Читать книгу Tempo de esperança - Daphne Clair - Страница 6
Capítulo 2
Оглавление– Não estou a fugir – murmurou ela, sentando-se novamente no sofá. – Nunca fugi de ti.
– Então, o que lhe chamas?
– Foi uma decisão racional e sensata.
– Sensata?
Uma familiar mistura de sensações apoderou-se dela: desespero, tristeza, angústia, misturada com um profundo e inexplicável desejo.
– Não achas que seja capaz de fazer algo sensato. Mas foi a melhor decisão da minha vida.
Ele apertou o copo com força.
– Era necessário ser tão dramática? Cortar todo o contacto, fazer jurar os teus padres que não me dissessem onde estavas, obrigar-me a que comunicássemos através do teu advogado, como se eu te tivesse maltratado…
– Disse-lhes que não era assim – replicou ela, olhando para as mãos. – Não me trataste mal, Zito.
– Ah, pensei que nunca voltarias a pronunciar o meu nome.
O rosto de Roxane estava semi-escondido no seu longo cabelo escuro, mas tinha notado uma mudança no tom de voz do seu marido, que fez com que levantasse o olhar para os seus claros olhos verdes, interrogantes.
Apenas encontrou uma expressão rígida e indecifrável, quase indiferente.
– Não pensaste que se quisesse encontrar-te-ia de imediato?
– Eu sei.
Sabia que Zito podia pagar a vários detectives privados durante o tempo que fosse necessário.
– Mas deixaste bem claro que não querias que te encontrasse – sorriu ele, sarcástico. – Ou esperavas que fosse a correr atrás de ti para te pedir que voltasses comigo?
Às vezes fantasiava com essa ideia, que o seu marido voltaria para lhe pedir desculpas e fazer promessas… um homem diferente, um homem humilde. E que tudo, milagrosamente, iria correr bem. Este pensamento tinha-a ajudado a conciliar o sonho durante muitas noites.
Mas seria fatal admiti-lo.
– Não.
Pareceu-lhe ver um brilho de emoção nos olhos azuis dele, mas de repente desapareceu. Talvez estivesse enganada.
– Fico contente que assim seja – disse ele, metendo as mãos nos bolsos das calças.
A roupa de Zito estava sempre impecável, muito cara. Não com o intuito de impressionar os outros.
Ele estava a inspeccionar as paredes que Roxane tinha pintado de verde, com baratas reproduções artísticas.
Então, olhou, para o sofá em segunda mão. Por um segundo, a sua atenção desviou-se para o tapete antigo pelo qual Roxane tinha pago muito dinheiro. O seu único capricho.
– Não gostas da minha casa? – perguntou, desafiante.
– Não está mal. Pequena, mas agradável.
– Gosto das coisas pequenas.
Zito olhou para ela, incrédulo.
– É tua?
– Minha e do banco.
– Se precisas de dinheiro, poderias ter-me pedido. Através do teu advogado, se fosse preciso. Disse-lhe…
– Não quero o teu dinheiro. Tenho um bom trabalho e posso pagar a hipoteca.
– Hipoteca!
Tinha falado como se fosse uma palavra feia. Roxane sorriu.
– É isso o que fazem as pessoas normais para comprarem uma casa, Zito.
– Não tens necessidade de comprar uma casa. Eu posso dar-te tudo o que quiseres… dei-te tudo, se bem me lembro.
– Não tudo – disse Roxane em voz baixa. – Não me deste o que mais desejava.
– Amava-te! – exclamou ele, furioso.
– Eu sei, sei que me amavas. À tua maneira.
Zito passou uma mão pelo cabelo, irritado.
– Dei-te o meu coração e a minha alma, tudo o que tinha. Não sei que mais poderia dar-te.
Claro que não sabia. Maurizio Riccioni apenas faz as coisas à sua maneira. E quase sempre com sucesso. Por que é que iria imaginar que a sua mulher não sucumbiria a essa profunda segurança em si mesmo?
