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Capítulo 2

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Olhou-o com medo e o único som que se ouvia na casa era o crepitar da lenha. Tremeu com tanta violência, que o brandi se entornou. Sentia a boca seca. Engoliu a saliva com dificuldade enquanto tentava pensar em algo que dizer.

Vingança. Vingança… contra quem?

Não podia perguntar-lhe porque sabia que não estava preparada para a verdade. De alguma maneira, sabia que a resposta afectaria Daisy porque a sua irmã tinha casado na aristocracia argentina, tinha-se transformado em parte desse mundo e dessa cultura, dessa outra vida.

Levou o copo aos lábios e bebeu um gole pequeno. Sentiu o brandi fresco na boca, mas ficou quente ao engoli-lo. O calor bateu-lhe no estômago e acabou por se estender até às suas extremidades. Lazaro Herrera tinha razão numa coisa. O licor ajudou. Deu-lhe firmeza e coragem. Fechou os dedos em volta do copo.

– Isto tem alguma coisa a ver com os Galván?

– És muito perceptiva.

– Queres dinheiro?

– Não é o que toda a gente quer?

Mas a resposta não parecia verdadeira, nem o sarcasmo. Era outra coisa o que o impulsionava e Zoe precisava de compreender aquilo para proteger Daisy.

– Dante já sabe?

– Deve saber.

Baixou a vista para o licor para tentar acalmar-se. Se perdesse as estribeiras, não seria capaz de ajudar a sua irmã.

– A minha irmã, a esposa de Dante, está grávida.

– Eu sei.

– Por favor, não faças mal a Daisy – suplicou com voz rouca. Sentiu que os olhos se humedeciam outra vez. – Sofreu vários abortos e isso deixou-a destruída. Não pode perder este bebé.

Observou-a com os olhos cinzentos velados.

– Não tenho nenhuma intenção de lhe fazer mal.

– Mas vais fazer – desconhecia como sabia, mas era assim e isso deixava-a furiosa. Lazaro Herrera destruiria a sua família e jamais olharia para trás.

– As coisas acontecem na vida…

– Não – explodiu apertando o seu copo. – Tu é que fazes a vida, provoca-la.

– É complicado. A vida nunca foi fácil.

Ele rodeava o assunto, invertia o argumento e isso enfurecia-a. Avançou um passo, o corpo esbelto estava rígido pela tensão. Nos dois últimos anos, a sua família tinha passado por muitas vicissitudes. Tinham lutado e sofrido e, precisamente quando Daisy encontrava alguma felicidade, aquele homem ameaçava em arrebatá-la.

– Claro que a vida é difícil. Está cheia de dor, pesar e perda, mas também de gozo e amor… – calou-se, apercebendo-se de que estava quase a chorar. – Não faças mal à minha irmã. Não podes. Não te deixarei.

– Continuas a tremer – ignorou a fúria dela. – Precisas de um banho quente.

– Não quero um banho quente. Não quero nada de ti. Nem agora nem nunca.

Estudou o rosto dela. Zoe soube que tinha a cara corada e os olhos brilhantes.

– Não funciona dessa maneira – disse Lazaro. – És minha convidada. Nas próximas semanas, estaremos juntos praticamente dia e noite. Sugiro-te que te habitues à minha companhia. Depressa.

Foi-se embora.

Zoe permaneceu imóvel uns minutos antes que os músculos recuperassem a vida.

Devagar, depositou o copo de brandi em cima da mesa de centro antes de limpar as palmas húmidas ao casaco claro de viagem.

Arregaçou a manga e olhou para o relógio. Eram quase sete e meia. Tinham chegado a Buenos Aires há seis horas. Daisy devia estar frenética.

Com o sobrolho franzido, olhou em volta à procura de um telefone. Ele tinha-lhe dito que não havia nenhum, mas não acreditava nele. Nos tempos em que viviam, toda a gente tinha um telefone.

– O teu banho está pronto.

Lazaro tinha regressado e estava na ombreira da porta. Tinha mudado de roupa, vestindo umas calças escuras e uma camisola grossa. Parecia quase humano.

Quase.

– Não vou tomar banho. Não vou ficar aqui.

Abandonou a proximidade da lareira e foi para o hall, conteve o fôlego ao passar ao lado dele. Quase esperava que a detivesse, mas não se mexeu. Nem sequer pestanejou quando abriu a pesada porta.

– É um trajecto longo até à aldeia – comentou ele com suavidade. – E está muito escuro. Não há nenhum candeeiro na pampa.

Com a mão na maçaneta, odiou-o, odiou o tom razoável que tinha empregue.

