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PRÓLOGO

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Abelardo olha para o céu. Sorri, satisfeito, como não acontecia há dias, há semanas. As nuvens concentram-se num cinzento nebuloso, pressagiadoras. As suas pernas, nervosas e excitadas, levam-no pelo caminho, mas a sua mente está a imaginar o encontro iminente com Eloísa, o amor da sua vida Debaixo do seu braço direito leva o manuscrito, espremendo-o como se o protegesse, antecipadamente, da tempestade que se aproxima. Sente a brisa a roçar o seu rosto, a despentear a sua proeminente cabeleira, a acariciar os seus pómulos. Abelardo olha para o chão. Observa o lixo que se move com o movimento do vento. Os seus pés descem à estrada, despreocupados, assim como o seu instinto sonhador, como os seus olhos inquietos que se perdem novamente nas formas da celagem. É por isso que não repara no carro que atravessa rapidamente a avenida, é por isso que não escuta até ao último e inútil momento a buzina desesperada do condutor, igualmente descuidado. O metal do veículo impacta no corpo de Abelardo. A sua pele se rompe, a sua carne é lacerada, os seus ossos são destroçados, a sua estrutura golpeada é projetada a vários metros na mesma direção que a brisa. Alguns respingos do seu sangue são confundidos, misturados, integrados, com o capô avermelhado do carro. A cabeça do rapaz colide com o pavimento e causa o traumatismo. A chuva começar a cair, muito suavemente. O viandante mais despreocupado, cuja natureza humana inquisitiva própria do ser humano, nele, estará mais concentrada em verificar os detalhes circunstanciais do que em dirigir a sua atenção para o centro do incidente (talvez com a intenção de tirar proveito material da situação trágica), será a única pessoa que notará as quatro palavras que encabeçam o manuscrito que acabou indo parar perto de um esgoto, aquelas quatro palavras que já começam a ser diluídas por toda a página devido à insípida garoa, e que constituem o título da obra que Abelardo, o jovem ferido, anseia por publicar: Teoria dos afetos.

Todas As Cartas De Amor São Ridículas

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