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CAPÍTULO II

Sir Robert Stunford fechou a porta da mansão e ficou, durante um momento, olhando para o mar.

A noite tinha sido linda, mas agora o amanhecer se aproximava e a brisa do mar soprava suavemente. Sentindo o orvalho no rosto, Sir Robert respirou profundamente, revigorado. Depois de satisfazer todos os seus desejos físicos e cansar o corpo até a exaustão, sentia que precisava de alimento espiritual.

Atrás dele, a Vila das Rosas parecia estranha e quieta, mergulhada em silêncio. O ar estava perfumado, com cheiro de mimosa e flor de laranjeira.

Levantou a cabeça e olhou para o céu. Depois, observou novamente o jardim adiante e caminhou entre as plantas que tinham um estilo quase oriental.

Era estranho, mas, enquanto olhava aquilo, não era no esplendor do Mediterrâneo que pensava, mas em sua casa em Northamptonshire. Naquele momento, lembrava claramente a casa cinza, de pedras, cheia de terraços e chaminés, uma perfeição arquitetónica que se refletia no lago próximo, pelo qual todos deveriam passar, antes de chegar ao portão.

Era uma casa magnífica. Uma casa da qual qualquer homem poderia se orgulhar. Mas, por que a brisa do Mediterrâneo o fazia lembrar de Cheveron? Ele não sabia.

Entretanto, era como se a casa estivesse lá atrás, em silêncio, acusando-o e pedindo uma explicação. Como todos os homens fazem nos momentos de fraqueza, Sir Robert começou a se desculpar. Por que devia ficar amarrado a uma casa, a um nome, a uma herança, mesmo que fosse nobre? Por que não podia viver a própria vida? Por quê? Já tinha idade suficiente para saber o que queria!

Lembrou-se da carta que estava esperando por ele, em sua suite, no hotel.

Tinha chegado ao anoitecer, e ele havia reconhecido a letra imediatamente. Por isso, não a abriu.

Era mais uma carta de sua mãe. Provavelmente, mais uma ameaça inútil.

Lembrou-se da última conversa que tiveram, de cada palavra, de cada gesto dela, cada movimento... o ruído do fogo na lareira, a solenidade da neve que caía em silêncio lá fora, marcando de branco a paisagem de Cheveron, tornando-a incrivelmente linda.

—Então, vai para Monte Carlo?— Lady Stunford tinha perguntado, e, pelo tom de voz, ele já sabia que ela não aprovava.

—Sim, para Monte Carlo. Deve estar lindo lá, nesta época do ano. Não sei por que não quer ir para o sul, mamãe; faz muito bem para a saúde.

—Acredito. Mas tenho muitas responsabilidades aqui, Robert.

Não havia como ignorar a indireta dela, e o filho sorriu, sem alegria.

—Então, espero que se encarregue das minhas responsabilidades também.

—Se eu pudesse, faria isso. Infelizmente, sou apenas uma mulher. Você é o dono da fazenda. Você herdou uma posição importante que seu pai lhe deixou. É o chefe da família, e os Stunford sempre foram fiéis às tradições.

Sir Robert tinha caminhado até a janela e olhado os gramados cobertos de neve. Pareceu que se passaram séculos, até a mãe perguntar:

—Aquela... aquela mulher... vai com você?

Virou-se e encarou-a.

—Acredito que Lady Violet Featherstone... se é dela que está falando... estará na mansão que tem em Monte Carlo.

—Oh, Robert, como pode ir lá com ela? Não entende que essa mulher está arruinando você?

—Me arruinando? Mas de que modo? Como pode dizer isso? Arruinando financeiramente? Intelectualmente? Fisicamente? Não, claro que sei a resposta certa… socialmente... não é isso que você quer dizer, mamãe?

