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Capítulo 1
ОглавлениеHá dois anos…
Cinnia não era uma alpinista social, mas Vera, a sua companheira de quarto, era e sem remorsos ou reparos. Por isso, quando conseguiu fazer com que o dono do clube noturno da moda de Londres lhe desse uns bilhetes para a inauguração, exigiu que Cinnia a acompanhasse.
– Disse-lhe que tens um título nobiliário e, graças a isso, aceitou que fôssemos.
– O título é de um tio-avô que não conheço e que não me reconheceria, mesmo que estivesse à frente dele.
– Bom, é possível que tenha exagerado um pouco a vossa relação, mas falei do diadema da tua avó e como o tema da noite é «os gângsteres e as suas raparigas» e quer atrair clientes, disse-me que podíamos ir como… empregadas. Não tens de exagerar – Vera franziu o nariz –, basta misturarmo-nos com as pessoas e sermos as primeiras na pista de dança.
Cinnia sentia-se renitente. Os fins de semana eram os únicos momentos que tinha fora da empresa de gestão de património onde trabalhava e queria aproveitá-los para ordenar as ideias e criar a sua própria empresa. Escolhera setembro como meta e tinha imensas coisas para fazer.
– Trabalhas demasiado – insistiu Vera. – Pensa nisso como uma possibilidade de conhecer futuros clientes. Estará cheio da flor e nata da sociedade.
– Não se faz assim…
A mãe de Cinnia viu uma possibilidade diferente quando falaram através do tablet.
– Diz-me que não posso usar o diadema e, assim, poderei dizer à Vera que não faz sentido.
– Tolices! Também vamos usar o vestido. Já está na hora de dar algum uso às duas coisas… e a ti também.
No seu décimo aniversário, a mãe celebrara uma festa dos «loucos anos vinte» para poder usar o diadema, a herança modesta da avó, e também fizera um vestido com franjas e contas de cristal para a ocasião.
– Não me deixaste tirá-lo do cofre quando estávamos arruinadas e queria vendê-lo e, agora, vais deixar-me usá-lo num clube noturno…
– Foi por isso que o conservei, para que vocês possam usá-lo em ocasiões especiais. Diverte-te, de certeza que há homens agradáveis.
– Referes-te a maridos ricos? Não se vendem no bar, mãe.
– Claro que não. Haverá bar aberto para eles, não é?
Era por isso que as irmãs e ela lhe chamavam alcoviteira. Estava sempre à procura de uma oportunidade de encontrar marido… e também havia um motivo para que tentasse com tanto afinco. Os Whitley descendiam da aristocracia. O sangue azul estava mais do que diluído pelo vermelho, mas Milly Whitley queria que as filhas encontrassem bons partidos e os Whitley recuperassem a posição elevada de que tinham desfrutado antes de o senhor Whitley falecer e de a situação económica frágil se desmoronar sobre eles.
Até então, interpretariam o papel, agarrar-se-iam a uma casa que era um poço sem fundo e iriam aos acontecimentos que indicavam que continuavam como sempre.
– De certeza que encontras pretendentes melhores do que os teus habituais estudantes ou empregados – continuou a mãe, num tom snobe.
Só precisavam de um homem com os bolsos cheios. Cinnia, no entanto, repetira imensas vezes que também podiam procurar um emprego como as pessoas normais.
As duas irmãs diziam que era uma blasfémia.
Priscilla era modelo. Era bonita, mas acabara os estudos há dois anos e mal trabalhara. Conforme lhes garantia, só precisava de um retrato melhor, de roupa nova ou de uma mudança de penteado para que a carreira descolasse.
Nell, a farrista impressionante, não precisava de um emprego. Os rapazes já lhe ofereciam coisas e seria ela a escolher o peixe graúdo quando chegasse o momento. Cinnia ficaria contente se acabasse o ensino secundário sem ficar grávida.
Felizmente, Dorry, a mais nova de todas, tinha cérebro e vontade de o usar. Trabalhara como ama desde muito nova e, nesse momento, trabalhava numa carrinha de peixe com batatas para espanto da mãe. Guardava o dinheiro antes de alguém conseguir vê-lo e costumava ter a cabeça inclinada por cima de um livro. Se acontecesse alguma coisa a Cinnia, tinha a certeza de que a irmã mais nova conseguiria sustentar as outras.
