Читать книгу Obsessão implacável - Amante para se vingar - Lucy Gordon - Страница 8
Capítulo 3
ОглавлениеA festa prolongou-se até à noite. As luzes do falso Pártenon acenderam-se e a música aumentou de volume. Os magnatas faziam negócios. Petra acompanhou Estelle até ao interior da casa para a ajudar a mudar de roupa.
Iam passar a lua-de-mel a bordo do Silver Lady, o iate de Homer, que naquele momento os esperava no porto do Pireu, a oito quilómetros de distância. Já tinham saído dois carros carregados de bagagem e empregados, e só restava a limusina para transportar os recém-casados.
– Sentes-te bem? – perguntou-lhe Estelle, olhando para a cara da sua filha.
– Claro – disse Petra, fingindo alegria.
– Pareces preocupada com alguma coisa.
Na verdade, sim, estava preocupada. As palavras daquela estranha ecoavam na sua cabeça.
«Quando decidir que encaixas na sua agenda apertada, voltará quando lhe convier», tinha-lhe dito.
Mas isso não ia acontecer. Se voltasse naquela noite, ela já teria partido.
– Importas-te que vos acompanhe até ao porto? – perguntou à sua mãe, de repente.
– Querida, eu adoraria. Mas eu pensava que ias sair.
– Não creio. Não tenho vontade.
No carro, a caminho do porto, beberam champanhe e, quando entraram no iate, Homer mostrou-lhes aquele barco magnífico, cheio de orgulho.
– Agora, temos de te casar a ti – disse-lhe, com entusiasmo.
– Não, obrigada – disse Petra, apressadamente. – A minha única experiência nesse sentido não me deixou satisfeita.
Antes que Homer pudesse responder, o telefone dela começou a tocar.
– Receio que o meu comportamento desta noite tenha deixado muito a desejar – disse uma voz masculina. – Se calhar, poderei compensar-te convidando-te para jantar.
Por um instante, Petra ficou sem palavras. Tinha ensaiado muito bem o discurso, mas as palavras não saíam da sua boca.
– Não sei se…
– O meu carro está à espera diante da casa.
– Mas eu não estou lá. Estou no Pireu.
– Não te levará muito tempo a voltar. Estarei à tua espera.
Desligou.
– Oh! – exclamou ela, sem conseguir conter-se. – Simplesmente, assume que farei o que ele quer – ao ver que todos a olhavam com o sobrolho franzido, explicou-lhes: – Lysandros Demetriou. Quer convidar-me para jantar e não me deixou dizer-lhe que não.
– Típico dele – disse Homer. – Quando quer uma coisa, vai directo ao assunto.
– Mas não é forma de tratar uma mulher – disse Estelle, indignada.
Ele sorriu e beijou-a.
– Parece que não te importaste muito – disse Homer à sua esposa.
Ao sair do iate, Petra reparou num detalhe.
– E como conseguiu o meu número de telefone? Eu não lho dei.
– Provavelmente, terá subornado algum empregado – disse Homer, como se fosse o mais normal do mundo. – Adeus, querida.
Petra apressou-se a atravessar o molhe e entrou no veículo. Durante o caminho de volta a Atenas, tentou organizar os seus pensamentos caóticos. Estava zangada, mas sobretudo consigo mesma. Toda a sua determinação desaparecera ao ouvir aquela voz.
De repente, tirou o telemóvel da mala e marcou o número de Karpos, um grande amigo que tinha na capital. Karpos costumava trabalhar como jornalista e era uma pessoa em quem podia confiar.
Quando ouviu de quem se tratava, respirou fundo.
– Toda a gente tem um medo tremendo dele – disse, falando atrapalhadamente. – De facto, têm tanto medo que nem sequer se atrevem a admitir que têm medo, caso chegue aos seus ouvidos.
– Isso é uma paranóia – disse Petra.