Em resposta, Lady Stunford levou aos olhos um lenço bordado de preto. Havia um certo desespero naquelas lágrimas, que só serviu para enfurecer o filho. Desejou magoá-la ainda mais:

—Como acabou de lembrar, sou o dono da fazenda e o feliz proprietário de uma grande fortuna. As pessoas estão prontas a me perdoar tudo e aceitar minha esposa. Sim, darão a ela o que eu quiser, e todas as portas de Cheveron se fecharão para quem não aceitá-la.

Se queria ferir a mãe, ele tinha conseguido.

—Robert!— foi um gemido de surpresa e desespero—, Robert! Não pode... não pode estar pensando... em casar... com aquela mulher... e trazê-la para cá.

—Por que não? Já esqueceu, mamãe, que Lady Violet é filha de um Duque?

—Não esqueci. Mas a família nobre só torna ainda mais imperdoável o comportamento dela. Além do mais, se quer casar com Lady Violet, tem que conseguir que o marido dela dê o divórcio. Já pensou nisso? Um divórcio, Robert!

—Pensei nisso!

Lady Stunford levantou-se. Ainda era uma mulher bonita. Ainda caminhava com graça e tinha um porte muito digno, apesar de o rosto estar acizentado e ter lágrimas escorrendo pela face.

—Muito bem, Robert: você já tem idade para saber o que quer. Se resolveu casar com aquela mulher, ninguém pode impedi-lo. Ela tem má reputação e é dez anos mais velha do que você. Mas sei que nada, nem ninguém, poderá mudar sua decisão. Entretanto, não a aceitarei como nora. Era o que eu tinha a dizer.

—Já entendi.

Lady Stunford caminhou para a porta, que Sir Robert lhe abriu, sorrindo, irônico. Ela o olhou por um momento, esperando que algo mudasse. Mas, quando seus olhos se encontraram, cheios de suspeitas e ressentimentos, ela saiu sem dizer mais uma palavra.

Ele tinha sido cruel! Agora percebia isso. Entretanto, na hora, agiu movido por uma raiva amarga que geralmente o dominava, quando não conseguia fazer as coisas do jeito que queria.

Por que, perguntou a si mesmo, não tinha conhecido Violet quando era mais jovem?

Ignorou o fato de que, quando ela casou, ele não passava de um garoto, ainda estudante. Agora só lembrava que era uma mulher bonita e que a desejava.

Que diferença das garotinhas tímidas que a mãe considerava apropriadas para esposa! Que diferença das mulheres com quem havia flertado e feito amor e que depois vinham com exigências e declarações de paixão que o irritavam!

Com Violet, nunca tinha certeza de nada. Num momento, ela parecia doce e gentil, prestes a se entregar. Então, mesmo enquanto ele a segurava nos braços, ela o iludia. Ria de seu ardor, da sua paixão, e ele sentia seu pouco-caso.

Ela não lhe pertencia. Pertencia apenas a si mesma. Era uma mulher cheia de emoções. Havia algo nos seus atos de desafio que o atraíam muito. Violet não se importava com o que as pessoas iam dizer ou pensar. Sabia muito bem que todos falavam porque era amiga dos amigos do marido e os tratava como iguais.

Quando abandonou o marido, poucos meses antes de fazer dezoito anos de casada, muita gente disse que aquilo não era surpresa. Mas os boateiros ficaram surpresos porque não fugiu com nenhum amante. Simplesmente, foi morar sozinha em outra casa e continuou a encantar todos os homens que encontrava.

Foi então que Sir Robert a conheceu. Desde o primeiro momento, não conseguiu pensar em mais ninguém.

Não era mais um garoto e não ia dar o passo mais sério de sua vida sem pensar. Sabia muito bem o que significava uma proposta de casamento a Violet Featherstone. Teria que mudar muito os planos que já tinha feito para o futuro.

Podia ter enfrentado a mãe e podia ter fingido que era muito simples levar Violet para Cheveron, como sua esposa. Mas, no fundo do coração, tinha certeza de que as coisas seriam bem mais complicadas.