Tentava não descarregar essa responsabilidade sobre a pobre Dorry. Depois de ter tentado ajudar a mãe a resolver uma série de impostos pendentes e outras dívidas relacionadas com o património do pai, especializara-se em heranças e testamentos. Ganhava bem, era um emprego estável e flexível e parecia-lhe intelectualmente estimulante.
– Aconteça o que acontecer, não digas a nenhum homem o que fazes para ganhar a vida – exigiu Vera. – A menos que tentemos livrar-nos deles.
Cinnia não tinha tanto interesse como Vera em conhecer homens. A sua perdição fora que Milly não pudesse recorrer a nenhuma profissão. A mãe só podia acolher estudantes e hóspedes porque tinha uma casa grande. Era assim que pagava os gastos. Dizia que era uma originalidade quando alguém lhe perguntava alguma coisa e que gostava de estar rodeada de jovens.
Cinnia estava decidida a não se sentir entre a espada e a parede dessa forma. Já era autossuficiente e, embora soubesse que era arriscado ter uma agência própria, chegara ao topo de onde estava. O passo seguinte era ser a sua própria chefe.
Por isso, estava a pensar em como criar uma lista de clientes enquanto Vera e ela conversavam com um músico despretensioso e um magnata das redes sociais louco. Ambos eram imensamente ricos e tímidos e Cinnia supunha que fosse por isso que tinham chamado mulheres… faiscantes como Vera.
Além disso, olhava à volta para não perder um detalhe de algo que nunca mais voltaria a ver. O clube era num edifício industrial reabilitado com aço e vidro e decorado com arte moderna. Uns empregados uniformizados serviam as bebidas mais exclusivas em copos de cristal esculpido. A sala principal abria-se para o segundo andar e o sítio parecia espaçoso, apesar da multidão que havia à volta da pista de dança.
As mesas tinham toalhas de veludo e viam-se boas de penas por todos os lados. As luzes vermelhas causavam sombras sensuais e davam um resplendor quente às caras. Ouvia-se jazz clássico, enquanto um porteiro bloqueava o caminho para as escadas que levavam a uma galeria no andar superior. Quando chegaram, deixaram-nas dar uma olhadela a essa zona deslumbrante e reservada aos convidados mais seletos.
A julgar pelos atores de cinema e famosos que não podiam entrar, essa zona só recebia pessoas muito ricas e excecionais. Cinnia não se impressionava com o dinheiro ou a fama, mas adoraria que algum deles fosse seu cliente. Infelizmente, essas pessoas com tanto dinheiro não estariam interessadas numa agência pequena. Soubera desde o começo que aquela noite seria apenas composta por horas desperdiçadas e uma entrada honrosa no diário do diadema da avó.
Então, viu-o.
Na verdade, viu-os. Eram os gémeos Sauveterre, o mesmo homem impressionante em duplicado apareceu no topo das escadas da entrada e olhou para a parte inferior da sala principal.
O coração parou.
Sentia-se fascinada por os ver pessoalmente e, naturalmente, sentia curiosidade. Ela tinha onze anos quando raptaram a irmã deles, era suficientemente crescida para seguir a história com o mesmo interesse que o resto do mundo. Impressionara-a muitíssimo. Ainda sentia um aperto no coração ao pensar nisso.
Depois, o nome da família aparecera num milhão de histórias nas revistas de mexericos e na Internet. Era por isso que sabia, apesar de estarem longe e na penumbra, que eram tão bonitos como pareciam dali.
Tinham um corte de cabelo idêntico por baixo de uns chapéus ligeiramente inclinados para a esquerda. Embora todos os outros homens usassem uns fatos largos às riscas e uma gravata vermelha, eles usavam uma camisa preta impecável, umas calças pretas feitas à medida com suspensórios brancos e umas gravatas chamativas também brancas. O conjunto realçava as suas costas musculadas e as cinturas estreitas, mas o corte estreito das calças dirigia o olhar para as botas de cano alto brancas e pretas. Pareciam uns gângsteres que matavam com um olhar.
