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Capítulo Dois

Dias atuais

— A Sra. Hurst ligou. Ela quer uma leitura hoje. E não se esqueça que é a nossa vez de receber o Clã da Aurora Boreal — Estrela gritou da cozinha do café Chá & Tarô, onde deveria estar observando um lote de geleia de damasco ferver. Aposto que ela está com a cabeça enterrada naquele caderno cheio de orelhas que ela leva para todo lugar, trabalhando em outra música.

Pelo menos a Sra. Hurst gostava da nossa geleia de damasco, a única coisa que a redimia. Eu não era a única que pensava isso. Ninguém na cidade aguentava mais do que uma pequena dose da velha mesquinha, que conseguia encontrar defeitos mesmo nos dias ensolarados mais perfeitos. Prestei mais atenção quando Estrela adicionou: — Ah sim, e Judith Finch quer uma poção do amor mais forte. Diz que a última não está funcionando.

— Ela precisa de muito mais do que uma poção do amor se ela quer capturar a atenção de Laurence — o cara é dez anos mais jovem e foi sabe-se lá para onde — murmurei, separando as variedades recém-chegadas de cristais, cartas de tarô, pedras de vidente, livros de feitiços, cones de incenso perfumado, bolsas minúsculas de veludo com cordão — legal, azul-real desta vez — e dezenas de minúsculos frascos extravagantes para armazenar unguentos com cheiro doce para os turistas.

Tulipa, minha suposta ajudante, estava distraída como de costume. Ela estava ocupada digitando em seu laptop. Minha previsão diária — se não fosse por mim e minhas manobras militares, o café Chá & Tarô cairia na ruína total. Pelo menos eu tinha o encontro do nosso clã para esperar. A forma como a vida era no Lago Nevado, exigia muito apoio feminino.

— Quem você acha que era em outra vida, Encanto? — Tulipa escolheu esse momento para desviar o olhar da sua incessante atualização de blog para fazer outra de suas perguntas tolas. Certo, talvez isso fosse injusto. Muitas pessoas contavam com ela para desvendar seus sonhos. Ah, e ela era muito boa em ler presságios nas nuvens. Tem bons seguidores também.

— Provavelmente Cinderela. Parece que voltei como um burro de carga mais uma vez. Devo ter gostado muito da última vez, hein. — Suavizei minha reclamação com um sorriso direcionado a minha trigêmea e corri para a cozinha para ter certeza de que a outra infeliz McCall não estava deixando a geleia queimar.

— Estrela! — Eu gritei. Lá estava ela, sentada em um banquinho, com a sempre presente caneta na mão, olhando sonhadoramente para o vazio. A fruta que ela deveria estar observando estava emitindo sua essência de luz solar e felicidade, a fragrância valsando pelo ar, fazendo minha boca salivar. Certo, um lanche no meio da manhã de muffin fresco com geleia de damasco estava a caminho. Eu também era a oficial de controle de qualidade auto-eleita de nosso excelente estabelecimento, daí vinham meus quadris curvilíneos.

— Está tudo bem. — Ela rolou os olhos. — Acabei de mexer. Está quase pronta. Só precisa adicionar a pectina. E os potes estão no forno, esterilizados e prontos para serem enchidos, muito obrigada.

— Bom — eu grunhi. Peguei as alegres luvas vermelhas de forno com os corações brancos bordados nas costas, abri o forno e tirei a enorme assadeira preta cheia de potes fumegantes. Coloquei-os no balcão sobre toalhas de chá limpas, prontos para o serviço. Humm, ela até se lembrou de colocar as tampas e cestas de vapor em uma panela de água quente no fundo do forno. As surpresas nunca acabarão?

— Certo, você acrescenta a pectina e eu alinho os potes. Colher esterilizada?

— Sim, senhora. — Estrela prestou continência, sabendo muito bem que isso a irritava.

— Nós só temos hoje para organizar as coisas — a reprimi. — Vovó vem para casa amanhã e eu quero tudo feito adequadamente e em seus devidos lugares. Ela trabalhou duro o suficiente por nós ao longo dos anos — já é hora de tornamos seus dias mais fáceis. — Mesmo que aos sessenta e cinco anos ela parecesse ter a energia de uma escavadeira, eu não me arriscava com minha família.

— Você não terá nenhuma reclamação de mim.

— Sim, certo!

