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Capítulo 1

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Era o dia perfeito de maio para um casamento na Riviera Ateniense. O céu era de um azul muito claro e sem nuvens e o sol refletia-se nas paredes da capela minúscula, com o mar Egeu e o templo de Poseidon como cortina de fundo. A cerimónia e o copo-d’água teriam lugar na vila histórica de Damen em Cabo Sunião. A temperatura era perfeita e agradável, nem muito quente nem muito húmida.

Em circunstâncias normais, uma noiva sentir-se-ia feliz, mas Kassiani não era uma noiva normal. Nem sequer deveria ser uma noiva, mas, naquela manhã, Kristopher Dukas tomara a decisão drástica de a trocar pela irmã e, portanto, Kassiani estava à frente da porta da capela, com um nó no estômago, à espera do sinal para entrar.

Havia muitas possibilidades de aquilo não acabar bem e receava que o noivo a deixasse plantada no altar ao ver que não era a irmã. Damen não era tolo. De facto, era um dos homens mais poderosos do mundo e não gostaria de ser enganado.

E ela não gostava de enganar os outros. Era a filha mais nova de Kristopher Dukas, a menos notável em todos os sentidos. No entanto, quando o pai a encurralara naquela manhã, exigindo que o fizesse para salvar a família, tivera de aceitar. Casar-se-ia com Damen Alexopoulos, não para salvar a empresa do pai, mas para se salvar.

Casar-se com Damen seria uma saída. Fugiria da casa do pai e fugiria do seu controlo porque, com vinte e três anos, estava decidida a ser mais do que a opaca, trôpega e aborrecida Kassiani Dukas.

Casar-se com o magnata Damen Alexopoulos não mudaria o seu aspeto físico, mas mudaria a forma como os outros a viam. Obrigá-los-ia a reconhecê-la como alguém importante, mesmo que parecesse patética.

A música do órgão começou a tocar no interior da capela e o pai, baixinho, roliço e com o cabelo grisalho, fez-lhe um gesto impaciente.

Kass conteve um suspiro. O pai não gostava dela. Quando era criança, não entendera a sua frieza com ela porque era muito carinhoso com Elexis, mas, quando crescera, fora capaz de descobrir o mistério.

Kristopher não era um homem atraente, mas ansiava ser respeitado. Ter dinheiro era uma forma de o conseguir, assim como ter uma família atraente. E enquanto Elexis era a clone da falecida mãe, que fora modelo antes de se casar, infelizmente, ela parecia-se com o pai, de quem herdara a constituição e o queixo marcado. E isso não era o que uma mulher queria quando a mãe fora uma modelo famosa.

Kassiani deixou escapar um suspiro. Esses pensamentos não a ajudavam nada. A sua autoestima, sempre escassa, estava a desaparecer nesse momento. E, então, o pai estalou os dedos.

Aparentemente, chegara a hora.

Tremia quando o pai levantou o véu pesado de renda para cobrir o seu rosto.

Estava aterrorizada e, no entanto, experimentava uma calma estranha. Assim que entrasse na capela, não poderia voltar atrás. Elexis defraudara o pai e toda a família. Ela não faria tal coisa.

Por uma vez, poderia fazer alguma coisa pelo negócio familiar. Quisera trabalhar na Naval Dukas desde que estava na escola. Até estudara Gestão e Direito Internacional na universidade de Stanford, mas o pai rejeitara-a, recusando-se a contratá-la ou a ouvir as suas ideias. Era um homem muito antiquado e achava que o lugar da mulher era em casa, a ter herdeiros, preferivelmente masculinos.

Depois de vinte e três anos a ser uma vergonha para a família, finalmente, podia ajudar o pai, salvando-o da ruína e da humilhação.

Kassiani respirou fundo, levantou a cabeça e entrou na capela ortodoxa. Era muito pequena, só cinco filas de bancos de cada lado do corredor estreito. Demorou um instante a habituar-se à penumbra do interior, mas, então, viu o noivo.

Damen Michael Alexopoulos estava à frente do altar com o padre. Com um fato elegante e escuro, tinha um aspeto mais formidável do que no dia anterior.

Suspeitaria de alguma coisa? Teria percebido que não era Elexis? O véu era tão grosso que mal conseguia ver através da renda, mas Damen não demoraria muito a perceber a diferença de estatura e constituição. Não podia ser Elexis, a rainha do Instagram.

Mesmo com aqueles sapatos incómodos de salto alto, Kassiani continuava a ser baixa. E o espartilho antiquado, necessário para que conseguisse vestir o vestido, não conseguia disfarçar as suas curvas terminantes quando Elexis era tão magra.

