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VI
ОглавлениеEm vão! Contrario a amor é nulo o esforço humano;
É nulo o vasto espaço, é nada o vasto oceano.
Solta do chão, abrindo as asas luminosas.
Minh'alma se ergue e voa ás regiões venturosas,
Onde ao teu brando olhar, ó formosa Corinna,
Reveste a natureza a purpura divina!
Lá, como quando volta a primavera em flôr,
Tudo sorri de luz, tudo sorri de amor;
Ao influxo celeste e doce da belleza,
Pulsa, canta, irradia e vive a natureza;
Mais languida e mais bella a tarde pensativa
Desce do monte ao valle; e a viração lasciva
Vai despertar á noite a melodia extranha
Que falam entre si os olmos da montanha;
A flôr tem mais perfume e a noite mais poesia;
O mar tem novos sons e mais viva ardentia;
A onda enamorada arfa e beija as arêas,
Novo sangue circula, ó terra, em tuas veias!
O esplendor da belleza é raio creador:
Derrama a tudo a luz, derrama a tudo o amor.
Mas vê. Se o que te cerca é uma festa de vida,
Eu, tão longe de ti, sinto a dor mal soffrida
Da saudade que punge e do amor que lacera,
E palpita e soluça e sangra e desespera.
Sinto em torno de mim a muda natureza
Respirando, como eu, a saudade e a tristeza;
É deste ermo que eu vou, alma desventurada,
Murmurar junto a ti a estrophe immaculada
Do amor que não perdeu, co'a ultima esperança,
Nem o intenso fervor, nem a intensa lembrança.
Sabes se te eu amei, sabes se te amo ainda,
Do meu sombrio céu alva estrella bemvinda!
Como divaga a abelha inquieta e sequiosa
Do calice do lyrio ao calice da rosa,
Divaguei de alma em alma em busca deste amor;
Gota de mel divino, era divina a flôr
Que o devia conter. Eras tu.
No delirio
De te amar—olvidei as lutas e o martyrio;
Eras tu. Eu só quiz, n'uma ventura calma,
Sentir e ver o amor atravez de uma alma;
De outras bellezas vans não valeu o explendor,
A belleza eras tu:—tinhas a alma e o amor.
Pelicano do amor, dilacerei meu peito,
E com meu proprio sangue os filhos meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a quimera, a esperança;
Por elles reparti minh'alma. Na provança
Ella não fraqueou, antes surgiu mais forte;
É que eu puz neste amor, neste ultimo transporte
Tudo o que vivifica a minha juventude:
O culto da verdade e o culto da virtude,
A venia do passado e a ambição do futuro,
O que ha de grande e belo, o que ha de nobre e puro.
Deste profundo amor, doce e amada Corinna,
Accorda-te a lembrança um éco de afflicção?
Minh'alma pena e chora á dôr que a desatina:
Sente tua alma acaso a mesma commoção?
Em vão! Contrario a amor é nada o esforço humano,
É nada o vasto espaço, é nulo o vasto oceano!
Vou, sequioso espirito,
Cobrando novo alento,
N'aza veloz do vento
Correr de mar em mar;
Posso, fugindo ao carcere,
Que á terra me tem prezo,
Em novo ardor aceso,
Voar, voar, voar!
Então, se á hora languida
Da tarde que declina,
Do arbusto da collina
Beijando a folha e a flôr,
A brisa melancolica
Levar-te entre perfumes
Uns timidos queixumes
Echos de magua e dôr;
Então, se o arroio timido
Que passa e que murmura
Á sombra da espessura
Dos verdes salgueiraes.
Mandar-te entre os murmurios
Que solta nos seus giros,
Uns como que suspiros
De amor, uns ternos ais;
Então, se no silencio
Da noite adormecida,
Sentires—mal dormida—
Em sonho ou em visão,
Um beijo em tuas palpebras,
Um nome aos teus ouvidos,
E ao som de uns ais partidos
Pulsar teu coração;
Da magoa que consome
O meu amor venceu;
Não tremas—é teu nome,
Não fujas—que sou eu!