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CAPÍTULO III

Emilie olhou ao redor da sala, com satisfação. O café da manhã estava sobre a toalha imaculadamente branca, na mesa perto da janela, servido com toda elegância.

Até ali, tudo tinha corrido exatamente como planejara, e sentia o mesmo arrepio que um general sente ao ver o sucesso de uma manobra.

Ela e Mistral tinham chegado ao Hotel de Paris na noite anterior. Viajaram num trem que Emilie achou extremamente confortável, muito diferente da viagem que havia feito há dezenove anos, com Alice.

Naquela época, viajaram lentamente, sem conforto, e, quando finalmente chegaram a Nice, só havia duas escolhas: um veículo antigo que só levava onze passageiros e ia diariamente de Nice a Mónaco, ou um vapor, que parecia perigoso e só saía do porto se não houvesse neblina.

Resolveram ir por terra. Foi um trajeto de horas que pareceram meses, com os outros passageiros comentando o tempo todo sobre bandidos e assaltantes.

Agora, das janelas da sala, ela via o Cassino e o mar. A oeste estava o porto e, mais além, o grande rochedo de Mônaco, o velho-Palácio e a fortaleza construída há mais de quinhentos anos.

Emilie estava mais interessada na paisagem atrás do hotel: a vista da cidade, que tinha surgido repentinamente. Uma cidade alegre, cheia de telhados que se elevavam na encosta do morro, casas brancas e brilhantes, mostrando opulência e poder.

Emilie não tinha acreditado no que os jornais diziam nos últimos anos. Mas, agora, seus olhos não a enganavam, e estava espantada.

O hotel era mais imponente do que qualquer coisa que havia imaginado. Quando entrou com Mistral e Jeanne, sentiu que os pés afundavam nos tapetes grossos. Havia uma infinidade de palmeiras e flores por toda parte. De repente, Emilie teve medo da própria coragem de entrar naquele mundo.

Então, algo mais forte a impeliu para a frente. Aproximou-se da receção e começou a desempenhar a pequena peça teatral que já tinha ensaiado.

—Uma suite foi reservada para mim. Pelo meu administrador, o Sr. Anjou.

O rececionista fez uma reverência.

—Sim, senhora. Nós a estávamos esperando. Seja bem-vinda ao Hotel de Paris e a Monte Carlo.

Emilie inclinou a cabeça, condescendente.

—Tudo já está preparado, senhora. Se fizer a gentileza de assinar o livro de registro, mandarei que a acompanhem até seus aposentos.

Emilie pegou a pena de ganso ao lado do livro encadernado em couro, aberto sobre a mesa. Hesitou, observando para ver se o rapaz notava sua hesitação. Virou-se para trás, onde Jeanne segurava a valise com o brasão.

—É um tanto... difícil— disse, depois de algum tempo—, minha sobrinha e eu viemos passar as férias. Queremos muita calma e queremos... ficar incógnitas.

—Cuidarei para que seus desejos sejam cumpridos, senhora— o rececionista disse, com ar curioso.

Ela mergulhou a pena no tinteiro e escreveu, com letras grandes e grossas:

«Madame...»

Hesitou novamente, deu um risinho e falou:

Madame Secret. Pelo menos durante a minha estada este será meu nome, neste local encantador.

—Se é isso que deseja— o rececionista fez uma reverência, mas Emilie notou que ele olhava novamente a valise com o brasão.

—Minha sobrinha será... já sei: mademoiselle Fantasma.

A suite era deliciosa. Havia um quarto grande para Emilie, um menor para Mistral e uma saleta com terraço, unindo os dois.

Emilie tinha dado ordens a seu advogado em Paris para reservar o melhor apartamento do hotel. Ele obedeceu, sem dar o nome da cliente, avisando que ela chegaria a Monte Carlo no dia 28 de fevereiro. Emilie não lhe dera nenhuma explicação e não esperava que o hotel fosse tão bom.

Tinham chegado no fim da tarde e, para desapontamento de Mistral, a tia avisou que jantariam no quarto.

—Não quero que você seja vista, até abrirmos as malas. Quando aparecermos em público, precisaremos estar bem-vestidas. Assim, as pessoas notarão nossa presença.

—Mas, tia Emilie, pensei que quisesse ficar incógnita!