– Certamente, mas é o efeito que tem nas pessoas. Ninguém se atreve a olhar além daquela couraça de ferro que tem em vez de pele. Mas, bom, não acredito que encontrassem alguma coisa se procurassem. Aquele homem não deve ter coração, embora alguns possam achar que sim. As opiniões estão um pouco divididas nesse sentido.
– Mas não houve alguém, há muito tempo? Alguém de outra família?
– Sim. O seu nome era Brigitta, mas eu não te disse nada. Morreu em circunstâncias estranhas. Ninguém conseguiu descobrir a verdade em todos estes anos. A imprensa deixou o assunto depois de receber inúmeras ameaças e é por isso que ninguém fala disso agora.
– Referes-te a ameaçar com acções legais?
– Todo o tipo de ameaças – disse Karpos, num tom misterioso. – Um tipo começou a fazer perguntas e, da noite para o dia, choveram-lhe dívidas em cima. Esteve prestes a ficar arruinado, mas, à última hora, disseram-lhe que, se se comportasse devidamente, tudo poderia ser resolvido. Como é claro, o homem aceitou e tudo voltou à normalidade de forma milagrosa.
– Aconteceu-lhe alguma coisa depois disso?
– Não. Deixou o jornalismo e meteu-se nos negócios. Agora, tem muito sucesso, mas, se se mencionar o nome de Demetriou, foge como se se acabasse de mencionar o próprio diabo. Caso se saiba alguma coisa, deve fazer-se vista grossa e fingir que não se sabe nada, como o apartamento que tem em Atenas ou a Casa de Príamo, em Corfu.
– A Casa de Príamo? – repetiu Petra, surpreendida. – Ouvi qualquer coisa sobre isso. Sei que andam há muito tempo a tentar entrar lá. Há qualquer coisa lá, mas ninguém pode entrar. Estás a dizer que é dele?
– É o que dizem. Mas não digas a ninguém. De facto, não lhe digas que falaste comigo, por favor.
– Não te preocupes – Petra desligou o telefone e ficou sentada, com o olhar perdido no vazio, pensativa.
Sabia que estava a entrar em águas profundas, mas isso nunca a tinha assustado. Além disso, tinha um assunto pendente com Lysandros Demetriou há mais de quinze anos.
Tinha-lhe dito que estaria à espera dela e assim o fez. Estava junto do portão que dava acesso à propriedade de Homer. Assim que a limusina parou, abriu-lhe a porta, ofereceu-lhe a mão e ajudou-a a sair.
– Não demorarei muito – disse ela. – Tenho de entrar para…
– Não. Estás bem assim. Vamos.
– Ia mudar de vestido.
– Não é preciso. Estás linda e sabe-lo, portanto, porque estamos a discuti-lo?
Havia qualquer coisa naquele discurso directo que a afectara sobremaneira. Qualquer elogio pusilânime não teria tido o mesmo efeito. Ele não falava com rodeios. Dizia exactamente o que pensava e, naquele momento, pensava que ela era linda.
– Sabes uma coisa? Tens razão. Porque estamos a discuti-lo? – fez sinal ao motorista para que continuasse sem ela e entrou no carro de Lysandros.
Perguntava-se onde a levaria e teve uma grande surpresa ao ver que o veículo parava à frente de um pequeno restaurante. Ele conduziu-a até uma mesa do terraço, de onde se avistava a costa ao longe, banhada pela luz da lua.
– Isto é espectacular – disse ela. – É muito agradável e tranquilo, depois do alvoroço de hoje.
– Eu tenho a mesma sensação – disse ele. – Normalmente, venho sozinho.
A comida era simples, cozinha tradicional grega, a favorita de Petra. Enquanto ele fazia o pedido, teve oportunidade de o examinar atentamente, tentando encontrar algum vestígio daquele jovem atormentado no tirano que tinha diante dos seus olhos. O que lhe teria acontecido naqueles quinze anos?
– Estás bem? – perguntou-lhe ele, de repente.
– Sim. Porque perguntas?
– Suspiraste com força, como se te doesse alguma coisa.
– Não. Não me dói nada – apressou-se a dizer ela.
