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Capítulo 2

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O conde não tinha esposa.

Pelo menos, que ele recordasse. Mas aquele era o problema com tudo, não era? Naqueles dias, incomodava-o mais que houvesse tantas coisas que não recordava.

Havia mais coisas que não conseguia recordar do que o contrário. E todas tinham acontecido nos últimos quatro anos.

Os seus seguidores contavam histórias de como tinham encontrado aquele lugar. Como cada um deles chegara, subindo a montanha e demonstrando que eram dignos de estar ali. Falavam do que tinham deixado para trás. As pessoas, os lugares. Os sonhos e expectativas.

No entanto, a única coisa que o Conde conhecia era aquele acampamento.

A sua primeira lembrança era de quando acordara nos aposentos grandes que ainda ocupava. Estava magoado, quebrado. Demorara muito tempo a recuperar algo parecido com a saúde. Sentar-se e, depois, levantar-se. Mais tarde, começara a andar lenta e dolorosamente. E quando, finalmente, pôde andar sozinho, tinha a sensação de que o seu corpo não era como antes. Embora só pudesse imaginar.

Demorara quase dezoito meses a sentir-se mais ou menos normal. E outros dezoito a perceber que, por muito que tentasse, não sabia realmente o que era «normal».

Porque continuava sem conseguir lembrar-se de nada que não fosse aquele lugar.

As pessoas diziam que estava destinado. Que tudo fazia parte do mesmo plano glorioso. Encontravam-se para rezar e, então, aparecera um líder no mesmo bosque em que viviam. Fim do assunto.

O Conde concordara porque não tinha nenhuma razão para não o fazer.

Certamente, sentia-se como um líder. Sentia-se assim desde que abrira os olhos. Quando dava uma ordem e as pessoas a cumpriam, não era novo para ele, mas profundamente familiar.

Não costumava partilhar com ninguém como gostava quando as coisas lhe eram familiares. Parecia-lhe aproximar-se demasiado de admitir algo que não queria.

Todos os seus desejos eram atendidos. As pessoas reuniam-se para o ouvir falar. Preocupavam-se com a sua saúde. Alimentavam-no, vestiam-no e seguiam-no. O que mais é que um homem podia desejar?

E, no entanto, havia uma mulher no acampamento que garantia ser a sua esposa. O Conde sentia-se como se algo que não soubesse que tinha se abrisse de repente.

– É muito insistente – disse Robert, o seu conselheiro mais próximo. – Diz que está à tua procura há algum tempo.

– Mas não tenho esposa – replicou o Conde. – Não lho disseste desde o começo?

Robert era o único que estava ao seu lado naquele momento a ver a mulher em questão através dos monitores que tinham à sua frente. O Conde esperou para ver se sentia alguma coisa familiar. Esperou para ver se a conhecia, mas, como tudo na sua vida, não havia conhecimento. Não havia lembranças.

Às vezes, dizia às pessoas que agradecia ser uma tela em branco. Mas havia outras vezes, como aquela, em que as coisas que não sabia e não sentia o perseguiam como uma tempestade de inverno.

– Claro que não tens esposa – replicou Robert, escandalizado. – Esse não é o teu caminho. Isso é para homens vulgares.

Aquele era um lugar de pureza. Era uma das poucas coisas que sempre tinham estado claras para o Conde e era muito útil que nunca tivesse sentido a tentação de se desviar do caminho. Homens e mulheres praticavam a mesma pureza radical do que ele, a menos que tivessem dispensa por serem casados, ou iam-se embora.

Porém, durante todo aquele tempo, quando o Conde olhava para uma mulher, não sentira nada senão aquela pureza.

Até agora.

Demorou um instante a perceber o que estava a acontecer-lhe e supôs que devesse sentir-se horrorizado. Mas não foi assim. O desejo atravessou-o como um velho amigo e não soube porquê, mas não houve nenhum alarme de aviso. Pensou que a tentação era boa, como se fosse mais poderoso pelo facto de a vencer. Pensou que aquilo era apenas um teste.

A mulher que ocupava os ecrãs parecia impaciente. Aquilo era a primeira coisa que a diferenciava das mulheres que viviam ali. E mais do que isso, parecia… frágil. Não era curtida como as pessoas dali, nem pronta para qualquer eventualidade. Parecia suave.

O Conde não soube porque queria tocar nela para ver se era tão suave como parecia.

Vestia uma roupa que não tinha sentido para ele no topo da montanha. Não recordava ter estado noutro sítio, é claro, mas sabia que havia um mundo lá fora. Tinham-lhe dito. E aquela vestimenta preta e sedosa fê-lo pensar em cidades.