Tinham a mesma expressão de resignação aborrecida enquanto olhavam para a sala com as mãos nos bolsos.
Era curioso vê-los a mexer-se em uníssono… até um deles parar e virar a cabeça quase sem se mexer. No entanto, foi como se tivesse reparado que ela o observava e olhou para ela nos olhos do extremo oposto do clube.
O coração apertou-se. Ver os gémeos Sauveterre, mesmo que fosse num lugar repleto de aristocracia e estrelas de rock, era impressionante. Sabia que eram normais, apesar da sua reputação, mas sentia vertigens ao olhar para aquele homem.
«Este é o meu marido rico, mãe.» Sorriu ao pensar nisso.
Ele inclinou um pouco a cabeça e fez-lhe um gesto muito leve, como se a cumprimentasse.
– Para quem estás a olhar? – perguntou Vera, enquanto olhava nessa direção. – Meu Deus…
Desceram para a pista de dança e Cinnia engoliu em seco e tentou recuperar.
– Temos de os conhecer – afirmou Vera.
– Psiu… – Vera e ela deviam estar a conversar com as pessoas. – Quem quer outro coquetel? – perguntou aos homens.
Não estava disposta a virar-se para descobrir se aquele homem a observava. Porque haveria de o fazer? Mesmo assim, sentia um formigueiro muito intenso. Soube exatamente onde estava enquanto ambos se mexiam de um lado para o outro durante a meia hora seguinte.
– Estão no bar – disse Vera. – Vamos aproximar-nos.
– Vera.
– Só podemos tentar cumprimentá-los. Além disso, haverá uma correria para conseguir bebidas quando chegar a hora do brinde. Devíamos encher os copos para que possamos sair para ver o fogo de artifício.
Vera e ela aperceberam-se imediatamente de que tinham estado a nadar contracorrente para tentar aproximar-se dos gémeos… ou do bar. Eles tinham-se dirigido para um sítio mais seguro, ao fundo das escadas, e tinham ficado com uma expressão de interesse enquanto o dono do clube agradecia a todos por terem vindo, ou melhor dizendo, Cinnia prestou educadamente atenção ao seu anfitrião enquanto Vera procurava outras alternativas.
Vera seduziria qualquer um. Gostava de se divertir, era bonita e tinha um corpo impressionante e todos os homens se viravam para olhar para ela. Tinham-se conhecido na universidade e Vera não só era leal, engraçada e carinhosa, como também impedia que Cinnia se transformasse no aborrecimento que lhe chamava sempre.
Cinnia não tinha tantas curvas como Vera, mas também chamava a atenção dos homens. Não tirava partido do seu físico, como a mãe achava que poderia fazer, mas sabia que o cabelo loiro e ondulado e o ar aristocrático lhe davam algumas vantagens. Além disso, era o contraste perfeito para o cabelo moreno e os olhos escuros de Vera.
Cinnia não seduzia tanto e era apenas a acompanhante de Vera. Saíra naquela noite sabendo que o mais provável era que acabassem por sair do clube com quem reparara em Vera, mas embora Vera se fosse muitas vezes para casa com homens que quase não conhecia, ela esperava voltar sozinha.
Quando acabaram os discursos e anunciaram que o fogo de artifício começaria em breve, fez-se um breve momento de tranquilidade.
– Oxalá encontrássemos alguns homens que nos oferecessem um copo.
Era típico de Vera e dizia-o, sobretudo, para aborrecer Cinnia. Sabia que isso a irritava porque também sabia que ela achava que as mulheres não podiam depender dos homens para tudo. Não fez o discurso sobre o feminismo para não dar esse prazer à amiga.
Então, ouviu-se um homem atrás delas.
– Vão subir…?
Henri reparou na loira enquanto se dirigiam para as escadas. Tinha um perfil sereno e uma figura elegante com um vestido de época que, certamente, as irmãs admirariam. Eram as peritas em moda, mas conseguia distinguir a qualidade assim que a via.