– Nem tudo foi culpa tua. Eu era demasiado jovem e deveria ter dito «não» quando me pediste em casamento.
– E disseste – recordou ele.
Sim, era verdade. A primeira vez que a pediu em casamento, demonstrou um certo bom senso. Mas a sua oposição não durou muito. De imediato, os seus medos foram dissipados perante a vontade de Zito.
Inclusive, convenceu os seus pais, apesar deles não aprovarem que a sua filha casasse aos 19 anos.
Zito esperou até que cumprisse os 20 e no dia do seu aniversário casaram na catedral de Melbourne, perante várias centenas de convidados.
Mas, o casamento era algo mais do que um vestido branco e um ramo de flores. E o seu não tinha resistido ao desafio.
– Deveria ter-te dito que não.
– Obrigado – murmurou ele. – Mas eu podia convencer-te de todas as formas.
– Estás tão seguro de ti próprio…
– Eu nunca te magoei, Roxane. Se tivesse sido um marido terrível, compreenderia que me tivesses abandonado.
Então, aproximou-se do seu escritório e olhou para os papéis.
– São coisas privadas – protestou Roxane. Ele pegou num envelope e voltou-se, interrogante.
– Roxane Fabian? – Roxane encolheu os ombros.
– É o meu apelido.
– Mas disseste que gostavas do meu.
– Não me importou… Não era tão importante.
– Para mim era.
Mas ter o seu apelido tinha sido importante para ela. Seguramente, era algo simbólico.
– Por que é que pensavas que eras o meu dono? – Zito soltou uma gargalhada.
– Se realmente pensavas assim, eras demasiado jovem.
Ou demasiado tonta, parecia insinuar.
– Então, não pensavas isso.
A reacção do homem foi notável, mas ela conhecia-o tão bem que viu como dava, sem dar, um passo atrás.
Não queria magoá-lo. Sabia que ficaria furioso, mas não o abandonou para se vingar ou castigá-lo, apenas por sobrevivência.
Na sua longa e possivelmente incoerente carta de despedida, tinha-lhe dito que não o odiava e que não devia culpar-se a si mesmo pelo que não podia evitar. Tinha tentado não o magoar.
Talvez a dor fosse mais profunda do que ela esperava. Tinha tido doze meses para a esquecer, mas não parecia tê-la esquecido.
– Lamento. Pensava que compreendias.
– Há outro homem? – perguntou ele abruptamente.
– Por favor! – exclamou Roxane. Não entendia que o tinha deixado porque queria estar sozinha. – Outro homem depois de viver contigo durante três anos? Como te atreves a sugerir que te fui infiel?
Zito ficou em silêncio durante uns segundos.
– Durante meses, torturei-me com essa ideia.
Roxane nunca tinha pensado nisso. Essa era mais uma prova de que não a conhecia, que nunca tinha tentado compreendê-la ou entender os seus desejos.
– Pois enganas-te.
Ele encolheu os ombros, como se não tivesse importância. Mas tinha. Tinha o seu orgulho ferido e essa era, seguramente, a razão pela qual não a tinha procurado através de um detective.
– Quebraste outras promessas do casamento – disse então. – Por que não essa?
– É diferente.
– Porquê?
Roxane não podia responder a essa pergunta.
– Porque sim – disse, suspirando.
– E agora?
– Agora, a minha vida privada é a minha vida privada.
Nesse momento, começou a tocar o telefone e Roxane levantou-se para ir para o corredor.
– Diga-me?
Zito ficou a olhar para ela desde o salão, enquanto ela tentava concentrar-se na chamada.
– Diz-me, Leon… No sábado? Sim, bem, tenho que ver a agenda.
Roxane abriu a mala que tinha deixado sobre a mesa do telefone.
– No sábado da semana que vem? Que género de festa? Se há muitos convidados…
Leon garantiu que não. Uma festa de boas vindas, pelos vistos, para o filho de um cliente que voltava da Europa com a sua noiva.