—Não faça perguntas, Mistral. Estou cansada. Amanhã, explico tudo. Agora, boa-noite. Vou dormir cedo e quero ficar sozinha.

—Claro, titia. Deve estar cansada, depois de uma viagem tão longa. Também estou, mas sinto-me animada também e gostaria de ver Monte Carlo e o Mediterrâneo, antes que escureça.

Aproximou-se da janela, olhando para o pôr-do-sol avermelhado. Emilie chamou-a, irritada.

—Vá ajudar Jeanne a abrir as malas, e não fique se mostrando na janela.

—Sim, tia Emilie.

Ao ficar sozinha na sala, Emilie foi até à janela e fez o que tinha proibido a Mistral: olhou o pôr-do-sol, procurando enxergar a cidade. Também estava impaciente. A noite devia passar depressa.

Depois do jantar, colocou a valise com brasão sobre uma poltrona perto da cama e olhou-a.

Era uma valise muito bonita. Sem perceber o que fazia, acariciou o couro; depois, tirou uma chave da bolsa e abriu.

Estava cheia de cadernos do tipo usado pelas jovens para escreverem seus diários.

Lentamente, e com uma ternura muito especial, Emilie pegou um dos cadernos. Era uma espécie de álbum de recortes de jornal. Havia seis na página em que abriu, todos com data de dezoito anos atrás, referindo-se a um lugar e a uma pessoa.

As autoridades de Monte Carlo ficariam interessadas, se vissem os cadernos, pois se constituíam uma espécie de história do nascimento da cidade.

No começo, os recortes se referiam a acontecimentos espaçados, com intervalos de até dois ou três meses. Depois, se referiam apenas ao Grão-Duque Ivã da Rússia. Tornavam-se mais numerosos, à medida que os anos passavam. Descreviam a construção do Cassino de Monte Carlo, as belezas da região, as festas, os bailes de gala. E havia colunas escritas por correspondentes, mencionando os frequentadores daquele ambiente luxuoso.

Príncipes: da Rússia, de Montenegro, da Sérvia e da Bulgária. Rajás, Marajás, Duques, Arquiduques e milionários sem nobreza. Todos recebiam comentários. Havia recortes anunciando quando o Príncipe, e a Princesa de Gales haviam visitado o local.

Apesar de tantos nomes ilustres, apenas um aparecia sublinhado em tinta azul. Surgia sempre na abertura da temporada de ópera e nas inaugurações. Sempre o mesmo nome, sempre sublinhado em azul: Sua Majestade Imperial, o Grão-Duque Ivã da Rússia.

Nos últimos anos, havia outro nome sublinhado, sempre junto com o primeiro: Sua Alteza Sereníssima, o Príncipe Nicolai, filho do Grão-Duque.

Lentamente, Emilie foi virando as páginas. Alguns cadernos estavam gastos, como se já tivessem sido folheados muitas vezes.

Agora, sentada ali no Hotel de Paris, ela lembrava que tinha esperado dezoito anos por aquele momento.

Passava da meia-noite, quando colocou os cadernos na valise. Mas não estava cansada, como qualquer outra mulher estaria em sua situação, depois daquela viagem longa; Em vez disso, sentia-se incrivelmente forte.

Nada nem ninguém poderia impedi-la de fazer o que tinha planejado.

Ao pensar no que a esperava, fechou os olhos e sorriu. Parecia diabólica, naquele momento; depois de um segundo, seus pensamentos voltaram ao passado e a expressão se suavizou, como sempre acontecia quando pensava em Alice. Alice, a única pessoa que havia amado em toda sua vida.

Como essa noite era diferente da primeira noite que tinha passado em Monte Carlo, na viagem com Alice!

Haviam chegado exaustas e foram recebidas pelos gritos de alegria da tia e dos primos com os quais iam se hospedar. Emilie não os conhecia. Mas eram primos em primeiro grau de sua mãe e tinham dado uma resposta sincera e calorosa, quando lhes escreveu que queria visitá-los.

Emilie quase esperara uma recusa educada, apesar de Marie ter dito que Louise era sua irmã preferida. Tia Louise lhe deu um abraço apertado e os seis primos e quatro primas adoraram a visita.

Desde criança, Emilie sabia que era filha ilegítima e tinha consciência da agressiva barreira entre ela e a família da mãe. Mas, em relação aos primos, não precisava ter se preocupado.