Entretanto, quando ela sorria, Sir Robert sentia que nada mais importava: apenas a conquista daquela mulher fascinante.

Agora, como já tinha acontecido quando estava distante de Violet, lembrava-se da beleza de Cheveron. Podia até ouvir a voz da mãe, fazendo suas súplicas. Havia os camponeses, os arrendatários, o problema de sua entrada na Câmara dos Comuns, a posição que ocupava no município e a parte que os Stunford sempre tiveram na corte.

Como tudo aquilo parecia simples. Entretanto, como era importante! Eram coisas que se transformavam numa barreira de oposição contra Violet, contra sua fascinação e sua fragilidade.

De repente, Robert percebeu que já estava fora da Vila das Rosas há muito tempo e sentiu frio. Começou a caminhar pelos jardins. A alameda fazia curvas, descendo cada vez mais, até chegar a um portão de ferro, um trabalho lindo. Abriu o portão e saiu.

Não seguiu pela estrada; entrou por uma porteira, do outro lado dos jardins públicos que o famoso François Blanc tinha desenhado há alguns anos, quando planejou a construção da nova cidade de Monte Carlo.

Os jardins ainda não estavam terminados, mas já prometiam grande beleza. O atalho que ele seguia deu a volta em torno de uma oliveira, e o perfume de eucalipto se misturava com o de jasmim e mirta.

Durante o dia, quem passasse por ali poderia admirar os canteiros de violetas e heliotrópios azuis. Mas, no silêncio do amanhecer, Robert só via a neblina suave que pairava sobre as flores.

Então, lembrou-se da neblina sobre os campos de milho, onde brincava quando criança com seu cachorrinho; as caçadas que faziam juntos e os pássaros que o animalzinho lhe trazia. No começo do inverno, Cheveron atingia uma beleza incomparável.

Cheveron. Sempre Cheveron! Devia estar pensando em Violet. Nos lábios dela, nos braços que o abraçavam.

Chegou ao fim do caminho, onde havia uma escadinha rodeando um rochedo sobre o qual se curvava uma árvore florida. Então, deu um encontrão em alguém que gritou.

Estendeu as mãos, para impedir que a pessoa caísse e percebeu que se tratava de uma moça.

—Cuidado! Olhe por onde anda!— como estava pensando em Cheveron, instintivamente falou em inglês.

A mulher respirou fundo e respondeu:

—Perdão, senhor. Oh, mas, é inglês?

—Sim, sou. Isso faz alguma diferença?

Era difícil vê-la claramente, pois se encontrava na sombra da árvore. Entretanto, a moça estava ofegante, como se tivesse corrido. Parecia também amedrontada.

—Não, não. É que... aquele homem falou comigo. Acho que talvez... tenha bebido demais. Eu, muito estúpida, parei para ouvir. Só então percebi o que estava dizendo, e saí correndo.

—Vou lá falar com ele— Sir Robert disse, aborrecido.

Mas, pensando melhor, achou que aquilo podia ser alguma armadilha. Mulheres sérias não andavam sozinhas pelos jardins de Monte Carlo. Hesitou.

Como se percebesse o que ele pensava, a moça se afastou.

—Está tudo bem, agora, obrigada. Foi tudo culpa minha. Não devia ter vindo aqui sozinha. Sei que agi errado, mas estava acordada, e queria tanto ver o sol nascer sobre o mar.

Havia algo infantil na explicação dela, e imediatamente as suspeitas de Sir Robert desapareceram. Não era uma armadilha. Aquela mulher... aquela mulher... era jovem demais. E sincera. Ele tinha certeza disso.

—Não vai precisar esperar muito. Está quase na hora de o sol aparecer.

Apontou um pouco para a esquerda, onde o caminho se alargava na beira de um desfiladeiro protegido por uma grade de ferro.

—Oh, obrigada.