– É apenas uma reunião familiar. Uma centena de convidados.
– Uma reunião familiar? – sorriu ela. – Para que os familiares vejam a pobre noiva?
– É uma proeminente família de Auckland e os contactos vêm mesmo a calhar. Espero que possas organizá-la.
– Claro que sim – prometeu Roxane.
– Sei que posso confiar em ti.
Quando voltou ao salão, tinha um sorriso nos lábios. Zito estava a olhar pela janela, com um ar muito sério.
– O teu noivo?
Roxane não tinha noivo, mas a pergunta fez com que vacilasse um pouco.
– Não, uma chamada de trabalho.
– Trabalho? – repetiu Zito, incrédulo. – A estas horas?
– Não é assim tão tarde – murmurou ela, olhando para o relógio. Eram apenas dez horas.
– Uma festa no sábado à noite? A sério que tinhas que consultar a agenda ou apenas o fizeste para o deixares nervoso?
– Não sejas ridículo.
Ele afastou-se da janela, com um brilho feroz nos olhos.
– Ridículo?
– Ridículo, sim!
Talvez fosse a segurança no seu tom de voz, talvez o brilho dos seus olhos verdes, mas Zito deteve-se. Roxane nunca se tinha atrevido a repreendê-lo dessa forma.
– Quem é a noiva? Tu? Se és tu, esqueceste-te de um pequeno detalhe.
Ela ficou tão surpreendida que soltou uma gargalhada.
E, novamente, reparou que o tinha deixado nervoso.
Nunca tinha visto Zito a perder a calma no espaço de… dez minutos?
Era uma sensação muito peculiar.
– Quem telefonou foi o meu chefe. Dedicamo-nos a organizar eventos, sobretudo para grandes empresas, mas pediu-me que organizasse uma festa familiar para o filho de um cliente.
Zito olhou para ela como se estivesse a tentar decidir se devia acreditar ou não. Depois deixou-se cair no sofá, passando uma mão pelo cabelo.
Roxane sentou-se no braço do cadeirão, a seu lado, e cruzou as mãos. Umas mãos sem aliança, sem anel de comprometida.
Quando levantou o olhar, ele estava apoiado nas costas do sofá, com as longas pernas esticadas.
– Comportei-me como um idiota. Como um autêntico idiota.
Surpreendida pela confissão, Roxane ficou a olhar para ele sem dizer nada.
– Deveria ter-me aproximado de ti quando desceste do autocarro.
– Em vez de me pregares um susto de morte?
– Quando soubeste que era eu?
Quando lhe chamou «querida» com a sua inesquecível voz rouca que ela sempre tinha imaginado com o sotaque italiano dos seus antepassados, embora os seus pais tivessem nascido na Austrália.
– Antes de dar-te a bofetada – respondeu.
Ele sorriu suavemente, sem olhar para ela, despertando emoções antigas. Emoções que não devia despertar.
– Já vejo.
– O que fazes na avenida Ponsonby? Na realidade, o que fazes em Auckland?
– Estamos a pensar em abrir uma cadeia de restaurantes na Nova Zelândia. E estava a jantar no GPK.
– Vigiando a competência?
O avô de Zito tinha chegado à Austrália sem um cêntimo e lavou pratos até que abriu o seu próprio restaurante e depois outro e outro. O negócio familiar converteu-se numa instituição australiana que valia milhões de dólares.
E estavam a pensar em expandir-se na Nova Zelândia…
– Estava a misturar os negócios com o prazer – disse Zito.
– Ah, estavas com uma mulher – murmurou Roxane.
Claro que não tinha jantado sozinho. E, claro que a sua acompanhante teria sido uma mulher.
– Uma mulher que não penso ver mais.
– Não me surpreende… se a deixaste sozinha a meio da refeição – replicou ela, sentindo uns ciúmes que não tinha o direito de sentir. – Que desculpa lhe deste?
– Desculpei-me, paguei o jantar e disse-lhe que telefonaria amanhã.