Fingiu procurar alguma coisa na mala e, quando voltou a levantar o olhar, encontrou-o a olhar para ela com olhos de espanto.
– Quinze anos – disse ele. – Aconteceram muitas coisas e ambos mudámos. No entanto, apesar de tudo, continuamos a ser os mesmos. Ter-te-ia reconhecido em qualquer lugar.
Ela sorriu.
– Mas não me reconheceste.
– Só à superfície. Uma parte de mim conhecia-te. Nunca pensei que voltássemos a ver-nos e, no entanto, de alguma forma tinha a certeza de que aconteceria.
Ela assentiu com a cabeça.
– Eu também. Mesmo que passassem mais quinze ou cinquenta anos, eu sempre soube que voltaríamos a encontrar-nos antes de morrer.
Aquelas palavras pareceram chegar-lhe ao coração.
«Voltaríamos a encontrar-nos antes de morrer.» Era verdade, completamente verdade. Ela fora uma presença invisível na sua vida desde aquela noite estranha. Mas como poderia dizer-lho? Ela tinha-o inspirado, tinha-lhe dado forças para ser sincero, mas isso não era suficiente.
Naquele momento, chegou a comida. Rodelas de tomate com queijo feta. Simples e delicioso.
– Hum… – disse ela.
Ele comeu muito pouco. Não parava de olhar para ela.
– Porque subiste até lá naquele dia? – perguntou-lhe, finalmente. – Porque não ficaste lá em baixo com o resto dos convidados, a apreciar a festa?
– Suponho que seja cínica por natureza – ela sorriu. – O meu avô costumava dizer-me que a minha atitude para com a vida era de uma indiferença absoluta. E é verdade. Penso que naquela noite em Las Vegas já havia um pouco disso e piorou desde então. Tendo em conta a casa de loucos em que sempre vivi, não poderia ter sido de outro modo.
– E o que tem a casa de loucos?
– Eu gosto, desde que não me peçam que me envolva demasiado ou que me leve muito a sério.
– Alguma vez quiseste ser actriz?
– Pelo amor de Deus! Claro que não! Já temos de sobra com uma louca excêntrica na família.
– A tua mãe sabe o que pensas dela?
– Claro que sabe! De facto, ela foi a primeira a dizê-lo e eu não demorei a dar-lhe a razão. É uma querida e eu adoro-a, mas vive no planeta Radnor.
– Quantos anos tem na verdade?
– Ganha ou perde anos conforme lhe convém. Tinha dezassete anos quando me teve. O meu pai não quis saber nada dela, portanto, abandonou-a e ela teve de se desenvencilhar sozinha durante algum tempo. Os que só a conhecem como a estrela que é hoje em dia deveriam ter visto onde vivíamos naquela época, aquele beco no centro de Londres. E depois os meus avós paternos entraram em contacto connosco para nos dizerem que o meu pai tinha morrido num acidente de carro. Não tinham ideia de que existíamos até ele o ter confessado no seu leito de morte. Eram gregos. A família era muito importante para eles e eu era a única familiar que lhes restava. Felizmente, eram pessoas muito agradáveis e demo-nos muito bem. Eles cuidaram de mim enquanto Estelle investia na sua carreira. O meu avô era um erudito. Tinha estado em Inglaterra a leccionar Grego na universidade. Ao princípio, nem sequer tive de frequentar a escola, porque ele pensava que podia ensinar-me melhor. E tinha razão.
– Então, foste tu quem cresceu com um pouco de sensatez?
– Bom, alguma das duas tinha de a ter – disse ela, rindo-se.
– E como lidavas com a questão dos padrastos?
– Todos eles eram bons. Na sua maioria, estavam doentes de amor e eram um pouco parvos, portanto, custava-me muito não me rir deles.
– E o de Las Vegas?
– Vejamos… Era… Não. Esse era outro… Ou seria este? Oh, não importa! Eram todos iguais. Acho que era um aspirante a actor que pensava que Estelle poderia dar-lhe um empurrão. Quando ela se apercebeu das suas verdadeiras intenções, mandou-o embora. Então, já estava apaixonada por outra pessoa.