– Conheço o campo.

– Então sabes como nos enganamos ao caminhar sem nada que nos guie, sem caminhos nem rastos de vida humana.

– O teu rancho não pode ser assim tão remoto – ele apenas levantou as sobrancelhas. – Tenho a certeza de que há alguma coisa aqui fora – insistiu.

– Ovelhas. Vacas. Veados…

– Não tenho medo.

– Jaguares, pumas…

– Mentes – custou-lhe a engolir a saliva.

– Não te mentiria.

– É a única coisa que tens feito – disse. Tinha-se virado para olhar para ele, sem tirar a mão da maçaneta da porta.

– Ainda não te menti…

– No aeroporto perguntaste-me se era Zoe Collingsworth…

– E tu respondeste que sim – um pirilampo enorme entrou e girava à volta da luz do alpendre. Lazaro dirigiu-se para Zoe e com gentileza, mas com uma atitude firme fechou a porta. – Pedi-te o papel da bagagem e tu deste-mo. Vieste comigo, Zoe. Por tua própria iniciativa. Imediatamente.

Lágrimas de emoção e vergonha encheram-lhe os olhos.

– Deixaste que acreditasse que trabalhavas para Dante!

– E é verdade.

Retrocedeu e apoiou-se na porta fechada, colando as mãos à superfície.

– O quê?

– Trabalho para o teu cunhado. Trabalho para Dante Galván.

Não podia ter ouvido bem. Devia haver um erro.

– O que é que ias fazer para ele?

– Tudo.

Os lábios de Lazaro tinham-se mexido para esboçar um sorriso cínico que a encheu de horror. Fechou os olhos. Era uma loucura. Pior que uma loucura.

– Por favor, explica-me a que é que te referes com «tudo» – foi incapaz de o olhar. – És uma espécie de moço de recados?

– Não me chamaria assim. Sou o Presidente das Empresas Galván.

Levantou a cabeça com brusquidão e abriu os olhos.

– Mas Dante é o presidente.

– Dante é o director executivo. Eu trato das operações quotidianas.

– Desde quando?

– Há dois anos.

– Mas…

– Já chega. Não quero continuar com o assunto, não contigo quase a cair. Estás esgotada, precisas de um banho, comer e relaxar… Acredita, temos muito tempo para falar.

Virou-se, mas ela não o seguiu.

– De quanto tempo? – perguntou nas suas costas.

– O quê? – parou e virou-se devagar.

– Disseste que teríamos muito tempo para falar. Quero saber quanto. Quanto tempo é que pensas ter-me aqui?

– Depende. Pode ser uma semana, duas, mas se fosse a ti, pensava em duas.

Abriu a boca para protestar, mas ele já tinha desaparecido numa esquina e desapareceu por outro corredor para ir para outro lado da casa.

Seguiu-o muito mais lentamente e passou de um quarto em penumbra para uma casa de banho grande e luxuosa. Era a casa de banho mais luxuosa que alguma vez tinha visto. O chão, as paredes, o chuveiro… estavam cobertos com um lindo mármore vermelho. O lavatório e a banheira eram de ouro e esta última de um tamanho imenso, pelo menos para duas pessoas, e já cheia de água.

Lazaro deixou-a para que se despisse, mas foi-lhe impossível.

Sentou-se na beira da banheira e contemplou a água quente. Na superfície flutuavam círculos de óleo perfumado. Tinha introduzido algo que cheirava bem. Não era capaz de pensar em nada do que ele lhe tinha dito.

Passaram os minutos e continuava sem se poder mexer.

Bateram à porta. Não respondeu e a maçaneta rodou.

– Estás bem? – a voz de Lazaro chegou desde as sombras do outro lado.

Que pergunta! Se estava bem?

Não, não estava. O seu pai estava a morrer. A sua irmã estava em repouso devido a uma gravidez complicada. Tinha recebido uma proposta de casamento de um velho amigo da família, mais velho que amigo. Se estava bem? «Não», concluiu em silêncio.

Lazaro entrou na casa de banho e olhou para ela. Viu que ainda não se tinha mexido e abanou a cabeça com um gesto imperceptível. Sentiu simpatia por ela e essa era a última emoção que queria ter.

Aproximou-se e pôs-se de cócoras.

– Não te agites. Não te vai acontecer nada de mal. Nem a Daisy. Prometo.

Zoe sentiu a boca tremer. Com o olhar fulminou os olhos dele.

– Como é que posso confiar em ti?

– Não sei – lutou contra o impulso de lhe tocar, contra o desejo de apoiar a mão na sua face. A sua pele parecia tão suave, tão terna. «Como o seu coração», pensou. Jamais teria que ter ficado exposta a um homem como ele.