Aquela mulher transmitia um refinamento discreto. Nesse mar de maquilhagens chamativas e vestidos exagerados, ela usava um vestido curto e preto que brilhava com franjas de contas de cristal. Tinha o cabelo apanhado com um diadema delicado e antigo com uma fileira simples de diamantes e que estava enfeitado com uma pena e uma filigrana com forma de folhas.
Parecia elegante e feminina sem se esforçar.
Sorrira antes, mas isso não era novo. As pessoas costumavam olhar para ele e comportar-se como se o conhecessem. Nesse momento, por exemplo, havia várias cabeças viradas para ele. Normalmente, não fazia caso, mas olhara para ela durante mais de trinta segundos porque… não? Era bonita e não fora um sacrifício.
Além disso, não precisava de um vestido apertado para realçar o rabo arrebitado e as coxas lindas. Era muito erótico porque só insinuava as curvas que escondia.
– Queres companhia?
Ramón seguiu o seu olhar e viu a morena peituda que estava ao lado dela.
– Bom olho…
Mexeram-se como se fossem um sem sequer falar. Henri parou ao lado delas quando comentavam que gostariam de encontrar um homem que lhes oferecesse um copo.
Ramón foi abrir a corrente que havia ao pé das escadas sem dizer nada ao porteiro. Todos sabiam quem eles eram.
– Vão subir…?
Ramón olhou para Henri. Ouvira o comentário dela, mas Henri encolheu levemente os ombros.
Eram sempre alvos de caçadoras de fortunas e ambos tinham aprendido a cuidar-se, mas isso não significava que não pudessem divertir-se.
A morena corou, sorriu e endireitou-se. Estava deslumbrada e muito… disposta.
– Sim, vamos subir.
Afirmou-o com firmeza, embora todos soubessem quem podia subir e quem não. A loira franziu os lábios. Tinha vergonha que a considerassem uma mulher fácil? Não era preciso. Henri pensava que era um dos traços de uma mulher que podia suportar melhor.
A música começou a tocar outra vez e ele teve ainda mais vontade de se afastar do barulho e da multidão.
A loira observou-os com cautela, como se não soubesse para qual dos dois olhara antes.
Ramón e ele não lutavam pelas mulheres. Não tinha sentido porque nenhum dos dois queria ter relações duradouras. Mesmo assim, as mulheres pareciam considerá-los intercambiáveis e odiava a possibilidade de a loira decidir ficar com Ramón. O que fora um mero impulso de olhar para uma mulher bonita transformara-se no desejo de ficar com aquela em concreto.
– Podem ver o fogo de artifício da nossa suíte – convidou Ramón. – Não quero estar a olhar para a minha própria cara…
– Porque haverias de olhar para o teu irmão se estás a ver o fogo de artifício? – perguntou a morena, pestanejando com atrevimento. – Talvez, se não se vestissem da mesma forma, não parecessem que estão a olhar-se ao espelho…
– Não o fazemos premeditadamente. – Ramón ofereceu-lhe um braço para subir as escadas. – Acontece, mesmo que estejamos afastados. Deixámos de tentar evitá-lo.
– A sério?
O casal desapareceu entre as sombras da galeria. A loira olhou para as costas da amiga e mordeu o lábio inferior. Então, relaxou a boca e olhou para Henri, passando a língua pelos lábios. Certamente, fê-lo por nervosismo, mas a boca ficara húmida e delicada como umas pétalas de rosa com orvalho, brilhante e apetecível. Fora um gesto muito sedutor.
Olhou para a boca dela enquanto pensava na ideia prazenteira de a beijar com avidez.
– Vamos…?
Ela deu um passo e ficou ao seu lado. Não era a primeira vez que seduzia com Ramón. Há muito tempo que tinham decidido que, se os etiquetavam como «os gémeos Sauveterre», iam aproveitar as suas vantagens. Eram impressionantemente bonitos, tinham imenso dinheiro e eram famosos, consequentemente podiam escolher as acompanhantes que quisessem.
– Era verdade? – perguntou a loira. – Vestem-se sempre da mesma forma, não só esta noite?
– Sim.
Henri odiava falar de si próprio e ainda mais da sua família, mas essa era uma das curiosidades inofensivas que todos adoravam. O mistério dos gémeos era fascinante. Ele aceitava-o e também deixara de tentar evitá-lo.