Estrela não era nada além de uma massa conflituosa de nervos e energia. Incerta de qual direção sua vida deve seguir — Nashville, LA1 ou ficar. Bem, junte-se ao clube, mocinha. Todo ser humano que pensa e respira se sente dessa maneira, pelo menos parte do tempo. Eu deveria saber. Eu posso ler mentes. Ou pelo menos o bastante para ajudar alguém a encontrar coisas. Imagens e coisas parecidas, mas sinto seus anseios também. E nós não somos tão diferentes, nós humanos. Bem, exceto pela Sra. Hurst, que eu sinceramente desejava que parasse as leituras. Sua mente testaria um santo. Toda a energia positiva que eu mandava na direção dela parecia se perder em algum gigantesco buraco negro pairando sobre o cabelo duro.

Um suave chilrear em saudação me alertou para a companhia. Ling Ling, nossa linda Himalaia branca com orelhas bonitas da cor de damasco entrou na sala, a cauda alta e balançando como uma bandeira da vitória. Estrela se abaixou e acariciou seu pelo macio, para ser recompensada com um ronronar alto.

— Alguém precisa levar a bebê Ling Ling para o V.E.T.2 às três. Está no calendário. — Estrela apontou para o quadro branco que eu prendi na parede para acompanhar tudo e qualquer coisa a ver com o Chá & Tarô e a família.

Ling Ling correu pelo linóleo como se uma horda de pulgas descontroladas estivesse atrás dela, quase colidindo com o vão da porta antes de sua cauda branca macia desaparecer.

— Agora você conseguiu! Você sabe que ela consegue ler, certo?

— Sim, desculpe. Vou achá-la e a levar.

— Boa sorte com isso. Melhor remarcar e ficar quieta sobre isso desta vez. — Balancei a cabeça com o esquecimento da minha irmã. Ela me mostrou o dedo do meio. — Certo, vamos começar. Eu encherei os potes e você coloca as tampas o mais rápido possível. Eu não quero que nem um grão de poeira encontre o caminho para dentro.

— Ah-h certo, mas primeiro, o que você acha disso? — Ela pegou seu caderno. — Vou chamá-la de A Balada de Johnny do Lago Nevado. Aqui vai. — E com aquela adorável voz country dela, ela cantou: — Um homem doce e selvagem veio me chamando — me disse que ele me impediria de cair. Ele disse que meu coração estava seguro em suas mãos. Ele seria meu homem e meu maior fã.

— Estrela! — Nenhuma sorte em interromper — ela fez uma serenata com o próximo verso.

Então Sara Jean virou os doces olhos azuis dele. E embora ele tivesse jurado me amar de verdade. Ele virou as costas e me deixou secar. Por uma nova mulher que me fez chorar.

Quando ela chegou ao refrão, ela começou a cantar com alegria demais: — Johnny do Lago Nevado é um homem doce e selvagem. Ele virou minha cabeça e aqueceu minha cama. Tudo antes de o encontrarmos morto.

— Você sabe, esse refrão pode ser considerado incriminador nos círculos errados, mana.

— O que você sabe? — Raiva instantânea com meu comentário adequado. Oops. Deveria ter começado com um elogio ou três. Mas ninguém saía zangada de uma sala como Estrela. Eu acho que conheço a parte de trás dela melhor do que a frente.

Me concentrei no trabalho. Em pouco tempo, a geleia tinha sido colocada em seus potes extravagantes e devidamente fechados, deixados para passar a noite em toalhas de chá quadriculadas e amarelas vibrantes. Eu aplicaria os rótulos decorativos dos potes assim que eu os imprimir. Dando um último olhar de satisfação nos meus soldados alinhados, eu me juntei a minhas irmãs no café que dobrava de tamanho com a fachada. Meia dúzia de mesas redondas acolhedoras com bancos ocupavam um lado do espaço apertado, incluindo a pequena cabine para leituras, enquanto nossos diversos itens para venda foram colocados em uma série de prateleiras e ocupavam a outra metade. No andar de cima, uma suíte estava alugada e eu vivia na outra. Ser um dia mais velha me deu autoridade sobre Estrela e Tulipa, que ainda viviam com a vovó Toogood em sua casa situada a três quarteirões de distância na Rua dos Alces.

— Sabe, os arbustos de saskatoon estão maduros. Alguém quer ir colher mais tarde? — Perguntei, praticamente sabendo a resposta.

Estrela foi quem gemeu mais alto. — Eu odeio mosquitos. Este ano eles são tão grandes quanto libélulas, eu juro.

— Três palavras. Repelente de insetos.

— Eca. Odeio essas coisas. Vou cheirar como uma fábrica de químicas.

— Melhor do que cheirar como uma pessoa sem teto e sem acesso a sabão, que é o que seremos se não melhorarmos e aumentarmos nossa renda.

