Читать книгу Casamento de confiança - Emma Darcy - Страница 5
Capítulo 1
ОглавлениеNaquela manhã Hannah O’Neill levantou-se mais cedo que o habitual, fez a sua cama na residência de estudantes, foi buscar o champô e o sabonete e apressou-se para os balneários. Tinha de preparar-se para a entrevista que lhe poderia proporcionar o emprego dos seus sonhos. Afinal, ser chefe de cozinha, a bordo de um luxuoso catamarã, a fazer viagens diárias para o recife Great Barrier, era definitivamente um óptimo emprego.
Tudo o que precisava era de uma oportunidade para provar que era tão boa quanto a sua palavra. Era o seu único grande talento, convencer as pessoas de que podia fazer qualquer coisa. Além de ser alegre, tolerante e amável, não era demasiado orgulhosa para apelar por ajuda.
A sua jornada de dois anos à descoberta da Austrália tinha-lhe garantido trabalho sempre que precisara para equilibrar a conta bancária. Agora, tinha, apenas a costa leste para explorar. Porto Douglas era o seu próximo destino. Esperava ficar por lá durante a época alta, de Maio a Novembro, desde que tivesse emprego.
Um emprego, se a sorte estivesse do seu lado.
Enquanto tomava banho, Hannah entregou-se ao prazer de recordar os dias maravilhosos que vivera em Cape Tribulation, a fazer caminhadas pela fantástica floresta Daintree, tão antiga como Kimberley Outback, e que contrastava com a praia Myall, certamente a mais bonita do mundo, com areia branca e brilhante e água azul-turquesa.
Fora triste partir, mas necessário, disse para si mesma. O seu orçamento estava a ficar demasiado apertado. Além disso, Porto Douglas e o recife Great Barrier de certeza que proporcionariam uma fantástica nova aventura. E estava na hora de contactar novamente a família, de informá-la de que estava viva…
Será que o infiel Flynn, que a deixara no altar e a trocara pela sua melhor amiga, ainda estava casado com ela?
Não tinha como apagar a mancha chamada Flynn e Jodie da sua vida, mas precisava de olhar em frente… Definitivamente, isso era o melhor a fazer. E se conseguisse o emprego no Duquesa, seria quase tão bom como ser uma duquesa de verdade.
Após limpar o corpo, vestiu umas calças de ganga e um top curto, com riscas verdes e azuis. Pintou os lábios com um batom cor-de-rosa. A roupa valorizava o bronzeado que adquirira e realçava-lhe os olhos verdes.
Os cabelos loiros, longos e encaracolados demoravam muito tempo a secar, mas a viagem para Porto Douglas demoraria toda a manhã. Teria tempo suficiente para fazer uma trança antes da entrevista, que seria às três horas da tarde. Não podia deixar os cabelos soltos se queria parecer uma profissional chefe de cozinha.
Hannah agarrou na mochila, despediu-se dos amigos da residência e dirigiu-se ao café Boardwalk. Tinha de beber um café e esperava arranjar boleia. Por ser época alta, as pessoas, quase sempre, tinham boa vontade em ajudar. Era divertido conversar sobre onde tinha estado e para onde ia.
A jovem sorriu, optimista. Fora sorte ter visto o anúncio no jornal há duas semanas atrás, e mais sorte ainda que o seu curriculum tivesse gerado uma entrevista. Se a sorte continuasse, naquela noite seria a nova chefe de cozinha do catamarã Duquesa, da King Cruzeiros.
– Telefone! É o António – anunciou Rosita, ao levar o telefone sem fio até Isabella Valeri King, que bebia o chá da manhã perto da fonte.
No dia anterior, Isabella tinha comemorado o seu octogésimo aniversário. Não se sentia com oitenta anos. Os cabelos estavam brancos e a pele muito enrugada, mas ainda se sentava com as costas direitas e os olhos escuros perdiam muito pouco do que acontecia à sua volta. Rosita, que tratava das suas necessidades há vinte anos, insistira para que descansasse naquele dia, porém a mente da velha senhora jamais dava tréguas.
O segundo neto, António, de trinta e dois anos, era livre e demasiado despreocupado para o seu gosto. Algo tinha que ser feito em relação àquele rapaz. Os jovens achavam que tinham todo o tempo do mundo, mas não era bem assim. O tempo era inimigo e precisava de ser usado com sabedoria, sem desperdícios.
