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VOLUPTUOSAS
ОглавлениеNo rêz-do-chão de um palacete, coadas as luzes do sol por arrendados stores pallidos, HELENA fazia somno à hora da sesta, quando MARIA ANGELICA a surprehendeu adormecida.
A recemvinda impregnou o ambiente de essencia de iris, emquanto uma voluptuosidade ennervante empurpurava a linda cabeça desmaiada de HELENA…
Um beijo sobre os labios da desaccordada mulher, fel-a despertar com um fremito de prazer…
– De onde vens tu, Angelica?
– De encommendar flores…
– Flores?!
– Não te recordas de que Sophia se cazará amanhan, à noitinha?
– Sou uma esquecida.
– E ella é credora de nossas gentilezas…
– Das minhas, especialmente.
– Encommendei orchidéas e chrysanthemos.
– Que gosto! De minha parte vou mandar-lhe duas magnolias.
– Bellas flores, realmente. Mas, a natureza esmerou-se no chiquismo das orchidéas. Uma catyleia é um pedaço de labios excitados por dois beijos.
– Não lhes acho graça.
– Ó exigente!
– Flores do matto. E jà notaste que quasi todas ellas são lilazes e roxas? ou que se enfeitam com estrias e matizes dessas duas côres melancolicas?
– Descobres coisas…
– Mas, não é?
– Realmente.
– E como vais presentear uma noiva com flores lilazes?
– É a moda, é o chic, é o dernier-cri…
– Olha! Nas minhas bodas manda-me flores alvas, muito alvas, chrysanthemos, rosas, cravos, magnolias… Comprehendeste-me?
– Se não! Agora, coisa notavel: eu te vejo com as faces pallidas e os olhos muito brilhantes…
– De verdade?
– Sim. Sonhavas?
– Nem me lembro! Parece-me que sim. E tu estás intensamente corada…
– Apanhei muito sol.
– Os teus olhos estão pisados e languidos…
– É da fadiga do caminho… Desde cedo na rua, exposta, Helena, ao calor que abraza e ao sopro canicular que afeia os penteados…
– Jà tinha reparado: os teus cabellos estão desmanchando-se…
– E eu os concertei no espelho de Esther.
– Andaste là, hein? Jà havia desconfiado… Quando te vejo amollentada, assim, tenho razões para me enciumar… É muito descuidada a Esther. Cuida mal das vestimentas das amigas. Olha o teu cinto, Angelica… Está mal posto, a fita está retorcida…
– Nem reparei…
– Disto não és culpada, por certo… Eu não te deixaria sahir daqui tão mal-amanhada. É de causar vergonha.
– Foi a pressa, Helena.
– E no teu hombro a sêda está nodoada…
– Nodoada?!..
– Sim! Vêem-se duas curvas vincadas como os bordos de uma… Nem sei mesmo que diga… Parece-me que te morderam o hombro?!..
– Quem o poderia fazer?
– Esther.
– És ciumenta! Fica sabendo: foi no jardim quando eu encommendava as flores. Deve ter sido agua das rozas, Helena, que aqui cahiu… Estás satisfeita?
– Muito pouco. Quando muito, illudida, minha flor, mas não convencida…
– Tu me censuras, e eu que te surprehendo com um esquisito fogo no olhar humido?.. Terá sido algum sonho delicioso… A tua voz mesmo é arrastada como a de quem se fatigou num excesso de venturas…
– Que venturas posso ter?
– Em sonhos podemos ser venturosas como jamais seremos na vida real… Morpheu capricha em povoar-nos a mente com espectaculos espantosos. Ha vezes em que, se eu pudesse, esganaria quem me desperta… E outras occasiões, quando volto a mim sem provocação, sou prompta a espantar-me porque me accordei e não morri no meio do prazer sonhado…
– Ha sonhos, effectivamente, que se não deveriam acabar… E não sentes calor, Maria Angelica?
– Algum.
– Neste caso…
– Que fazes?
– Dispo-me. Não me imitas?
– Póde ser. Passarei a tarde comtigo…
– Despe-te, pois… Tira o casaco… Desaffoga o collo desta góla assoberbante… Não tens geito?.. Chega, que te libertarei…
– Tira os alfinetes.
– Usas um bom pó de arroz, Angelica.
– Ui! Helena!
– Que foi assim, ardilosa?
– Espetaste-me as carnes…
– Tambem é uma ruma de alfinetões…
– É para segurar bem.
– Tens uma pellugem de arminho…
– Ai!.. Assim não… não…
– Que tens, rapariga?
– Beijas-me, Helena, com uns labios quentes e gulosos… Só me déste vontade de…
– Ui!.. ui!.. ui!.. Fazes-me um frisson de arrepiar-me os pellos…
– É para vingar o teu beijo…
– Porque me olhas assim, Angelica?