A moça caminhou diante dele e, ao sair da sombra da árvore, viu que era mesmo muito jovem.

Usava uma capa longa e cinza, de um tecido macio. O capuz estava puxado sobre os cabelos, de modo que ele só podia ver o contorno do rosto. Traços delicados, olhos de cílios escuros e uma boca bonita.

—Foi aqui que santa Devote apareceu.

—O que disse?

Ela levantou os olhos para ele.

—Estava falando comigo mesma. Não precisa se incomodar, senhor.

—Acho que vou ficar com você alguns minutos, caso o bêbado apareça outra vez.

Ela olhou sobre o ombro dele, um pouco apreensiva. De onde estava, via até o fim da alameda vazia.

—Ele já foi embora.

—Então, podemos assistir em paz ao nascer do sol! Gostaria que repetisse o que acabou de dizer.

—Eu disse: foi aqui que santa Devote apareceu.

—Achei que tinha dito isso, mas pensei que estava enganado. Não há muitas santas em Monte Carlo.

Ela deu uma risada suave e musical.

—Agora não, talvez. Mas santa Devote apareceu no ano 300 d.C.

—Verdade? E se tornou a santa protetora do rochedo?

—Sim. Mas pensei que não soubesse.

—Não sabia. Só tentei adivinhar. Fale-me mais sobre ela...

—Santa Devote morava na Córsega e foi assassinada depois de se tornar cristã. O padre que a converteu planejava levar seu corpo para a África, mas o barco foi trazido pelo vento para esta costa. O padre teve um sonho em que viu um pombo voando sobre o peito da garota morta e depois pousando numa ravina estreita. Quando acordou, ancorou o barco e desceu na praia de Mônaco, diante dele, estavam a ravina estreita e o pombo.

A voz da garota era baixa e suave, enquanto contava aquela lenda.

—Quem lhe disse tudo isso?

—Uma freira lá do internato. Era de Mônaco e sempre falava sobre a beleza de sua terra, os laranjais, o monte Angel, os vilarejos nas montanhas e santa Devote, que a tinha inspirado a ser freira.

—Então, por causa dessa freira, você queria ver o sol nascer sobre Monte Carlo?

—Não sobre Monte Carlo, sobre a baía de Hércules e sobre Mônaco. Olhe, lá está um lugar onde, garanto, há uma capela à santa Devote.

Apontou, mas Sir Robert não olhou na direção que indicava, e, sim, para sua mão. Era longa e muito delicada.

—Olhe!

Ela parecia estar em êxtase.

Os primeiros raios de sol surgiam no horizonte, transformando tudo.

A paisagem, que tinha sido cinzenta e sem cor, agora se transformava em um cenário brilhante. O mar estava completamente azul e no céu não havia uma nuvem. As montanhas, com picos cobertos de neve, brilhavam ao longe, e todas as flores pareciam adquirir vida.

—Lindo! Lindo!

A moça também estava linda. Sir Robert nunca tinha visto um rosto tão estranho e encantador. E como era jovem! Não jovem como o dia que acabava de surgir diante de seus olhos, jovem como os botões das flores de laranjeira.

—Acho que seu nome deve ser Aurora.

Ela fez um esforço para desviar os olhos da paisagem e o encarou.

—Aurora? Oh, não, é Mistral!

—Mistral? Que nome estranho, para uma garota! É o nome de um vento muito desagradável, nesta região.

—Sim, eu sei.

Havia algo no tom de voz dela que o advertiu para não continuar a fazer comentários.

—E qual o seu sobrenome?

Ela ia dizer, quando, de repente, lembrou que não devia.

—Eu... mão posso dizer. Como sabe, eu não devia estar aqui. Minha tia ficaria muito zangada comigo, se soubesse. Não devia ter saído sem a permissão dela. Mas já estava acordada há tanto tempo, e a irmã Héloise tinha falado tanto do amanhecer.

