Читать книгу A Estrutura Da Oração - Diego Maenza, Diego Maenza - Страница 8

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O peito incha e um terramoto em miniatura, proveniente dos brônquios, incha a cavidade torácica, germina nos anéis da traqueia, ronronando uma resposta inconsciente e coletiva, invocada por milhões de bacilos ávidos de substâncias, convulsionando, por onde passa, a faringe e a laringe. A onda microscópica flui e espalha a sua auréola com a trepidação de toda a epiglote. O ciclone minúsculo ecoa na membrana pituitária e distribui o aluvião entre o nariz e o paladar, facilitando o congestionamento do súbito estrondo do roncar.

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Passei a noite em branco, implorando ao céu, misericórdia, ouvindo o sussurro das minhas jaculatórias misturarem-se com o barulho da respiração do menino. O som do seu peito inflamado foi outro incentivo para a minha vigília. Ligarei para o médico assim que amanhecer. De toda a vez que senti vontade de contemplar a sua anatomia repousando sobre o meu leito, sujeitei-me à acusação feita pelo meu desejo de continuar a ser um filho de Deus. De seguir os passos do Profeta e não ceder logo às armadilhas do mal. “Quero servir-te Senhor e derrotar a tentação do demónio e dizer-lhe que nem só de carne vive o homem. Ele atenta-me, para que me afaste de Ti, oh Pai amado, mas eu sou servo exclusivo das Tuas ordens”.

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Tomás vê sombras onde elas não existem. Inventa-as. Por vezes, durante as manhãs ensolaradas do verão, põe-se a andar atrás das lagartixas, animais que se infiltram nas paredes de pedra do jardim, por entre as fendas de cimento do pátio das traseiras, entre as gretas da beira das janelas, aquela bicharada que aparece para apanhar um pouco de sol. Tomás repreende-as com uma voz anciã, com grunhidos grossos, carregados de lentidão e escassos em impulsos. Embora, noutras alturas, recorra ao ladro com uma energia inusual, fazendo predominar a sua autoridade de cão mais velho, a sua atitude vigilante de Cérbero a tempo parcial, ao acesso dos seus antecessores mais frágeis, certificando-se de que ninguém viola o seu território. Agora está a brincar com uma bravura repentina que retirou sabe-se lá de onde e que adverte o bicho, que deve ter procurado, provavelmente, refúgio no galho de alguma velha amendoeira onde o cão dá saltos de emboscada enquanto ladra. Mas no geral, é a imaginação cansada que esboça, na sua fantasia daltónica, agravada pelo seu olfato já gasto, os demónios que sempre o atormentam. Digo para mim próprio, enquanto o observo, que afinal, não somos assim tão diferentes. Simples animais instintivos cedendo aos caprichos da nossa natureza. Isto se não fosse a nossa alma. “Obrigado, meu Deus, por nos teres dado uma alma”.

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Celebrei a eucaristia sem a presença do miúdo e, apesar da mão caridosa que segurou o incenso não se ter ausentado, o resultado da experiência não foi semelhante à que sinto na presença dele. Não o ver durante um par de horas foi um tormento ainda maior do que tê-lo deitado a centímetros da minha pele.

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O veredicto do doutor foi definitivo. “É uma forte gripe que está a afetar as defesas do rapaz”, diz-me numa voz grossa, esboçando um sorriso rigoroso, “mas que com alguns dias de repouso e uma forte dose de analgésicos, estará novamente com saúde”. Caminhámos os dois até à porta, cujas dobradiças emitem um ruído carregado de ferrugem que nos faz estremecer devido à sua agressão auditiva. Após isso, o doutor volta-se com solenidade, baixa o olhar, submisso, e pede a bênção. Esboço uma cruz no ar, bem ao nível do seu rosto e logo se despede com uma vénia. O rapaz volta a adormecer, inspirando e expirando com dificuldade. Apalpo a sua testa para explorar a doença, mas só consigo sentir o meu corpo a tremer e uma transpiração excessiva a fluir das minhas mãos.

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Fiz serviço de escritório e encurtei as reuniões com os paroquianos. E já livre das minhas responsabilidades, caminhei pelo passeio do cais, na margem do rio, que liga esta pequena cidade à cidade vizinha, atingida pela brisa que se agita com um profundo assobio e como sempre, que me despenteia. O fim do verão arrasta belos murmúrios. As andorinhas propiciam o conhecido êxodo anual até ao oeste numa peregrinação com demasiada lamentação, uma vez que as aves, na sua anarquia escatológica, durante esta época recorrem justamente à zona do parque central, ornamentando automóveis, bancadas, praças e peões com uma festa de excrementos sem igual.