– Sabe – murmurou.

– Não sabe – contradisse o pai, com os dentes cerrados. – E é demasiado tarde para voltar atrás. Não podes falhar-me.

Kass cerrou os dentes. Não ia falhar-lhe, não podia fazê-lo, de modo que deu um passo à frente. Não ia voltar atrás. Não ia ter medo.

Faria com que aquilo funcionasse. Encontraria uma forma de agradar ao seu marido e uniria as duas famílias. E seria ela, Petra Kassiani, a fazê-lo, não Elexis, que fugira, nem o irmão, Barnabas, que se importava tão pouco com a família que não se incomodara em ir ao casamento.

Conseguia fazê-lo, tinha a certeza.

A questão era, ele fá-lo-ia?

Assim que Kristopher Dukas entrou na capela com a noiva, Damen soube que era a filha errada.

Incapaz de acreditar na temeridade do americano, observou o corpulento Kristopher a avançar pelo corredor com a filha, cujo rosto estava escondido por baixo de um véu pesado.

Aparentemente, Dukas escolhera a saída mais fácil. Em vez de procurar a rebelde Elexis, simplesmente, trocara as filhas, substituindo a mais velha pela mais nova.

Quem fazia uma coisa dessas? Que tipo de homem tratava as filhas como se fossem gado?

Até ele, que era desumano nos negócios, sabia a diferença entre desonestidade e traição. Aquilo era uma traição.

Aquela rapariga não era Elexis e ele escolhera Elexis por muitas razões. A bela, refinada e ambiciosa Elexis Dukas era perfeita para ele por causa do seu aspeto e temperamento. Era conhecida em todo o lado, adorava os focos e a atenção e era uma anfitriã famosa, algo de que ele precisava numa esposa porque detestava os compromissos sociais.

Poderia representá-lo nos eventos importantes e ninguém sentiria a falta dele. Porque haveriam de o fazer quando ela estava lá?

Não sentia nenhum afeto por Elexis, mas era a noiva que escolhera e pedira-a em casamento conhecendo as suas virtudes e os seus defeitos. Elexis tinha um estilo de vida invejável. Viajava por todo o mundo com o jet set, ia às melhores festas, usava roupa de marca e sentava-se na primeira fila nos desfiles de moda. A sua vida era um aparecimento nos meios de comunicação social atrás de outro, mas isso era bom para ele.

Precisava de uma esposa que soubesse qual era o seu lugar e que não fizesse pedidos emocionais, pois ele não tolerava essas coisas.

Contudo, agora que Elexis desaparecera e havia uma Dukas muito diferente ao seu lado, pensou que talvez aquele tivesse sido o plano de Kristopher desde o começo.

Talvez Elexis nunca tivesse estado disposta a casar-se com ele. Talvez Kristopher não tivesse intenção de lhe entregar a querida filha e tivesse decidido, desde o começo, deixá-lo com a filha mais nova, a quem se referira uma vez como «o patinho feio» da família.

Deveria ir-se embora, pensou.

Contudo, quando estava prestes a soltar a mão desse «patinho feio», ela levantou a cara e sussurrou:

– Lamento muito.

Depois da cerimónia, foram para a sala de espera da capela para assinar o registo. Damen cerrou os dentes, furioso ao pensar que nem sequer sabia o nome da esposa.

– Se não és a Elexis, com quem me casei? – perguntou, pegando numa caneta.

– Kassiani – respondeu ela, num tom rouco.

– Esse não foi o nome que o padre disse.

– Não, usou o meu primeiro nome, Petra, mas ninguém me chama assim. Chamam-me Kass ou Kassiani.

Damen abanou a cabeça, zangado com ela e consigo próprio por não ter saído da capela antes da cerimónia. Porque deixara que o pedido de desculpa o afetasse de tal modo?

Porque é que aquele sussurro de desculpa evitara que a abandonasse no altar?

Não sabia a resposta e não estava de humor para continuar a pensar nisso.

– Não penses mais nisso – disse, depois de assinar o documento, oferecendo-lhe a caneta.

Ela aceitou-a com uma expressão preocupada.

– Muito bem.

– Este era o plano desde o começo, trocar as irmãs?

Kass ficou corada.

– Não.

– Não te ofendas, mas não queria casar-me contigo.

– Eu sei.

– Não é a minha intenção insultar-te.

– Não me sinto insultada.

