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VII
Dom Ferrante e os porquês de Nápoles

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A emboscada e a criada

Depois de dois dias, chegaram a uma ensolarada e atarefada capital, bem no meio de um colorido mercado que vendia qualquer coisa que se pudesse conceber: frutas sobre móveis, peixes em cordas de cânhamo, da música à esculturas, de doces a animais, de relíquias a prostitutas.

– Quem faz uma viagem a Nápoles deve estar preparado para conhecer pelo menos 3 divindades: a massa, a muçarela e os strufolis – disse Tristano brincalhão a seu companheiro.

– Espero conhecê-las todas logo, senhor – retrucou Pietro.

Deixaram os cavalos em um pequeno estábulo e seguiram a pé pelos becos, por onde se articulava aquela confusa exposição de rua.

Mas logo os forasteiros perceberam que estavam sendo seguidos. Tentaram então confundir-se com a multidão, entre as tendas dos bancos, abrindo caminho entre os mercadores, mas aquele sujeito parecia conhecer aquele ambiente melhor que qualquer outro e não tinha nenhum problema em segui-los de perto. Pietro decidiu então confrontá-lo; gesticulou a Tristano que se desviasse por uma viela secundária e, assim que o homem dobrou a esquina, sacou sua espada, tentando dissuadi-lo.

A ele juntaram-se logo outros dois, muito bem equipados.

Cinicamente ameaçadores, começaram a aproximar-se, abaixando-se e curvando-se como leões sobre a presa. Depois de algumas voltas ao redor de Pietro, começou a luta: o de veste escura adornada com penas lançou um ataque duplo sobre Pietro, da direita e do alto, e de chofre avançou com o sabre na altura da cintura, fazendo aquele recuar. O outro usava um gibão vibrante com adorno octogonal de preciosos lápis-lazúli incrustados. Virando-se, levantou a espada ao céu, convidando Tristano a fazer o mesmo; lançou então a espada na direção do punhal de Tristano, que prontamente deteve o golpe, contra-atacando com sua espada e um chute na perna do adversário. Enquanto isso, o terceiro homem, de calças listradas, sacou uma espada e começou a ajudar o primeiro, alternando-se com este contra o espadachim bolonhês; lançou a espada na altura da cabeça, que Pietro bloqueou levantando o braço e invertendo a espada com a lâmina para baixo; depois, fez um amplo arco no ar e respondeu ao golpe, forçando o adversário a mudar de posição.

Enquanto o ar aquecia com as faíscas das lâminas e o estrondo dos punhais, eles entravam sem perceber nas escuras vielas da cidade velha.

Pietro fez um recuo sábio e deu um pequeno passo adiante com uma ameaça de investida; após outro vacilo falso, partiu para o ataque decidido: rapidamente, avançou com a espada de baixo para cima e, com um magistral jogo de punho, deu um golpe da direita para a esquerda, forçando o valentão a abrir o braço e deixar seu peito desprotegido; bloqueando então a lâmina com o escudo, afundou inexorável a arma no peito.

No outro fronte, Tristano estava em sérias dificuldades, enfrentando um adversário bem treinado, ágil, que avançava com o joelho esquerdo golpeando com a mão direita e vice versa, simulando rotações com o corpo, mudando com agilidade ritmo e guarda, na busca de qualquer incerteza na vacilante defesa do diplomata. Pietro tentou prestar-lhe socorro, e o teria feito se também não estivesse ocupado com seu osso duro de roer.

Caíram de repente na cabeça dos napolitanos enormes lençóis brancos  remendados e chumbados nas pontas; ficaram presos neles por alguns instantes. O assobio de um malandro indicou a Tristano e seu ajudante uma via de fuga e, quando os valentões conseguiram soltar-se, a portinhola de uma cantina subterrânea já havia engolido os forasteiros, dando-lhes segurança por algum tempo.

Cessado o perigo, puderam finalmente retornar ao beco, que no meio-tempo se encheu de alguns pobres coitados, mas não viram nem puderam agradecer os meninos de rua a quem provavelmente deviam a vida; haviam desaparecido, assim como o saco de dinheiro do bravo Pietro!

Enfim, depois de espontâneos e justos palavrões, os dois riram-se e, ao meio dia, chegaram ao Castel Nuovo.

Foram logo recebidos com os maiores cumprimentos do velho soberano, que, embora indisposto com o papa, conservava por Tristano um particular senso de reconhecimento e uma consideração que ia além das respectivas funções públicas: provavelmente via nele o amigo Latino.

Foi na verdade o cardeal Orsini, então legado apostólico a latere, que, dado o boletim de investidura concedido pelo papa Pio II e apoiado pelo cardeal Trevisan, pelo arcebiso de Nazaré em Barletta, Giacomo de Aurilia, pelo arcebipso de Taranto e de muitos outros prelados, em 4 de fevereiro de 1459 d.C., com uma extravagante cerimônia na praça diante do castelo de Barletta, coroou Fernando I de Nápoles, abençoando-o no triplo título de rei da Sicília, de Jerusalém e da Hungria. O episódio e os acontecimentos dos dias seguintes à coroação foram registrados por Latino naquela página de diário estranhamente arrancada e misteriosamente desaparecida do arquivo pessoal do cardeal.

Dom Ferrante e dom Tristano fecharam-se em conclave por mais de duas horas.