Precisamente agora em que caminho perto do parque central, percebe-se a trinada coral destes pássaros minúsculos agarrados aos cabos elétricos, num canto coletivo retardado por breves intervalos devido ao ruído dos transportes que circulam sem cessar pela avenida. Continuo a minha marcha pela rua mais discreta que encontro nesta vila aspirante a cidade, um beco sem passagem para veículos que se converteu no meu itinerário obrigatório de toda a vez que venho às compras. Aqui tudo é serenidade, sem estrondos de motores e buzinas irritantes. E de repente, ressoa o barulho do lugar do bilhar, inaugurado nestes últimos dias. Ouvem-se insultos revestidos de uma tonalidade cada vez mais obscena que fluem da boca de um jovem que não hesita perante a robustez do seu inimigo, o qual se encontra orgulhoso das suas tatuagens obscenas que incitam a classificá-lo como um preso de alguma prisão remota. Opto por retirar-me rapidamente e, girando sobre os meus calcanhares, de costas voltadas para as hostilidades, consigo ouvir os golpes secos que agitam os corpos. Vou para a avenida principal. Caminho, tentando esquecer o miúdo. Mas nem sequer o barulho dos carros, nem os gritos dos condutores furiosos com a ponta do pé no pedal, ou a chuva de críticas que recai sobre mim como se fosse loiça, ou até mesmo o recente conflito na rua, são capazes de me fazer deixar de pensar nele e deter o meu suplício. Tento distrair-me ao pensar em uma conclusão pacífica para aquela rivalidade no beco. Chego ao meu destino, mas sem ter tirado dos ombros o peso que carrego.

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O mercado é um incêndio de sons. Os gritos que tomam conta do lugar, carregado de vendedores ansiosos por vender as suas frutas, legumes, grãos e outros alimentos no geral, dão um toque de euforia, próprio dos lugares cheios de pessoas. Como sempre, aproximo-me da zona do peixe e peço o mesmo de todas as segundas-feiras.

“Aqui tem, Padre”, diz-me Leandro, o vendedor que me conhece há anos e embrulha, sem contemplar, os peixes, ainda epiléticos, em folhas de jornais antigos. Ao sair do mercado oiço as sirenes da polícia a queixarem-se num alarido, encorajando e perseguindo os curiosos que se juntam na cena do crime para recriarem a sua curiosidade e julgarem com os olhos. Ao passar perto da rua da batalha, posso ver como o rufia corpulento é algemado e colocado no carro-patrulha, mas não sem oferecer resistência. Não há sinais do jovem destemido. Afasto-me, imaginando uma vez mais uma conclusão rebuscada à história da briga no bar. Recai sobre mim a imagem do menino, a lembrança da sua voz que palpita nos meus tímpanos como se fosse um coro de anjos. Entendo que é uma blasfémia maior do que os palavrões do homem musculado e cheio de tatuagens. Faço algumas orações enquanto vou para casa.

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A senhora Salomé desfila, balançando a vassoura à minha frente sem qualquer preocupação, sob a proteção de Tomás, como sempre. Adaptou-se à minha presença no sofá, à minha prostração habitual que me une a uma mistura de sensações que ela jamais suspeitaria. Por alguns momentos entendo que sou eu quem está acostumado à sombra da sua anatomia a deslocar-se pela sala. Levanto-me entediado e dirijo-me aos meus aposentos.

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A música penetra em minha sensibilidade e imprime uma pegada com a sua alquimia melodiosa. Fecho os olhos e sou transportado para outro mundo, mais prazeroso, um lugar marcado por alegrias intermináveis, um paraíso feito de todas as flores: túlipas, dálias, ageratos, crisântemos, orquídeas, lírios – onde perder-se torna-se uma bênção. A única forma de evitar os pensamentos inalcançáveis e constantes.

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Uma ânsia agita o corpo do jovem. A força, que comprime e que o diafragma libera violentamente, emana dos pulmões e irrompe com dureza, deslizando grosseiramente pela língua, atravessando as cordas vocais que transformam o impulso num som rouco e turvo. A tosse materializa-se na saliva que atravessa a garganta e termina numa viagem desde a janela até ao jardim. O menino tosse prolongadamente, com pausas que mal lhe dão descanso ao ardor das amígdalas. Ao mesmo tempo, o impetuoso latido de Tomás inunda toda a casa, apesar de estar no pátio, e é possível notar que a sua vigia não foi inútil, já que deve ter detetado provavelmente algum bicho escorregadio, ou talvez se trate apenas de uma invenção dos seus sentidos envelhecidos.

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O toque recorrente move o silêncio enquanto oiço os sapatos da senhora Salomé atrás de mim, a deslizar apressados sobre os azulejos, detendo-se no seu destino para dar lugar ao som plástico do levantar do auricular. O tilintar dos utensílios do serviço de mesa eleva-se aos ouvidos de Tomás, órgãos cansados, mas mais despertos do que o seu olfato quase perdido. Talvez esteja a exagerar e ele tenha alcançado a mesa devido ao cheiro do peixe. O menino descansa. Mastigo com cuidado a textura do alimento. A suavidade salina que me satisfaz o paladar e oiço a aniquilação de alguma espinha entre os dentes. A senhora Salomé retira os pratos. E comunica-me, muito formalmente, que hoje precisa de sair mais cedo devido a um incidente doméstico, pelo qual se deverá ausentar por alguns dias. Assinto com a cabeça num gesto confirmatório.