Os Riguad aceitaram o resultado do namoro de Marie com o jovem inglês com o mesmo ar filosófico com que aceitavam uma safra ruim ou tempestades na época da colheita. Era uma pena, mas não podiam fazer nada. Davam de ombros e não pensavam mais no assunto. Não se sentiam muito à vontade com Emilie, porque ela era irônica e eles sabiam que seu sangue inglês fazia com que os desprezasse por terem inclinações a fazer pouco-caso de seu pai.

Alguns parentes tinham até certo orgulho da ligação de Emilie com uma família inglesa tão distinta; principalmente, depois que John Wytham trouxe Alice para a Bretanha. Alice era uma verdadeira aristocrata, os Riguad repetiam entre si.

Poucos minutos depois de chegarem, Alice já estava integrada com os primos, seus cabelos loiros esvoaçando junto com as cabeças morenas dos garotos Riguad. Todos rindo e cantando, pulando pelos campos onde a família criava cabras.

A casa era um barracão antigo, quase na praia, mas os tios explicaram que tinham muita sorte em possuí-la, apesar de os garotos serem obrigados a andar bastante até chegar aos pastos das cabras.

As casas dos camponeses em Mônaco eram poucas e muito velhas. Aliás, não poderiam ser diferentes, porque todo o principado estava empobrecido e parecia não haver meio de sair daquele estado.

A princesa Caroline, esposa do Príncipe Florestan I, tinha tentado introduzir fábricas de rendas e perfumes. Havia plantações de flores e destilarias de álcool, mas nada disso ia adiante, já que as comunicações com o resto da Europa eram difíceis demais.

Emilie e Alice ficaram felizes com a família Riguad, ali, perto do mar, A tosse da menina, motivo daquela viagem, começou a melhorar. Era uma tosse que aparecia sempre no inverno, quando os ventos fortes começavam a soprar gelados sobre a Bretanha e a geada cobria o gramado todas as manhãs.

Nessa época, o rosto dela perdia o tom corado e quase não se ouvia seu riso.

Agora, as coisas aconteciam ao contrário. Alice ria mais e sua pele estava levemente bronzeada. Aos olhos de Emilie, ela pareceu adquirir uma nova beleza. Sim, estavam felizes, naqueles dias de primavera, há dezenove anos... até que algo aconteceu. Algo que Emilie lembrava agora, cerrando os punhos e sentindo uma raiva violenta.

Chegou a rever Alice, de vestido azul, combinando com o tom de seus olhos, segurando o bebê dos Riguad e passeando pelo rochedo perto do Palácio. A garota tinha se sentido atraída pelo Palácio. Nunca ouvira falar de Príncipes e princesas, pois havia passado os últimos oito anos na Bretanha e lá não se comentava muito a vida da aristocracia. Por isso, o Palácio e seus arredores pareciam fasciná-la. Era o seu passeio favorito.

Subia da praia até a rocha e sentava lá, observando a troca de guarda ou o Príncipe Florestan saindo em sua carruagem puxada por dois magníficos cavalos brancos.

De vez em quando, olhava a outra construção que havia do lado oposto da península. Era de pedra cinzenta, com uma torre no centro e portões de ferro que se abriam para a estrada.

Apesar de o jardim ter flores e fontes, era a grandiosidade do edifício que exercia uma atração inexplicável sobre Alice.

Era lá, tinham dito a ela, que morava o Grão-Duque Ivã da Rússia. Era amigo do Príncipe Florestan e havia construído o Castelo há seis anos. A princípio, só o usava nas férias, mas gostou tanto do clima de Mônaco que resolveu ficar indefinidamente, voltando poucas vezes à Rússia. E, a cada ano que passava, ia aumentando o prédio, até que ficou mais grandioso do que o próprio Palácio real.

—Como é o Grão-Duque?— Alice tinha perguntado.

—É alto e muito bonito— alguém lhe contou—, mas agora está triste, porque a esposa, uma linda senhora russa, morreu. O frio da Rússia foi forte demais para ela. Dizem que eles tinham voltado para lá porque o Czar queria que estivessem presentes a um baile da corte. Mas fez um frio terrível e a Duquesa pegou uma gripe que foi piorando, piorando, até que nenhum médico conseguiu salvá-la.

—Pobrezinha! E agora, o Grão-Duque está sozinho?