– És de uma alvura surprehendente, minha amiga. De teu corpo rescende um perfume originalissimo que me entontece…
– Aprendi a perfumar-me com as gregas. Li num livro que uma beldade se cubria de perfumes para agradar aos amantes. Eu o faço para attrahir as amigas como tu… Uma grega banhava as pernas numa bacia de prata em que se confundiam os aromas do nardo de Tharsos e do metôpyon do Aigypte. Nas axillas attritava mentho e sobre as pestanas e nas palpebras marjolana de kôs. Ao depois, a escrava defumava-lhe os cabellos desennastrados com espiraes de incenso, que combinava admiravelmente não só com a essencia de rozas de Phasêlis que lhe embalsamava a nuca e as faces, como tambem a bakkaris que se lhe derramava sobre os rins. E, por fim, entre os seios, corria o celebre oinanthê das montanhas de Chypre… Sei perfumar-me, Maria Angelica…
– Bem se lhe pareciam as gregas, tuas mestras…
– Entre os meus seios, inda ha pouco, deixei correr um fio languido do irresistivel Royal-Begonia, e nas axillas puz algodões embebidos na essencia de rozas… Nos meus cabellos derramei oleos de sandalo, para contrastar com as evolações das essencias de jasmins que perfumam as minhas vestias…
– E na posse de tudo isto praticas uma mà acção, Helena!
– Qual?
– Essa de referires tantos perfumes e não me dares nenhum a provar… És avarenta, como ninguem, e eu cubiçosa de gozar…
– Vai ao meu toucador e gasta do que quizeres…
– Teria graça!
– Porque assim?
– Gósto das flores nos vegetaes, das essencias nos corpos das mulheres. Quero experimentar com o olfacto o odor unico que se desprende das tuas carnes…
– Tens desejos masculinos, minha queridinha!
– E é o que me faz lamentar-me: junto de uma graça não ser um Adonis, junto de uma Helena não ser cupido… Se eu pudesse embriagar-me com os teus perfumes e desmaiar de prazer entre os teus prazeres, seria mais feliz do que Syrinx, louca de paixão, Byblis, unica na insaciabilidade, ou Mnasidika, macia como um velludo… Helena, tu és uma perfeição…
– Mofadora!
– Mofar eu de ti?!..
– Não te abraza o calor?..
– Sim… Intoleravelmente…
– Safa o collête… Assim… Que lindo corpo, Maria, e quantas seducções na tua plastica vista atravez da transparencia das gazes… Bem dizem os homens, sabios no sensualismo pagão, que o nú de veus é mais provocante do que o nú sem disfarces… Ha qualquer coisa de mystico, de irreal, na mulher encoberta pela semi-fluidez de um tecido fino… Se eu te não conhecesse os segredos todos de tuas lindas curvas, te rasgaria agora, impiedosamente, o veu de tua nudez…
– Jà sentiste, Helena, um prazer maior do que esse das carnes livres do arrôcho de um collête dictatorial?
– Quantas vezes?!
– Tu brincas, mulher divertida…
– Provo-te com a citação: despirei o meu collête e não me sentirei mais provocada do que contemplando as tuas fórmas semi-núas…
– Es barbara, Helena! Como encarceras um tão lindo quadril dentro dos oppressivos liames de um collête… Ah! Como eu daria a vida por ser morena! O ventre alvo é uma desillusão, mas o trigueiro, como o teu, é um incentivo. Parece o tegumento de um fructo e provoca o instincto mais calmo…
– Não te agrada a minha nueza?
– Inteiramente. Agora, vê là se te não impressiona mal a brancura do meu ventre…
– Ao contrario, Maria Angelica: é uma grande corolla de petalas alvas desenvolvida de um peluginoso calice de oiro… É maravilhoso o teu contorno… Dignas fórmas para a perpetuidade de uma téla ou de um retrato…
– Deixarias tu que fôsse apanhada a tua nudez?
– E porque não?.. Sei que fascinaria… Queres photographar-me?
– Que egoismo leviano!
– Acha-o?
– Sim… Photographemo-nos…
– Adoravel!.. Como não irradiará no cliché o contraste de nossas pelles, o macio sombreado de um tropico sobre a tentadora alvura nevosa de um pólo…
Os olhos das duas mulheres vestiu-se com uma luz liquida como uma solução de perolas e opalas.
Os seus labios permutaram cariciosos beijos.
E, horas depois, MARIA ANGELICA e HELENA, retratadas por uma aia, desvendavam as suas abrazadoras nuezas à inveja de ESTHER…