisas mais importantes para conversar. Você vai morar comigo, Mistral, e estou muito contente com isso. Quero deixar bem claro, desde o começo, que espero ser obedecida. Você deve me obedecer, mesmo que não entenda os motivos das minhas ordens. Deve me obedecer sem fazer perguntas. Entendeu?

A voz de Emilie estava dura mais uma vez, e Mistral sentiu medo, mas procurou afastar aquela sensação.

—Claro que sim. Eu não seria capaz de desobedecê-la.

—Ótimo. Então vou lhe dizer o que faremos. Hoje, vamos encomendar suas roupas. Mandei buscar madame Guibout, a melhor costureira de Paris. Cobra caro, mas tem todo o direito, pois estudou com monsieur Worth, o costureiro favorito da Imperatriz Eugênia.

—Oh, obrigada, obrigada, titia. Se soubesse o quanto eu queria...

—Deixe-me continuar. Tenho outras coisas a dizer. Nós nos vimos poucas vezes, enquanto você esteve no internato nesses últimos doze anos. Não sei muito sobre você, nem lembro histórias da sua infância. Seu avô era o honorável John Wytham, filho mais velho de Lorde Wytham, um nobre inglês. Sou a filha mais velha dele, mas meu pai nunca se casou com minha mãe, que era francesa. Sua verdadeira avó era uma inglesa de família muito distinta. Ela morreu quando sua mãe tinha cinco anos, deixando-a para ser criada pelos pais, Sir Hereward e Lady Burghfield. Sua mãe foi negligenciada e maltratada duramente pelos parentes, e seu avô, meu pai, quando descobriu isso, trouxe-a para a Bretanha e a deixou com minha mãe... e comigo. Papai não era um homem rico e era muito extravagante. Depois que sua mãe morreu, eu sustentei você... sozinha! Durante os últimos doze anos, paguei todas as mensalidades do seu colégio, suas roupas, aulas especiais de música, inglês, francês e alemão. Paguei as aulas de dicção, de dança e os esportes. Tudo isso não estava incluído na matrícula, e eu paguei.

—Não sabia. Obrigada, tia Emilie.

—Não quero que me agradeça. Só estou lhe contando isso para que entenda sua posição. Seus parentes na Inglaterra não procuraram sua mãe, quando ela os deixou e foi trazida por meu pai para a França. Nem sei se souberam onde você estava. Portanto, sou sua única parenta: sua tia e sua família.

Mistral estava perturbada. Havia algo de rude e agressivo no modo de a tia falar.

—É suficiente que nos entendamos, no momento— Emilie continuou—, agora, tenho algo a lhe dizer. Fui casada com um Conde. Ele morreu, não precisamos mais tocar no nome dele, mas, na verdade, sou Condessa. Para onde vamos, não usarei meu título… permanecerei incógnita por motivos pessoais.

—Então, vamos viajar? Para onde?

—Eu lhe conto depois. Vamos fazer uma longa viagem que planejei há anos.

—Planejou ir... comigo?

—Sim, planejei ir com você. Vamos conversar sobre isso quando estivermos prontas. Mas lembre de uma coisa: não deve discutir nossa vida com ninguém. Não importa quantas pessoas façam perguntas sobre nós, você não deve dizer nada.

—Mas, e se as pessoas perguntarem quem sou? O que vou responder? Devo usar outro nome também?

—Certamente. Não diga a ninguém que seu nome é Wytham. Está bem claro? Eu serei... madame... Madame Secret! É um nome apropriado. As pessoas vão ficar curiosas, e quero que fiquem. Gente curiosa faz perguntas, e quero que façam perguntas. Vão falar, e quero que falem.

—Mas, tia Emilie, não estou entendendo.

—Não tem importância. Eu já lhe disse, Mistral… deve me obedecer e confiar em mim. Sei o que é melhor para você e sei o que é melhor para mim mesma. Está claro?

—Sim, titia.

—Então, já que estamos de acordo, vamos viajar juntas. E o motivo da viagem, por enquanto, permanecerá em segredo.

Mistral ia dizer alguma coisa, mas naquele momento, bateram na porta e Jeanne entrou no quarto.

Madame Guibout chegou.

—Ótimo. Peça a ela que entre. Mistral, vá vestir algumas roupas de baixo. Madame vai querer tirar as medidas das anáguas.

—Mas primeiro a senhorita tem que tomar o café. Coloquei-o no quarto dela há quinze minutos.