—Não. Tem um filho, o Príncipe Nicolai. Está com dois anos e nunca sai daqui porque o Grão-Duque tem medo que o frio o mate também, como aconteceu com a pobre mãe.

Emilie se lembrava de como Alice tinha se interessado por aquela história. Dia após dia, ela subia ao rochedo para olhar o Château d’Horizon, onde o Grão-Duque morava. Então, aconteceu...

A carruagem do Grão-Duque vinha velozmente pela estrada que passava pela península e quase atropelou a pequena Térèse, o bebê dos Riguad.

Alice correu a tempo de salvar a menininha, que, tremia e gritava de terror.

O Grão-Duque parou a carruagem e desceu para falar com Alice e ter certeza de que nada havia acontecido com a criança.

Ninguém mais estava presente; por isso, ninguém nunca soube exatamente o que disseram. Mas Alice devia ter contado que admirava a casa dele e que a fazia lembrar a mansão de seus avós, na Inglaterra, pois no dia seguinte a carruagem do Duque parou diante do barracão dos Riguad, para levar a menina ao Castelo .

Foi só então que ela contou o que havia acontecido na véspera. Antes que Emilie, muda de espanto, pudesse protestar, a garota já tinha partido para a visita.

Se Emilie ficou sem fala naquele momento, o mesmo não aconteceu mais tarde, quando Alice voltou. Levou-a até a praia, pois em casa não poderiam conversar a sós, e arrancou dela toda a verdade sobre o encontro com o Grão-Duque. Palavra por palavra, descobriu o que havia acontecido naquela tarde, no Castelo .

—Ele foi muito gentil— Alice contou—, e o filhinho é tão meigo!

—Isso não interessa. O que ele lhe perguntou?

—Nada. Só queria me mostrar o Castelo .

—E por que ia querer isso? Tem amigos da própria classe social...

—Acho que sou amiga dele— Alice disse, depois de um momento.

Emilie ficou furiosa e falou brutalmente com a irmã, como jamais havia feito durante todos os anos em que estavam juntas.

Repetiu o que Alice já sabia: que seu pai jamais tinha casado com Marie Riguad. Contou como o pai dele tinha vindo buscá-lo para que voltasse à Inglaterra, prometendo uma quantia em dinheiro para a criança que ainda não havia nascido; quantia que Marie esperou, mas que esqueceram de mandar ou, deliberadamente, resolveram negar.

—Seria o meu dote— Emilie disse—, mas pensa que teria me ajudado em alguma coisa? Nasci entre dois mundos, com metade de sangue nobre e metade camponês. Os homens que me queriam, eu achava sujos e os que eu poderia querer, achavam que eu estava numa posição inferior à deles.

—Pobrezinha!— Alice disse, com simplicidade, mas Emilie sabia que ela não tinha entendido.

—É o que vai acontecer a você e ao filho que pode ter, se continuar amiga de homens como o Grão-Duque. Ele nunca fará nada por você. Pensa que vai lhe propor casamento? Não. Está interessado porque é bonita e jovem. Há centenas de mulheres no mundo dele que estariam prontas para casar. Só precisaria fazer o pedido. Um homem como o Grão-Duque não está preocupado com casamento. Não deve vê-lo novamente. Está me ouvindo?

Emilie tinha falado num tom apaixonado que amedrontou Alice. A garota não respondeu, ficou apenas olhando o mar.

—Está me ouvindo?

—Sim, estou.

—E vai me obedecer? Alice, não deve vê-lo novamente, não deve aceitar outro convite para ir ao Château d’Horizon.

A irmã não respondeu, mas Emilie sabia que não desobedeceria. Nunca tinha tido problemas com Alice; era uma garota muito dócil.

Então, o destino resolveu intervir. Pelo menos, foi o que Emilie pensou, depois.

No dia seguinte, chegou uma carta de Marie Riguad, avisando que estava muito doente. Tinha caído e quebrado a perna. Emilie precisava voltar logo.

Por um momento, ela pensou em levar Alice, mas ã moça parecia tão feliz ali. E tinham acabado de chegar. O sol brilhava todos os dias e o clima estava delicioso, fazendo muito bem a ela. Seria cruel levá-la embora, submetê-la aos ventos do norte e às baixas temperaturas de março na Bretanha, que sempre a deixavam fraca e com dor de ouvido.