– Parece que nada disso te afectou absolutamente. Não acreditas no amor eterno?
– Amor eterno? – ela fingiu considerá-lo por um instante. – Como quando alguém tenta levar todo o teu dinheiro ou quando o tipo arma uma confusão porque ela tem de gravar uma cena de amor, ou quando…?
– Está bem – disse ele, interrompendo-a. – Já percebi a mensagem. Estou a ver que o sexo masculino não te impressiona muito.
– Como adivinhaste?
– E tu? Não houve nenhum suficientemente valente para se esquivar dos dardos que lanças?
Ela fez uma careta.
– Claro que sim. Se não fizerem isso, não reparo neles.
– Então, esse é o primeiro requisito, não é? Ser valente.
– Entre outras coisas. Mas isso também está um pouco sobrevalorizado. O homem com quem me casei era atleta profissional, um esquiador que conseguia dar saltos impressionantes. O problema foi que era tudo o que sabia fazer, portanto, acabou por se tornar igualmente chato.
– És casada?
– Já não – disse ela, num tom de alívio que o fez rir.
– O que aconteceu? Foi pouco depois do nosso breve encontro?
– Não. Fui para a universidade e estudei muito. Era a mesma faculdade onde o meu avô tinha leccionado e não importava às pessoas que eu fosse filha de uma grande estrela do cinema. No entanto, espantavam-se quando mencionava o nome do meu avô. Estudei Grego, aprendi História, passei nos exames. Íamos viajar juntos até à Grécia para fazer as nossas investigações, mas então os dois morreram. Já não é o mesmo sem ele. Queria que se sentisse orgulhoso de mim, mas não foi possível.
Hesitou um instante e uma sombra atravessou os seus olhos.
– O que se passa? – perguntou-lhe ele, inclinando-se para a frente.
– Oh, nada…
– Diz-me – disse ele, num tom subtil.
– Estou a recordar como os adorava e como eles me adoravam. Precisavam de mim, porque eu era a única pessoa que lhes restava depois da morte do seu filho. Também gostavam de Estelle, mas ela não fazia parte deles, como eu.
– E a tua mãe não sentia ciúmes?
Petra abanou a cabeça.
– Ela é muito boa mãe, à sua maneira, mas nunca fui tão importante para ela como era para os meus avós.
– Que triste… – disse ele.
– Não. Desde que se tenha alguém que precise de nós, consegue-se lidar com os que não precisam.
– Mas os teus avós morreram – disse Lysandros. – Quem tens agora?
Petra afastou a tristeza.
– Estás a brincar? A minha vida está cheia de gente. É como viver numa colmeia.
– Incluindo os maridos da tua mãe?
– Bom, não se incomodou em casar-se com todos. Dizia que não tinha tempo suficiente.
– Algum namorado?
– Alguns. Mas a maioria tentava aproximar-se da minha mãe, portanto era um duro golpe para a minha auto-estima. Aprendi muito cedo a guardar os meus sentimentos para mim até saber muito bem o que sentia – riu-se suavemente. – E comecei a ter fama de ser fútil.
Aquilo não poderia ser mais absurdo para Lysandros. Uma mulher fútil não falava com tanta paixão, nem olhava com aquele brilho nos olhos.
– E foi então que conheci Derek – disse ela. – Estelle estava a rodar um filme que tinha a ver com desportos de Inverno. Ele era um dos consultores. Era tão bonito que fiquei louca por ele. Pensei que, finalmente, o tinha encontrado. Fomos felizes durante alguns anos, mas então… – encolheu os ombros. – Acho que se fartou de mim.
– Fartou-se de ti? – perguntou-lhe ele, com ênfase.
Ela soltou uma gargalhada como se a traição do seu marido tivesse sido o mais engraçado que lhe acontecera na vida, uma estratégia defensiva que era muito familiar a Lysandros.