Roxane quase que soltou uma gargalhada.
– Terás sorte se voltar a dirigir-te a palavra.
– Envio-lhe um ramo de flores.
– Ah, claro, e então fica tudo esquecido. Irá logo comer na tua mão.
– Já te disse que não penso voltar a vê-la. É apenas uma conhecida… nada mais.
Que seguramente esperava ser muito mais, Roxane não tinha dúvidas. Essa mulher não sabia que tinha escapado por um fio.
Mas estava a ser injusta. Uma mulher mais velha, mais sofisticada, mais segura de si própria poderia ter sido muito feliz com Zito… e poderia tê-lo feito muito feliz.
– No que pensas, Roxane?
– Em nada. Não comi nada desde o almoço. Tenho fome.
Essa resposta, que devia ter saído do seu subconsciente, por alguma razão, pareceu deixá-lo zangado.
– Quando vais aprender a cuidar de ti própria?
– Já o faço – replicou ela. – Se não me tivesses atacado estaria agora mesmo a jantar tranquilamente.
– Onde está a cozinha?
– O quê?
– É indiferente – disse Zito, levantando-se. – Eu encontro-a.
– Zito… – murmurou Roxane, seguindo-o pelo corredor. – Espera um momento, não preciso que me faças o jantar.
Ele voltou-se, com um sorriso nos lábios. Gerações de carismáticos italianos tinham produzido aquele sorriso irresistível.
Pegando-lhe no braço, meteu-a na cozinha e sentou-a numa das cadeiras de madeira.
– Eu também tenho fome. Não precisas de cozinhar. Senta-te aí e diz-me onde está tudo.
Zito tirou o casaco e a gravata, que deixou sobre uma cadeira, e arregaçou as mangas da camisa, mostrando uns antebraços morenos e fortes, enquanto lavava as mãos.
Aquilo não podia estar a acontecer. Não podia ser. Devia de ter ficado a dormir no escritório. Era um pesadelo. Zito Riccioni não estava na sua cozinha a abrir os armários para mexer nas caçarolas, perguntando-lhe se tinha tomates, cebolas, alhos…
– No cesto, ao lado do frigorífico – respondeu automaticamente.
Ele pegou num punhado de alhos e levou-os até ao nariz. Faz sempre isso, procurar a frescura dos produtos, como lhe tinha ensinado o seu avô.
Durante o dia livre dos empregados da sua mansão de Melbourne, levava-a à espectacular cozinha para fazerem o jantar juntos.
«Cheira isto», dizia aproximando algo à sua cara: pimenta recém moída, algumas especiarias exóticas ou alguma erva recém encontrada no mercado.
Cortava alguma fruta ou verdura e provava-a antes que ela a provasse.
Às vezes, Roxane mordiscava os seus dedos, convidando-o a que fizesse o mesmo. Mais tarde, ele prometia-lhe um erótico castigo, na cama.
Mas nem sempre esperava pelo fim do jantar e, às vezes, voltavam para a cozinha depois de revolverem os lençóis. Então, a comida ainda sabia melhor.
Fazer a comida tinha sido uma espécie de jogo sexual, uma arte que Zito praticava com a mesma alegria, com a mesma satisfação com que fazia amor.
Uma arte que não desaparecia com os anos, pelos vistos. Apesar da sua casa ser pequena, demonstrava a mesma competência que na sua enorme cozinha com metros e metros de comprimento e vários electrodomésticos..
Um pesadelo? Não, melhor, um bonito sonho, mas insuportavelmente nostálgico.
Uma vez disse-lhe que o seu estilo de cozinhar era como o de um bailarino russo, disciplinado e ocasionalmente extravagante.
«Nem todos são homossexuais?», tinha-lhe perguntado ele.
«Nem todos», protestou ela.
Zito fazia-se passar por ciumento, exigindo saber como sabia e, por fim, levava-a para cama para provar que ele era inegavelmente heterossexual.