Emilie decidiu ir sozinha, mas, antes disso, tornou a falar sobre o Grão-Duque:

—Sem dúvida, agora ele já esqueceu você. Mas, caso mande algum convite, recuse. Entendeu? Não deve aparecer perto da casa dele. Fique aqui na praia. Assim que minha mãe melhorar, voltarei para buscá-la.

Emilie partiu. Lembrava-se de Alice ter ficado na janela, acenando, até perdê-la de vista.

Era essa última visão da irmã que a perseguia agora, ali no Hotel de Paris. Alice ao sol, com a cabeça atirada para trás, os cabelos esvoaçando e o rosto sorridente. Alice acenando, até que o cocheiro fizesse a curva do caminho.

Devia ter sonhado com ela, ao adormecer naquele colchão macio, pois, quando acordou, ouviu sua própria voz murmurando:

—Alice, Alice...

«Não é um jeito bom de começar o dia», pensou. Na hora do café, Mistral achou-a nervosa.

—Oh, tia Emilie, este é o lugar mais lindo do mundo! Eu não tinha ideia de que o céu podia ser tão azul.

—Venha tomar seu café, menina! E pare de correr para o terraço. Já falei sobre isso ontem à noite.

—Mas, titia, pensei que hoje não se importasse. Vamos sair, não vamos?

Emilie tomou sua decisão.

—Não, Mistral, não vamos. Você vai ficar aqui até a hora do jantar. Então, fará uma aparição.

A moça ficou consternada.

—Agora, Mistral, não discuta. Já lhe disse que precisa me obedecer, que tenho motivos para as decisões que estou tomando.

—Mas não vamos sair em nosso primeiro dia em Monte Carlo?

—Ficaremos no hotel mais algum tempo. Amanhã, passearemos pela cidade. Hoje, só apareceremos na hora do jantar.

Mistral sabia que a tia já tinha resolvido aquilo e não ia mudar de ideia. Não adiantava discutir.

—Titia— disse, depois de uma longa pausa—, há algo que quero perguntar.

—O que é?

—Por que me chamo Mistral? Sempre quis perguntar isso a você.

—Sua mãe escolheu esse nome. Escolheu-o porque odiava o vento que sopra na praia, aqui.

—Por que ... odiava? Então, minha mãe veio aqui? Ela conhecia Monte Carlo?

—Sim, sua mãe veio aqui. Mas não conheceu Monte Carlo, porque não havia sido construída há dezenove anos.

—Há dezenove anos! Então, ela esteve aqui antes que eu nascesse. Oh, tia Emilie, conte-me como foi. Ela gostou daqui? Talvez por isso me pareça um lugar tão lindo: porque minha mãe gostava daqui também.

—Eu não disse que sua mãe gostou. Quando me falou qual deveria ser o seu nome, avisou apenas: «Se for menina, quero que se chame Mistral, esse vento terrível, que ainda estou ouvindo. Sim, sei que será uma menina; chame-a Mistral».

—Por que teria dito isso? Como podia saber que eu seria uma menina?

—Parecia ter certeza.

Enquanto falava, Emilie lembrou-se dos olhos sofridos de Alice, quando lhe pediu:

—Não quero que conte a ele! Jure sobre a Bíblia que não dirá a ele que vou ter um filho.

Lembrou-se do tom da voz de Alice: nervoso, amedrontado. Lembrou-se do rosto pálido e assustado. Teria prometido tudo, naquele momento, só para acalmar o sofrimento da irmã.

Mas depois se arrependeu amargamente do juramento feito sobre a Bíblia. Mesmo no fim, quando Alice já estava desenganada pelos médicos, o pedido foi o mesmo:

—Prometa que não dirá nada a ele sobre Mistral.

Emilie ajoelhou-se, chorando, ao lado da cama. E prometeu novamente. Mas, depois que a irmã morreu e levaram o corpo para o cemitério, teria dado tudo para se libertar daquela promessa.

Queria ter partido para o Mônaco, para enfrentar o Grão-Duque com a verdade. Acusá-lo de assassinato, mostrar a ele a menina órfã, ter a satisfação de denunciá-lo como sedutor e traidor.

Mas manteve a promessa; primeiro, por causa de sua religião, e também porque amava Alice e era muito supersticiosa. Não poderia quebrar um juramento feito três vezes. Era um voto tão sagrado como as lembranças da irmã.

