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Jessica

Algemada à maca, tudo o que eu conseguia fazer era observar enquanto a Guardiã Egara digitava furiosa no seu tablet. Eu debatia-me, tentando libertar-me, mas sabia que as minhas ações eram inúteis. Cada vez que se ouvia um barulho vindo do tablet com uma mensagem recebida, a testa dela ficava mais franzida, os seus dedos se moviam mais rápido, com movimentos curtos e bruscos, como se ela quisesse dar um soco em quem quer que estava falando com ela ao longo da vasta extensão do espaço.

Aprendi a ter paciência da maneira mais dura após ter passado vários anos no serviço militar e, posteriormente, como repórter de investigação. Eu conseguia perseguir uma presa por vários dias e nunca ficar cansada da caça. Sabia qual era o momento de esperar e o momento de atirar primeiro. A agressividade não me faria chegar a lugar nenhum nestas circunstâncias, sobretudo, estando algemada, mesmo que a minha frustração fosse tão grande que eu quisesse arrancar as algemas da cadeira como se fosse o Incrível Hulk.

— Guardiã, por favor, diga-me o que é que está acontecendo.

Sim, assim eu soava calma. Ponto para mim.

A Guardiã mordeu o lábio, de repente pareceu bastante jovem, como sendo a mulher de vinte e tantos anos que ela era. Seus ombros caíram como se carregasse um peso e uma responsabilidade enormes nos ombros. Talvez carregasse mesmo. Era o trabalho dela supervisionar todas as mulheres – independentemente dos motivos – de modo a que elas fossem bem emparelhadas e entregues de forma segura aos seus destinos, onde quer que isso fosse em todo o universo. Quando ela finalmente levantou a cabeça para olhar diretamente para mim, eu soube pela nuvem sombria no seu olhar que as notícias não eram boas, pelo menos para mim.

Um temor sombrio e escorregadio preencheu o meu estômago.

— Eles rejeitaram você, especificamente, não todo o transporte da Terra. — Ela suspirou, e eu me senti como se tivessem acabado de dizer que eu era a garota mais feia do primeiro ano. Sim, a sensação era aquela mesmo, sem tirar nem pôr. Eu já a tinha sentido, várias vezes quando eu era aquela a quem lhe tinha sido negado algo. Amigos, namorados, trabalhos, família. Eu já devia estar habituada àquilo, mas não estava. Aquilo foi o que me tornou estúpida, me fez ter esperança. Eu não tinha percebido o quanto eu queria ser emparelhada com alguém, com alguém que fosse só para mim até aquilo me ser negado. Como de costume.

— Há outro transporte ocorrendo neste momento na nossa Unidade de Processamento de Noivas na Ásia, portanto, não é um problema do nosso sistema. Por algum motivo, não estão permitindo que você vá. A mensagem foi enviada pelo próprio Prime.

O Prime? O que raios era um prime?

— O meu parceiro?

Ela abanou a cabeça despreocupadamente. — Não. O Prime. O governador do planeta deles. O governador de Prillon Prime.

O seu título foi colocado por causa do nome do planeta em si e eu tinha sido rejeitada por ele. Ótimo.

— Tipo o rei deles? — Caramba! O rei deles não ia me permitir reivindicar o meu parceiro? Eu nunca cheguei a conhecer esse parceiro guerreiro com o qual tinha sido emparelhada, mas era o certo ele ser meu e, agora, tinham me negado isso, tinham extinguido o pequeno grão de esperança que havia em mim, sim, aquilo tinha sido esperança. Merda. A esperança que eu tinha carregado no peito tinha se esvaído e morrido. Doeu.

— Sim. Ele é o governante de vários planetas, na verdade, e é o comandante de toda a frota interestelar. — ela resmungou enquanto desviava o olhar, incapaz de olhar nos meus olhos.