E, quando o fez, foi como se todas surgissem na sua mente como um catálogo de viagens: Nova Iorque. Londres. Xangai. Nova Deli. Berlim. Cairo. Auckland.

Como se tivesse estado em todas e cada uma delas.

Afastou aquele pensamento e observou a mulher. Tinham-na levado para o interior do acampamento, para uma sala fechada a que nunca tinham chamado calabouço. Mas era. Só tinha um sofá velho, uma casa de banho atrás de um biombo e câmaras nas paredes.

Se a mulher estava tão incomodada como os últimos três agentes que tinham ido visitá-los, não se notava. Estava sentada no sofá como se nada fosse. Tinha o rosto perfeitamente tranquilo e os olhos azuis serenos. Parecia serena e isso chamou-lhe a atenção sobre o facto de ser bonita de um modo quase incompreensível.

Não era que tivesse muitas mulheres com que pudesse compará-la. Mas, de certo modo, o Conde soube que, se pusesse todas as mulheres do mundo que não conseguia recordar em fila, continuaria a achar aquela espetacular.

Tinha as pernas compridas e bem torneadas, mesmo com as botas, e cruzava-as com decoro como se não tivesse percebido que estavam manchadas de lama. Usava um único anel na mão esquerda que captava a luz quando se mexia. A sua boca chamou-lhe a atenção de um modo que não conseguia entender, criando uma espiral de desejo no seu interior que não sabia bem se achava agradável. Para desviar a atenção, concentrou-se no cabelo loiro brilhante que apanhara na nuca de um modo complicado.

«Um coque baixo», pensou.

Era um conceito que não conhecia. Mas era o termo apropriado para descrever como se penteava.

– Trá-la cá – pediu, antes de pensar melhor.

– Não é a tua esposa – repetiu Robert, fazendo uma careta. – Tu não tens esposa. És o Conde, o líder do caminho glorioso e a resposta para todas as perguntas dos crentes.

– Sim, sim. – O Conde abanou a mão. Robert não sabia se aquela mulher era a sua esposa. E ele também não. Porque não era possível que o Conde tivesse surgido do nada no meio de uma labareda, como todos diziam. Sabia isso desde o começo. Se tivesse aparecido um dia num arrebatamento de glória, não teria precisado de tanto tempo para recuperar, pois não?

Contudo, aprendera que era melhor não comentar aqueles mistérios da fé em público. O que sabia era que, se chegara de algum outro lado, isso significava que tinha uma vida anterior. Fosse onde fosse. E, se aquela mulher dizia que o conhecia, talvez pudesse ser uma fonte de informação. O que o Conde mais desejava era informação.

Não esperou para ver se Robert obedecia. Sabia que o faria porque todos o faziam. O Conde saiu da sala de vigilância e dirigiu-se para o acampamento. Conhecia-o perfeitamente, cada sala e cada parede construída com troncos. As lareiras de pedra e os tapetes grossos do chão. Nunca pensara para além daquele lugar, porque tudo o que queria estava ali. A montanha dava e os seguidores recebiam, era assim que funcionava.

Sidney. São Petersburgo. Vancouver. Oslo. Roma.

Porque conseguia «ver» tantos lugares de repente? Lugares não esculpidos em pedra e escondidos naquelas montanhas em que só se viam árvores em todas as direções.

Dirigiu-se para os seus próprios aposentos, que eram separados dos outros quartos onde o resto das pessoas dormia. Manteve uma expressão fechada enquanto andava, como se estivesse a comunicar com o Espírito, tal como pensavam que fazia e, assim, evitou que se aproximassem.

Quando chegou aos seus aposentos, esperou na sala exterior. Quando recuperara os sentidos assim que chegara, rejeitara a austeridade daqueles aposentos. Pareciam-lhe uma prisão, ainda que, de certo modo, soubesse que nunca tinha estado numa. Mas, agora, preferia-os aos quartos relativamente mais acolhedoras do outro lado da porta. Paredes brancas. Mobiliário mínimo. Nada que distraísse um homem do seu propósito.

Na sua consciência, ficava o facto de nunca ter conseguido sentir a determinação que todos presumiam que tinha.

Não teve de esperar muito até lhe trazerem a mulher. E, quando chegou, a austeridade das paredes fez com que o impacto da sua roupa preta fosse muito mais enérgico em comparação. Era tudo branco. A roupa que ele usava, larga e fluida. As paredes, a madeira do chão, até a cadeira em que se sentava, que parecia um trono de marfim.