— Estamos bem. — Estrela estava com aquele olhar teimoso. — Nós pagamos nossas contas. E eu estava esperando que talvez eu pudesse pegar um pequeno empréstimo e ir para…

— Absolutamente não! Cada centavo que entra neste café é para mantê-lo funcionando adequadamente. Talvez um dia sejamos capazes de criar uma franquia, e ter uma série de cafés em todo o Canadá.

— Esse é o seu sonho, Encanto, não o meu.

Tulipa olhou para cima, desviando o olhar de seu blog. — Eu tenho uma palavra para vocês duas para ganhar muito mais dinheiro — comestíveis. Poderíamos aprender a adicionar maconha aos nossos muffins, brownies, fatias e cookies. E vendê-los por três vezes o valor. Devemos aperfeiçoar o processo agora, antes do prazo de dezessete de outubro quando a lei a torna legal. Nós poderíamos ganhar dos outros lugares. Fazer anúncios online. Se eu mencionar isso no meu blog, trará toneladas a mais de movimento. Em um ano, todas seríamos podres de ricas. Eu tenho pesquisado como fazer mantegonha, dosagens adequadas — tudo. Até mesmo casas de pão de maconha para o Natal. Apenas diga que sim e eu vou começar os experimentos. Eles voariam das prateleiras mais rápido que bolos quentes.

— Você quer dizer voar das prateleiras mais rápido que bolos de maconha! — Estrela brincou.

— Não! Absolutamente não! — Eu estava em partes iguais horrorizada e atordoada.

— Encanto, a Sra. Hurst está no telefone novamente — disse Tulipa, tentando chamar minha atenção.

Eu nem o tinha ouvido tocar no meio do meu choque com a sugestão dela. Ela tinha esquecido da história da nossa família? O que as drogas pesadas haviam feito aos nossos pais? E maconha não era uma porta de entrada para as drogas? Eu não tinha ideia, mas não ia arriscar com a minha família, mesmo que parecesse só uma folha inofensiva. Beladona também parecia inofensiva, mas certamente não era. Bela ajuda ou morte agonizante. Tente entender como ter uma chance com isso. Eu tinha interesse nessas coisas, meu amor por ler os mistérios da Agatha Christie era meu passatempo favorito na preciosa hora antes de dormir.

Com os dedos tremendo, peguei o telefone antiquado que Tulipa me oferecia. Não havia sentido em confiar no serviço de telefonia celular no Lago Nevado. Metade do tempo ele não funcionava, então por que pagar por ele? Uma despesa a menos era uma coisa boa.

Limpei a garganta antes de falar — Encanto falando. O que posso fazer por você, Sra. Hurst?

— Preciso ver você agora mesmo! Minhas pérolas — deixadas para mim pela minha avó Dóris pelo lado da minha mãe — elas desapareceram. E eu vou apostar que a culpada é Suzanna. Nunca confie em uma empregada que sorri. Está sempre tentando esconder alguma coisa.

— Suzanna não faria isso. — Esfreguei a dor repentina no meu pescoço, assistindo meu lanche no meio da manhã sumir. Eu ainda precisava assar meus muffins favoritos — com cobertura de limão. Quem diz que muffins não precisam de cobertura? A dama em questão, no entanto, vivia a apenas um quarteirão do nosso café, o que era parte do problema. Qual era aquele dizer sobre a familiaridade criar desprezo? Isso é o dobro — não, o triplo — no caso da Sra. Hurst. — Certo. Venha imediatamente. Eu não quero você culpando mais ninguém. Tenho certeza que você só não lembra onde as colocou.

— Bem, isso é o que veremos.

Nós certamente vamos. Meu dom — de rastrear as coisas — resolveria isso. Agora, se apenas meu dom incluísse dar a um cliente uma ordem secundária e automática de gentileza, poderíamos estar chegando a algum lugar.

Como esperado, a Sra. Hurst estava batendo na porta da frente menos de dois minutos depois. Mesmo no nosso dia de folga, não podia me dar ao luxo de ignorar o que ela pedia. Ela era uma das nossas melhores clientes.

— Esse cheiro é de geleia de damasco? — ela perguntou, passando pela porta, fazendo os sinos chacoalharem com interesse. Eu mal tive tempo para abrir a tela mosquiteiro da porta. Não tenho ideia de como ela faz isso. Na maioria das vezes as minúsculas estátuas de anjos cantavam para anunciar um cliente, e não gritavam sua desaprovação.