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Abro o tríptico após examinar o mundo em colapso. A minha visão recai sobre o lado direito, impregnado de ilustrações complexas. Será o inferno um lugar assim tão barulhento? Questiono-me. Será um grito infinito que faz explodir o cérebro e as entranhas para depois nos incentivar a recolher os nossos restos? Ou será que todos esses instrumentos musicais tingidos na pintura carecem de sons e o silêncio infernal é o destino dos hereges? O inferno não é o doce uivo do silêncio, disso tenho a certeza, é o fluxo de crepitações que se fundem para dominar a alma. Por isso este condenado está embutido nas cordas da arpa, e este outro infeliz está sacrificado no gigante alaúde. Então penso na minha condenação e escrutino a este triste sodomita perfurado por uma flauta como o iniciador de uma grande estirpe de sofredores e é como se conseguisse escutar o seu sofrimento, como se de alguma forma enigmática a sua dor fictícia se transfigurasse em cumplicidade dentro do meu intestino e me fizesse lembrar do horrendo pecado. Contemplo o homem que é abraçado por um porco com véu de freira, e é como se me tivessem introduzido no quadro, pois sinto o fedor dos sussurros obscenos no constante ruminar perto de mim, dentro de mim. Fecho urgentemente as portas deste terrível mundo espiritual e aparece a imagem do mundo terreno, uma paisagem que me parece ainda mais horrível. “Ó Mundo, estás cheio de pecado. Protege-nos, Deus. Salva-me, Deus”. Preparo-me para a missa.

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Ave-maria puríssima, concebida sem pecado. “Eu pequei, Padre”. “Conta-me os teus pecados, filha”. “Tive pensamentos de luxúria. Vi-o ontem à noite, quase nu, e desejei o seu corpo, desejei-o com intensidade e ardor. Isso é muito mau, Padre?”

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O sacerdote escuta e reprime um suspiro de cumplicidade. É a mesma história de cada crente, parcialmente desfigurada por uma leve matiz. É o desejo. O desejo pecaminoso e repugnante. O Padre Misael, ao fim de cada ritual de natureza análoga, acrescenta com a fórmula do rigor e manifesta-a, como está a fazer agora, com a mais normal das entoações, depois de ter escutado toda a parafernália íntima que implica uma confissão do espírito. “Que Deus, Pai misericordioso, que reconciliou consigo o mundo pela morte e ressurreição do seu Filho, e derramou o Espírito Santo pela remissão dos pecados, te conceda, pelo mistério da Igreja, o perdão e a paz. Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. No confessionário ouve-se um “Amém” carregado de alívio.

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Ponho-me atrás da cabeceira e agito um frasco de colónia de nardos com a qual humedeço as minhas mãos. Unjo na superfície do seu rosto e creio notar um pestanejar que é imediatamente aplacado pela força febril da febre. O menino arde. Eu também, creio, mas por outras razões. “Dorme filho, que eu cuido de ti”. Quase a pegar no sono, levanto-me e noto que os medicamentos atenuaram a infeção. Esfrego as mãos uma vez mais e acaricio os seus pés com o bálsamo. Dirijo-me aos meus aposentos, mais aliviado.

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“Louvada seja a água benta dos nardos que untaram o teu corpo. Descansa, que amanhã te levantarás e andarás”.

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Deliro, já que vi de perto o rosto da besta, e isto só pode acontecer nos meus sonhos. É a febre. A sua baba inunda o meu corpo. Oiço a sua expiração e não tenho forças para gritar, tão pouco coragem para cuspir no seu rosto, nem sequer digo com saliva, mas com um olhar de nojo e horror. Choro, como é normal nos momentos de horror, e imploro ao céu, como é normal num crente. “Manda a besta para o inferno, Senhor. Protege-me. Cuida de mim, Senhor. Sê o meu amparo. Tu, Senhor, és o meu pastor. Contigo nada me faltará. Nada nem ninguém me poderá atingir”.

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O jovem adormece finalmente, desta vez sem pesadelos, após o ataque de febre. O Padre, no seu quarto, dispõe-se a mudar o seu uniforme por uma roupa que lhe dê comodidade para descansar. Despe-se e contempla o seu corpo em frente ao espelho. Os pêlos convergem na púbis como um remoinho proveniente das coxas e do umbigo e envolvem a pélvis chegando ao epicentro da sua zona genital, que se ergue, pouco a pouco, numa poderosa ereção. “Livra-me do pecado, Senhor”, implora, sem sucesso. O seu desejo é maior que a sua capacidade de abstinência. Mas de repente, sente-se invadido por um impulso, por uma rajada anormal que faz alargar o seu peito num sinal de satisfação e que deprime o fluxo de sangue que a sua natureza impulsionou até o seu pénis. Agradece a Deus, veste o pijama e deixa-se cair de joelhos em frente à cama. “Obrigado, Pai”, apressa-se a expressar, com lágrimas de conformação varrendo as suas bochechas. Hoje os seus olhos repousarão com serenidade. Os seus ouvidos estão tensos até ao silêncio profundo da noite pacífica. Parece que Deus o escutou. Pelo menos é o que o Padre Misael insiste em acreditar.

A Estrutura Da Oração

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