E ali estava aquela mulher no meio de tudo com roupa preta, olhos azuis e joelhos firmes. Aquela mulher que o observava com os lábios ligeiramente entreabertos e um brilho nos olhos que não era capaz de definir.

Aquela mulher que dizia ser a sua esposa.

– Eu não tenho esposa – declarou, quando os seus seguidores se foram embora e os deixaram sozinhos. – O líder não tem esposa. O seu caminho é puro.

O Conde ocupava a única cadeira da sala. Mas, se a mulher se incomodava de estar ali de pé à frente dele, não se notou. De facto, o seu rosto refletia algo mais parecido com o espanto.

– Estás a brincar, não é?

Foi a única coisa que disse. Foi um sussurro áspero, mais nada. E o Conde deu por si fascinado com os seus olhos. Eram de um azul impressionante que o fazia pensar nos verões da montanha.

– Eu não brinco – disse. Ou, pelo menos, era o que achava. Pelo menos, não ali.

A mulher que tinha à sua frente respirou fundo como se estivesse a fazer um grande esforço físico.

– Durante quanto tempo tencionas esconder-te aqui? – quis saber, como se estivesse zangada.

O Conde não conseguiu pensar em nenhuma razão para que estivesse zangada.

– Em que outro sítio haveria de estar? – Inclinou ligeiramente a cabeça enquanto a observava, tentando encontrar sentido para a emoção que percebia nela. – E não estou a esconder-me. Esta é a minha casa.

Ela deixou escapar uma gargalhada breve, mas carente de humor. O Conde franziu o sobrolho, algo que nunca fazia.

– Tens muitas casas – assegurou ela, num tom que pareceu um pouco rude. – Gosto das águas-furtadas de Roma, mas o vinhedo da Nova Zelândia também não lhes fica atrás. A ilha do Pacífico Sul. A casa de Londres ou a villa grega. Ou todos os hectares de terreno que a tua família tem no Brasil. Tens muitas casas em todos os continentes possíveis, isso é o que quero dizer, e nenhuma delas é um manicómio nas montanhas do Idaho.

– Um manicómio? – repetiu ele. Aquela era outra palavra que não conhecia, mas que lhe pareceu familiar assim que ela a pronunciou.

– Isto é uma espécie de quarto de hospital? – perguntou a mulher, cruzando os braços. – Isto foi um retiro de saúde mental de quatro anos longe das tuas responsabilidades? – fixou o olhar azul no dele. – Se sabias que ias fugir assim, porque te incomodaste em casar-te comigo? Porque não fizeste o teu ato de desaparecimento antes do casamento? Suponho que imagines como tive de lutar durante este tempo. O que te fiz para merecer que me deixasses sozinha no meio de toda aquela confusão?

– Estás a falar comigo como se me conhecesses – disse o Conde, num tom baixo e grave.

– Não te conheço. Por isso é pior. Se querias castigar alguém com a tua empresa e a tua família terrível, porque me escolheste? Tinha dezanove anos. Não devia surpreender-te saber que tentaram comer-me viva.

Havia algo agudo dentro dele, como vidro partido, e cortava-o com cada palavra que aquela mulher dizia. Levantou-se.

– Eu não te escolhi. Não me casei contigo. Não sei quem és, mas eu sou o Conde – assegurou, levando as mãos ao peito.

– Tu não és um conde – contradisse ela. – A tua família sempre gostou da aristocracia, mas não tem nenhum título.

A cabeça do Conde dava voltas e doíam-lhe as têmporas. Não havia nenhuma razão para que atravessasse a divisão com os pés descalços para se abater sobre ela, mas a mulher devia ter-se assustado. Se fosse algum dos seus seguidores, ter-se-ia precipitado para os seus pés, suplicando clemência. Mas ela ergueu o queixo e olhou para ele nos olhos como se não percebesse que era bastante mais alto.

– Se fosse a ti, teria muito cuidado com o modo como falas comigo – avisou.

– Qual é o sentido desta farsa? – quis saber ela. – Sabes que não acredito. Sei perfeitamente quem és e nenhuma ameaça mudará esse facto.

– Isto não foi uma ameaça, mas um aviso. E deves saber que a minha gente não tolerará a tua atitude.

– A tua gente? – A mulher abanou a cabeça como se aquilo não tivesse sentido. – Se te referes à seita que está do outro lado da porta, não acho que penses que são mais do que acessórios de um crime.

– Eu não cometi nenhum crime – defendeu-se, sem saber porquê.