Noutras circunstâncias, certamente, teria gostado dela porque era direta e inteligente, pensou Damen. Mas os Dukas tinham-no enganado e não estava de bom humor.

– Não sou dos que esquecem e perdoam.

Viu que uma sombra atravessava o seu rosto e quase sentiu pena dela, mas a sombra desapareceu depressa, deixando uma expressão serena e composta no seu lugar.

– Como podes ver, não sou das que deixam passar a oportunidade de comer uma fatia de bolo. Parece que cada um tem de carregar a sua cruz.

Depois, Kass inclinou-se por cima do livro de registo para assinar, com o véu comprido a cair por cima dos seus ombros como uma cascata branca.

Damen não sabia se tinham sido as suas palavras ou o seu sentido de humor, mas, sem saber porquê, levantou-lhe o queixo com um dedo para se apoderar da sua boca. Não era assim que um homem devia beijar a esposa numa capela, mas nada naquele casamento era normal.

Kassiani passeava pelo quarto luxuoso da vila em que se vestira para a cerimónia, tentando acalmar-se. Tinha a impressão de que tudo aquilo podia desmoronar-se de um momento para o outro. A cerimónia não serviria de nada a menos que o casamento fosse consumado e não conseguia imaginar Damen interessado em ir para a cama com ela. Francamente, também não queria fazê-lo e sentiu um calafrio ao recordar a sua frieza quando lhe dissera que não era dos que esqueciam e perdoavam.

Kass não duvidava.

E era por isso que estava no quarto, escondida e acovardada. Naquela manhã, encontrara coragem para ir para a capela e ocupar o lugar de Elexis, mas essa coragem desaparecera.

Por sorte, a cerimónia fora discreta, só com alguns amigos e familiares, mas o copo-d’água seria fabuloso, com centenas de convidados que tinham ido de todas as partes do mundo para serem testemunhas do casamento de Elexis Dukas e Damen Alexopoulos.

Kassiani parou de passear e dobrou-se sobre si própria, prestes a vomitar. Os convidados rir-se-iam ao vê-la. Uma coisa era fazer-se passar por Elexis numa capela escura, escondida sob camadas de renda e, outra muito diferente, fazê-lo à frente daqueles que conheciam a irmã.

Convencera-se de que conseguia fazê-lo, mas só pensara na cerimónia. Não pensara em aparecer em público como a esposa de Damen Alexopoulos.

A sua esposa.

Perdeu a força nas pernas e teve de se deixar cair na cama.

O que fizera?

Estava a limpar as lágrimas quando a porta se abriu e Damen entrou no quarto. Nem sequer se incomodara em bater à porta.

Esperou que ele dissesse alguma coisa, mas não disse nada. Olhava para ela em silêncio e esse silêncio era insuportável. Os segundos pareciam minutos, horas.

– Por favor, diz alguma coisa – murmurou finalmente.

– Os convidados estão à espera.

Kass imaginou o terraço cheio de mesas com toalhas brancas, copos do cristal mais fino e candelabros brilhantes…

Não, aquele não era o seu lugar. Não era o seu casamento, não eram os seus convidados.

– Não posso descer.

– Devo trazer os convidados para cá?

– Não, por favor.

– Queres que te leve ao colo?

– Não!

Kass nem sequer conseguia olhar para ele. O que lhe parecera um gesto de valentia naquela manhã, agora, parecia-lhe a pior ideia da sua vida.

– É um pouco tarde para voltar atrás.

– Estou de acordo – murmurou ela.

Damen deixou escapar um suspiro de irritação.

– Se esperas compaixão…

– Não espero nada.

– Melhor, porque isto é tudo culpa tua.

Kass ia dizer alguma coisa, mas fechou a boca e cerrou os dentes. Porque tinha razão. Como ia discutir?

– Não podes ficar aqui o dia todo.

Kass brincou com uma pérola bordada da saia do vestido.

– Não gosto de festas.

– Mesmo que seja o teu próprio casamento?

– Como ambos sabemos, não devia ser o meu casamento.

– E esse é o problema.

Kass levantou o olhar, mas ele deixava-a tão nervosa… Não se parecia com o pai ou com o irmão. Não se parecia com ninguém.

– O que pensavas que ia acontecer? – perguntou Damen, em voz baixa.

Kass odiava sentir-se tão patética, odiava sentir-se como um fracasso. Não se casara com ele para ser um fracasso.

– Não pensei no copo-d’água nem nos convidados – confessou, finalmente. – A verdade é que nem sequer me ocorreu. Só pensei na cerimónia e depois… – Kass respirou fundo e levantou a cabeça para olhar para ele nos olhos. – Pensei em tudo o resto.