A culpa era de Dante.

Na sua determinação de proteger Daisy, tinha exposto Zoe, deixando-a vulnerável.

Sentiu uma opressão no peito, uma mistura de ira e revolta. Tinha sentido o mesmo quase toda a vida. O menino sujo e descalço da rua que olhava para as montras. Querer algo e não poder tê-lo, não só uma vez, mas sim a vida toda…

Ele, o proscrito, o intocável, tinha subido na escala social, mas não tinha esquecido nem perdoado. Em todo o caso, a ira ardia com maior intensidade e estava mais decidido que nunca a ter o que por direito era seu.

Mas ao olhar para a jovem Zoe Collingsworth, percebeu novamente que tinha ficado cruel e duro.

Viu como fechava as mãos sobre o ventre e cravava as unhas nas palmas.

– Dá-me a mão – pediu com suavidade. Ela abanou a cabeça. – Dá-me a mão – repetiu.

Para além da incerteza, pôde ver o medo nos seus olhos. Não sabia o que esperar, o que queria dela. Na verdade, nem ele mesmo sabia. Sexo, talvez. Embora houvesse algo mais, algo que não podia definir; mas poderoso, embriagador. Sentia-se atraído por ela. O que não faria mais do que piorar a situação de Dante.

Esperou que lhe desse a mão e lentamente depositou-a sobre a sua. Segurou-a com firmeza e segurança.

– Estás a salvo comigo, Zoe. A minha luta não é contigo, acredita.

Cada vez que lhe tocava, acontecia. Calor, energia, prazer. O seu contacto não era nada parecido com o que já tinha experimentado. Havia algo na sua pele mais quente, forte e real.

Contemplou a sua mão, sentiu a onda de deliciosa sensação percorrê-la, desde a mão até ao coração, dali ao estômago e depois às pernas.

O coração bateu-lhe mais devagar, sentiu o corpo líquido, que os ossos se derretiam, ao mesmo tempo que ficava alerta.

– Daisy é tudo para mim – murmurou, hipnotizada pelo dorso da mão dele, com a pele dourada e os ossos largos e fortes do pulso. – Praticamente foi ela quem me criou. Abandonou a ideia de ir para a universidade por minha causa…

De repente, ele adiantou-se e a cabeça escura bloqueou a luz. Zoe soube que ia beijá-la. Foi como se desde o primeiro momento em que a viu, tivesse sabido que aquilo ia acontecer, que o beijo estava predestinado.

A boca roçou-lhe os lábios. Foi um beijo fugaz, tão ligeiro que o coração lhe doeu. Sentiu a sua respiração na face, a doçura subtil da sua colónia. Era grande, forte e sombrio, mas cheirava a luz, a sol, como a erva da pradaria e as flores depois de uma chuva estival.

Os lábios mal a tocaram uma segunda vez. Deslizou os lábios até ao canto da boca dela.

– Vou esforçar-me ao máximo para proteger também a tua irmã.

Não era a mesma promessa que lhe tinha feito a ela. Receava perguntar, mas não tinha outra alternativa.

– E Dante? – a voz dele tinha endurecido e o tom era frio. – Isto é por causa de Dante.

– Sim.

Saiu debaixo do seu braço e fugiu para o outro lado da casa de banho vermelha. Tinha-a sequestrado para magoar Dante. Tinha feito com que o seu cunhado sofresse.

Mas ela adorava Dante. Era o irmão mais velho que nunca tinha tido. Ele tinha salvo a sua quinta, tinha-se apaixonado por Daisy, tinha tratado do seu pai. Dante era a resposta para os males dos Collingsworth.

Voltou a sentir um frio profundo, como se o medo e a dor tivessem ficado na sua medula.

– Fora – ordenou, apontando em direcção à porta.

Levantou-se devagar e ergueu-se em toda a sua estatura. À luz ténue, a face parecia que tinha cortes angulosos por cima da boca.

– Um dia vais perceber.

– Jamais perceberei isso. Dante é um bom homem. É o homem mais generoso que conheço.

– Não sabes a história toda.

– Vai-te embora – virou-lhe as costas e cruzou os braços.

– Sem me importar com o que aconteça – foi até à porta, – vou manter a palavra que te dei.

Na banheira, Zoe ensaboou-se e esfregou-se, sentindo-se mole depois da viagem, do rapto, do beijo. Não percebia como é que podia sentir tantas emoções desencontradas. Lazaro Herrera inspirava-lhe medo e, ao mesmo tempo, fascinava-a.

