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VII
ОглавлениеVetilio deu ordem para que o seu exercito, de mais de dez mil homens sahisse de Corduba, e seguindo em massa compacta pela Turdetania fôsse ao encontro das tribus lusitanas; e fortificadas por uma severa disciplina, contava que as tropas luctariam com vantagem contra Catervas impetuosas, mas sem a cohesão de um bom e seguro commando, nem a lucidez de um pensado plano estrategico.
E não se enganava. Ao segundo dia de marcha, Vetilio avistou ao longe, em um valle immenso, grande numero de Carros de guerra, e Cavalleiros, e por traz d'elles, negrejando, Catervas de peões, que pela direcção que traziam, com certeza vinham sobre Corduba com intenção de assediar o exercito romano, ahi na capital da Turdetania. Era o instante opportuno. Vetilio manda organisar em columna todos os seus infantes: aos flancos os seus Carros, com os projectis incendiarios; a Cavalleria mais atraz, destinada a envolver as tribus lusitanas durante o ataque.
Desde que as tropas romanas fôram avistadas pelos Lusitanos, um grito immenso como de alegria retumbou nos áres, como os renchilidos e apupos ou atruxos com que se distinguiam as varias povoações lusonias; e d'entre esse ruido escutava-se o ecco de cantos, de hymnos, que davam uma animação indescriptivel ao movimento dos combatentes. Vetilio contava com o enthusiasmo dos Lusitanos no primeiro assalto, e reservou todas as suas forças para sustentar o pezo d'esse primeiro impeto. E a carga dos peões lusitanos foi imponente, mesmo incomparavel. Valeu-lhe ao Consul o sangue-frio que soube mantêr; e foi assim, que subitamente reconheceu, que o exercito dos Lusitanos, tão numeroso como o seu, e que não constava de menos de dez mil homens, não tinha cohesão entre si; faltava-lhe a disciplina, e mais do que isso pela ordem de combate descobriu que essa multidão compacta não tinha um general, que sustentasse intelligentemente o commando. O numero extraordinario dos combatentes lusitanos complicava a sua propria segurança, pela falta de um chefe digno d'este nome. Este relance de Vetilio bastou para abranger a situação, e no seu espirito entrou a segurança de que seria certa a victoria. E tirando partido da situação comprehendeu que para vencer era a melhor condição empenhar-se em uma batalha campal com todas as suas tropas; por que embora os Lusitanos aguerridos apresentassem um egual numero, faltava-lhes o commando, o que tornava perigosa a sua situação em campo raso. As Legiões estavam então formadas com quatro mil infantes de linha, que se dividiam em trinta manipulos ou companhias, manobrando em campanha como a unidade tactica de uma divisão moderna. E esses manipulos ou companhias, agrupavam-se em cohortes ou batalhões, em numero de dez.
Passado o primeiro impeto de uma carga destemida de lanças, que os soldados de Vetilio apararam rijamente nos seus escudos, o Consul aproveitou-se da tactica aprendida nas guerras de Hespanha, e mandando-os formar em cunha rompeu as filas dividindo-as, mandando em seguida as suas quadrigas a toda a carreira sobre os flancos, para evitar que tornassem outra vez a reunir-se. Os Cavalleiros dispersos por entre a multidão desorientada, trucidavam incessantemente os que encontravam com um furor attonito, mal sabendo defender-se. A Legião romana mais uma vez, sob o commando de um habil chefe, patenteava a importancia da sua constituição estrategica. A lucta prolongou-se com coragem da parte das tribus lusitanas, mas repentinamente ellas reconheceram-se enfraquecidas, não por falta de valentia, nem de bravura, mas pela imprevidencia com que entraram em campanha, sem um chefe que as dirigisse e tivesse firmemente disciplinado.
Toda a lucta n'estas condições era uma temeridade estulta, um inutil sacrificio. A batalha era agora insistentemente continuada por Vetilio; milhares de cadaveres cobriam o solo recalcado, e o Consul pensava já em aniquilar toda essa multidão lusitana que ainda resistia. O sol declinava; prestes viria a noite, e era de força que o triumpho de Roma ficasse definitivo. Os Lusitanos sem esperança, sentiam-se cansados; a fome e a sêde hallucinava-os até ao desespero, e cercados no valle em que tinham sido surprehendidos, só viam um unico refugio para escaparem ao inevitavel destroço – renderem-se!
D'entre o campo dos Lusitanos fôram enviados a Vetilio quatro emissarios, levando erguidos ao alto ramos de oliveira. O Consul consentiu que chegassem á sua presença, e que appresentassem a mensagem; um d'elles por nome Diálcon, fallou:
– Vimos aqui pedir a suspensão do combate, e a paz, rendendo-nos em massa ao Poder de Roma!
O Consul mandou suspender as hostilidades; e perguntou com dureza aos emissarios:
– Quem responde pela revolta contra a soberania de Roma?
– Nós todos, perdendo o direito de Povos livres; mas conservando sómente a liberdade individual de cada lusitano.
– É muito! retorquiu-lhes o Consul.
– Se não quereis matar-nos, passando tudo á espada, só poderemos acceitar a vida com a liberdade individual que pedimos. E é isso bem pouco, diante do Poder de Roma; porque de hoje em diante podereis mandar-nos habitar o territorio que á grande e generosa Roma lhe aprouver conceder-nos. Ahi em campos de concentração, nos conservaremos quietos e submissos no cumprimento de todas as imposições.
Parecia mais que fallava um traidor do que um vencido; mas o escalavro das forças lusitanas era estupendo e tudo justificava. O Consul Vetilio, velho e astuto, determinou que os emissarios se retirassem, voltando na madrugada para assignarem o pacto da rendição e submissão perpetua, incondicional e peremptoria, vindo acompanhados de refens nobres, que pela sua vida ficariam responsaveis pela tranquillidade das tribus lusas. No resto da noite, Caio Vetilio ficou pensando nas consequencias da sua incomparavel victoria, no prestigio que teria em Roma, no impôsto de guerra que cobraria das populações subjugadas, dos escravos que o acompanhariam na entrada triumphal na Cidade do Tibre! Os sonhos acordados são mais bellos do que os que se tem dormindo, mas não são menos fallaciosos.