—Como é estúpida, Jeanne. Eu queria que a senhorita tomasse o café aqui. Agora, não tem importância. Vá ao seu quarto e tome o café enquanto estiver se vestindo, Mistral. Não demore.

—Está bem, titia— dirigiu-se para a porta, seguida de Jeanne, e antes de sair, deu um sorriso para a tia.

Durante um momento, Emilie achou que era Alice que estava ali, tamanha a semelhança das duas. Parecia que tinha sido no dia anterior que vira aquele sorriso tão doce. Como era linda e adorável! Quantas vezes a tinha abraçado!

Lembrou o dia em que John Wytham chegou com Alice, urna menininha de cinco anos apavorada e cujos olhos pareciam grandes demais para o rosto... os olhos azuis tão límpidos e os lábios que sempre ficavam trémulos diante de uma palavra dura.

Emilie estava dando comida às galinhas, quando o pai chegou. Escutou a carruagem vindo pela alameda da fazenda e viu quando ele freou os cavalos e fez um floreio com o chapéu, numa saudação alegre. Depois, estendeu os braços para uma criança sentada a seu lado.

Caminhou pelo jardim, até a porta da cozinha, com Alice nos braços. Ela se agarrava a ele, escondendo o rosto em seu pescoço. Só se viam os cabelos loiros, caindo pelo casaco de veludo azul.

John Wytham cumprimentou a filha mais velha do seu modo brusco e familiar:

—Então, Emilie, ainda não arranjou um marido?

Ela podia ter dito que era a filha ilegítima de um pintor inglês com a filha de um fazendeiro francês e, por isso, não era fácil arranjar um casamento. Podia ter dito que os homens que se encontravam naquele remoto pedaço da Bretanha eram só camponeses e fazendeiros e nenhum deles a interessava. Podia ter respondido que ele deixasse de ser egoísta e lembrasse que uma garota francesa precisava de um dote, para encontrar marido. No entanto, como sempre, Emilie ficou de língua presa na presença do pai e só conseguiu responder:

—Nã... não... pa...pai.

John Wytham beliscou-lhe a bochecha. Rendendo-se ao charme dele, ela sorriu.

—E já passou dos trinta! É hora de se apressar e arranjar um amante, antes que seja tarde demais. Onde está sua mãe?

—Lá dentro.

—Sem dizer mais nada, ele entrou na casa, e Emilie o seguiu até a cozinha imensa e com grossas traves de carvalho no teto. A mãe estava fazendo o jantar e havia um cheiro gostoso no ar.

O rosto de Marie Riguad corou. Seus cabelos, que começavam a ficar grisalhos, estavam despenteados, mas era elegante como uma jovem. Quando viu quem se aproximava, sua voz tinha o tom alegre das vozes infantis.

—John!

—Está surpresa em me ver, depois de todos estes anos?

—Fazem só quatro anos, desde que nos visitou pela última vez, e eu sabia que ia voltar.

—Sabia? Eu trouxe alguém.

Gentilmente, colocou Alice sobre a mesa. A garotinha deu um gemido e continuou tentando esconder o, rosto.

—Esta é Alice— ele disse para Marie.

—Foi o que imaginei. Na última vez que esteve aqui, você falou dela. Disse que os pais de sua esposa estavam cuidando da menina.

—Mas não disse como meus sogros a estavam tratando! Meu maldito sogro, sempre de cara fechada para mim, e sua maldita esposa, sempre com o nariz para o ar e estendendo só dois dedos para as pessoas, de medo que elas lhe tomem a mão... a criança estava muito infeliz com eles, o que não é de surpreender. Eu não sabia disso. Só percebi há alguns dias, quando estive lá. Ela não me contou nada; apenas ficou chorando. Mas a babá me disse a verdade. Contou que Alice estava sendo castigada e espancada continuamente, que não era amada e que meu sogro era um homem mau. Então, mostrei que também sou mau: disse aos dois que fossem para o diabo e trouxe a criança comigo. Ela está doente e infeliz. Eu a trouxe para você, Marie. Não quero mais responsabilidades; quero ir embora da Inglaterra. Quero pintar sossegado, e não posso levar uma criança. Pode cuidar dela?

Emilie mal prestou atenção na resposta da mãe, pois já sabia qual era.

—Sabe que cuidarei, John.

Como Marie Riguad, Emilie também só tinha olhos para John Wytham. A força dele parecia transbordar. Era um homem alto e bonito, e Emilie, apesar de não ter experiência com homens, instintivamente, sabia que era irresistível.

Havia algo selvagem nele, que transparecia em sua própria alegria, no riso sensual e no modo como seus olhos atraíam magneticamente a atenção de todos.