– Acho que nunca esteve interessado em mim – disse ela, prosseguindo. – Precisava de dinheiro e pensou que a filha de Estelle Radnor teria imenso. De qualquer forma, começou a ter aventuras, eu perdi as estribeiras e acho que isso o assustou um pouco.
– Tu? Perdeste as estribeiras?
– A maioria das pessoas acha que é impossível, porque não acontece muitas vezes. No entanto, de vez em quando, também deixo escapar a fera dentro de mim. De qualquer modo, normalmente tento não o fazer porque que sentido tem? No entanto, às vezes, não há outro remédio e, por vezes, acabo por dizer coisas que não sinto. Bom, foi há cinco anos. São águas passadas. Porque te ris?
– Não sei – confessou-lhe ele, com sinceridade.
– Parecia que te rias de uma piada ou algo parecido. Vá, diz-me!
«Uma piada», pensou Lysandros. Se a direcção da sua empresa, os empregados e o director do banco a tivessem ouvido, teriam achado que estava louca.
No entanto, o sorriso continuava lá, cada vez maior e espontâneo.
– Diz-me – disse ela, insistindo. – O que disse assim tão engraçado?
– Não foi… Foi a forma como disseste «São águas passadas», como se não quisesses voltar a saber nada de homens durante muito tempo.
– Ou o resta da vida. Seria o melhor para eles.
– Melhor para eles ou melhor para ti?
– Definitivamente para mim. Os homens já não existem para mim nesse sentido. Todo o meu mundo é este país, o meu trabalho, as minhas investigações…
– Mas na Grécia Antiga também havia membros do sexo masculino, lamento ter de to dizer.
– Sim, mas posso permitir-me ser um pouco mais tolerante com eles. Foi graças a eles que iniciei a minha carreira. Escrevi um livro sobre dois heróis gregos antes de acabar a universidade e consegui que o publicassem. Mais tarde, pediram-me que o adaptasse a uma versão infantil para as escolas. Os direitos de autor renderam muito dinheiro, portanto, não posso queixar-me desses maravilhosos e lendários homens gregos.
– Sobretudo, porque estão mortos e enterrados.
– Estou a ver que começas a perceber a ideia.
– Vamos – disse ele, rapidamente.
O empregado serviu-lhes um prato de frango, acompanhado de um vinho espumante. Enquanto a observava a comer, Lysandros questionou-se se falaria a sério. Se se tratasse de qualquer outra mulher, teria dito que se tratava de uma farsa, de um estratagema para enganar o mundo sem se negar o prazer de uma vida sexual plena. No entanto, aquela mulher era diferente. Vivia num mundo próprio, totalmente desconhecido para alguém como ele.
– Então, como sabias tanto naquela noite em Las Vegas? – perguntou-lhe, por fim. – Surpreendeste-me muito com aquela conversa sobre Aquiles.
Ela riu-se tristemente.
– Conversa… As pessoas fartam-se muito depressa. Devo ser muito chata e não posso culpá-las por isso. Lembro-me que te zangaste um pouco.
– A ideia de ser surpreendido num momento de fraqueza não me fascinava, mas tinha apenas vinte e três anos. E, além disso…
– E, além disso, estavas muito infeliz, não era? – perguntou Petra. – Por causa dela?
Ele encolheu os ombros.
– Não me lembro.
A jovem olhou para ele com olhos cépticos.
– Ela fez-te confiar nela e depois traiu-te. Uma coisa assim não se esquece.
Ele guardou silêncio e Petra deixou o assunto.
– Então, o teu avô ensinava Grego – disse ele, finalmente, claramente decidido a mudar de assunto.
– Eu sinto-me tão grega como inglesa. E devo-o a ele.
– Foi assim que conheceste a história de Aquiles? Pensei que a tivesses estudado na escola.