Encolhi-me, com a náusea subindo pela garganta ao ouvir as suas palavras. Eu tinha sido rejeitada pelo rei alienígena de todo um planeta? Será que eu era assim tão má? Eu era um pouquinho mandona e, provavelmente, uma chata. Um pouco intensa para uma mulher, mas que mulher que gostava de dar tiros e lutar contra os maus não era? Merda. O Prime queria uma senhorita gentil e empertigada como parceira para um Prillon. Só podia ser por isso. Será que era?

A minha mente estava num transe, eu fiz a única pergunta que poderia ter feito. — Por quê? É por pensarem que sou uma traficante de drogas?

Eu preferia ser rejeitada por ser uma suposta traficante de drogas do que por ser uma molecote.

— Srtª Smith, eles não pensam que é uma traficante de drogas. Eles sabem que é uma traficante de drogas condenada. Mas não, eu já enviei assassinas condenadas para fora do mundo. Eu não sei por que motivo estão fazendo isso.

Ela negou com a cabeça em tristeza e apertou uma série de botões no seu tablet. Levantaram-me um pouco mais da água, o deslizar suave distraía-me enquanto eu olhava para baixo, para o meu corpo, descobrindo que todos os meus pelos tinham desaparecido. A minha cabeça doía terrivelmente devido aos novos implantes que estavam no meu crânio e a minha mente zunia com um barulho parecido com eletricidade estática crepitando um alto-falante.

Enquanto o meu corpo era novamente colocado sobre a cadeira de exame, a Guardiã Egara trazia um cobertor seco e cinzento para me vestir. — Peço imensas desculpas, Jessica. Isto nunca aconteceu. Eu terei de enviar um inquérito formal para a Aliança Interestelar para descobrir o que se deu.

Eu estava nua, água azulada escorria pelo meu corpo, tinha um cobertor áspero sobre mim e ainda estava amarrada àquela maldita maca. Quão mais miserável eu podia ficar? — Quanto tempo vai demorar? — O zunido da minha cabeça aumentou.

— Várias semanas, pelo menos. — As palavras silenciosas dela transformaram-se subitamente numa corneta a poucos centímetros dos meus tímpanos e eu me encolhi.

Ela inclinou a cabeça quando eu me encolhi e deixou-me por um instante, voltando com um tubo de injeção, que ela pressionou contra a lateral do meu pescoço. Eu recuei.

A dor passageira valia a pena, visto que a minha dor de cabeça se dissipou em questão de segundos.

— Peço imensas desculpas pelo seu desconforto. A maioria das noivas dorme durante o processo de integração dos neuroestimuladores. — Ela observava-me, seus olhos eram suaves e redondos, mais carinhosos do que a última vez que os vi. Eu pisquei ao observar aquela mudança, depois, percebi que o que ela me oferecia não era preocupação, era pena. Eu nem sequer conseguia ser enviada para fora do planeta sem que algo corresse mal.

— O que são neuroestimuladores?

— São implantes neurológicos que permitem que a tua mente adote novas línguas e hábitos. Agora, você poderá compreender e falar qualquer língua nova dentro de apenas alguns minutos, incluindo todas as línguas da Terra. Esta tecnologia é destinada apenas àqueles que vão sair do planeta, mas visto que aparentemente você vai ficar, pode acabar por ser uma grande vantagem.

Pisquei os olhos e tentei processar o que ela me dizia. Uma vantagem? Isto era o meu prêmio de consolação, poder falar e compreender outras línguas? — Qualquer língua?

Ela acenou uma vez, claramente satisfeita com a tecnologia, mas também confusa e decepcionada pela minha rejeição. — Com certeza. Da Terra ou da Aliança.

Visto que eu já não ia para um planeta da Aliança, eu não conseguia entender para que aquilo serviria. Eu tinha uma espécie de super-chip na minha cabeça que me permitiria compreender programas de televisão de outros países ou compreender estrangeiros no aeroporto. Ótimo. Aquilo era tudo o que eu sempre sonhei. Eu preferia receber um carro de graça ou uma viagem para o Hawaii. Ou talvez algum dinheiro.

