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RIMAS
SEXTINAS

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SEXTINA I

Foge-me pouco a pouco a curta vida,

Se por caso he verdade qu'inda vivo;

Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;

Chóro por o passado; e em quanto fallo,

Se me passão os dias passo a passo.

Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.


Que maneira tão aspera de pena!

Pois nunca hum'hora vio tão longa vida

Em que do mal mover se visse hum passo.

Que mais me monta ser morto que vivo?

Para que chóro, emfim? para que fallo,

Se lograr-me não pude de meus olhos?


Oh formosos, gentís e claros olhos,

Cuja ausencia me move a tanta pena,

Quanta se não comprende em quanto fallo!

Se no fim de tão longa e curta vida

De vós m'inflammasse inda o raio vivo,

Por bem teria todo o mal que passo.


Mas bem sei que primeiro o extremo passo

Me ha de vir a cerrar os tristes olhos,

Que Amor me mostre aquelles por quem vivo.

Testimunhas serão a tinta e penna,

Qu'escrevêrão de tão molesta vida

O menos que passei, e o mais que fallo.


Oh que não sei qu'escrevo, nem que fallo!

Pois se d'hum pensamento em outro passo,

Vejo tão triste genero de vida,

Que se lhe não valerem tanto os olhos,

Não posso imaginar qual seja a penna

Qu'esta pena traslade com que vivo.


N'alma tenho contino hum fogo vivo,

Que se não respirasse no que fallo,

Estaria ja feita cinza a pena;

Mas sôbre a maior dor que soffro e passo,

O temperão com lagrimas os olhos:

Com que, se foge, não se acaba a vida.


Morrendo estou na vida, e em morte vivo;

Vejo sem olhos, e sem lingua fallo;

E juntamente passo gloria e pena.


SEXTINA II

A culpa de meu mal só tẽe meus olhos,

Pois que derão a Amor entrada n'alma,

Para que perdesse eu a liberdade.

Mas quem póde fugir a huma brandura,

Que despois de vos pôr em tantos males,

Dá por bens o perder por ella a vida?


Assaz de pouco faz quem perde a vida

Por condição tão dura e brandos olhos;

Pois de tal qualidade são meus males,

Que o mais pequeno delles toca n'alma.

Não s'engane com mostras de brandura

Quem quizer conservar a liberdade.


Roubadora he de toda liberdade

(E oxalá perdoasse á triste vida!)

Esta que o falso Amor chama brandura,

Ai meus antes imigos, que meus olhos!

Que mal vos tinha feito esta vossa alma,

Para vós lhe fazerdes tantos males?


Cresção de dia em dia embora os males;

Perca-se embora a antigua liberdade;

Transforme-se em Amor esta triste alma;

Padeça embora esta innocente vida;

Que bem me págão tudo estes meus olhos,

Quando de outros, se os vem, vem a brandura.


Mas como nelles póde haver brandura,

Se causadores são de tantos males?

Engano foi d'Amor, porque meus olhos

Dessem por bem perdida a liberdade.

Ja não tenho que dar senão a vida,

Se a vida ja não deo, quem ja deo a alma.


Que póde ja'sperar quem a sua alma

Captiva eterna fez d'huma brandura,

Que quando vos dá morte, diz qu'he vida?

Forçado me he gritar nestes meus males,

Olhos meus: pois por vós a liberdade

Perdi, de vós me queixarei, meus olhos.


Chorae, meus olhos, sempre os damnos d'alma,

Pois dais a liberdade a tal brandura,

Que para dar mais males, dá mais vida.


SEXTINA III

Oh triste, oh tenebroso, oh cruel dia,

Amanhecido só para meu damno!

Pudeste-me apartar daquella vista

Por quem vivia com meu mal contente?

Ah se o supremo fôras desta vida,

Qu'em ti se começára a minha glória!


Mas como eu não nasci para ter glória,

Senão pena que cresça cada dia,

O ceo m'está negando o fim da vida,

Porque não tenha fim com ella o damno:

Para que nunca possa ser contente,

Da vista me tirou aquella vista.


Suave, deleitosa, alegre vista,

Donde pendia toda a minha gloria,

Por quem na mor tristeza fui contente;

Quando será que veja aquelle dia

Em que deixe de ver tão grave damno,

E em que me deixe tão penosa vida?


Como desejarei humana vida,

Ausente d'hũa mais que humana vista,

Que tão glorioso me fazia o damno!

Vejo o meu damno sem a sua glória;

Á minha noite falta ja seu dia:

Triste tudo se vê, nada contente.


Pois sem ti ja não posso ser contente,

Mal posso desejar sem ti a vida;

Sem ti ja ver não posso claro dia,

Não posso sem te ver desejar vista;

Na tua vista só se via a glória,

Não ver a glória tua he ver meu damno.


Não via maior glória que meu damno,

Quando do damno meu eras contente:

Agora me he tormento a maior glória,

Que póde prometter-me Amor na vida,

Pois tornar-te não póde á minha vista,

Que só na tua achava a luz do dia.


E pois de dia em dia cresce o damno,

Nem posso sem tal vista ser contente,

Só com perder a vida acharei glória.


SEXTINA IV

Sempre me queixarei desta crueza

Que Amor usou comigo quando o tempo,

A pezar de meu duro e triste fado,

A meus males queria dar remedio,

Em apartar de mi aquella vista,

Por quem me contentava a triste vida.


Levára-me, oxalá, traz ella a vida,

Para que não sentira esta crueza

De me ver apartado de tal vista!

E praza a Deos não veja o proprio tempo

Em mi, sem esperança de remedio,

A desesperação d'hum triste fado!


Porém ja acabe o triste e duro fado!

Acabe o tempo ja tão triste vida,

Qu'em sua morte só tẽe seu remedio.

O deixar-me viver he mor crueza,

Pois desespéro ja d'em algum tempo

Tornar a ver aquella doce vista.


Duro Amor! se pagava só tal vista

Todo o mal que por ti me fez meu fado,

Porque quizeste que a levasse o tempo?

E se o assi quizeste, porque a vida

Me deixas para ver tanta crueza,

Quando em não vê-la só vejo o remedio?


Tu só de minha dor eras remedio,

Suave, deleitosa e bella vista.

Sem ti, que posso eu ver senão crueza?

Sem ti, qual bem me póde dar o fado,

Se não he consentir que acabe a vida?

Mas elle della me dilata o tempo.


Azas para voar vejo no tempo,

Que com voar a muitos foi remedio;

E só não vôa para a minha vida.

Para que a quero eu sem tua vista?

Para que quer tambem o triste fado

Que não acabe o tempo tal crueza?


Não poderão fazer crueza, ou tempo,

Fôrça de fado, ou falta de remedio,

Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.


Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III

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