Enquanto se limpava, soube que devia transmitir a Dante e a Daisy o que sabia, que o tempo era de vital importância. Procuraria um telefone assim que pudesse.

Metida num roupão, olhou para o armário aberto no quarto. Alguém tinha desfeito a sua mala por ela. Não podia imaginar que fosse Lazaro.

Não gostava de se sentir nua numa casa estranha, pelo que se vestiu aceleradamente com umas calças de ganga cómodas e uma camisola velha amarela. Estava a calçar as meias e os ténis quando bateram à porta.

Ao abrir a porta, descobriu uma mulher idosa que não tinha mais de um metro e cinquenta, com o cabelo branco e um rosto citrino extremamente enrugado.

– Vamos! – a mulher séria cruzou as mãos sobre o regaço. – La cena.

– Lamento, não percebo – respondeu devagar em inglês. Decididamente não lhe davam as boas-vindas. – Não falo espanhol.

– La cena. La comida.

– Lamento. Não percebi. Não sei… o que é que quer que eu faça… não falo espanhol.

– Quê?

– Senhor Herrera. Pergunte ao senhor Herrera, sí?

A mulher murmurou algo quase inaudível e foi-se embora. Chegou a meio do corredor antes de se virar. Com gestos secos e breves indicou a boca, que abriu e fechou num exagerado gesto de mastigar.

– La comida. La cena. La cena.

– La cena – e depressa percebeu. Mas isso não significava que fosse a correr para ir jantar. Quem é que queria receber semelhante convite?

Zoe fechou a porta com mais força do que a calculada. Fez uma careta e deitou-se na cama, enterrou a cabeça na almofada e deu um grito de frustração.

Aquilo era um pesadelo.

Não podia ficar naquela casa. Não fazia sentido. Estava tudo louco, desde o brandi, passando pela casa de banho, até ao beijo. Sentia-se perdida… confusa.

Menos de dois minutos depois de a ter fechado, a porta abriu-se.

– Por Dios! O que é que aconteceu? – disse Lazaro na ombreira da porta. – Nunca vi Luz tão transtornada.

– Luz?

– A minha empregada – pôs as mãos nas ancas com uma expressão indignada. – O que é que lhe disseste?

– Nada.

– Mas é evidente que a ofendeste.

Zoe bateu na almofada e apertou-a.

– Deves estar a gozar.

– Não. Disse que lhe cuspiste na cara e que lhe fechaste a porta. Eu também ouvi a porta a bater.

– Não cuspi – corou. – Jamais o faria. É uma falta de respeito. E não era minha intenção bater com a porta. Fechou-se com mais força do que imaginei.

Ele olhou-a durante um bom bocado com o queixo tenso e a boca fechada. Parecia analisar a situação, a versão dada por Luz.

– Não queres jantar, perfeito. Fica no teu quarto. Mas não te vou mandar comida na bandeja. Há uma sala de jantar nesta casa e uma bonita mesa antiga com cadeiras a condizer. Se quiseres deitar-te de estômago vazio, é um problema teu. Se quiseres comer, sabes onde é que estou… e a comida também.

Sabia que não se iria juntar a ele para jantar e não esperou. Também não se incomodou de jantar sozinho no elegante salão. Comia quase sempre sozinho; tinha sido assim desde que a sua mãe tinha morrido quando ele tinha sete anos.

Costumava pensar que tinha morrido de pobreza. Ambos tinham sempre fome e, apesar de ela trabalhar em tudo o que podia, nunca parecia ter dinheiro suficiente para sair da rua.

Luz entrou no salão para ir buscar o seu prato e viu que mal tinha comido.

– Não tens fome? – perguntou com o sobrolho franzido pela preocupação.

Luz tinha brindado a sua amizade à sua mãe antes de morrer. Também tinha sido mais pobre, mas tinha fogo e um espírito indomável que a fazia opor-se àqueles que queriam oprimi-la. Tinha tentado ensinar a sua jovem mãe, Sabana, a enfrentar os aristocratas Galván, mas a sua mãe tinha horror à poderosa família.

– Vou beber um café e algo ligeiro mais tarde – disse, reclinando-se na cadeira para que pudesse levantar os pratos.

– Quem é a rapariga?

– A amiga de um amigo.

– A verdade – Luz estalou a língua.

– É uma meia verdade e é suficiente neste momento – levantou-se. – Obrigado pelo jantar.