— Acho que fez bem em vir ver por si mesma. Descobri em minha vida que é sempre bom fazer o que se tem vontade e pedir permissão depois.

Mistral sorriu.

—As freiras diriam que isso é uma trapaça.

—E você sempre faz o que as freiras dizem?

—Sim, até agora. Nunca tive a oportunidade de fazer o contrário. Só saí do internato há pouco mais de uma semana.

—E passou muito tempo lá?

—Desde os seis anos.

—Seis! Mas, e a sua casa? Mora na França?

—Por favor, não me faça perguntas.

—Desculpe. Deve pensar que sou muito mal-educado, mas é que você é tão diferente de todas as moças que conheço... e há algo intrigante no modo como nos conhecemos. Permite que me apresente, senhorita?

—Sim, já que não há mais ninguém para nos apresentar.

—Meu nome é Stunford. Sir Robert Stunford.

Observou o rosto dela e percebeu que nunca tinha ouvido falar dele. De repente, teve uma vontade louca de dizer: sou muito rico, um inglês muito importante.

Naturalmente, seria ridículo, mas queria impressioná-la. Por quê? Nem ele saberia explicar.

—Muito prazer, Sir Robert— Mistral fez uma reverência e virou- se novamente para olhar o mar—, veja que cores lindas! Nunca acreditei que pudesse ser tão azul. Pensei que fosse exagero das pessoas. Azul... azul como a veste da Madona na capela de Nossa Senhora.

Tinha se esquecido completamente dele, e Sir Robert ficou ofendido. Em algum lugar da cidade, um relógio bateu seis vezes. Mistral contou as badaladas.

—Seis horas. Preciso voltar. Minha tia acorda cedo. Vai ficar furiosa, se souber onde estive. E com razão. Vou pagar por isso. Mas, pela primeira vez, eu queria fazer algo sozinha. Queria esquecer todas as regras que sempre tive de obedecer. Sempre havia alguém me dando ordens.

Sir Robert observou-a. Que olhos tão estranhos! Parecia francesa, apesar de falar bem o inglês. Não seria difícil saber quem era. Em Monte Carlo, uma beldade daquelas não conseguiria permanecer escondida muito tempo.

—Agora, devo ir embora. Obrigada, Sir Robert, por sua gentileza. Estou muito agradecida.

Ele tomou a mão dela.

—Vamos nos encontrar novamente, Mistral?

—Acho que não.

—Mas, por quê? Não posso visitá-la e à sua tia?

—Não, por favor!— pediu, num tom de pânico—, minha tia ficaria muito zangada, se soubesse que conversei com um estranho. Ela me deu ordens rígidas para não fazer isso. Ia ficar horrorizada com o meu comportamento, principalmente sabendo que vim aqui sozinha. Por favor, Sir Robert, não deixe ninguém saber que nos encontramos. Promete?

—Prometo. Com uma condição.

—Uma condição?

—Sim. Se tiver qualquer problema, se for perturbada por alguma coisa ou se algo lhe acontecer em Monte Carlo, por favor, me avise. Estou no Hotel Hermitage. Mande um recado, e eu a ajudarei. Se não podemos nos encontrar onde você está, nos encontraremos aqui. Está bem? Promete que fará isso?

A ansiedade do rosto de Mistral desapareceu.

—Sim. Prometo. É muita gentileza sua.

—Em troca, eu prometo não dizer a ninguém que nos conhecemos. Principalmente, se nos encontrarmos em público. Vou fingir que somos estranhos. Mas não esquecerei este amanhecer.

—Eu também não. O amanhecer é exatamente como a irmã Héloise contou: lindo... tão lindo, que não há palavras para descrever.

—Sim, lindo— Sir Robert repetiu, olhando o rosto dela.

Durante um momento, seus olhos se encontraram. Como se sentisse medo, ela saiu correndo pelo caminho margeado de flores.