Nada na sua memória o preparara para aquilo. As pessoas não discutiam com ele nem lhe faziam acusações. Todos no acampamento o adoravam. Nunca antes estivera na presença de alguém que não o idolatrasse. E era revigorante em certo sentido. Reconhecia o desejo, mas surpreendia-se com a forma que ganhara. Queria afundar as mãos no seu cabelo bem penteado. Queria saborear aquela boca que se atrevia a dizer semelhantes coisas.

– Segundo parece, desapareceste da cena de um acidente – continuou a mulher, sem indício de medo. – Toda a tua família acha que estás morto. Eu também achava. E, no entanto, aqui estás, bem vivo e vestido de branco. Escondido nas montanhas enquanto a confusão que deixaste para trás se complica mais com cada dia que passa.

O Conde não pôde evitar aproximar-se dela e agarrar-lhe os braços.

– Eu sou o Conde – insistiu, com um certo desespero. – O caminho…

– Eu sou a Susannah Forrester Betancur – interrompeu ela. Em vez de se afastar dos seus braços, aproximou-se mais e pôs-se em bicos dos pés de modo a que a sua cara ficasse muito mais perto da dele. – A tua esposa. Casaste-te comigo há quatro anos e deixaste-me na noite de núpcias. Não és o conde de nada. És o Leonidas Cristiano Betancur, herdeiro da Corporação Betancur. Isso significa que tens tanto dinheiro e és tão poderoso que alguém, certamente, algum membro da tua família, deve ter causado o acidente de avioneta para se livrar de ti.

A pressão das têmporas tornou-se mais forte. E sentiu uma dor aguda na base do crânio.

– Já está na hora de voltares para casa, Leonidas – continuou ela.

Talvez fosse o demónio a apoderar-se dele então. Talvez tivesse sido isso que o levou a puxá-la para ele, como se fosse realmente outra pessoa e estivesse casado com ela como garantia. Talvez tivesse sido por isso que apertou a boca contra a dela, saboreando-a finalmente. Saboreando todas as suas mentiras.

Mas esse era o problema. Um beijo e recordou tudo. «Tudo.» Quem era, como chegara até ali. Os últimos momentos daquele maldito voo e também a sua noiva linda e jovem que deixara para trás sem pensar porque era assim naquele momento, um homem formidável e concentrado.

Era Leonidas Betancur, não um maldito conde. E passara quatro anos numa cabana, rodeado de acólitos obcecados com a pureza, o que era uma ironia, pois nunca houvera nada puro nele.

E beijara a pequena Susannah, a pessoa com quem o tinham casado há anos, um movimento calculado pelos pais repugnantes dela e uma bênção para a sua própria família retorcida, porque ele sempre evitara a inocência. Perdera a dele demasiado cedo às mãos do seu pai brutal.

Leonidas inclinou a cabeça e puxou-a mais para ele, saboreando-a e possuindo-a, saqueando-lhe a boca como um possesso. Sabia a doçura e a desejo e descontrolou-se rapidamente. Pensou que se devia apenas a ter passado muito tempo. A parte de si próprio que acreditara sinceramente que era quem aqueles loucos achavam que era, a parte que desenvolvera uma consciência que Leonidas nunca tivera, disse-lhe que devia parar.

Mas não o fez. Beijou-a várias vezes. Beijou-a até toda ela se tornar suave e maleável. Até lhe rodear o pescoço com os braços e se apertar contra o seu corpo como se não conseguisse segurar-se de pé. Beijou-a até começar a emitir pequenos sons guturais.

Leonidas recordou-a com um vestido branco e rodeada de todas as pessoas que as suas famílias tinham convidado para a cerimónia na fazenda familiar dos Betancur em França. Recordou como tinha os olhos azuis esbugalhados e como parecia jovem, a virgem mártir que a besta do pai lhe entregara antes de morrer. Uma prenda como parte da aliança que beneficiava a família.

Mais uma prova de que o sangue dos Betancur estava tremendamente podre.

Mas Leonidas não se importava.

– Leonidas – sussurrou ela, afastando a boca da dele. – Leonidas, eu…

Não queria falar. Queria a sua boca, de modo que a beijou novamente. Susannah encontrara-o ali. Devolvera-o à vida. Portanto, apertou-a entre os seus braços sem afastar a boca da dele e levou-a para o quarto que, agora, desejava deixar.

Contudo, antes, Susannah devia-lhe aquela noite de núpcias. E estava disposto a tê-la, mesmo que fosse com quatro anos de atraso.

Unidos pela paixão

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