Um dia, jurou a si mesma fazer o Grão-Duque sofrer o que tinha feito Alice e ela sofrerem.

Durante longas noites, lutou para salvar a vida de Mistral, dando remédios, quando a criança acordava gritando, e ninando-a no calor da cozinha até o amanhecer. Enquanto isso, pouco a pouco, um plano se formou em sua mente. Um plano que levaria longos anos para ser colocado em prática e ia requerer muito cuidado.

À medida que o tempo passava, seu desejo de vingança aumentava. Finalmente, sentiu que não podia viver mais sem aquele plano e teve certeza de que um dia iria ser realizado. Sua vingança estava garantida.

Agora, dezoito anos depois, a cortina se levantava para o primeiro ato. Mistral tinha se transformado numa mulher. Ao olhá-la, Emilie ficou satisfeita: era linda o suficiente para o papel que queria lhe dar naquele drama.

Então, vendo o olhar límpido da garota, sentiu um aperto no coração. Era como se Alice a estivesse olhando. Era como se estivesse vendo Alice com os lábios trêmulos.

—Por favor, tia Emilie, por favor! Explique as coisas para mim. Todos esses segredos estão me deixando com medo.

Mesmo enquanto implorava, Mistral sabia que não ia adiantar. Os olhos da tia pareceram se suavizar de repente; depois, virou o rosto e caminhou para a lareira:

—Deve confiar em mim. Além do mais, não há nada para explicar. Esta noite vamos jantar no restaurante. Deve usar o vestido de chiffon. O Gerente me avisou que haverá uma grande festa. Toda Monte Carlo estará aqui. Você conhecerá as pessoas famosas; depois, vamos ao salão de concertos do Cassino.

Mistral bateu palmas.

—Vamos ver as pessoas jogando, tia Emilie?

—Sim, vamos observar as mesas. É interessante ver as pessoas passando por bobas.

—Não é certo jogar?

—Não vejo nada de errado em uma pessoa fazer o que gosta e se divertir. Geralmente, quem diz que o jogo é errado tem caráter fraco, pois não consegue parar antes de entregar todo seu dinheiro ou perder mais do que tem. Não vejo por que o jogo seria errado.

—Eu só estava perguntando. Uma freira do colégio disse que, apesar de o jogo ter trazido grande prosperidade a Mônaco e ter beneficiado muito os pobres do principado, ela sentia que era errado porque incentivava o desejo das pessoas por dinheiro.

—Uma ideia estreita para uma mulher que vive fechada— Emilie murmurou—, não deve aceitar as ideias das freiras, Mistral.

—Até agora, não tive oportunidade de fazer outra coisa.

Não foi uma resposta impertinente; apenas a confirmação de um fato. Mas, durante um momento, Emilie olhou-a, espantada:

—Está certa. Tinha esquecido que passou muito tempo no internato e não conhece nada do mundo.

—Por que nunca deixou que eu voltasse para a fazenda?

—Porque eu também saí de lá. Queria que você crescesse como uma dama, como sua mãe. A vida na fazenda era dura. Depois que meu avô morreu, não havia dinheiro para pagar os empregados. A não ser que eu trabalhasse como escrava, dia após dia, não poderia continuar com ela. Queria pagar sua educação, Mistral, e queria uma vida agradável para mim mesma. Portanto, quando foi para o convento, vendi a fazenda e fui para Paris.

—Paris? E gostou de lá, titia?

—Trabalhei muito, mas acho que gostei e estava feliz. Eu tinha um objetivo e sentia que cada dia me aproximava mais dele.

Mistral aproximou-se.

—Tia Emilie, está gostando de ficarmos juntas, não?

Mais do que uma pergunta, era o pedido de uma criança que queria carinho, que desejava amor. Mas um pedido feito a alguém que nunca soube o que era amar. Emilie poderia ter entendido há dezoito anos. Mas, agora, estava surda ao apelo de Mistral.

—Claro— disse, friamente—, estou muito contente e sei que vamos nos divertir muito. Agora, chame Jeanne que tenho algumas ordens a dar a ela.

Não percebeu o desapontamento da garota nem a dor violenta que surgiu nos olhos dela.

Obediente, Mistral saiu da sala para chamar a empregada.

O fantasma De Monte Carlo

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