O que teria sido melhor era ser transportada e viver o meu próprio sonho da vida real, tal como no sonho do processamento no qual dois homens poderosos cobriam o meu corpo, fodendo-me como se eu fosse a mulher mais desejável que eles alguma vez conheceram, fazendo-me sentir bonita. Desejada. Amada.

Não. Eu recebi o maldito tradutor mental.

Eu falhei com os meus amigos da agência de notícias, falhei com os meus amigos do serviço policial, falhei em provar a minha inocência no tribunal e, agora, nem sequer era digna de um macho alienígena tão desesperado por uma boceta quente e molhada que aceitariam uma assassina ou ladra como parceira, mesmo sem vê-la primeiro. Mulheres – criminosas – eram enviadas às centenas para o Programa Interestelar de Noivas ao longo dos últimos anos. As mulheres que eram presas e processadas eram de todos os tipos. Viciadas em drogas e traidoras. Ladras e assassinas.

Todas estas mulheres tinham viajado às estrelas, encontrado novos lares e novas vidas com machos alienígenas desesperados por obter noivas através do programa. Aquelas mulheres tinham começado do zero, tinham recebido uma nova oportunidade.

Eu? Eu não. Eu recusei um suborno, fui incriminada por um crime que não cometi e, agora, tinha sido rejeitada não pelo parceiro que foi emparelhado comigo, mas pelo maldito rei de todo um planeta.

Este, certamente, não era o meu melhor dia.

— Agora, o que é que eu faço?

A Guardiã Egara inclinou a cabeça e suspirou. — Bom, o teu serviço voluntário para o programa de noivas era tudo o que era necessário para cumprir com os termos da condenação penal. Visto que nunca ninguém foi rejeitado antes, isto é uma lacuna na qual você caiu e que muito provavelmente será retificada. Presumo que no futuro, uma mulher rejeitada tenha de ir para a prisão. Por agora, não há regras relativas a uma pena alternativa, portanto, cumpriu todos os requisitos da tua sentença.

— Quer dizer que...

— Está livre, Srtª Smith.

Ela levantou a ponta do cobertor e limpou várias gotas do líquido azul do canto do meu olho, onde começaram a acumular-se e a deslizar, escorrendo pelas minhas bochechas em forma de lágrimas.

Eu estava livre. Não havia sentença. Nem prisão. Nem um bonitão de fora do planeta.

— Vá para casa.

Eu não queria ir para casa. Eu não tinha casa. Nem trabalho, nem amigos e nem futuro. Visto que eu deveria ir para uma galáxia muito distante, as minhas contas bancárias tinham sido limpas, a minha casa vendida. Quando uma mulher é enviada para fora do planeta através do programa de noivas, os pertences dela são divididos como se ela tivesse morrido. Morrido e partido, para nunca mais voltar. Eu não tinha ninguém para declarar a minha torradeira ou o meu sofá velho, portanto, eu tinha que presumir que tudo seria doado para a caridade.

Eu era a primeira noiva a ser mandada para casa como se fosse um cão, com o rabo entre as pernas, indigna para um parceiro alienígena.

Se eu saísse pelas portas do centro de processamento e passeasse o meu rosto pela cidade? Bom, os idiotas que armaram essa cilada para mim enviariam os seus capangas para terminar o que começaram. Se eles soubessem que eu ainda estava na Terra, eu teria um preço pela minha cabeça dentro de algumas horas.

Mas, mais uma vez, eu não era uma princesa mimada. Eu tinha uma mochila de viagem, alguma roupa guardada e dinheiro que um amigo meu do serviço de inteligência internacional tinha me convencido de que era necessário para a minha sobrevivência. Graças a Deus que eu lhe dei ouvidos. Tudo o que eu tinha que fazer era recuperar a minha caixa de armazenamento da qual ninguém sabia e podia recomeçar. Eu estava livre. Sozinha. Miserável. E magoada. Mas livre para fazer o que eu queria fazer… como, por exemplo, expor um grupo de políticos e policiais corruptos.

