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De todas aquellas povoações até onde chegára o rumor da horrente catastrophe, partiram homens audaciosos, movidos pela curiosidade para observarem com os seus olhos os despojos que restavam; alguns não voltaram mais aos seus lares, porque iam engrossando uma onda dos revoltados contra tamanha traição. Os que regressavam espavoridos contavam o assombro que lhes causára o vêr uma ampla campina coberta de cadaveres incompletamente carbonisados, em volta dos quaes uivavam lobos em numerosas alcateias, e aguias e abutres que esvoaçavam em bando sobre a vasta presa, cujo fetido os attrahira de longe. As calmas estivaes tornavam-se mais intensas, apressando a putrefação de tantos cadaveres; as fortes nortadas levavam até muito longe os miasmas, e n'uma e n'outra cidade da Lusitania appareciam ameaços aterradores da peste. Era a perspectiva de uma mais horrivel devastação, porque se não via o látego mortifero que flagellava os povos. Um pensamento de piedade pelos mortos occorreu suscitado pelas calamidades:

– É certo que esses corpos insepultos reclamam dos vivos o cumprimento de um dever sagrado! Em quanto lhes não dermos sepultura condigna, suas almas andarão errantes diante de nós, perturbando-nos, perseguindo-nos até acordarmos do nosso desdem egoista. Carecemos para propria segurança de lhes darmos sepultura segundo o patrio e antigo costume, quando se encontra um morto n'um ermo ou n'uma encruzilhada. Que cada cidade, villar ou aldeia, faça suas peregrinações ao campo da matança, e seguindo a tradição da piedade, cada um arroje uma pedra para cima dos cadaveres até que se formem Montes Gaudios, que serão os tumulos venerandos dos nossos desventurados conterraneos.

Segundo aquelle costume, vogou de cidade em cidade a ideia da funebre peregrinação, e não eram ainda bem passadas duas luas quando por toda a Lusitania se operára um movimento que ligava todas as povoações no mesmo affecto. Os mortos podiam agora mais de que os vivos, porque por via d'elles se uniam tribus até aquelle dia inconciliaveis, que iam visitar o campo da matança e lançar suas pedras para erguerem bem alto os Montes Gaudios, que deviam tornar-se não um simples monumento funerario, mas uma como torre de protesto e de eterna revolta. Muitos povos dispersos nas regiões de entre Durio e Minio, entre o Durio e o Tagus e mesmo os que se achavam para lá da banda de Traz dos Montes, desde a foz do Anas até ao Mar Cantabrico, adheriram á desolação dos Lusitanos, e mandaram tambem peregrinações ao campo da matança para que os Montes Gaudios attestassem aos vindouros que elles se consideravam formando parte d'este valente e activo povo ribeirinho que dos seus portos de Lez e das suas bem trabalhadas Lezirias tomára o nome nacional de Lusitania. O ecco da grande catastrophe produzida pela perfidia impune de Galba chegára egualmente aos confins dos territorios dos Asturios e Celtiberos. Os Povos denominados Carpetanos, os Vettões, os Vacceos e Callaecos, que sempre se tinham conservado apartados para o norte da Hespanha esperando constituir uma Confederação e unidade política sob o nome de Callaecia, agora sentiam-se dominados pela insondavel fatalidade que arrastára os destemidos e independentes Lusitanos á maior das ruinas; elles vierão em magotes vêr de perto a horrorosa mortandade, e arrojar piedosamente mais pedras para os Montes Gaudios. Esses tumulos cresciam, como attestando ao mundo, que eram innumeros os corações que pulsavam por inultos mortos, e que os mesmos braços que arrojaram aquellas pedras, serão os mesmos que arremessarão as suas lanças e brandirão as pezadas lorigas contra o fautor da execranda iniquidade.

Assim se fôram formando bandos e numerosas guerrilhas, imperfeitamente armadas, que clamavam por vingança; e vendo que muitas cidades alliadas dos Romanos, e outras por temor ou covardia, não tinham vindo celebrar a cerimonia dos Montes Gaudios, foi contra ellas que arremeteram na sua ancia de vindicta. Passavam ja de dez mil os Lusitanos que se ajuntaram em differentes guerrilhas, entregues á aventura e audacia de destemidos Cabecilhas, que fôram descendo para o sul da Peninsula, devastando e roubando quantos povos encontravam que estavam no goso do patronato romano. Chegaram até á Turdetania, essa opulenta região banhada pelo Betis, tendo por limite da parte do norte o curso do Anas; e levaram a sua audacia até ao ponto de atacarem a importante fortaleza de Gades, ou Gadir, como lhe chamaram os Phenicios. Não era sem rasão que os viajantes phenicios, gregos e romanos diziam que os Lusitanos eram o povo mais numeroso e valente entre as nações de toda a Iberia.

Viriatho: Narrativa epo-historica

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