Читать книгу Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - Luís de Camões - Страница 3
RIMAS
ELEGIAS
ОглавлениеELEGIA I
O sulmonense Ovidio desterrado
Na aspereza do Ponto, imaginando
Ver-se de seus Penates apartado;
Sua chara mulher desamparando,
Seus doces filhos, seu contentamento,
De sua Patria os olhos apartando;
Não podendo encobrir o sentimento,
Aos montes ja, ja aos rios se queixava
De seu escuro e triste nascimento.
O curso das estrellas contemplava,
E aquella ordem com que discorria
O ceo e o ar, e a terra adonde estava.
Os peixes por o mar nadando via,
As feras por o monte procedendo
Como o seu natural lhes permittia.
De suas fontes via estar nascendo
Os saudosos rios de crystal,
Á sua natureza obedecendo.
Assi só, de seu proprio natural
Apartado, se via em terra estranha,
A cuja triste dor não acha igual.
Só sua doce Musa o acompanha
Nos soidosos versos qu'escrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.
Dest'arte me figura a phantasia
A vida com que morro, desterrado
Do bem qu'em outro tempo possuia.
Aqui contemplo o gôsto ja passado,
Que nunca passará por a memoria
De quem o traz na mente debuxado.
Aqui vejo caduca e debil glória
Desenganar meu êrro co'a mudança
Que faz a fragil vida transitoria.
Aqui me representa esta lembrança
Quão pouca culpa tenho; e m'entristece
Ver sem razão a pena que m'alcança.
Que a pena que com causa se padece,
A causa tira o sentimento della;
Mas muito doe a que se não merece.
Quando a roxa manhãa, dourada e bella,
Abre as portas ao sol e cahe o orvalho,
E torna a seus queixumes Philomela;
Este cuidado, que co'o somno atalho,
Em sonhos me parece; que o que a gente
Por seu descanso tẽe me dá trabalho.
E despois de acordado cegamente,
(Ou, por melhor dizer, desacordado,
Que pouco acôrdo logra hum descontente)
Daqui me vou, com passo carregado,
A hum outeiro erguido, e alli m'assento,
Soltando toda a redea a meu cuidado.
Despois de farto ja de meu tormento,