Ela não me deu a chance de responder, se movendo rapidamente. — Porque se for, quero fazer meu pedido agora de uma dúzia de potes. Não, espere um minuto, quero duas dúzias, se eu receber um desconto adequado. — Ela balançou suas sobrancelhas grossas para fazer sua sugestão clara. Eu entendi. Tão generosa quanto simpática. — Eu vou enviar algumas com a minha sobrinha que vem me visitar amanhã. Ela pode dividir com o resto da família.

— Sua sobrinha Geórgia? — Eu perguntei, liderando o caminho para o canto de trás até a cabine pequena que ficava lá, com seu dossel de tecido azul meia-noite. Nós preferimos nos revezar fazendo leituras em particular. Tulipa era a melhor na interpretação dos sonhos, Estrela no tarô e eu em rastrear objetos perdidos. Estrela, nossa residente amante de glitter, adicionou uma estrela de ouro extragrande sobre a entrada, claro.

Nossa cliente estava em boa forma naquela manhã. Seu vestido de cintura alta azul marinho impecável mantinha sua ampla figura justa e sua coroa dura de ondas pretas tingidas estava alinhada em linhas rígidas. Seus olhos cinzentos semelhantes aos de um lobo me assustavam, eu admito. A mulher estava sempre procurando por falhas ou algo para reclamar. Ela se sentou e colocou as palmas das mãos para cima na pequena mesa de madeira. Havia rumores de que ela era a pessoa mais rica do Lago Nevado, embora nunca tivesse tido muitos clientes em sua loja. Deve estar vendendo suas antiguidades online. Móveis usados venderiam melhor no Lago Nevado.

— Estou com pressa. Vamos logo com isso.

— Apenas pense sobre o que você perdeu.

— Eu sei o que fazer.

— Claro — murmurei, ignorando sua impaciência. Respirando fundo, coloquei minhas mãos sobre as dela. Eu respirei fundo novamente, depois soltei o ar, ignorando qualquer coisa que estivesse na minha mente.

Eu fechei meus olhos e esperei. Saindo da escuridão, uma imagem apareceu, desfocada no início, então mais clara, enquanto se tornava em algo reconhecível. Uma corrente espessa de pérolas brancas suaves. Onde você está?

A imagem expandiu para fora e para cima, como a abertura de uma câmera se abrindo, expondo um conjunto de gavetas de cômoda e um pedaço de carpete bege. Calafrios passaram pelos meus antebraços, adicionando uma vibração estranha. Eu tremi e puxei minhas mãos para longe das dela com medo. Outras vibrações estavam chegando pelo canal que tinha sido aberto, sem parar, embora a conexão tivesse sido cortada. A sensação me acertou com tal força que agarrei a borda da mesa para me manter ereta. Isso foi novo. Claro, sempre senti algumas vibrações ruins vindo dela, eu acho que todo mundo sentia, de acordo com a fofoca que eu tentava ignorar — mas nada tão intenso.

— Elas caíram através de uma rachadura na parte de trás da sua cômoda entre o carpete e a parede. — Meus lábios estavam endurecidos de pavor, as palavras saindo estranhas e agudas.

— Você tem certeza? — Ela perguntou, seu tom cético, seus olhos redondos perfurando os meus.

Me esforcei para manter a calma, não querendo que ela visse o estado em que eu estava. Ela era como um gato selvagem perseguindo sua presa. Eu tremi. — Tanta quanto eu posso ter.

— Você não se importa de esperar, então, até eu verificar antes de pagar você? Isso vai lhe dar tempo para considerar um desconto adequado para a geleia.

Eu me contorci com sua condescendência, suor escorrendo pelas laterais do meu corpo. Uma alma velha tão adorável. Mas isso manteve minha mente longe da experiência indesejada.

— Sem problemas. Mesmo acordo de sempre. — Eu fingi indiferença, incerta do que tinha acabado de ocorrer, e rezando para que nunca acontecesse novamente. Algumas vibrações negativas eram uma coisa, mas isso tinha sido algo muito mais poderoso. E assustador.

— E entregue a geleia assim que estiver pronta. Oh, pensando melhor, vou levar um pote agora.

Eu dei um breve aceno com a cabeça. Ela se levantou e eu ouvi vagamente ela ordenando que Estrela levasse a geleia. Eu fiquei na cabine, mastigando a unha do meu polegar. Algo de ruim vai acontecer? Eu nunca tinha tido uma premonição de tal magnitude. Elas eram geralmente algo como alguém ligando e então o telefone tocando um minuto depois, e era esse alguém. Isso, seja o que for, não tinha senso de direção, apenas uma sensação esmagadora de pressentimento. Certo. Deixe para lá. Eu tinha coisas para fazer.

1 Los Angeles.

2 Veterinário.

Magia, Caos & Assassinato

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