Corria graciosamente, fazendo com que ele se lembrasse das ninfas dos bosques. Não tentou segui-la. Em vez disso, debruçou-se na grade e ficou observando o mar.

As últimas sombras da noite tinham desaparecido e lá no horizonte surgiam os contornos da Córsega, como se fosse uma nuvem lilás.

—Lindo!— Sir Robert repetiu, baixinho. Depois, lentamente, voltou para o hotel.

A porta já estava aberta, e ele subiu para sua suite. Estava vazia e escura, pois tinha avisado ao camareiro que não o esperasse.

Na sala grande, o ar cheirava a mofo. Só melhorou depois que ele abriu as cortinas. Então, o sol invadiu o quarto e iluminou a carta de sua mãe, sobre a escrivaninha.

Ficou parado um longo tempo, olhando a carta, sem tocá-la. Caminhou até a lareira, onde havia um retrato de Violet.

Ela mesma o havia colocado ali, na véspera, num de seus momentos de ternura.

—Vou detestar que me esqueça, quando não estivermos juntos— havia dito.

—Como se isso pudesse acontecer.

—Sei que é muito fácil esquecer as pessoas— Violet sorriu.

Ele sentiu que uma onda de ciúme o dominava.

—Vai me esquecer facilmente?— perguntou, tomando-a nos braços e beijando-a furiosamente—, vai esquecer isto? E isto? E isto?— insistiu, beijando-a novamente.

Entretanto, mesmo naquele momento, sabia que ela havia despertado seu ciúme de propósito.

Examinou o retrato. Violet era atraente, não se podia negar isso. Os cabelos escuros afastados do rosto deixavam ver a pele clara e o sorriso brincalhão. Não era uma beldade clássica, mas, quando entrava numa festa, todos se voltavam para vê-la. A mãe dele a achava uma mulher má. Seria verdade?

Sir Robert sentiu-se surpreso diante daquela pergunta. Como podia estar pensando aquilo? Nunca teve nenhuma dúvida, antes.

«Acho que deve ser o efeito daquela garota esquisita que encontrei no jardim.»

Ela havia dito que ia ter que pagar por fazer algo que a tia não aprovava. Pagar por ir ver o amanhecer! Imaginou que tipo de castigo sofreria se fizesse mesmo algo errado.

Seu conhecimento do que era errado parecia muito limitado. Obviamente, não sabia nada do mundo, tendo sido educada num internato, desde os seis anos. Pobrezinha! Que vida teria pela frente? Não ia continuar inocente, com um rosto tão lindo, por muito tempo. Bem, de qualquer modo, ele não tinha nada com isso.

Imaginou por que havia pedido que o procurasse se tivesse problemas. Se ela fizesse isso, ele é que enfrentaria problemas com Violet. Entretanto, Violet não tinha nenhum direito de questionar suas atitudes, ainda.

Não a havia pedido em casamento; mas estava certo de que aceitaria, se a pedisse.

A carta da mãe continuava na escrivaninha. Não ia abri-la agora. Fingiria que não tinha chegado. Só a leria durante o café.

Quase como se a garota estivesse no quarto, ele lembrou sua voz dizendo:

—As freiras diriam que isso é uma trapaça.

De repente, Sir Robert ficou muito aborrecido. «Droga de garota, com a sua consciência e as suas rezas. Droga de carta, com suas acusações!» Por que a mãe não o deixava em paz? Se ele queria ir para o diabo, por que não o deixavam, sem choradeira e reclamações?

Estava cansado. Iria para a cama. Era muito tarde ou muito cedo, ainda não sabia ao certo; só sabia que não era hora de um homem ficar meditando sobre o bem e o mal, o certo e o errado.

Atravessou a sala e entrou no quarto, batendo a porta. O vento que entrou pela janela espalhou vários papéis da escrivaninha, mas a carta de Lady Stunford continuou lá, iluminada pelo sol.

O fantasma De Monte Carlo

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