Os malditos fraudulentos pensavam que eu tinha partido para fora do planeta. Que já não era problema deles. Talvez aquela fosse a única coisa boa que ia me acontecer hoje.

Eu balancei as minhas pernas para fora da maca e sorri, subitamente preenchida por uma alegria inesperada. Eu podia não ser boa o suficiente para um maldito alienígena, mas era bastante boa com uma lente teleobjetiva. Eu pensava nela como se fosse o meu estilo pessoal de espingarda. Uma imagem perfeita era todo o necessário para dar cabo de alguém, expor suas mentiras, arruinar suas vidas. Se a minha câmera era uma arma, então, eu tinha uma lista de quase um quilômetro de pessoas para abater. Se eu seria um fantasma enquanto o fazia, uma pessoa que nem era para estar na Terra, então, isso era ainda muito melhor.

Eu saltei para fora da maca, apertando o cobertor para que ficasse fechado ao meu redor, mas tive que repensar no movimento súbito que fiz quando senti a sala girar. Os braços da Guardiã Egara se lançaram para me segurar e eu acenei agradecendo.

Era hora de partir, mas havia uma coisa que o meu lado masoquista insistia em saber. Se eu ia deixar aqui nesta sala a minha oportunidade de sair do planeta, então, eu queria saber. — Qual era o nome dele?

A Guardiã Egara franziu a testa. — De quem?

— Do meu parceiro?

Ela hesitou, como se fosse divulgar segredos de estado, depois, encolheu os ombros. — Príncipe Nial. O filho mais velho do Prime.

Eu ri, porque se eu tivesse saído da Terra teria me tornado verdadeiramente numa princesa. Emparelhada com um príncipe alienígena, em vestidos de baile e sapatos ridículos, com os meus longos cabelos loiros domados não por um rabo de cavalo normal, mas por presilhas decoradas com joias e tranças elaboradas mais adequadas ao meu status real. Céus, eu teria que usar rímel e batom, visto que a minha tez pálida não era tão bonita com a cara limpa.

Uma princesa? De modo algum. Talvez esse tenha sido o motivo de eu ter sido rejeitada. Eu não era de modo e forma alguma uma Cinderela.

— Creio que tenha sido melhor assim, Guardiã. Eu não sou o tipo de garota que sirva para princesa. — Eu era mais hábil com uma adaga do que com um palavreado polido de político, era mais apta com uma espingarda do que na pista de dança. E isso, tristemente, era a simples constatação dos fatos. Quem quer que fosse esse tal Príncipe Nial, ele tinha se safado e bem.

De mim.

Talvez esse príncipe ficasse muito melhor sem mim. Aquilo não significava que lá no fundo, onde as emoções daquela outra mulher na cerimônia de reivindicação se mantinham, no sonho onde, há alguns momentos, eu sabia o que era ser desejada, amada, fodida e tomada pelos parceiros dela, não significava que isso tudo não doía.


Príncipe Nial de Prillon Prime, a bordo da Nave de Combate de Deston

Enquanto eu ia até a tela de visualização para falar com o meu pai, sentia-me dormente. Eu me sentia como se o meu corpo não pesasse quase nada, não mais do que uma criança. Era mais fácil lidar com o meu pai se eu não apresentasse nenhuma emoção.

Os implantes que os ciborgues injetaram no meu corpo durante o meu tempo numa Câmara de Integração da Colmeia eram microscópicos e impossíveis de remover sem me matar. Portanto, eu era considerado contaminado, um perigo para os homens sob o meu comando e para as pessoas do meu planeta. Eu devia ser tratado como um charlatão altamente perigoso. Pelo menos isso era o que todo mundo pensava. Os guerreiros que eram contaminados pela tecnologia da Colmeia normalmente eram banidos para as colônias para viver o resto das suas vidas fazendo trabalhos árduos. Eles não tomavam noivas. E não se tornavam Primes dos mundos gêmeos de Prillon.