Nessa noite, pelo menos, dava-lhe a oportunidade de a agarrar pelo braço enquanto se inclinava para lhe falar ao ouvido. Adorou sentir o seu cabelo sedoso no nariz e inalar o cheiro a rosas inglesas e a mulher quente.
– Por exemplo, se um dos dois mudar de roupa, acaba por entornar alguma coisa e tem de voltar a vestir o que tinha antes.
– Não acredito.
Ele encolheu os ombros. As irmãs estavam ligadas num sentido mais emocional. A sua ligação com o irmão era mais superficial. Tinham personalidades muito diferentes e eram implacavelmente competitivos um com o outro, mas, muitas vezes, diziam o mesmo ou seguiam o mesmo processo mental e acabavam por chegar à mesma conclusão. Como nesse ano, pedira a Ramón que celebrassem as reuniões de planeamento em Londres e não em Paris ou em Madrid, como de costume, Ramón também aceitara o convite para a inauguração desse clube.
– Eu… chamo-me Cinnia… Whitley… – apresentou-se, estendendo a mão enquanto chegavam ao piso superior.
– Sou o Henri.
A sua pele era tão suave como parecia e era mais quente do que esperava. Além disso, apertou-lhe a mão com força para uma mulher. Não queria soltá-la, mas ela soltou-a e olhou por cima do seu ombro para Guy, que os seguira. Depois, franziu o sobrolho para Oscar, que já estava a entrar na suíte onde Ramón os esperava com a amiga.
– Tens guarda-costas?
– É uma precaução.
Enquanto Oscar inspecionava o quarto, Guy mandava uma mensagem, certamente, para que descobrissem quem eram aquelas mulheres. Como se quisesse ajudar Guy, Henri apresentou-se à morena e soube que se chamava Vera Phipps.
Henri considerou que ambas eram inofensivas, embora dependessem mais do dinheiro dos homens do que do delas.
Vera olhou para ela como se lhes tivesse saído a lotaria quando um empregado entrou para lhes perguntar o que desejavam. Depois, percorreu a sala, acariciando o sofá e as poltronas, olhando para o ecrã plano que pendia de uma parede e saindo para o terraço para absorver o cheiro do Tamisa.
Quando voltou a entrar, foi à mesinha e pegou num saco dourado com presentes.
– É dourado! – exclamou ela. – Deram-nos um prateado e o teu é maior.
– Dizem-mo muitas vezes – troçou Ramón.
– Tenho a certeza… Posso ver? – perguntou Vera.
Cinnia não seduzia tão descaradamente. Agradeceu ao empregado enquanto lhe servia uma taça de champanhe e saiu para ver as luzes que se refletiam no rio. Era uma noite quente e sem vento.
– É de estranhar que tenhas ficado tanto tempo lá em baixo quando tens este refúgio – comentou ela, quando Henri se aproximou.
Sentia-se atraído e era algo que não costumava permitir-se. Sentia-se incomodado com a intensidade dessa atração.
Por baixo deles, as pessoas saiam para a sala exterior.
Ramón gostava do bulício e ele preferia ambientes mais tranquilos.
– Ainda bem que ficámos. Se não, não te teria conhecido.
Ela soprou levemente, mas com algum desdém. A maioria das loiras com olhos azuis fazia-se de inocente e vulnerável, mas ela não. O corte de cabelo dava-lhe um ar desamparado, mas as suas sobrancelhas tinham um ângulo que indicava inteligência e perspicácia. Mantinha o olhar sereno e atento, mas não cético. Também não olhava boquiaberta nem parecia especialmente impressionada.
Gostou desse indício de segurança em si própria e força. Despertava-lhe a curiosidade.
– Não pensas o mesmo? – continuou ele.
– Parece-me uma maquinaria bem oleada que o teu irmão e tu controlam.
Olhou para a bandeja com canapés que aparecera na mesa que tinham ao lado.
– Pareces-me receosa. – Henri esperou que o empregado se fosse embora. – Se não tivesse pensado que estavam a fazer algo parecido, teria dito que era hipocrisia.