Antes de partir, o funcionário pontifício empenhou-se para afastar o principal obstáculo diplomático às relações da Santa Sé com a corte partenopeia: fez que a secretaria real tomasse conhecimento de algumas missivas secretas, obviamente falsas, que o embaixador veneziano em Nápoles enviava ao doge. Nesses despachos, o soberano napolitano era descrito como inepto, vaidoso e libertino. A reação aragonesa foi imediata.

Graças ao retorno do homem da Sereníssima e à pessoal estima do rei, o colóquio foi muito cordial e, ao fim, embora dom Ferrante não tivesse tomado nenhuma decisão, a Tristano pareceu que o soberano estava disposto a considerar as razões expostas e analisar o cenário proposto.

Não se equivocou: dois dias depois, convocou o jovem pupilo do falecido cardeal Orsini e comunicou-lhe verbalmente que o Reino de Nápoles participaria da nova aliança contra Veneza. O comando seria confiado a seu filho Afonso, duque da Calábria, que também assumiu a função de capitão da liga. O acordo seria formalizado e oficializado no dia de Natal.

Tristano estava muito satisfeito.

Depois de uma abundante ceia de massas e doces natalícios, certamente desprezados pelos barões e demais cortesãos representantes da nobreza napolitana, o jovem decidiu retirar-se a seu apartamento para tentar relaxar, tomando um banho na banheira quente que sua majestade tão generosamente mandou preparar.

A velha senhora que lhe havia preparado o banho, enquanto arrumava os últimos lençóis em um armário, continuava a mirá-lo fixamente, mas Tristano não lhe fez caso, pois estava imerso em seus pensamentos e questões futuras.

– Vocês têm os mesmos olhos. Sua mãe era uma santa mulher – disse a mulher, antes de desaparecer atrás da porta do quarto.

O sonhador voltou-se de chofre. Aquelas palavras puxaram-no de volta à realidade em um instante.

– Espere – gritou em vão.

Como aquela criada conhecia sua mãe? Seria possível que tivesse encontrado ou trabalhado com ela durante o período em que a jovem havia servido aquela corte? Tristano precisava saber… Saltou da banheira e, tapando-se como pôde, colocou a camisa, as calças, as botas e correu para procurá-la pelo palácio.

Subindo ao piso de serviço, ouviu inconfundíveis gemidos humanos, alternados por murmúrios mais agudos misturados com o estalar regular de madeira queimando, vindos do quarto ao fundo das escadas.

O confeiteiro, sublime artífice daquelas deliciosas obras de açúcar dispostas sobre a mesa de banquetes do palácio, costumava satisfazer as criadas malandras que ao fim do dia limpavam a cozinha. No entanto, naquele momento o jovem embaixador não tinha tempo para aquele tipo de espetáculo e, dando uma rápida olhadela, passou decidido adiante.

Depois da cozinha, em um estreito corredor, entreviu metade do perfil corpulento de uma mulher, caído de costas através da porta aberta de um quarto com a lareira acesa, que iluminava o entorno como se alguém tivesse tentado mover o corpo depois de derrubá-lo. Era exatamente a senhora que Tristano procurava.

Correu até a criada, que tinha os olhos arregalados e a boca semiaberta, e já não respirava. No chão do quarto, percebeu uma pequena pedra de um intenso azul, provavelmente parte de uma joia de lápis-lazúli similar àquelas incrustadas no adorno da arma do rival de alguns dias antes.

Ouviu, no entanto, um barulho vindo do corredor e decidiu ir embora antes que alguém se desse conta de sua presença, dificilmente justificável naquela inconveniente situação.

Na manhã seguinte, deixou o castelo com seu ajudante. Sob a sombra de uma torre, Pietro reconheceu, entre os capangas do duque da Calábria, um dos homens que os haviam atacado no dia da chegada e chamou a atenção de seu senhor discretamente. No entanto, dados os resultados diplomáticos alcançados e a situação ainda incerta, Tristano decidiu não dizer nada e partiu.

Por fim, antes de dar fim à missão, na porta do estábulo onde deixaram os cavalos, Tristano percebeu um pequeno corpo maltratado que se arrastava pela rua. Era o menino que os escondeu da ameaça dos capangas de Afonso no dia anterior; não falava, estava sujo e machucado, tinha um terrível corte na perna. Fazia muito frio; Tristano levou-o para dentro e pagou a uma dona para que curasse pelo menos a lesão mais evidente. No dia seguinte, acompanhou-o até sua família, entregando-o ao irmão mais velho, que o esperava na porta. Este, agradecido, convidou o jovem diplomata a entrar em casa (ou pelo menos naquela barraca que se assemelhava um pouco a uma residência): um homem, que podia ser o pai, arranjava as provisões de grãos em uma pequena despensa, a mãe fiava a lã com uma mão enquanto embalava a pequena com a outra; uma mulher mais velha contava histórias ao resto da família sentada em um velho baú de castanheira. Diante de tão mísero quadro, Tristano aproveitou um momento de distração da mulher, quando cuidava de um caldeirão que transbordou, para deixar um florim de ouro sob a almofada de palha daquele colchão esburacado de folhas secas sobre o qual dormia uma menina rosada, ainda com sapatos de pano nos pés. Despediu-se  e partiu.

O Homem Que Seduziu A Mona Lisa

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