– Obrigada, Rosita – sorriu para a sua confidente e agarrou no telefone. – Qual é o problema, António?
Um telefonema durante o dia significava problemas.
– Nonna, preciso da sua ajuda.
– É claro.
– Estou em Cape Tribulation. Houve uma ocorrência operacional na plantação de chá e terei de voar para Innisfail para resolver as coisas. O problema é que tenho que fazer entrevistas a três candidatas para o cargo de chefe de cozinha do Duquesa.
O interesse de Isabella foi imediatamente despertado.
– E gostarias que eu as entrevistasse e seleccionasse a melhor.
António suspirou aliviado.
– Pode ser? Irei comunicar-lhes a mudança do local da entrevista. Nem precisará de sair do castelo.
– Vai preencher bastante o meu dia, António.
– Óptimo. Elas são jovens mulheres…
Esplêndido, pensou Isabella. Talvez uma pudesse ser uma possível esposa. António precisaria de alguém que gostasse de estar num barco.
– E não se esqueça: o que preciso é de uma cozinheira que saiba fazer peixe muito bem. É isso que se espera do Duquesa. Não se esqueça desse pormenor, nonna. Teste-as.
Isabella sorriu pela confiança do neto na sua habilidade de fazer tal coisa. E por que é que ele não respeitaria o seu julgamento? Ela supervisionava o serviço de buffet para os casamentos do castelo há muitos anos e nunca houvera uma reclamação sobre a comida servida. Sempre insistira no melhor e sabia como consegui-lo.
– Fica descansado. Vai resolver o que tens em mãos.
– Obrigado, nonna. Passo aí esta tarde, assim que resolver as coisas.
– Hannah O’Neill? – perguntou a recepcionista. – Infelizmente, o senhor King teve um contratempo e a entrevista será conduzida pela senhora King, no castelo.
– Com certeza. – Hannah sorriu. – Onde é que é?
A recepcionista olhou-a surpreendida.
– Não conhece o castelo dos King?
Por que é que haveria de conhecer?
– Cheguei a Porto Douglas há algumas horas apenas – explicou rapidamente. – E vim directamente para a marina. Um excelente lugar…
– Óh! Bem, continue pela rua Wharf, até ao fim. Aí, verá o parque de estacionamento para visitantes. A escadaria irá conduzi-la…
Um castelo de verdade! Hannah mal conseguia acreditar no que via quando chegou ao fim das escadas, quinze minutos depois. Tinha até uma torre em mosaicos. Medieval com toda a certeza! A pérgula poderia ter sido trazida da Roma antiga. Um lugar incrível, com vista para o oceano do extremo norte de Queensland. Um lugar verdadeiramente majestoso.
A curiosidade da jovem foi instantaneamente aguçada. Que tipo de pessoas moravam naquele castelo? Só pessoas muito ricas poderiam mantê-lo daquela forma; concluiu, ao observar os magníficos jardins tropicais. Devia haver uma história muito interessante por trás deles. Talvez pudesse saber alguma coisa a respeito durante a entrevista com a senhora King. As pessoas gostavam de falar de si mesmas e quanto menos a conversa se focasse no seu curriculum, melhor.
Surpreendeu-se ao ver uma senhora de idade sentada ao ar livre. Parecia relaxada, a estudar algumas pastas. À sua frente, tinha uma bandeja com uma jarra de sumo, outra de água, um prato com bolachas e três copos. Quando Hannah se aproximou, percebeu que a mulher a estava a submeter a um detalhado exame. Mas também ela reparara na senhora. No seu ar aristocrático, no vestido de seda preto e no broche de opala pregado no decote próximo do pescoço.
Hannah pensara que iria conhecer uma mulher muito mais nova, mas não teve dúvidas, quando viu Isabella, de que aquela era a senhora King. Embora fosse uma senhora de cabelos brancos, a mente por trás daqueles olhos escuros era brilhante. A jovem sentiu que estava a ser catalogada em meticulosos detalhes.
De repente, lembrou-se de que tinha a barriga à mostra. Desejou que tivesse vestido uma camisa que não expusesse o seu umbigo. Olhar para baixo seria um atestado de insegurança. Então, manteve a cabeça elevada e coluna erecta.