Observou-o com um brilho nos olhos azuis, mas Vera, dentro da suíte, riu-se com algo que Ramón dissera. Ambos se preparavam para a conclusão inevitável. Cinnia cerrou os dentes.
– Não podes negá-lo? – continuou ele, com delicadeza.
– Foste tu que nos abordaste – respondeu ela, num tom indignado.
– Senti-me… convidado.
– Olhei para ti sem querer.
Ergueu o queixo e voltou a olhar para o rio.
Não se limitara a olhar, sorrira. Olhou, fascinado, para a zona que ondulava por cima dos seios por causa da respiração indignada. Tinha a certeza de que estava corada, mas não conseguia comprová-lo na penumbra.
– Não acho que seja a primeira a sentir curiosidade por vocês. Formam um par… apelativo.
– Sabias mesmo que fui eu que olhei para ti ou foi especulação? As pessoas demoram meses, até anos, a distinguir-nos.
Era fácil quando percebiam que ele era canhoto e Ramón destro, ou quando ele costumava falar francês quando podia e Ramón espanhol, mas poucas pessoas reparavam nesses detalhes.
– Parecem-se muito, mas…
Olhou para dentro da suíte, onde Ramón abrira o saco dourado e ouvia os louvores de Vera. Normalmente, deixavam que a mãe escolhesse o que quisesse e davam o resto às secretárias, mas Henri não se importava que aquelas mulheres o levassem.
Aproveitou que Cinnia estava distraída para olhar para o telemóvel. A informação confirmava o que supusera. A mãe dela era de bom berço, mas a família estava arruinada. Cinnia trabalhava numa agência de gestão de património. O único problema de Cinnia Whitley era económico.
Guardou o telemóvel e franziu o sobrolho ao ver que ela continuava a olhar para o seu irmão.
– Mas? – insistiu ele.
– Não sei. Não vejo halos nem nada disso, mas… Tanto faz.
Voltou a olhar para ele com um brilho nos olhos de… vergonha? De sintonia sexual?
– É interessante.
O aborrecimento desapareceu e deu lugar a uma atração mais intensa. Henri apoiou um cotovelo no corrimão e ficou mais perto dela. Adorou que ela tivesse de tentar conter um arrepio.
– O que…? O que será?
Tentava parecer despreocupada, mas ele conhecia os indícios do magnetismo físico.
A atração era maravilhosa. Não se mexeu e deixou que os sinais mais primitivos se transmitissem entre eles, que o estimulassem e despertassem todos os sentidos. Para ele, o sexo era o clímax da sua vida.
– Reages comigo, mas não com ele.
– Não disse isso!
– A sério? Devo ter-me enganado.
– Enganaste-te – garantiu ela. – Esquece tudo o que pensas de mim, de nós, e de porque chegámos até aqui.
Supôs que não estivesse habituada a sentir-se tão atraída pelos homens que usava. Pobrezinha. Isso tinha de ser muito perturbador para ela. Tinha medo de não conseguir resistir antes de lhe tirar tudo o que queria?
– Achava que estavas aqui para ver o fogo de artifício, o que achavas que estava a pensar?
Voltou a erguer o queixo e a olhar para o rio.
– Presta atenção.
Sorriu e passou-lhe um dedo pelo braço nu. Entusiasmou-se ao sentir que ficava com pele de galinha. Observou-o com espanto e incerteza ao mesmo tempo.
– Não tenho de me esforçar para ir para a cama com uma mulher. É assim que vivo. Desfruta sem te sentires obrigada.
– Não vais esperar algo depois? – perguntou ela.
– Algo?
Apontou para dentro da suíte, onde Vera estava em bicos dos pés e se apertava com todas as suas forças contra Ramón com os lábios colados aos dele.
Cinnia deixou escapar um som queixoso e, mais uma vez, olhou para o rio.
– Manterei a esperança – acrescentou Henri.
– Farás muito bem.
Levou o copo aos lábios para disfarçar o sorriso e decidiu que a desejava com toda a vontade e que estava disposto a pagar qualquer preço. Respeitava as pessoas que sabiam o que valiam.
– Não prometas o que não podes cumprir, chérie – concluiu ele.