O meu direito de nascimento, como herdeiro do Prime e príncipe do meu povo, tinha me impedido de ser banido imediatamente para as colônias, mas havia uma coisa com a qual eu me preocupava mais do que isso e não era a pessoa que preenchia a tela perante mim.

Eu observei cuidadosamente a expressão vazia do homem que tinha o dobro da minha idade. Ele era bastante parecido comigo, só que mais velho e sem implantes de ciborgues. Ele era enorme, com um rosto feroz e uma armadura feita sob medida e concebida para fazê-lo parecer ainda maior do que o seu porte corpulento de dois metros. Ele era o Prime de dois planetas de guerreiros enormes. Ele tinha de ser forte. Uma pitada de fraqueza e os seus inimigos o derrubavam.

Neste momento, eu era a sua fraqueza. Eu era o filho charlatão que tinha se transformado numa ameaça ciborgue perigosa.

— Pai. — Inclinei a minha cabeça ligeiramente, cumprimentando-o, apesar da raiva que percorria o meu corpo. Ele podia ser o meu progenitor biologicamente, mas não era um pai para mim.

— Nial, eu falei com o Comandante Deston. Preenchi uma ordem formal para que seja transferido para as colônias.

Rangi os meus dentes para conter a minha resposta imediata. Tudo isso graças ao fato de estar dormente. Portanto, o meu status como herdeiro legítimo ao trono não me impediria totalmente de ser banido. Ele não se importava minimamente com o fato de eu ser seu filho. Eu estava danificado, destruído pela Colmeia e não era digno de ser um líder. De ser o filho dele.

Alguém lhe passou um tablet e ele leu atentamente o seu conteúdo enquanto falava comigo, não se importando em olhar para cima. — Vou partir para a frente dentro de alguns dias para visitar os nossos guerreiros e avaliar as condições de várias naves de combate antigas. Espero que a tua transferência tenha sido concluída até o meu retorno.

Inspirei fundo e tentei manter o meu tom de voz tão neutro e benigno quanto o dele. — Compreendo. E a minha noiva? Ela deveria chegar pelo transporte há três dias.

— Você não tinha o direito de solicitar uma noiva. Eu tinha um acordo com o Governador Harbart. Você deveria tomar a filha dele como parceira.

Não pude evitar a forma como as minhas mãos agarraram a cadeira que estava diante de mim.

— Harbart era um covarde idiota que planejava me matar e a noiva do Comandante Deston. Por que eu tomaria a filha dele?

O Prime ergueu uma sobrancelha e chegou mesmo a olhar para mim, como se estivesse confuso. — Essa pergunta agora é irrelevante tendo em conta que você é… inadequado para tomar uma parceira. Não vai tomar ninguém. O transporte da tua noiva da Terra foi negado, como é óbvio. Não é permitido a nenhum guerreiro contaminado a honra de ter uma noiva. Você sabe disso. A esta altura, ela provavelmente já foi emparelhada com outro guerreiro que não esteja…

A voz dele falseou e ele inclinou a sua cabeça, estudando-me. Deixei que ele me observasse. Se ele fosse um pai de verdade, olharia para além das modificações ciborgue da Colmeia e veria que eu ainda era a mesma pessoa, ainda era o seu filho. Ainda era o príncipe.

— Que não esteja o quê?

Aquela era a primeira vez que ele me via desde o meu resgate da Colmeia. Com os braços cruzados, deixei que ele observasse o brilho metálico ligeiro na pele do lado esquerdo do meu rosto, a coloração prateada estranha da íris do meu olho esquerdo de agora, que antes era de um dourado escuro. Eu tinha deixado os meus antebraços despidos propositalmente para que ele pudesse ver a folha fina de biotecnologia que tinha sido transplantada em metade do meu braço e parte da minha mão esquerda. Eu queria que ele visse tudo, e que ainda assim visse a mim.