– Hannah O’Neill? – perguntou a mulher, com uma expressão levemente confusa no rosto.
– Sou eu – respondeu, ao usar um sorriso amigável para dispersar qualquer julgamento negativo.
A mulher mais velha assentiu com um gesto de cabeça e sorriu.
– Sou Isabella Valeri King.
Era definitivamente um nome forte, enfatizando uma herança de realeza nas entrelinhas. Hannah manteve o sorriso.
– É um prazer conhecê-la, senhora King.
– Por favor, sente-se, menina O’Neill. E sirva-se.
Hannah estava feliz por a mesa tapar, da senhora King, uma possível visão do seu umbigo. Geralmente não era consciente do seu corpo, mas quase nunca estava na presença de uma mulher que exalava aristocracia, vestida como uma duquesa. Com certeza não naquele clima tropical.
– É impressionante a quantidade de empregos que já teve, menina O’Neill… Tem viajado pela Austrália sozinha?
– Bem, completamente sozinha, não. Fiz amigos aqui e ali e às vezes viajo com eles. É bom ter companhia em viagens longas.
– É muito mais seguro para uma rapariga, calculo. Ou está comprometida com alguém?
– Não. – Sorriu, timidamente. – Ainda estou à procura do homem certo.
– Tem como objectivo o casamento?
A pergunta tão directa apanhou Hannah de surpresa.
– Bem, suponho que o homem certo seja para isso, senhora King – recuperou-se, ao perceber que aquela mulher não devia apreciar relacionamentos casuais. – Infelizmente isso não é muito fácil de se encontrar hoje em dia – continuou, ao sentir que precisava de explicar o fracasso de não o ter encontrado ainda. – Não é só a questão de ele ser o certo para mim. Também tenho de ser a certa para ele. – E suspirou. – Aqui estou eu, vinte e seis anos e toda essa combinação ainda não me aconteceu.
A mulher assentiu, em cumplicidade.
– É verdade que não temos domínio sobre isso. Como diz, precisa haver uma combinação de auspiciosas circunstâncias.
Esta já está, pensou Hannah triunfante.
– Importa-se de me falar um pouco sobre a sua família, menina O’Neill? Vejo que é descendente de irlandeses.
Hannah riu. O bom humor encobria muitos defeitos.
– Irlandês de ambos os lados. O nome da minha mãe é Maureen Ryan. Sou a filha do meio. Somos nove filhos, todos muito desejados e amados.
– Nove? É uma família muito grande nos dias de hoje.
– Eu sei. Surpreende muita gente. Alguns desaprovam, chegam, inclusive, a apelidar de procriação igual à dos coelhos. Mas só posso dizer que sempre foi óptimo ter o apoio de uma grande família.
– Não sentiu a falta deles nesta longa jornada? – perguntou a senhora King, curiosa.
– Bem, nós também aprendemos a ser independentes. A seguir o próprio destino. Além disso, eles só estão a um telefonema de distância. Reparei que existe um cibercafé em Porto Douglas. A Internet facilita o contacto.
A senhora assentiu, parecia satisfeita com a descrição da família de Hannah.
– Também pretende ter muitos filhos? – Indagou.
Por que é que aquilo era importante? Mas Hannah percebeu que era.
– No mínimo quatro – declarou, sinceramente. – Se o meu marido concordar e eu não estiver muito velha quando o encontrar.
– Vinte e seis, vinte e sete – comentou a outra mulher, como se estivesse a contar quantos filhos Hannah poderia ter. – Talvez tenha de se estabelecer, menina O’Neill. Quanto tempo pretende ficar em Porto Douglas?
– Oh, o tempo que durar o emprego, senhora King.
Uma aprovação calorosa surgiu na expressão da senhora, o que aumentou a confiança de Hannah. Família era obviamente o factor chave. A jovem não se importava com o porquê, contanto que funcionasse.
– Reparei que passou a última estação turística a trabalhar na Reserva King Éden Wilderness, em Kimberley – comentou a velha senhora.
King Eden, King Castle… Uau! Seria tudo filial da mesma família? Os King de Outback e os King dos Trópicos?
– O que achou? – continuou Isabella Valeri King.
O entusiasmo de Hannah não podia ser fingido.