– E o que é tudo o resto?

– Bom… ser a esposa adequada – respondeu Kass. – Sou grega e sei o que os homens gregos esperam.

– Foi isso que o teu pai te disse?

– Sim.

Algo no olhar especulativo de Damen fazia com que o seu coração acelerasse e não sabia como controlar sentimentos tão novos e tão estranhos para ela.

– E o que é que os homens gregos esperam?

Kass engoliu em seco, tentando não trair o seu nervosismo.

– Devo cuidar de ti, cuidar da casa… ou das casas. E devo dar-te filhos. Entendo e aceito essas responsabilidades.

– Pelo menos, uma das filhas do Dukas é responsável.

– A Elexis e eu somos diferentes.

– Gosta de festas.

– Teria gostado do copo-d’água, sim.

– E dos fotógrafos.

– A máquina fotográfica adora-a.

– Como é que o teu pai te convenceu a ocupar o lugar da tua irmã?

Kass franziu o sobrolho.

– Desculpa?

– Ameaçou-te ou trata-se de uma chantagem? Como conseguiu fazer com que fosses à capela e fizesses parte desta farsa?

– Não é uma farsa, casei-me contigo – contradisse ela, fazendo uma pausa. – Por vontade própria.

– Portanto, voluntariaste-te?

– Não, isso não, mas, quando o meu pai me explicou a situação, percebi que a minha família estava em dívida contigo. Não queria que os Dukas te humilhassem publicamente, portanto, aceitei ocupar o lugar da Elexis para que a fusão do negócio e das famílias acontecesse.

– Devo sentir-me agradecido por me terem forçado a casar-me com uma virgem?

Kass fez uma careta.

– Não estou a forçar-te a nada. Podemos anular o casamento hoje mesmo, se quiseres. Ou amanhã. Quando achares melhor – replicou, erguendo o queixo. – Desde que não consumemos o casamento, és livre para o anular a qualquer momento.

– É o que esperas que faça?

– Não, na verdade, não. Fiz promessas e tenciono cumpri-las. Espero que consumemos o casamento esta noite.

– E se não me apetecesse consumá-lo contigo?

Kass mordeu o lábio inferior. Sabia como era dececionante como mulher. Não podia comparar-se com Elexis, mas tinha sentimentos. E esperanças e sonhos.

– Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance e vou esforçar-me para que me desejes.

Damen atravessou o quarto para se aproximar da janela e olhar para o antigo templo de Poseidon, iluminado pelos últimos raios do sol. Naquela noite, haveria outro ocaso espetacular. Os crepúsculos em Cabo Sunião eram lendários.

– Talvez devêssemos esquecer esta farsa agora – sugeriu, de costas para ela, com o olhar fixo no mar.

– Talvez – concedeu Kass. – Não vou chamar-te covarde se o fizeres.

Virou-se bruscamente e observou-a com um ar impaciente.

– Eu cumpri a minha parte do acordo. Investi na Naval Dukas, resolvi os problemas legais do teu pai, despedi-me da minha amante e esperei pacientemente pela tua irmã…

– Evidentemente, foi um erro.

– Isso não está a ajudar, querida.

– Talvez devesses ter passado mais tempo com a tua noiva para saber se era a mulher apropriada.

– O teu pai garantiu-me que a Elexis era a esposa apropriada.

– E esse é o problema, confiaste no meu pai – disse Kass, brincando com outra pérola do vestido. – Sou realista, sempre fui, e conheço bem a minha família. Admiro as suas virtudes, mas também tenho consciência dos seus defeitos. Pessoalmente, não teria feito negócios com o meu pai, mas tu querias a Costa Oeste dos Estados Unidos, querias os barcos, os portos e os acordos. Bom, agora, já os tens.

Damen deu um passo em frente e Kassiani tentou não se acovardar quando parou à frente dela, tão alto que tinha de deitar a cabeça para trás para olhar para ele.

– Não tens boa opinião de mim?

– Acho que subestimaste a família Dukas.

– Não respondeste à minha pergunta.

Ela hesitou por um instante, antes de olhar para ele nos olhos.

– Não me teria casado com um homem de quem não tivesse boa opinião – declarou, finalmente.

Damen olhou para ela em silêncio durante uns segundos.

– Eu também não gosto muito de festas – declarou, depois. – Portanto, vamos ignorar o copo-d’água e vamo-nos embora agora mesmo.

A noiva substituta

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