Os olhos dele pairavam no meu braço. — Os implantes e os transplantes de pele metálicos não podem ser removidos?

A minha esperança ridícula morreu com aquela única pergunta. Eu pensei que talvez nada daquilo importasse, mas não. Ele só via aquilo que a Colmeia tinha feito, não o seu filho.

— O Dr. Mordin disse que os transplantes são permanentes. Eles teriam que retirar todo o meu braço para retirá-los.

— Entendo.

— Será que entende mesmo, pai? O que você vê? — Ele não tinha visto os outros transplantes da Colmeia que cobriam metade do meu ombro esquerdo, a maior parte da minha perna esquerda e parte das minhas costas. Eu conseguia ver pela frieza nos seus olhos que o que ele tinha visto já era o suficiente.

O meu pai, o homem que eu nunca amei, mas que respeitei e passei toda a minha vida tentando agradar, balançou a cabeça.

— Eu vejo um guerreiro que já foi o meu filho. — Ele inclinou-se para trás na sua cadeira, e o olhar nos seus olhos tornou-se ainda mais frio. — Você será retirado da lista de herdeiros e transferido para as colônias. Peço desculpa, filho.

— Filho? Filho? Ousa me chamar de filho na mesma frase em que me bane para as colônias? — Ergui o meu tom de voz. Não adiantava nada permanecer calmo. Não ganhava nada com isso.

Ele inclinou-se para frente para cortar a nossa ligação, mas a minha próxima pergunta impediu-o. — E quem será o teu herdeiro?

— Você tem vários primos distantes, Nial. Talvez o Comandante Deston nos dê um herdeiro com a sua nova noiva. Caso contrário, tenho certeza de que as pessoas receberiam bem os costumes antigos novamente.

Os costumes antigos…

— Uma disputa até a morte? — Ele preferia ver guerreiros bons e fortes lutando até a morte pelo direito de ser Prime do que ponderar no seu próprio filho? Simplesmente por esse filho ter alguns transplantes biotecnológicos da Colmeia na sua pele?

— Que viva o guerreiro mais forte.

Se eu conseguisse atravessar a tela e pudesse dar um soco na cara dele, eu o teria feito. — Prefere ver os nossos melhores guerreiros morrer?

Eu pensava que o homem era desinteressado. Sem sentimentos, pelo menos no que dizia respeito a mim. Percebi que isso se estendia a todo mundo. Ele preferia ver homens fortes lutando desnecessariamente, morrendo desnecessariamente, tudo porque ele era… Um. Maldito. Homem cruel.

— Não há um herdeiro. Esta é a nossa maneira de fazer as coisas.

Há mais de duzentos anos que não havia uma Disputa até a Morte, desde que o nosso antecessor venceu uma e tomou posse do trono. — Eu sou forte, pai, a minha mente está intacta. Não é necessário sacrificar os nossos guerreiros mais fortes…

Eu tinha que, no mínimo, apelar ao homem para que poupasse a vida dos outros. Os nossos guerreiros mais fortes se levantariam para tentar tomar posse, e morreriam, desnecessariamente, quando deveriam estar nas fronteiras, lutando contra a Colmeia.

— Você está contaminado.

— Eu tenho conhecimentos acerca dos sistemas da Colmeia, acerca das estratégias deles. Seria tolo da tua parte banir-me para as colônias. Eu deveria estar com os grupos de combate nas fronteiras, onde eu posso…

Ele cortou-me a fala novamente: — Você não é ninguém, é um contaminado. Colmeia. Estás morto para mim.

Eu teria continuado a discutir, mas a comunicação foi cortada do lado dele.

Idiota. Há anos que eu, todos os dias, fiquei balançado, como um pêndulo, entre a necessidade de impressionar aquele idiota e a vontade de o matar.

— Eu deveria tê-lo matado. — murmurei para mim mesmo.