– Na minha opinião, a reserva é a parte mais fantástica de Outback. Foi uma óptima experiência. Assim como ter trabalhado com o chefe de cozinha, Roberto – acrescentou. – Ninguém cozinha peixe como o Roberto. É absolutamente maravilhoso.
– Aprendeu a cozinhar com ele?
– Senhora King, dê-me um peixe fresco e terá uma refeição inesquecível.
– Acredito na sua palavra, menina O’Neill.
Bastava de comida! Era melhor voltar ao assunto da família.
– Existe uma ligação entre a família King e os King de Kimberley? – perguntou Hannah.
– Somos parentes – admitiu a velha senhora, orgulhosa. – O irmão mais velho do meu marido, Edward, desenvolveu a família em King’s Éden.
Ao recordar-se da maravilhosa propriedade na grande estação de gado, situada como uma coroa no topo de uma montanha com vista para o rio, teve de perguntar:
– O seu marido construiu este castelo?
– Não. O meu pai construiu-o. Costumava ser conhecido como Palacete Valeri. Depois do meu pai morrer, o meu filho assumiu as plantações, e a partir daí as pessoas locais começaram a chamá-lo de Castelo King, e é assim até hoje.
– Plantações? – quis saber Hannah.
– Naquela época, era apenas cana-de-açúcar. – Fez um gesto para indicar a plantação que se perdia de vista. – Olhe para a pequena baía.
Campos de cana estendiam-se do mar às montanhas.
– A minha mãe costumava ver a queima da cana, aqui da torre. Mas agora já não se queimam os campos. A cana é colhida verde com máquinas especiais. O meu neto, Alessandro, administra os negócios da cana. O irmão dele, António, administra as plantações de chá.
– Chá? – Hannah lembrou-se de ter visto uma plantação de chá em Cape Tribulation.
Isabella assentiu.
– Embora ache que o António está mais interessado na sua companhia de viagens. O novo barco, Duquesa, é o orgulho e a alegria dele.
Então António seria o seu chefe se conseguisse o emprego. António, Alessandro… uma forte influência italiana. Talvez aquilo justificasse as perguntas sobre a família.
– O seu curriculum diz que trabalhou num barco em Fremantle, no oeste da Austrália – prosseguiu Isabella.
Hannah assentiu.
– Serviço de buffet para cruzeiros ao pôr-do-sol – Se é que se podia chamar a bebidas e salgados de serviço de buffet!
– Então está acostumada a trabalhar num navio?
– Oh, sim, claro.
– E não fica enjoada?
– Nunca fiquei.
Verdade, mas compraria alguns comprimidos para o enjoo, apenas por precaução.
– Matteo exige no Duquesa uma excelente selecção de fruta exótica – informou a senhora King. – Terá de aprender as qualidades da mesma. Matteo é o meu neto mais novo. Administra as plantações de fruta tropical.
Três reis, pensou Hannah. Perguntou-se se tinham esposas.
– A senhora tem algum bisneto?
A Isabella King sorriu, os olhos brilhavam encantados.
– Um menino, o Marco. É filho de Alessandro e de Gina, estão à espera de outro.
– Os meus parabéns – disse, de coração.
– Obrigada. Infelizmente, os meus outros dois netos ainda não encontraram… a mulher certa.
– Não é fácil – concordou Hannah com cumplicidade.
– O amor é uma dádiva – murmurou a senhora King, com um olhar de satisfação que atiçou outra vez a curiosidade da jovem.
Antes que pudesse perguntar o que queria, ambas foram surpreendidas pelo barulho de um helicóptero que sobrevoava a propriedade.
A senhora King exclamou satisfeita:
– É o António. Disse que viria, se pudesse.
O coração de Hannah disparou. Estava tudo a correr tão bem, tinha conseguido estabelecer um caloroso vínculo, que certamente resultaria no emprego desejado; mas agora tinha de se confrontar com o chefe e ganhar também a simpatia dele.
Risco duplo!
Pelo menos tinha a avó dele do seu lado, o que era um consolo, mas sem dúvida, a última palavra seria do chefe.
António…
Solteiro.
Isso significava que era difícil agradá-lo? Ou era apenas demasiado ocupado com as suas plantações e barcos para se interessar por uma mulher? Bem, Hannah esperava fervorosamente que António King ainda tivesse a cabeça nos negócios do chá, pelo menos até que ela pudesse convencê-lo.