—Então, está tudo combinado. Aqui tem algum dinheiro. Mandarei mais, quando tiver.

Ele atirou um punhado de notas sobre a mesa, fazendo parecer que eram muitas. Mais tarde, Emilie descobriria que não eram tantas assim.

—Vai ficar para o jantar?— Marie Riguad perguntou, ao ver que ele caminhava para a porta.

—Não, minha querida. Tenho outros compromissos. Obrigado por ficar com Alice.

Beijou a criança na testa e depois virou-se para a mulher que o havia amado quando tinha vinte anos e continuara amando há mais de trinta. Segurou o queixo dela e levantou seu rosto.

—Então, você ainda me ama— ele disse, depois de um momento—, bem, bem, sempre fui um homem de sorte.

Beijou-a nos lábios e saiu da cozinha. Marie não fez nenhuma tentativa de detê-lo. Apenas olhou, com as mãos no peito, como se seu coração estivesse batendo forte demais.

Foi Emilie quem o acompanhou até a carruagem e o viu manobrar os cavalos e sair apressado.

Depois, outro som atraiu sua atenção. Era o choro de uma criança.

—Papai! Papai! Não me deixe!

A garotinha saiu correndo pela porta da cozinha, desesperada.

Emilie pegou Alice no colo, apertando-a com força e sentindo seu corpo trêmulo e os soluços fortes.

—Pobrezinha— murmurou—, está tudo bem. Está tudo bem. Eu vou cuidar de você.

Não sabia que estava fazendo uma profecia. Agora, percebia as responsabilidades crescentes que tinham surgido com a chegada da menina. Alice não queria comer. Alice tinha medo do escuro. Alice corria das vacas. Alice queria passear. Alice chorava porque as crianças do vilarejo caçoavam dela. Alice precisava de professores, médicos, remédios, livros, vestidos, sapatos; precisava se divertir. Alice esperava que alguém escovasse seus longos cabelos loiros.

Emilie suspirou.

Ouviu um ruído do lado de fora da porta e deixou de lado as recordações.

Madame Guibout, senhora.

Jeanne acompanhou a costureira. Era uma mulher baixa e cheia de vida; muito alegre, mas de rosto pálido e opaco, devido às longas horas passadas no ateliê; tinha os olhos avermelhados, de tanto observar os detalhes dos vestidos que criava com tanta arte.

—Bom-dia, senhora.

Trocaram rapidamente os cumprimentos, como uma mulher de negócios falando com a outra.

—Vestidos de viagem, roupas para o dia e para a noite, vestidos de baile, mantos, capas, tudo! A senhorita vai precisar de tudo.

—E para a senhora?

—Um enxoval inteiro.

—Para quando?

—Quero o impossível: dentro de três dias... uma semana, no máximo!

—Vai ficar caro.

—Sei disso. Mas vou tomar cuidado para que não me explore.

—Preciso de mais assistentes. Elas não são baratas.

—Entendo.

—Vou precisar também experimentar as roupas várias vezes, na senhora e na senhorita.

—Estaremos à sua disposição.

—Então, terá as roupas prontas no prazo, senhora.

—Obrigada.

Madame Guibout atravessou o quarto e abriu a porta. Ali havia duas assistentes de pé, com os braços cheios de cortes de fazenda: cetim, veludo, caxemira, musseline, alpaca, popeline e outros, junto com rolos e rolos de desenhos de modelos.

Madame Guibout mandou que entrassem, depois pegou um corte de veludo azul e desenrolou sobre a cama.

—Veio de Lyon.

Aquela cor combinava com Mistral. Certa vez, Alice tinha usado o mesmo azul, numa primavera.

A porta se abriu, e Mistral entrou correndo.

—Já estou vestida como me disse, tia Emilie. Oh, que cores lindas!

Estendeu a mão para tocar o veludo azul. A costureira mostrou um rolo de gaze cinza-clara. Era suave como a neblina da manhã, antes de o sol nascer, suave como a cor dos pombos e das cinzas de um fogo que já apagou.

—Para a senhora.

Emilie olhou a gaze, depois olhou para Mistral.

—Não. Para a senhorita.

—Para mim?— Mistral perguntou, surpresa.

—Sim, para você. Para tudo que usar. Para todas as capas e vestidos. Tudo será apenas nesta cor: cinza-névoa.

—Mas, tia Emilie, vou ficar parecendo um fantasma!

—Isso mesmo! Vai parecer um fantasma. Um fantasma em Monte Carlo.

O fantasma De Monte Carlo

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