Olhei para a tela vazia durante vários minutos. Eu tinha sido descartado, e sabia que nunca mais falaria com o meu pai. Eu não me sentia triste. Não mais. Talvez o fato de os ciborgues me terem colocado implantes até tenha tido alguma coisa boa. Eu sabia em que pé estava com o meu pai e ele não merecia nem mais um minuto do meu tempo ou dos meus pensamentos.

Não. O pensamento que rodopiava minha mente num temporal crescente angustiava-me muito mais. Ele tinha rejeitado a minha noiva. A minha parceira. Uma fêmea lindíssima da Terra como Hannah Johnson, do Comandante Deston. As minhas esperanças se tinham elevado relativamente àquele emparelhamento, eu esperava por uma fêmea com curvas e suave daquele planeta. Hannah era pequena, mas tão forte e tão apaixonada pelos seus parceiros, pelos dois, que ela tinha implorado para que eles a tomassem na cerimônia de reivindicação.

Os meus implantes da Colmeia tinham me dado uma vantagem naquele dia, um segredo que eu não tinha partilhado com ninguém. Eu tinha a gravação completa da cerimônia deles no meu sistema. Eu repassava-a várias vezes na minha mente, vendo vezes e vezes sem conta a forma como a mulher humana gostava de ser tocada, a forma como ela arqueava as suas costas, os sons que ela fazia enquanto os seus parceiros a beijavam, tocavam e fodiam. Eu desejei aquilo para mim. Eu quis tanto uma parceira assim que repassei aquela gravação até ela ficar gravada na minha alma. Apreendida. Até eu ter memorizado cada pedacinho da foda cerimonial deles.

Eu faria a minha parceira gritar, como eles tinham feito. Eu a faria estremecer e implorar para que o meu pau a preenchesse.

Testemunhar a cerimônia foi uma honra que não me foi negada pelo meu primo, o Comandante Deston. Eu tinha visto a forma como tanto ele, quanto o seu segundo, Dare, foderam Hannah, como se fossem dois homens selvagens. A sua noiva humana amou o cuidado deles, implorou por mais, olhou para os seus guerreiros como se eles fossem o ar que ela respira, o bater do seu coração.

Lembrei-me da outra cerimônia que testemunhei, esta durante o exame do centro de processamento. Foi o sonho que me emparelhou com a minha parceira. Os homens desse sonho tinham sido exigentes, dominadores e devotos. Visto que a minha parceira tinha sido emparelhada comigo através do mesmo sonho, eu sabia o que ela precisaria que eu fizesse. E que o meu segundo fizesse.

Eu queria aquele tipo de ligação que tinha visto em ambas as cerimônias, e eu a teria.

Eu tinha uma parceira emparelhada comigo. Uma mulher que tinha passado pelo processamento e tinha sido emparelhada comigo. Que tinha sido emparelhada naquela maldita cerimônia excitante de emparelhamento. O emparelhamento do Programa Interestelar de Noivas era quase cem por cento perfeito. Aquilo não deixava dúvidas quanto ao fato de aquela mulher ser a certa para mim. Eu não tinha um segundo, nem um trono e nem um futuro, mas nada daquilo importava. A única coisa – a única pessoa – que importava para mim era essa mulher na Terra, que era a minha parceira. O meu pai lhe tinha negado o transporte. Aquilo não anulava o emparelhamento, a ligação que partilhávamos. O que só me fazia desejá-la ainda mais. Eu não seria impedido de possuí-la. Tinha que me perguntar sobre o que ela pensou sobre mim quando foi rejeitada. A dor deve ter sido semelhante à raiva que ardia dentro de mim ao ouvir sobre a intromissão do meu pai.

Eu não lhe negaria o direito a ter um parceiro, a ter o parceiro que foi emparelhado com ela, só por causa do idiota do meu pai. Ela não seria uma vítima das manobras dele.

Ela era inocente.

Ela era minha.

Se o centro de processamento não iria permitir o transporte, eu teria simplesmente de ir até a Terra e tomá-la.

Levada pelos seus parceiros

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