– Foi muito mais do que isso. O meu primeiro contacto com a história da Grécia Antiga foi através dos clássicos, a Ilíada. O herói da guerra de Tróia… Helena, a mulher mais bonita do mundo, e todos aqueles homens a lutarem por ela. Na realidade, não era assim tão bonito, claro, mas parecia-me muito romântico. Era casada com Menelau, mas apaixonou-se por Páris e ele levou-a para Tróia. Mas Menelau não se rendeu, portanto, juntou todas as suas tropas para sitiar a cidade de Tróia durante dez anos, para a levar de volta. E ali estavam todos aqueles heróis gregos tão atraentes, em especial, Aquiles… – disse-lhe, esboçando um sorriso de falsa inocência. – Como é que o favorito da tua mãe era Aquiles?
– Ela é de Corfu, onde, como já deves saber, esta personagem deixou um legado cultural muito importante. A minha avó costumava levá-la ao Palácio de Achillion, embora o fizesse porque era fascinada por Sissi.
Petra assentiu. Sissi era Isabel da Bavária, uma heroína romântica do século XIX, famosa por ser a mulher mais bonita da sua época. A sua beleza tinha feito Francisco José, o jovem imperador da Áustria, enlouquecer de amor ao ponto de se casar com ela quando tinha apenas dezasseis anos.
No entanto, o casamento fracassara. Sissi acabara a vagar pelo mundo, sozinha e desencantada, e, por fim, comprara um palácio na ilha de Corfu. A grande tragédia da sua vida fora a morte do seu filho Rudolph, que se suicidara juntamente com a amada. Um ano mais tarde, Sissi começara a remodelar o palácio e transformara-o num templo de homenagem ao mais famoso dos guerreiros, Aquiles. No entanto, não chegara a acabar a sua obra, porque morrera às mãos de um assassino. O palácio fora vendido e transformado num museu dedicado a Aquiles.
– O mais valente e atraente de todos. No entanto, guardava um pequeno segredo, um ponto fraco… – disse Petra, pensativa.
Rezava a lenda que Tétis, a mãe de Aquiles, tinha tentado proteger o seu filho mergulhando-o no rio Estige, que corria entre o mundo e o submundo. As águas daquela corrente infernal tornariam um homem imortal onde lhe tocassem. No entanto, a sua mãe tinha-o segurado pelo calcanhar, impedindo que as águas o imortalizassem por completo. O calcanhar de Aquiles…
De entre todas as estátuas que decoravam o palácio, a mais apelativa era aquela que o mostrava no chão, a tentar tirar do calcanhar a seta que lhe roubava a vida.
– Afinal, foi isso que o matou – disse Lysandros. – Afinal de contas, parece que o seu ponto fraco não estava assim tão bem escondido. O seu assassino sabia onde tinha de acertar e também sabia que tinha de embeber a ponta em veneno para que fosse mortal.
– É verdade. Às vezes, não estamos tão seguros como pensamos.
– Era por isso que o meu pai dizia que não se deve deixar que adivinhem os nossos pensamentos. São o verdadeiro ponto fraco.
– Não é verdade – disse ela. – Às vezes, é-se mais forte por as outras pessoas nos entenderem.
– Não estou de acordo – disse ele, num tom mais seco. – Um homem sábio não confia a ninguém os seus pensamentos.
– Nem sequer a mim?
Petra apercebeu-se de que a sua pergunta o tinha deixado desconcertado, mas os muros por detrás dos quais se escondia eram demasiado robustos para se irem abaixo assim tão facilmente.
– Se houvesse alguém em quem me sentisse inclinado a confiar, acho que serias tu, devido ao que aconteceu no passado. Mas eu sou como sou – esboçou um sorriso irónico. – Nem sequer tu podes mudar-me.
Ela olhou para ele com suavidade e, então, atreveu-se a tocar-lhe na mão.
– Quanto mais se confia em alguém, pior é quando nos trai, não é?
– Eu disse isso? – perguntou ele, surpreendido.
– Algo parecido. Em Las Vegas. E estiveste prestes a dizer muito mais.
– Nessa noite, estava de muito mau humor. Não sei o que disse.
Um grande silêncio apoderou-se dele. Com o olhar perdido, observava o seu copo…