Dirigiu-se para o salão e descobriu que o fogo se tinha quase consumido. Sentou-se no sofá, apoiou os pés na mesa de ferro e vidro e cravou o olhar nas resplandecentes chamas. Tinha construído aquela casa para a sua mãe. Claro que ela já tinha morrido há vinte e cinco anos quando teve os planos e a casa pronta, mas a atenção pelos pormenores tinha sido por ela, em sua honra. Tinha insistido no melhor. Candelabros de cristal, cortinas de seda, casas de banho de mármore, antiguidades francesas.

Tinha sido uma jovem linda quando o conde Tino Galván a tomou contra a sua vontade. Com apenas dezassete anos. Sem sequer ter terminado a escola.

Mas arrebatar-lhe a inocência não tinha sido suficiente para o conde Galván. Depois de a ter magoado, fez com que fosse para longe, exilada para uma aldeia da Patagónia, onde deu à luz sozinha. Os Galván tinham esperado que o bebé não sobrevivesse.

Mas Lazaro tinha conseguido.

Desde a morte da sua mãe, tinha vivido unicamente para uma coisa: Vingança. Vingança sobre aqueles que tinham ferido a sua mãe e os que tinham fechado as portas na sua cara.

Zoe foi para a cama com fome e, às três da manhã acordou faminta. Entre a mudança de horários e os barulhos do estômago, não conseguiu voltar a adormecer. Esticada na cama, os seus pensamentos voaram até Daisy. A sua irmã devia estar preocupada.

Precisava de entrar em contacto com ela para a tranquilizar e alertar Dante para o perigo que Lazaro representava.

Levantou-se e vestiu o fino roupão de algodão branco que condizia com a sua camisa-de-dormir.

Eram peças juvenis que tinha há muito tempo e das quais não se queria desprender, apesar do tecido estar gasto e as flores desbotadas. Tinham sido oferecidas pelo seu pai há anos. Daisy tinha recebido um conjunto igual, mas azul.

Abriu a porta do quarto e espreitou para o corredor às escuras. Não sabia muito bem por onde começar a procurar um telefone. Sabia que devia haver um nalgum lado e não só isso, devia haver também um fax, um modem, um telemóvel. De alguma maneira, Lazaro Herrera tinha que comunicar com o mundo exterior.

No salão, avançou de gatas ao longo dos rodapés em busca de fios escondidos. Rodeou todo o salão antes de passar para a biblioteca, onde inspeccionou cada estante.

Nada. Pelo menos até agora.

Do salão passou para o hall e, dali, para a enorme cozinha, até à sala de jantar. Acabava de terminar a inspecção da sala de jantar na penumbra quando ouviu uma tosse nas suas costas.

– Perdeste alguma coisa, Zoe?

– Não – levantou-se e sacudiu as mãos. Estava tão escuro que mal podia vê-lo, mas sentiu a sua energia a três metros de distância.

– Não estás a limpar, não? Luz não iria gostar nada disso.

– Não estou a limpar.

– Então, o que é que fazes de gatas às três e meia da manhã pela casa toda?

Tirou uma madeixa de cabelo da cara.

– Sabes o que faço. Sabes o que quero.

– Não vais encontrar nenhum telefone.

– Nem sequer um computador?

– Tomei precauções. Fui bastante minucioso.

– Deixa-me ir embora.

– Não.

– Voltarei para Kentucky, telefonarei a Daisy e vou contar-lhe que mudei de ideias sobre…

– Não.

Sentiu-se à beira dos gritos, do pranto, das súplicas.

– Não é justo.

– Já falámos sobre isso e sabes que a vida nem sempre é justa. Se o fosse, a tua mãe não teria morrido ao trazer-te ao mundo. O teu pai não teria Alzheimer. A tua única irmã não teria vindo para meio mundo de distância, deixando-te um pai doente.

– Como… como é que sabes tudo isso?

– Não foi um rapto ao acaso, Zoe. Certifiquei-me do que fazia – acendeu a luz da sala de jantar. – E agora, volta para a cama e tenta dormir um pouco. Vais precisar. Ambos precisamos.

Com uma camisola branca folgada e umas calças pretas de pijama, com o cabelo despenteado, tinha um aspecto incrivelmente varonil. E humano. Parecia um homem que sabia tudo sobre as mulheres. Que sabia utilizar as mãos, a boca, o corpo.

Zoe sentiu calor pelas extremidades e o calor inundou o seu rosto. Odiava ter de achá-lo fisicamente atraente quando o seu carácter era terrível, cruel, retorcido.

– Odeio-te.

Não tinha querido dizê-lo. No entanto, as palavras saíram da sua boca.

Ele inclinou a sua cabeça escura e os seus lindos lábios formaram um sorriso fantasmagórico.

– Eu sei.

Uma vingança  deliciosa

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